1. INTRODUÇÃO
A satisfação sexual é, dentre os fatores psicológicos, um dos mais estudados e avaliados no âmbito da sexualidade quando se trata de disfunções sexuais (Cardoso, 2003; Davis & Petretic-Jackson, 2000; Pechorro, 2006; Souza, 2013). Segundo Mark, Garcia e Fisher (2015), nas últimas décadas, diversos estudo tem colocado a Satisfação Sexual como um fator importante para o bem-estar pessoal, mesmo em situações de não disfunção (Apt, Hurlbert, Pierce, & White, 1996; Davison, Bell, LaChina, Holden, & Davis, 2009).
É possível encontrar na literatura algumas definições para o conceito de Satisfação Sexual (Pechorro, Diniz, Almeida & Vieira, 2009). Podendo ela estar associada a aspectos passados ou futuros da experiência sexual do indivíduo, assim como ser dividida em uma dimensão de satisfação sexual em geral ou com um parceiro específico (Davidson, Darling & Norton, 1995; Delamater, 1991). Desta forma, a satisfação teria uma componente pessoal, que depende dos desejos da pessoa por determinados tipos e frequências de atividade sexual, e outra interpessoal, que depende dos tipos de comportamento do companheiro. Esta definição é similar àquela encontrada em Ashdown, Hackathorn e Clark (2011), em que satisfação sexual é definida como uma resposta afetiva advinda da avaliação, feita pelo indivíduo, de seu relacionamento sexual, incluindo a perceção de que as suas necessidades sexuais, bem como as expectativas do parceiro, estão sendo atendidas.
A partir destas definições, são construídos instrumentos e escalas que tem como intenção avaliar e mensurar a satisfação sexual de indivíduos, com fatores abrangendo tanto os aspectos interpessoais -sentir-se desejado, ser capaz de satisfazer o parceiro - como os aspectos físicos individuais- ter vontade de ter sexo, sentir a lubrificação (Carvalheira & Leal, 2008; Pechorro et al., 2009). Por outro lado, não parece haver uma preocupação, na elaboração de tais instrumentos, com diferenças de satisfação sexual baseadas na orientação sexual dos sujeitos participantes, sendo a maior parte deles referente a vivências heterossexuais. Estudos tem deixado, portanto, esta questão em aberto. Por outro lado, um instrumento que tem sido utilizado em estudos brasileiros é o de Cardoso (2009), que compõe o Questionário de Identidade Corporal, instrumento de auto-relato em que o sujeito responde diretamente a perguntas sobre o quão satisfeito está com diferentes aspectos da sua vida sexual. Este instrumento foi selecionado para os propósitos desta pesquisa, entendendo que o mesmo se baseia no julgamento que o próprio sujeito faz sobre sua vida sexual, independentemente de sua orientação. Resta, portanto, dar atenção a quais os aspectos da vivência homossexual que podem interferir nesta satisfação.
Inicialmente, é preciso se ater ao fato de que existe um número escasso de literatura produzida acerca da satisfação sexual em indivíduos LGB. Uma quantidade considerável das pesquisas que evidentemente tem como objeto de investigação os relacionamentos não-heterossexuais têm como foco aspectos estereotipicamente negativos destes relacionamentos, como o status de HIV (Darbes, Chakravarty, Beougher, Neilands, & Hoff, 2012) e falta de cometimento monogâmico (Mark, Rosenkrantz, & Kerner, 2014; Rostosky, Wilcox, Wright & Randall, 2004), negligenciando variáveis tais como a satisfação sexual, satisfação conjugal, entre outros.
Sobre as diferenças existentes entre níveis de satisfação sexual baseados na orientação sexual dos pares, é possível observar estudos que exploram alguns aspectos divergentes entre estes casais. Em um estudo comparativo feito por Amos y McCabe (2015), com sujeitos heterossexuais, bissexuais e homossexuais, representando um total de 2893 sujeitos, buscava-se investigar a importância da variável “sentir-se sexualmente atraente” para a satisfação sexual, além de outros aspectos da sexualidade. Observou-se que os sujeitos heterossexuais relataram um nível significativamente maior de satisfação sexual e frequência de atividade sexual do que os sujeitos bissexuais, gays e lésbicas. Por outro lado, o estudo feito por Garcia, Lloyd, Wallen, y Fisher (2014) revelou que mulheres lésbicas tem uma maior quantidade de orgasmos previsíveis do que mulheres hetero e bissexuais.
Após se constatar a existência destas diferenças, é preciso que se questione de onde elas partem. Primeiramente, diversos autores argumentam que a homofobia e estigmatização -que não são vividas pelo casal heterossexual- interferem tanto no bem-estar, como na satisfação do casal gay e lésbico (Belous & Wampler, 2016; Cerqueria-Santos, Silva, Rodríguez & Santos, 2016; Frost, 2011; Mark, et al., 2015; Otis, Rostosky, Riggle & Hamrin, 2006). Por homofobia, entende-se o descrédito, opressão e a violência direcionada aos indivíduos homossexuais ou àqueles presumidos como tal, tendo, portanto, um caráter explícito e observável (Borrillo, 2000; Chávez, Zapata, Petrzelová & Villanueva, 2018; Eribon & Haboury, 2003).
Uma outra variável, pertinente a sujeitos LGB e que não está presente em sujeitos heterossexuais, é o nível de abertura -traduzido do inglês, outness- que se refere à o quão público o sujeito é sobre sua orientação sexual nos espaços que frequenta (O’Connor, 2016). O alto nível de abertura tem sido associado na literatura também à níveis maiores de bem-estar individual e níveis menores de outros problemas psicossociais tais como ansiedade e depressão (Kosciw, Palmer & Kull, 2014), podendo assim, possivelmente, interferir na esfera de satisfação sexual individual.
Além disso, quando se estuda a sexualidade de indivíduos, encontra-se a religião como um fator de forte influência na forma como as pessoas vivem e experimentam sua sexualidade, afetando não somente a idade de iniciação como a frequência de atividade sexual (Cerqueria-Santos, Koller & Wilcox, 2008; Coutinho & Miranda-Ribeiro, 2014; Souza, 2013). Ao mesmo tempo, uma posição conservadora generalizada, alimentada pela religiosidade e pelo conservadorismo ético apresentou no estudo de Costa, Peroni, Camargo Pasley e Nardi (2015) associação com o preconceito contra a diversidade sexual. Além destes, outros autores trazem também que existem relações entre religiosidade, sexualidade e nível de preconceito (Costa et al., 2015; Natividade & De Oliveira, 2009), e que a religiosidade, pautada em ideais conservadores, possui relação estreita com a homofobia explícita (Natividade, 2006; Pereira, Torres, Pereira & Falcão 2011; Silva, Santos, Licciardi & Paiva, 2008; Sung, 2014), bem como com homofobia internalizada (Cerqueira- Santos, Carvalho, Nunes & Silveira, 2017).
A homofobia internalizada é um conceito que foi trabalhado inicialmente por Eribon (1999) para uma atitude negativa por parte de indivíduos LGB acerca de sua orientação sexual -nota-se então que está se diferencia da Homofobia explícita já que esta parte principalmente de indivíduos não-homossexuais para com indivíduos LGB. A homofobia internalizada se refere, portanto, à rejeição, por parte do próprio indivíduo LGB, à sua identidade homossexual, a outros homossexuais e a tudo o que disser respeito à não-heterossexualidade. Ela parte justamente do processo de internalização da vivência de homofobia a qual este sujeito foi exposto no seu processo de socialização, e serve assim como uma forma de proteção e blindagem contra o conflito gerado pelo seu próprio sistema de crenças (Pereira & Leal, 2005; Rodrigues, 2010; Souza & Pereira, 2013).
Diversos fatores da sexualidade de indivíduos LGB tem sido associados à presença Homofobia internalizada. Em uma revisão sistemática da literatura, Lira e Morais (2016) encontraram que, em pesquisas com mulheres lésbicas e bissexuais assim como com homens gays, a homofobia internalizada foi citada como um preditor negativo de Satisfação Sexual. Ao mesmo tempo, estudos com esta população tem reforçado a ideia de que estigma e falta de suporte social colaboram fortemente para uma menor satisfação com o relacionamento em casais do mesmo gênero (Frost, 2011; Otis et al., 2006).
Fica constatado, portanto que existe uma série de fatores que influenciam na vivência e na sexualidade de sujeitos homossexuais e que não necessariamente se apresentam da mesma forma para os heterossexuais. Podendo assim gerar diferenças nos níveis de satisfação destes grupos de sujeitos. Nesta perspectiva, se atentando à demanda na literatura por pesquisas que abordem a parte sexual positiva dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo, este estudo se propõe a observar a influência das variáveis homofobia internalizada e religiosidade na satisfação sexual de sujeitos em relacionamentos com pessoas do mesmo sexo. A hipótese é de que altos níveis de homofobia internalizada e de religiosidade influenciam de forma negativa a satisfação sexual destes indivíduos.
2. MÉTODO
2.1 Diseño
Este estudo tem como objetivo observar a influência das variáveis Homofobia Internalizada e Religiosidade na Satisfação Sexual de indivíduos em relacionamentos homossexuais. Para a análise dos dados, as variáveis
2.2 Participantes
Participaram do estudo 94 pessoas (52,7% homens, 47,3% mulheres). Os critérios de inclusão considerados foram: 1) autodeclarar-se homossexual (gay, lésbica ou bissexual); 2) estar vivenciando uma relação conjugal (ou união estável) há, pelo menos, um ano ou 3) coabitar com o/a cônjuge há, pelo menos, seis meses; 4) ter idade mínima de 18 anos.
2.3 Instrumentos
2.3.1 Questionário sociodemográfico
Elaborado pelos autores e composto por 24 questões específicas para os objetivos deste estudo, este questionário buscou caracterizar sociodemograficamente os sujeitos (idade, sexo, nível socioeconômico, coabitação, nível de abertura sobre sua orientação sexual, entre outros). Foi realizado um piloto a partir do qual o questionário foi aprimorado.
2.3.2 Escala de Homofobia Internalizada (Pereira & Leal, 2005)
Esta escala avalia os níveis de internalização do preconceito contra homossexuais. Consiste num questionário de 26 itens distribuídos em duas dimensões- percepção interna do estigma e percepção externa do estigma. Todos os itens são redigidos na afirmativa e medidos numa escala de Likert de 5 pontos, desde 1 -discordo totalmente a 5- concordo totalmente. Seguem alguns itens da escala: 1) homens gays obviamente efeminados fazem-me sentir desconfortável (dimensão 1); 2) prefiro ter parceiros/as sexuais anônimos (dimensão 1); 3) A vida seria mais fácil se eu fosse heterossexual (dimensão 2), dentre outros. O Alpha de Cronbach para o escore geral foi de 0,74 (sendo 0,816 para a primeira dimensão e 0,645 para a segunda).
2.3.3 Escala de Religiosidade/espiritualidade (Cerqueira-Santos, Koller, & Wilcox, 2008)
Esta escala mede a religiosidade/espiritualidade através dos seguintes aspectos destacados na literatura: afiliações religiosas, prática e crença. O instrumento é composto por nove itens e deve ser respondido numa Escala Likert, com valores variando de 1 -Nunca a 5- Sempre. Exemplos de itens da escala: “a religião/espiritualidade tem sido importante na minha vida”, “costumo frequentar encontros, cultos ou rituais religiosos”, “peço ajuda a Deus para resolver meus problemas”, dentre outros. A análise fatorial destes itens confirmou o uso de um único fator (KMO = 0,86), com uma variância explicada de 57%. A versão original da escala, composta de sete itens, apresentou um alpha Cronbach de 0,87. O alpha de Cronbach para a amostra deste estudo foi de 0,83, considerando os itens em forma unifatorial. A escala permite aplicação para indivíduos com ou sem religião, pois explora aspectos da espiritualidade e considera escores mínimos para grupos sem crença alguma.
Sexualidade: Os sujeitos responderam a sete questões sobre o comportamento sexual. Exemplos das questões são os seguintes: “idade da primeira relação/interação sexual”, “idade do parceiro/a com quem teve a primeira relação sexual”, “se era do mesmo sexo ou sexo oposto”, “idade da primeira relação homossexual”, dentre outras. Tais dados não apresentam propriedades psicométricas e foram retirados de Cerqueira-Santos, et al. (2017).
2.3.4 Escala de Satisfação Sexual (Cardoso, 2009).
Esta escala está presente como uma dentre as escalas do Questionário sobre Identidade Corporal (QID) desenvolvido pelo Laboratório de Gênero, Sexualidade e Corporeidade do CEFID UDESC. A escala é composta por cinco itens e deve ser respondida num análogo visual do tipo Likert, com valores variando de 0 Pouco a 6 Muito. Exemplos de itens da escala: “O quanto me sinto satisfeito (a) com minha vida sexual?”, “O quanto a minha frequência de atividade sexual me satisfaz?”, “O quanto atingir o orgasmo me satisfaz sexualmente?”, dentre outros. O QIC é um instrumento de caráter subjetivo, portanto, baseado na mensuração do auto-relato.
2.4 Procedimentos de Coleta de Dados
Este estudo fez parte de um estudo maior com vistas a investigar diversos aspetos da conjugalidade entre pessoas do mesmo sexo. Para sua realização, os integrantes do grupo de pesquisa entraram em contato com informantes-
-chave que se enquadravam nos pré-requisitos do estudo para que fizessem parte da amostra e, em seguida, foi utilizado o método snowball (bola de neve) a partir destas participações iniciais para identificar outros potenciais respondentes. Ao todo participaram do estudo 94 indivíduos.
Aos participantes foram explicados os objetivos da pesquisa, esclarecidas algumas questões éticas e solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Somente após a anuência é que a coleta de dados iniciava. Todos os instrumentos foram autoaplicáveis e o tempo médio de aplicação foi de 30 minutos. Durante a aplicação, o pesquisador esteve disponível para retirar quaisquer dúvidas dos sujeitos.
2.5 Análise de Dados
Os dados de cada sujeito foram inseridos no Statistical Package for Social Science SPSS (versão 21) e submetidos a análises descritivas e inferenciais. Realizou-se o cálculo de estatísticas descritivas (frequência, porcentagem e média) para a amostra total, com foco nas variáveis utilizadas neste estudo: aspectos sociodemográficos, homofobia internalizada, homofobia externa sofrida, satisfação sexual e índice de religiosidade. Foram feitas comparações de média intergrupos com análise unidirecional ANOVA dentro das variáveis estudadas. Em seguida foi realizado o teste de correlações de Pearson entre as variáveis do estudo e, por fim, uma análise de regressão linear tendo como desfecho a variável satisfação sexual. Homofobia Internalizada, Homofobia Externa, Abertura e Religiosidade foram categorizadas e subdivididas em três níveis cada: Alta, Média ou Baixa. A divisão foi feita partindo-se dos tercis de cada variável, tentando evitar a classificação de indivíduos com escores muitos semelhantes (grupo próximo da média) como polarizados em grupos extremos (somente alta e baixa).
2.6 Procedimentos Éticos
O projeto desta pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas envolvendo Seres Humanos da xxx (protocolo número 50367715.0.0000.5546). A pesquisa atende às recomendações bioéticas para pesquisas com seres humanos no que diz respeito à Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Os sujeitos foram informados sobre os princípios bioéticos, também sobre os objetivos e procedimentos do estudo quando convidados para participar voluntariamente da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TCLE.
3. RESULTADOS
Assim como consta na Tabela 1, a amostra foi composta por 49 homens e 45 mulheres, o nível de escolaridade dominante foi a Graduação (65,5%), seguido pela pós-graduação (18,3%) e Ensino Médio Completo (12,9%). No que diz respeito à renda individual, a média foi de R$ 2,094. Declararam seguir alguma religião 61,7%, sendo a católica a denominação predominante (51,7%), seguida da espírita (30,7%), evangélica (17,6%) e 6,4% não responderam qual religião seguem. A amostra apresentou predominantemente um nível de abertura alto (65,9%). A média de idade da amostra foi de 28,32 anos, o tempo de relacionamento médio foi de 49,57 meses e, entre os sujeitos que moram juntos, a média de residência conjunta foi de 42,64 meses. A idade média de iniciação sexual foi de 16,55 anos, com a idade média do parceiro de 20,47 anos, enquanto que a idade média da primeira relação sexual homossexual foi de 17,31 anos. O sexo do (a) parceiro (a) da primeira relação foi predominantemente do mesmo sexo (71,7%), sendo que 46,7%tiveram a primeira relação com namorado (a) e a maior parte da amostra já teve relações sexuais com pessoas de ambos os sexos (65,2%).
Uma ANOVA foi utilizada para examinar diferenças na média da Satisfação Sexual entre subgrupos das variáveis de contraste: “Homofobia Internalizada”, “Homofobia Externa” e “Religiosidade”. Foram observadas diferenças significativas na Satisfação Sexual entre grupos com “Alta” e “Média” homofobia internalizada (4,96) quando comparados aos grupos com “Baixa” homofobia internalizada (5,44), bem como diferenças entre grupos com níveis médios de religiosidade (5,40) quando comparados a grupos com baixa religiosidade (4,96). Nessa relação, grupos com níveis médios de religiosidade apresentaram maior média de satisfação sexual do que grupos com baixa religiosidade. Além disso, observou-se uma diferença significativa entre sujeitos com alta (5,02) e média (5,40) religiosidade, em que os sujeitos mais religiosos apresentaram uma satisfação sexual menor que os medianos. Por fim, foram observadas diferenças não-significativas entre os grupos com diferentes níveis de homofobia externa sofrida e entre os grupos com “Alta” (5,02) e “Baixa” (4,96) religiosidade. Não foi observada diferença entre os grupos de “Alta” e “Média” homofobia internalizada, já que estes apresentaram a mesma média de satisfação sexual (4,96). Ver Tabela 2.
Conforme demonstrado na Tabela 3, numa análise de correlação de Pearson das variáveis de interesse com o escore total de Satisfação Sexual, foram encontradas correlações significativas positivas com as variáveis “Abertura” (r= 0,232) e “Tempo de relacionamento” (r= 0,203), além de uma correlação significativa negativa com a variável “Homofobia Internalizada” (r=-0,354). As correlações entre satisfação sexual e “Religiosidade” e “Homofobia Externa” não foram significativas. Adicionalmente podem ser observadas na tabela correlações significativas positivas entre a variável “Homofobia Internalizada” e as variáveis Religiosidade (r=0,269) e Homofobia Externa (r=0,326) e negativa com a variável Abertura (r=-0,439). Por fim, as variáveis “Abertura” e “Tempo de relacionamento” apresentaram correlação significativa positiva (r=0,257).
A partir dos resultados das variáveis utilizadas na correlação de Pearson, foi elaborado um modelo de regressão linear, tendo como variável dependente a satisfação sexual. Como mostra a Tabela 4, o modelo contou com as variáveis “Homofobia Internalizada”, “Homofobia Externa”, “Religiosidade”, “Tempo de relacionamento” e “Abertura”. Embora as variáveis “Religiosidade” e “Homofobia Externa” não tenham apresentado correlação significativa com a satisfação sexual, foi feita a opção por mantê-las tendo em visa sua conexão com a “Homofobia Internalizada” e a força desta variável na correlação com a Satisfação Sexual. À exceção das variáveis “Tempo de relacionamento” e “Abertura”, essas variáveis foram estatisticamente significativas como associadas à Satisfação Sexual, sendo que dentre elas, apenas a variável “Homofobia Internalizada” interferiu negativamente na satisfação. Tal modelo teve uma variância explicada de 45% (R de 0,159).
4. DISCUSSÃO
A produção acadêmica é incipiente no que se refere a estudos sobre a satisfação sexual em casais do mesmo sexo. Os dados obtidos nesta pesquisa apontam que os maiores níveis de satisfação sexual estiveram presentes em sujeitos que apresentaram níveis inferiores de homofobia internalizada e em sujeitos com níveis muito altos ou muito baixos de religiosidade, corroborando assim a hipótese prevista, com o adendo de que níveis muito baixos de religiosidade podem também interferir negativamente na satisfação sexual.
Quanto à interferência da Homofobia Internalizada, este achado está de acordo com o que foi encontrado por Lira e Morais (2016) em sua revisão sistemática da literatura acerca das influências da homofobia internalizada em diferentes aspectos da vida do indivíduo homossexual. Entre os estudos abordados estava o de Henderson, Lehavot e Simoni (2009) que aponta a homofobia internalizada como preditor negativo de satisfação sexual em mulheres lésbicas e bissexuais. No mesmo ano, Frost e Meyer (2009) encontraram uma relação negativa entre estas variáveis em homens gays.
Outra variável inversamente associada à homofobia internalizada foi o nível de abertura. Este dado corrobora o que já foi evidenciado no estudo americano de Kosciw et al., (2014) e no estudo com população do sudoeste chinês de Xu, Zheng, Xu e Zheng (2017) que revelam a importância de se levar em conta como o retraimento na abertura sobre sua orientação sexual é fator provocativo de estresse em minorias sexuais. O’Connor (2016) ressalta ainda que a variável abertura sendo apresentada como um fator redutor de estresse é algo recente, diferente do que era encontrado há 20 anos atrás, quando ter sua orientação sexual exposta previa altos níveis de estresse e adoecimento psicossocial. Este dado pode apontar para prováveis mudanças na forma como o meio social e comunidade tem se relacionado com o sujeito homossexual e com sua identidade (Kosciw et al., 2014).
A variável Abertura também apresentou correlação positiva com as variáveis Tempo de relacionamento e Satisfação Sexual. Levando ao entendimento de que, entre os participantes deste estudo, aqueles casais que se encontram juntos a mais tempo são mais abertos sobre sua sexualidade nos ambientes de frequentam, assim como possuem um maior nível de Satisfação Sexual. Sabe-se que a publicização da orientação sexual, na juventude, parece seguir uma linha que vai do menor para o maior risco social, onde os primeiros a saberem são outros sujeitos LGB, seguidos de amigos próximos, que podem ou não ser homossexuais, colegas de trabalho e por fim membros da família, assim como que este processo leva certo tempo, devido ao nível de exposição a fatores estressores aos quais o sujeito homossexual é colocado (O’Connor, 2016).
A variável religiosidade pareceu exercer sua influência nos polos da amostra. Sujeitos homossexuais muito ou pouco religiosos tiveram menores níveis de Satisfação Sexual do que os sujeitos com níveis médios. A literatura traz que a religiosidade diz sobre o comportamento sexual dos sujeitos, tanto em aspectos como iniciação da atividade sexual, busca de prazer sexual, como na própria satisfação sexual (Byers, O’Sullivan & Brotto, 2016; Cerqueria-Santos et al., 2008; Coutinho & Miranda-Ribeiro, 2014; Souza, 2013).
Essa característica reguladora da religiosidade às práticas sexuais, quando aplicada ao sujeito homossexual, pode causar um aumento em sua homofobia internalizada, ou seja, em um aumento de percepção negativa sobre si mesmo e sobre sua identidade homossexual (Cerqueira-Santos et al., 2017). Portanto, levando em conta o que já foi discutido sobre como a homofobia internalizada provocou um declínio na satisfação sexual dos sujeitos participantes deste estudo, é possível inferir que a internalização da homofobia pode ter atuado como efeito mediador que corrobora em uma baixa satisfação sexual.
Ao mesmo tempo, a religiosidade baixa pode pressupor um afastamento por parte do sujeito homossexual das religiões em si, possivelmente pela carga dogmática e de ideais punitivos à pratica homossexual muitas vezes cultivados, mesmo que em níveis distintos, nestas religiões (Costa et al., 2015; Natividade & De Oliveira, 2009). Não é de se estranhar, portanto, que a religiosidade tenha se mostrado como um fator influente também no presente estudo.
Ainda sob uma outra perspectiva, Souza (2013) encontrou a religião como um dentre os fatores que podem ser determinantes de satisfação sexual. Foi observado que entre os sujeitos deste estudo, 61,7% afirmaram possuir religião, entretanto, não seria viável explorar diferenças inter-grupos religiosos, pois a grande maioria se declarou católica (51,7%), enquanto que os que restaram se dividiram de forma bastante irregular dentro dos outros grupos religiosos.
Este viés católico na amostra pode ser apontado como uma dentre as limitações encontradas nesta pesquisa. Além disso, o fato da amostra ter sido composta por indivíduos de maioria jovem e com pouco tempo de relacionamento, pode ter gerado um viés no resultado encontrado. Schmiedeberg e Schroder (2015) apontam que, em relacionamentos heterossexuais, a satisfação sexual sofre influência negativa do tempo de duração do relacionamento, de forma que com o passar dos anos esta tende a diminuir. Os dados obtidos na presente amostra, relevaram que o tempo de duração do relacionamento exerceu influência positiva na satisfação sexual. Isso pode ter ocorrido pois os casais do estudo apresentaram uma média de tempo de relacionamento relativamente baixa (49,77 meses), quando comparada ao estudo de Schmiedeberg e Jette Schroder onde média de duração era maior. Ainda se tratando do ponto de vista metodológico, o fato de os sujeitos participantes integrarem outro estudo maior sobre conjugalidade pode ter gerado respostas semelhantes entre os pares de convivência.
Neste estudo, encontramos a presença da variável homofobia internalizada como um forte preditor negativo de satisfação sexual, ao mesmo tempo, observamos a relação desta variável com outras tais como a religiosidade, homofobia externa sofrida, nível de abertura e tempo de relacionamento. Como já foi discutido, existe suporte literário para cada uma destas relações. O que reforça a importância de se observar esta variável que está presente e exerce sua influência na saúde psicológica, social e afetiva do indivíduo LGB.
Do ponto de vista conceptual, uma exploração na literatura atual sobre o tema da satisfação sexual voltada para casais heterossexuais traz que este construto se correlaciona de forma positiva com outras variáveis, tais como: ter atitudes positivas sobre sexo (Dosch, Belayachi & Van der Linden, 2015), e com frequência de atividade sexual (Frederick, Brian, Gillespie & García, 2016; Mcnulty, Wenner & Fisher, 2014; Schoenfeld, Loving, Pope, Houston & Stulhofer, 2016). No entanto, em pesquisa nas principais bases de dados de periódicos científicos do Brasil (SCIELO e PEPSIC) não foi possível encontrar estes temas investigados com foco em casais do mesmo sexo.
A baixa produção científica acarreta em prejuízo na forma de se conhecer e trabalhar os diferentes tipos de vivências da sexualidade entre os sujeitos de diferentes orientações. O que invisibiliza demandas que são específicas dos grupos de minorias sexuais. Pensando sob esta perspectiva, produzir academicamente sobre satisfação sexual e outros aspectos da sexualidade LGB é uma forma de respeitar e reconhecer este construto em sua totalidade e pode servir de base para que psicólogos e outros profissionais da saúde compreendam e desenvolvam suas práticas sob uma orientação mais sólida e menos intuitiva.
Agradecimentos: Agradeço aos participantes da pesquisa, bem como ao Prof. Phd. Elder Cerqueira Santos pela orientações.
Financiamento: Trabalho monográfico para conclusão do curso de graduação em psicologia pela Universidade Federal de Sergipe.