Introdução
Muito tem sido dito recentemente acerca da importância do desenvolvimento de um estudo verdadeiramente global das Relações Internacionais (RI), que deveria assim ser acompanhado por uma preocupação constante em compreender as dinâmicas particulares e as peculiaridades dos estudos de RI nas diversas regiões do mundo (Acharya, 2014; 2016). Somado a tal preocupação, também se destacam os estudos que buscam mapear as pesquisas recentes em RI, particularmente no que diz respeito à produção de RI na América Latina e no Brasil (Medeiros, Barnabé, Albuquerque & Lima, 2016; Barasuol & Silva, 2017; Villa, Tickner, Souza & Másmela, 2017). Não obstante, à pertinência de tais estudos recentes, duas lacunas particulares desta produção chamam atenção: em primeiro lugar, nem todos se engajam de forma explícita com as produções de RI nos periódicos da área - particularmente com relação aos estudos sobre o campo no Brasil, nenhum deles apresenta um engajamento explícito e exclusivo com as produções acadêmicas nos periódicos brasileiros (tal questão é relevante por duas razões: primeiro, porque grande parte dos periódicos brasileiros são editados pelos programas de pós-graduação; e segundo, porque grande parte da produção dos acadêmicos brasileiros é em língua portuguesa); em segundo lugar, não há um estudo detalhado que busque apresentar o estado da arte das pesquisas recentes em Economia Política Internacional (EPI) no Brasil.
É exatamente nestas lacunas que o presente artigo se insere: busca-se aqui apresentar o estado da arte das produções recentes em EPI no Brasil, particularmente aquelas que foram publicadas nos periódicos brasileiros de maior relevância entre os anos de 2000 e 2015. A ideia aqui é apresentar um panorama das produções recentes, e a partir daí, algumas inferências acerca destas produções. A hipótese neste caso é que as produções brasileiras em EPI acabam confirmando a tese da pesquisadora Arlene Tickner, de que o pensamento internacional latino-americano se destaca pela preocupação com a dimensão prática (Tickner, 2008) - e, consequentemente, neste processo, abordagens e conceitos desenvolvidos originalmente na América Latina e no Brasil acabam tendo certa pertinência nos processos analíticos em EPI, particularmente na produção recente.
Ora, os periódicos são elementos centrais no processo de produção e disseminação do conhecimento acadêmico: através deles, é possível identificar quais são os principais debates e temas de um determinado campo científico. Em suma, são instituições extremamente importantes da ciência moderna e, neste sentido, um meio crucial para se compreender determinada disciplina, sua evolução e desenvolvimento; em última instância, funcionam como reflexo de uma disciplina científica, sendo assim uma evidência deveras interessante para uma compreensão mais sistemática de um campo (Waver, 1998; Whitley, 2012; Kristensen, 2015; Turton, 2016).
Partindo assim das produções publicadas nos periódicos brasileiros entre os anos de 2000 e 2015, buscar-se-á mapear uma subárea das RI, a saber, a EPI; e neste sentido foram selecionados e analisados 392 artigos de 11 periódicos: Dados, Opinião Pública, Revista Brasileira de Ciências Sociais, Revista Brasileira de Política Internacional, Contexto Internacional, Lua Nova, Novos Estudos CEBRAP, Revista de Economia Política, Revista de Administração Pública, Revista de Sociologia e Política e Carta Internacional1. Tais artigos foram classificados a partir das seguintes categorias: gênero dos autores; região brasileira de origem dos autores; país de origem dos autores; teorias mobilizadas; métodos de procedimento; lógica de produção de inferências; principais temas analisados; regiões analisadas. Em larga medida, trata-se de um estudo exploratório, que se baseia em uma pesquisa de caráter qualitativo feita a partir da análise do conteúdo dos 392 artigos selecionados, bem como da análise de dados secundários coletados a partir da bibliografia existente sobre o tema.
Assim sendo, o presente artigo buscará responder tal pergunta e atender tal análise exploratória a partir da seguinte estrutura: em primeiro lugar, buscar-se-á apresentar de maneira breve dois importantes movimentos recentes no campo das RI - a ideia de Global IR e a Virada Historiográfica -, e de que maneira as reflexões latino-americanas e brasileiras de EPI se inserem em tais debates. Feito isso, em segundo lugar será feita uma discussão a respeito do surgimento e desenvolvimento da área de RI no Brasil, e como a EPI se insere neste processo. No caso, a ideia nestas duas seções é apresentar uma dupla contextualização da EPI no Brasil: primeiro, como parte das reflexões latino-americanas acerca do internacional e, segundo, em relação ao desenvolvimento das RI no Brasil. Feito isto, em terceiro lugar, será feita a análise das produções recentes em EPI nos periódicos brasileiros entre os anos de 2000 e 2015, a partir das categorias supracitadas. Por fim, algumas considerações finais, articulando as seções anteriores, serão apresentadas.
Global IR, Virada Historiográfica e a EPI Latino-Americana (e brasileira)
Antes que iniciemos as discussões a respeito da EPI no Brasil, faz-se relevante apresentar, mesmo que de forma breve, dois movimentos contemporâneos de grande importância para o campo das RI: (i) a ideia de Global IR; e (ii) a Virada Historiográfica.
Com relação ao primeiro movimento, nos últimos anos nota-se o acúmulo de várias críticas acerca da real capacidade das Relações Internacionais (teorias e métodos), particularmente daquela que se desenvolveu nos últimos anos a partir do Ocidente, em explicar os processos e realidades vividos pela periferia, o que colocaria então limites significativos para tais abordagens já que parte importante do globo estaria sendo constantemente excluída por tal ciência. É neste contexto que emerge a ideia de Global international relations (Global IR), destacando a importância de se levar em consideração a diversidade do internacional, particularmente mediante o reconhecimento de locais, lugares, papeis e contribuições de sociedades e povos não-Ocidentais para os processos de construção e constituição do internacional. Neste sentido, ênfase é dada na importância de se pensar o internacional a partir de novas perspectivas teórico-analíticas, particularmente àquelas que destaquem a importância do Sul Global nestes processos (Acharya, 2014, 2016).
No que diz respeito ao segundo movimento, nos últimos anos nota-se uma "Virada Historiográfica" no campo das RI, virada esta que, mediante os trabalhos de Benjamin Cohen (2008), de alguma maneira, acabou transbordando para o subcampo da EPI. Neste caso, a visão convencional de "três ideologias/teorias" (realistas/nacionalistas, liberais e marxistas) popularizada por Robert Gilpin, nos anos 1980 (2002) (e significativamente devedora do chamado 3° Debate ou Debate Interparadigmático das Relações Internacionais), foi desafiada pela ideia de Benjamin Cohen sobre a existência de duas grandes Escolas de EPI: Escola Estadunidense e Escola Britânica, cuja grande e substancial diferença diria respeito eminentemente às questões metodológicas, com uma cisão na escola estadunidense - (i) abordagem sistêmica da terceira imagem e (ii) Open Economy Politics, mais de médio alcance voltada para segunda imagem2.
Ora, a despeito de seu apelo, e de certas evidências interessantes apresentadas por Cohen, tal autoimagem da EPI é problemática por uma série de questões, dentre as quais se destacam para nossos propósitos as seguintes:
Primeiro, um problema em termos de historiografia do campo: uma parcela significativa de tal narrativa parte de uma visão "internalista" do campo, focando em grandes personalidades e debates internos - sendo que muitas questões relevantes da EPI emergem quando as atenções são voltadas para os eventos externos ao campo3.
Segundo, as questões acima nos chamam a atenção para o fato de que a práxis da historiografia de um campo científico é necessariamente um profundo projeto político, que busca tanto deslegitimar o padrão que uma disciplina tem adotado a fim de apontar novas direções futuras (no caso de uma historiografia crítica), quanto defender e conservar, justificando e legitimando a direção que a disciplina tem tomado, indicando assim sua manutenção no futuro (no caso de uma historiografia ortodoxa) (Hobson, 2013a; 2013b).
No caso da EPI, tanto a localização quanto a temporização de suas origens são, assim, atos político-intelectuais: ora, segundo a narrativa convencional (neste caso, também reproduzida por Cohen), o campo teria surgido nos anos 1970, na região do Atlântico Norte. De início, algumas perguntas saltam aos olhos: e a economia política clássica? Não teria ela tido algum impacto neste campo? Autores clássicos como Adam Smith, Karl Marx ou Friedrich List não se preocuparam com o âmbito internacional em suas reflexões? Além disso, o que dizer sobre perspectivas não ocidentais sobre o tema - vide, por exemplo, Sun Yat-Sen e seu livro da década de 1920 sobre China e desenvolvimento internacional (Yat-sen, 1920), bem como autores como Víctor Raúl Haya de la Torre e José Carlos Mariátegui (vide Helleiner & Rosales, 2017)? Nota-se, neste caso, uma questão fundamental: a escolha de uma cronologia, de uma narrativa ou self-image sobre um campo é algo intimamente conectado à visão normativa acerca do que deve ser a preocupação do campo em questão.
Em suma, tal forma de contar a história da EPI deixa muita coisa de fora: a ideia de duas Escolas carece de um engajamento com perspectivas que emergem explicitamente a partir das práticas, em especial no que concerne às perspectivas não ocidentais (incluindo aí as perspectivas latino-americanas e, no presente caso, particularmente as brasileiras) de compreender o internacional4. Ou seja, cumpre necessário um engajamento não apenas em termos de Global IR, mas também de Global EPI (Helleiner & Rosales, 2017). Neste ponto, o desafio não é apenas teórico, mas também epistemológico e metodológico: diferentemente do que ocorre no centro e na América Latina, no Brasil nota-se duas distinções fundamentais: primeiro, as reflexões e elaborações teóricas se encontram intrinsecamente relacionadas à prática; segundo, embora o campo das RI (no sentido convencional/ ocidental) apresente a EPI como um subcampo e, consequentemente, uma divisão clara entre teorias de RI e teorias de EPI, na América Latina e no Brasil, tal divisão nunca fez muito sentido: pensar o lugar e agência da América Latina no internacional significa, necessariamente, pensar seu desenvolvimento e, em última instância, seu lugar na divisão internacional/global do trabalho. Mas antes de analisar as implicações de tais apontamentos para a pesquisa contemporânea em EPI no Brasil é importante apresentarmos, mesmo que de forma breve, o desenvolvimento do campo das RI no Brasil e como a EPI se insere neste processo.
O desenvolvimento das RI (e da EPI) no Brasil
O campo das RI no Brasil já é considerado um espaço consolidado de discussões sobre fenômenos internacionais. A EPI, enquanto uma subárea do campo nos espaços anglo-saxões, ocupa, entretanto, um papel pouco central no desenvolvimento acadêmico do campo brasileiro (Rl-Brasil), a despeito de estar presente no pensamento do país ao longo do século XX. Estas surgem de forma institucionalizada no Brasil nos anos 1970, na Universidade de Brasília (UnB), surgimento este marcado por uma proximidade com estudos diplomáticos e pesquisas históricas. Em meados dos anos 1990, há uma ampliação de temas estudados bem como a abertura de cursos de graduação em instituições de ensino superior (IES) privadas. A consolidação do campo ocorre no decorrer dos anos 2000, tanto com o estabelecimento da pós-graduação quanto com a ampliação da rede pública no ensino e pesquisa em RI. Neste processo, a EPI foi incluída marginalmente nos debates tradicionais, ou incorporada com objetivos pragmáticos de estudo de política externa - quando não excluída deliberadamente do pensamento das RI. Sendo assim, a despeito da institucionalização e amadurecimento da área no Brasil, algumas questões acerca da pesquisa em EPI permanecem em aberto, apesar da existência de uma riquíssima tradição de pensamento em economia política no Brasil, que antecede a própria emergência do campo das RI no país - vide, por exemplo, as discussões associadas às teorias da dependência e à tradição cepalina e seus impactos no pensamento brasileiro (Bielschowsky, 2000).
Considerando que a própria formação do Estado brasileiro se baseia na sua relação direta e dependente com o meio externo, é possível apontar os primórdios de um pensamento internacional ainda no século XIX, aprimorando-se ao longo das décadas de 1930 a 1960. As ciências sociais modernas acompanharam lado a lado a modernização das estruturas estatais e o desenvolvimento econômico nacional. As dinâmicas internacionais em curso (depressão de 1930, II Guerra Mundial) quando confrontadas com a realidade doméstica brasileira (sobretudo os grupos de pressão económicos-exportadores), produziram entendimentos próprios sobre a inserção internacional do Brasil (Jatobá, 2013, p. 35). Este momento é fundamental para a formação do campo intelectual brasileiro direcionado ao desenvolvimento do pensamento internacional económico-social, e que acompanha o surgimento de universidades e centros de pesquisa no país. Advindos de espaços acadêmicos como a Ciência Política, História, Sociologia e Antropologia, emerge crescentemente um interesse acadêmico em se pensar de forma mais sistemática a política externa brasileira com ênfase nas relações internacionais. Ao mesmo tempo, o corpo político diplomático brasileiro passa por uma "academização" (Santos & Fonseca, 2009, p. 361).
É durante este contexto, ao longo da década de 1970, que emerge o campo especializado das RI no Brasil, ainda que não tenha se alinhado ao desenvolvimento de campos análogos em outras regiões, sobretudo por instabilidades e transformações domésticas. Internacionalmente, verifica-se um momento de crise da hegemonia estadunidense, tendências a multipolaridades, crises econômicas desencadeadas pelos choques do petróleo; em relação ao ambiente externo, constatava-se uma atuação internacional brasileira pouco expressiva, uma aproximação preferencial à política estadunidense, a participação de fóruns terceiro mundistas, elementos estes que instigaram o desenvolvimento dos estudos sobre política externa (Herz, 2002, p. 15). Ademais, o regime militar no período impedia e controlava o desenvolvimento de novas áreas nas universidades brasileiras. Por esta razão, o entendimento sobre RI se limitava ainda a um monopólio da diplomacia estabelecida pelo Ministério de Relações Exteriores (Miyamoto, 1999, pp. 85-86).
Até meados de 1990, existia apenas um curso de graduação e dois cursos de pós-graduação específicos em Relações Internacionais. O primeiro curso de graduação surge na Universidade de Brasília, em 1974, e a pós-graduação stricto senso em RI na mesma instituição, em 19845, mesmo ano de criação da pós-graduação análoga na Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro (que já possuía um instituto de Relações Internacionais desde 1979). Ao longo das duas décadas, emergiram também instituições que agregavam pesquisadores e estudos na área, como o Conselho Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI, 1978), Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI, 1987), grupo de trabalho na Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais (ANPOCS, entre 1980-1994) (Lessa, 2005a, pp. 6-7; Herz, 2002, p. 19; Miyamoto, 1999, p. 93). As diferentes trajetórias em outros campos acadêmicos que conformaram os quadros docentes dos primeiros cursos e institutos de Relações Internacionais se manifestaram nas múltiplas agendas de pesquisa ao longo das primeiras décadas da área no Brasil.
A dificuldade de uma definição clara do objeto científico das relações internacionais no país marcou a disciplina por sua natureza "inter e multidisciplinar" desde seus primórdios (Lessa, 2005a, p. 2). O campo foi moldado por contribuições de historiadores, especialistas em direito internacional e cientistas políticos que levaram ao desenvolvimento do campo associado em maior grau a temas como a história diplomática brasileira e estudos sobre política externa brasileira - com estudos sobre Brasil e a economia (política) internacional ficando em um segundo plano. A despeito da influência particularmente significativa da História nos momentos iniciais do campo no Brasil (Lessa, 2005a), é a partir da Ciência Política que o campo amadurece e se sistematiza nas décadas subsequentes. Entretanto, o destaque dado aos primeiros estudos no campo se situa com clareza no debate sobre política externa. E é a partir deste tema que o estudo de EPI no Brasil sofre sua primeira marginalização, bem como se estabelecem suas interações interdisciplinares.
Na tentativa de produzir uma caracterização própria das tendências da política externa brasileira, destacam-se duas abordagens principais. O modelo que se estabeleceu como predominante caracterizava o Brasil como um pivô do mundo ocidental, a partir de um pensamento geopolítico anglo-saxão, situado num contexto de disputa da bipolaridade durante a Guerra Fria. O modelo que foi "superado" neste processo analisava a inserção internacional brasileira, bem como os processos no sistema internacional, a partir da leitura dependentista latino-americana6. Como resultado, para esta perspectiva a incompletude da nação brasileira se dava pelos valores da dominação colonial, o que acabou por comprometer as necessidades econômicas da sociedade brasileira em prol do capitalismo internacional7. Segundo o primeiro modelo, tal visão dependista seria ultrapassada na medida em que, partindo de uma perspectiva da política externa brasileira, o que houve no período em questão foi na verdade o fortalecimento das relações do país com o capitalismo mundial, afastando a ideia de dependência brasileira das dinâmicas de poder no sistema capitalista (Fonseca, 1987).
De modo geral, isso faz parte da própria história da EPI no campo das RI no Brasil. No Brasil, esta subárea das RI sempre teve maior espaço dentro da área acadêmica e profissional da Economia propriamente dita (Miyamoto, 1999, pp. 87-89). Há um reconhecimento de que a EPI forneceria já nos anos 1970 um entendimento mais amplo do sistema internacional. Entretanto, a teoria da dependência - que seria a contribuição latino-americana mais proeminente dentro desta subárea - foi marginalizada a partir da reafirmação da tradição realista a partir da teoria da estabilidade hegemônica de Robert Gilpin e Charles Kindleberger (Herz, 2002, pp. 16-17). Dessa forma, a corrente predominante que se insere nas Rl-Brasil desde seu surgimento, se relacionam muito mais a uma corrente de transmissão do pensamento predominante no centro anglo-saxão do que uma tentativa de incorporar sistematicamente as leituras próprias da região sobre fenômenos internacionais.
Assim, a década de 1990 marca uma inflexão no campo brasileiro de RI, tanto em decorrência de fatores domésticos no âmbito educacional como de novas dinâmicas temáticas e políticas colocadas pelas discussões internacionais na área. A redemocratização brasileira e a desregulamentação do ensino superior abriram novos estímulos para pesquisas nas áreas sociais, inclusive disponibilizando arquivos relacionados à área de política externa do MRE (Vigevani, Thomaz, & Leite, 2016, p. 8). O impacto sobre a área no Brasil foi relevante, uma vez que as novas agendas internacionais (sobretudo, relacionadas às dinâmicas de poder Pós-Guerra Fria e os novos processo e atores centrais no processo de globalização) ampliaram a demanda por uma formação mais específica na área. (Lessa, 2005a, p. 2; 2005b, pp. 40-41). Pelos incentivos internacionais (próprios do desenvolvimento teórico da disciplina ou dos novos processos em curso) e pela tentativa de dimensionar o papel e a economia do Brasil neste novo contexto, a área acadêmica de Relações Internacionais no país recebe um novo impulso na sua institucionalização.
Assim, o processo que marca anos 1990 foi a abertura em massa de cursos de graduação em Relações Internacionais (Miyamoto, 2003, p. 106). Este movimento se concentrou nas IES privadas, uma vez que, na tentativa de promover a profissionalização na área segundo a demanda do mercado, os incentivos para abertura de novos cursos em RI são atrativas para estas instituições. A ideia de profissionalização e constituição do mercado de trabalho na área são centrais no momento em que se percebe uma popularização da área de política externa brasileira. (Miyamoto, 2003, p. 111). O local de abertura dos cursos acaba se concentrando na região do país mais desenvolvida economicamente, por consequência - uma tendência que atravessa o desenvolvimento educacional no país. (Barasuol, 2012, p. 13; Lessa, 2005b, p. 44). No que tange à pós-graduação, chama a atenção a abertura da linha de concentração em EPI das Relações Internacionais na Universidade Federal Fluminense no final dos anos 1990 (Lessa, 2005a, p. 8), o que não garantiu, por sua vez, um incremento nas publicações na subárea (como será apresentado adiante). Este último ponto abre espaço para a discussão sobre a recorrência de temas concernentes ao interesse nacional ou reproduzidos a partir da agenda internacional ao longo do desenvolvimento do campo no Brasil.
Os temas predominantes dos anos 1990 respondiam à entrada do debate mainstream ao campo de Relações Internacionais no Brasil. Assim, problematizações acerca da globalização, processos de cooperação, e temas como meio ambiente e direitos humanos, ingressam com ênfase na agenda de pesquisa nacional, uma vez que o país passa a ter ações mais proativas nestes espaços políticos internacionais (Lessa, 2005a, p. 2). Questões acerca dos processos de integração regional (nas quais são inseridas discussões ligadas ao desenvolvimento econômico regional) ocupam um espaço crescente no campo, consolidando-se em programas de pós-graduação com ênfase em processos de integração e regionalismo (Miyamoto, 1999, p. 90). O desenvolvimento específico destes temas representa a sistematização do interesse brasileiro em compreender de forma particular o seu entorno sul-americano e um melhor direcionamento de política externa para a região.
No que tange ao papel desempenhado pelos estudos em EPI na academia brasileira, os estudos temáticos que se relacionam às dinâmicas e processos da EPI acabam sendo alocados como variáveis secundárias dentro dos temas predominantes no campo brasileiro.
Desse modo, a expansão comercial e a dependência financeira, que se transformaram em temas críticos do Brasil a partir da década de 1970, entre muitas outras preocupações, não foram suficientes para impulsionar o desenvolvimento de uma abordagem econômica sistêmica para as relações econômicas internacionais. Nessa perspectiva, a produção científica brasileira que pode ser arrolada na subárea das Relações Internacionais denominada de Economia Política Internacional, igualmente há muitos anos consolidada em pólos acadêmicos estrangeiros de expressão, é ainda hoje, considerada pouco relevante no cenário científico especializado no Brasil (Lessa, 2005a, p. 3).
Expressão disso é o fato, por exemplo, de que ao longo das décadas de 1980 e 1990, apenas 18 das 210 dissertações e teses defendidas tinham como ênfase a área de EPI; ao longo do mesmo período, a incidência de apresentação de trabalhos na ANPOCS na subárea de EPI foi irrisória (Herz, 2002).
O adensamento do pensamento de RI no Brasil na década de 1990 foi fundamental para dar o contorno ao campo a partir dos anos 2000 (Vigevani et al., 2016; Ferreira, 2016). Como visto, a institucionalização do campo no Brasil acaba assumindo o padrão predominante no centro anglo-saxão, aproximando-se da Ciência Política nos departamentos das universidades nacionais (Santos & Fonseca, 2009, p. 354). Por outro lado, o desenvolvimento das linhas de pesquisa se alinham às transformações globais e à evidente projeção nacional adquirida ao longo da década de 2000. De modo geral, a alternância de ênfase nas pesquisas acadêmicas se relacionada à alternância de interesses percebidos na política externa brasileira, sempre direcionada por padrões de inserção internacional do país (Jatobá, 2013, p. 40).
Assim, o entrelaçamento entre as dinâmicas do contexto internacional e do contexto nacional conformam o próprio desenvolvimento científico das RI no Brasil (Jatobá, 2013, p. 40). A expansão do setor educacional público nos níveis de graduação (Vigevani et al., 2016, p. 8) e de pós-graduação (Santos & Fonseca, 2009, p. 356) representam uma oferta mais eficiente frente as demandas de institucionalização da área. A entrada de novos temas se deve à expansão do ensino e pesquisa para IES públicas, uma vez que condensam tradicionalmente os espaços e recursos para desenvolvimento de centros de pesquisa.
Ao longo dos anos 2000, é possível verificar um aumento substancial dos cursos de pós-graduação stricto sensu, em larga medida, situados em universidades federais. Mas além da abertura de universidades e institutos de pesquisa, o fortalecimento de gestão da área é constatado. A criação da Associação Brasileira de Relações Internacionais é um sinal de maturação e de um esforço para definir com clareza os contornos da comunidade acadêmica nacional (Jatobá, 2013, p. 40). Assim, é possível evidenciar que, com quase 50 anos de história, o campo das Relações Internacionais é visto hoje como uma área estratégica para o interesse nacional no Brasil (Ramanzini & Lima, 2017).
Em suma, é possível perceber que, em tal processo de consolidação, o campo das RI no Brasil não apenas marginalizou a EPI - repetindo alguns dos passos dados historicamente pelo campo das RI nos EUA ao incorporar a EPI como subárea - mas também ignorou e silenciou uma tradição riquíssima de pesquisa em economia política (internacional) existente na América Latina e no Brasil antes das RI como campo. Abordagens relacionadas ao pensando cepalino ou às teorias da dependência, por exemplo, não têm sido vistas como parte integrante do "cânon das RI do Brasil". Neste sentido, a despeito de seus insights extremamente relevantes acerca do internacional, Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Rui Mauro Marini e Maria da Conceição Tavares - dentre outros - não têm sido vistos "oficialmente" como parte do pensamento brasileiro de RI, mas sim como partícipes da Economia ou da Sociologia do Desenvolvimento, por exemplo. Não obstante, uma vez que voltemos nossas atenções para as pesquisas e publicações contemporâneas de EPI nos principais periódicos brasileiros, podemos perceber que tal "política de esquecimento" não é algo tão simples de ser implementada.
As publicações em EPI no Brasil, 2000-2015
Nota metodológica
Os critérios metodológicos para selecionar os periódicos a serem analisados no presente artigo foram dois: primeiro, deveriam ser periódicos brasileiros - ou seja, publicados por instituições brasileiras; segundo, tais periódicos deveriam atender a certos critérios estabelecidos pelo governo brasileiro (CAPES) para avaliação e qualificação dos periódicos. De acordo com os critérios da CAPES, os periódicos são classificados em A1, A2, BI, B2, B3, B4, B5 ou C; particularmente no que concerne ao comitê de avaliação da área de Ciência Política e Relações Internaeionais na CAPES, os periódicos de maior expressão se concentrariam nos extratos A1, A2 e B1.
Segundo a Classificação de Periódicos Quadriénio 2013-2016 disponibilizada pela CAPES na Plataforma Sucupira8, um total de 1484 periódicos - nacionais e estrangeiros - foram classificados segundo os extratos acima mencionados. Destes, 351 foram classificados como A1, A2 ou B1. Dentre estes, como dito anteriormente, selecionamos para a presente pesquisa, apenas os nacionais nos quais foram publicados artigos que lidem com a temática da EPI. Para tal seleção, foram lidos os resumos e a introdução de todos os artigos publiea-dos em tais periódicos entre os anos de 2000 e 2015. Nos casos em que o resumo e a introdução não foram suficientes para classificar os artigos segundo as categorias aqui trabalhadas, os artigos foram lidos na íntegra. Neste sentido, foram identificados 4 periódicos A1, 6 periódicos A2 e 1 periódico B1, nos quais foram publicados artigos de EPI no período em questão - um total de 392 artigos.
Feito tal esclarecimento, na Tabela 1 temos os periódicos que foram analisados e o respectivo número de artigos analisados em cada um deles. Destaca-se, no caso, o número de artigos da Revista de Economia Polítiea (REP): 110 artigos. Trata-se, no caso, de um periódico voltado para os estudos de Economia Política, e nestes termos, explica-se tal número elevado.
Na figura 1 apresentamos a classificação dos autores segundo gênero -masculino ou feminino -, incluindo todos os autores, mesmo no caso de artigos com mais de um autor. Nota-se que, no que diz respeito à subárea da EPI no Brasil, embora haja um número razoável de produção por mulheres, esta é significativamente inferior numericamente à produção masculina - o que chama a atenção para a necessidade de discutir tais questões de forma explícita na academia brasileira.
Outra questão importante diz respeito à distribuição espacial de tais produções - tanto nacionalmente quanto internacionalmente.
No que concerne à dimensão nacional (figura 2), nota-se uma concentração das produções em EPI no Brasil na região sudeste (57 %), com uma concentração maior no caso nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Tal concentração segue o mesmo padrão identificado anteriormente, de consolidação e expansão da área de RI no Brasil - o que ajuda a explicar também o percentual significativo de publicações no Distrito Federal (17 %>), região onde se encontra a capital brasileira, Brasília, e o curso mais antigo de RI - Universidade de Brasília (UnB). Em última instância, o padrão que se observa é o de concentração das publicações nas regiões onde se concentram os principais cursos de graduação e de pós-graduação do país. Ainda assim, nota-se também uma produção significativa na região sul do país (11 %>), devido tanto ao aumento do número de programas de pós-graduação em RI e Ciência Política na região nos últimos anos, quanto à existência de programas e pesquisadores heterodoxos da área de economia política. No caso da região nordeste, a tendência de pesquisa na área de RI se dá em outras subáreas que não a EPI.
Com relação à dimensão internacional (figura 3), nota-se um baixo índice de internacionalização dos periódicos brasileiros, a despeito do fato de muitos deles publicarem artigos em português, espanhol ou inglês. Destacam-se, no caso, os três principais locais de origem dos autores: mais de 70 % dos autores no período analisado são brasileiros; mais de 20 % dos Estados Unidos e 17 % da Argentina. Somando isso a outros locais de menor expressão, nota-se (i) a predominância, em tal processo de internacionalização, da produção de autores latino-americanos; e (ii) a importância da produção estadunidense para os processos de internacionalização da área de RI na periferia do campo - ou seja, outra faceta a ser explorada da ideia de "RI como uma ciência social estadunidense".
Outro ponto importante para análise diz respeito às teorias mobilizadas pelos artigos. Foi adotado o critério de registrar até duas teorias por artigo; com relação às teorias que seriam identificadas, optou-se pelas que seguem conforme a figura 4. Merece menção o fato de que, além das perspectivas teóricas intimamente relacionadas ao campo das RI, optou-se também pela inclusão do que chamamos de "Pensamento Latino-americano", que inclui as teorias da dependência, teorias da autonomia e abordagens estruturalistas/cepalinas. Embora convencionalmente no campo das RI as teorias da dependência sejam associadas ao marxismo, no presente artigo optamos pela dissociação para que fosse possível melhor identificar os impactos do "Pensamento Latino-americano" na EPI brasileira contemporânea.
Seguindo tais critérios, percebe-se a partir da figura 5 que parte significativa dos artigos não são classificáveis em termos teóricos; ora, isso não significa que se tratam de artigos "sem teoria", mas de artigos melhor caracterizados por um esforço analítico a partir da mobilização de conceitos oriundos de distintas matrizes teóricas. Embora em um primeiro momento alguns possam afirmar que a pesquisa recente em EPI no Brasil se caracteriza por um "ecletismo analítico", não é, na verdade, no caso; mais propriamente, tal evidência sugere fortemente a pertinência da tese de Arlene Tickner de que, na América Latina - e no caso, também no Brasil - as produções em RI (o que também ocorre na EPI) se voltam mais para o practico (dimensão prática). Neste ponto, merece destaque também o fato de que são praticamente inexistentes no período artigos voltados para reflexões exclusivamente teóricas - o que acaba reforçando o argumento de Tickner.
Além disso, nota-se também um número significativo de abordagens que poderiam ser chamadas de "críticas": marxismo e "Pensamento Latino-americano" correspondem a um número importante daqueles artigos que claramente se baseiam em uma (ou duas) teoria(s) - embora esse número seja inferior ao número de artigos inspirados no construtivismo. O interessante também é notar o número relativãmente baixo de artigos que partem do realismo ou do liberalismo, em suas análises.
As figuras 5 e 6 ajudam a traçar um panorama mais amplo do que foi dito anteriormente com relação às teorias: no caso, o baixo número de abordagens realistas e liberais se soma ao fato de que também é significativamente baixo o número de artigos que mobilizam ferramentas metodológicas quantitativas para a produção de inferências (figura 6), bem como métodos de procedimento mais afeitos a tal forma de análise (figura 5). No caso, o critério adotado para a classificação dos artigos foi o seguinte: não foi estabelecido um limite do número de métodos por artigo; mas em termos gerais, os métodos de procedimento adotados foram classificados a partir das categorias explicitadas na figura 5. Neste sentido, nota-se a predominância de pesquisas qualitativas, bibliográficas e teóricas (isto é, de mobilização de teorias e/ou conceitos no processo de produção das inferências sobre um problema de pesquisa específico).
A figura 7 apresenta os principais temas abordados pelos artigos no período. Foram estabelecidas 10 categorias a partir das quais seria possível classificar os artigos, categorias estas que buscavam representar duas grandes questões de importância: primeiro, as categorias deveriam ser representativas dos principais temas da subárea da EPI; segundo, as categorias também deveriam ser capazes de representar os principais temas da EPI contemporânea, particularmente de uma perspectiva brasileira. Como vários artigos não lidam única e exclusivamente com um tema, também foram aceitos, para fins de classificação, mais de um tema por artigo - mas com destaque para os temas predominantes na análise. Neste sentido, embora um número razoável de artigos lide com outros temas que não aqueles que foram previamente identificados (mais de 100 artigos), parte significativa dos artigos se enquadra nos temas. Dentre estes, vários abordam temas de conjuntura, como a crise financeira de 2008, ou os impactos da ascensão chinesa para o sistema internacional (neste caso, um tema que vem ganhando importância crescente nas agendas de pesquisa da EPI brasileira - conferir figura 8).
Duas questões são importantes de serem destacadas neste ponto: em primeiro lugar, uma vez que consideremos de forma conjunta alguns dos temas destacados, nota-se que há uma atenção especial para questões concernentes aos processos de emergência e seus desdobramentos; não obstante, em segundo lugar, é curioso o fato de que poucos artigos enfatizam a discussão sobre o BRics - ou seja, há uma discussão significativa sobre os processos de emergência, mas sem uma discussão correspondente no caso do bloco BRics, o que se deve, em muitos casos, ao fato de que muito do que tem sido publicado sobre o BRics não são tão explicitamente classificáveis como artigos de EPI, mas sim de instituições internacionais, política externa ou segurança internacional, por exemplo.
Com relação às regiões priorizadas nas análises, nota-se um destaque recente que reforça certos apontamentos feitos anteriormente (figura 9): primeiro, destaque é dado para a América do Sul, o que enfatiza a importância dada ao Brasil e seus processos de inserção internacional. Em segundo lugar, em consonância ao que foi colocado anteriormente, importância crescente tem sido dada à Ásia e, particularmente, à China nos últimos anos pela academia brasileira de EPI. Ou seja, neste caso, partindo de uma situação de destaque para a dimensão prática, também nota-se um decréscimo da importância relativa dos Estados Unidos para as pesquisas em EPI feitas no Brasil.
Considerações finais
Sobre os dados apresentados no presente artigo, chama atenção para o fato de que um elemento fundamental de qualquer ciência é que ela não caminhe para os extremos em termos de geografia do conhecimento (Agnew, 2007): ou seja, nem um positivismo que ignora a importância do espaço para a produção do saber, nem um relativismo que ignora a possibilidade do conhecimento com algum grau de autonomia face ao espaço. Neste sentido, a EPI deve ser pensada a partir do contexto; no nosso caso, a partir do lugar que o Brasil ocupa no mundo. Partindo deste "ponto arquimediano", é possível perceber não apenas a importância e a possibilidade de uma EPI a partir de baixo, mas também que questões instigantes a este respeito já foram levantadas, de maneira inovadora e anterior às contribuições anglo-saxãs ao campo da EPI.
Essa questão não é apenas interessante, mas também fundamental: ela nos remete em linhas gerais à própria história do pensamento social/ internacional brasileiro, e como este pensa o lugar do Brasil no mundo. Ou seja, Celso Furtado, Helio Jaguaribe, Fernando Henrique Cardoso, Gérson Moura, Teotónio dos Santos, Maria da Conceição Tavares, José Honório Rodrigues, dentre outros, destacaram o desenvolvimento (suas possibilidades, limites e entraves) como um elemento chave para uma inserção diferenciada do Brasil no âmbito internacional. Ora, em alguma medida é possível inferir, a partir dos dados anteriormente apresentados, que isso é algo que permanece pertinente nas reflexões contemporâneas de EPI no Brasil.
Neste processo, a ideia de "contaminação" deve ser levada em consideração: ou seja, não basta tentar imitar um suposto "hiperagente" ocidental, mas sim perceber as capacidades (e limites) de agência da periferia, tanto no processo de teorização quanto de prática da EPI. Neste sentido, chama atenção o fato de que, apesar de certas dinâmicas locais serem pontos fundamentais da reflexão de EPI no Brasil - desenvolvimento, inserção internacional e emergência, por exemplo -, ainda se destaca certa evidência de subordinação intelectual na subárea: de fato, apesar da pertinência do "Pensamento Latino-Americano" para algumas das pesquisas recentes, em última instância ainda não conseguimos fazer a "tradução" (no sentido gramsciano) dos autores vinculados a tal "Pensamento Latino-Americano", de forma que estes venham a ser legitimamente vistos como autores de EPI.
Tal questão acaba se vinculando a outra, a saber, o fato de que um ponto comum às produções contemporâneas de EPI no Brasil diz respeito ao baixo índice de produção teórica: ou seja, grande parte dos estudos contemporâneos aplicam teorias e conceitos, se utilizam de teorias e conceitos, enfatizando questões empíricas - mesmo não sendo empiristas em grande parte dos casos. Ao que parece, o grande dilema da EPI brasileira é ter que entender o mundo partindo de um pontodistinto, a partir de baixo, e além disso, entender uma parte deste mundo que não é de interesse do mainstream da EPI.
Ora, o problema é que muitas vezes para entender questões desta natureza é fundamental repensar o potencial heurístico de conceitos e teorias já existentes e, quem sabe, criar novos conceitos e teorias que possam dialogar - ou entrar em embate - com o corpus existente. Neste processo, o engajamento profundo com um pluralismo crítico em termos teórico-conceituais poderia ser de grande valia. Neste caso, o ponto não seria abandonar as teorias de EPI já consolidadas, críticas ou do mainstream, oriundas do norte, e sim uma abertura maior e consciente para teorias e conceitos oriundos do sul Global - em especial da América Latina. Neste caso, não se trata de uma apologia ao ecletismo analítico, mas sim de uma apologia ao diálogo (e antítese) entre contribuições teórico-conceituais heterodoxas e outsiders à EPI convencional.
Neste caso, contribuições como as abordagens sobre autonomia, centro-periferia, dependência, regionalismo, regionalidade, integração, por exemplo, podem ser significativamente relevantes. Puig, Furtado, Marina, Prebisch e Jaguaribe, por exemplo, não seriam apenas autores de um suposto "pensamento latino-americano", mas autores de EPI, voltados para questões empíricas e cujos avanços teórico-conceituais podem contribuir, em diálogo com a EPI crítica, para um melhor entendimento acerca da ideia de inserção internacional e o lugar do Brasil neste contexto. Vide, neste caso, as possibilidades analíticas que tais autores e aportes teórico-conceituais poderiam dar para o estudo de dinâmicas como a ação, as possibilidade e limites do Brasil no G20, do BRIcs para o Brasil, bem como do Brasil no BRICS, dos processos de integração e regionalização como Mercosul, UNASUL e CELAC - para citar alguns9. Em última instância, não significa a busca pela produção de um conhecimento que seja universalizante, uma "Escola Brasileira de EPI", mas sim de pensar a realidade brasileira no mundo a partir de baixo, em um diálogo constante, tanto com as perspectivas autóctone quanto com as perspectivas oriundas de outras regiões do mundo.
Ou seja, falar em inserção internacional do Brasil, ou do lugar do Brasil no mundo e suas relações com as dinâmicas da EPI não significa, necessariamente, falar sobre como entrar em um lugar no qual não estamos, ou do qual fomos excluídos; e sim uma forma mais ampla que expressa uma preocupação comum - ou um inconformismo comum - com o lugar que ocupamos na EPI.