Introdução
Com o advento de novas tecnologias, o tempo de internação de pacientes críticos nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) aumentou consideravelmente e, com isso, registrou-se uma mudança no padrão da relação médico-paciente e na dinâmica operacional desse ambiente. Entretanto, apesar das inovações tecnológicas em saúde, a comunicação permanece como uma ferramenta de trabalho indispensável que desafia cotidianamente os profissionais da saúde 1.
A UTI é um setor cujo atendimento se volta para pacientes em estado grave e com risco de morte, onde a complexidade das ações e dos procedimentos executados desencadeiam situações estressantes e ansiogênicas para todas as partes envolvidas. A Comunicação de Notícias Difíceis (CND) nesse ambiente é uma prática comum e, por vezes, até mesmo diária para alguns profissionais da saúde 2,3.
As Notícias Difíceis (ND) são informações que alteram drástica e negativamente a perspectiva do paciente, incluindo situações que apresentam ameaça à vida e ao bem-estar pessoal, familiar e social, considerando suas repercussões físicas e psicossociais 4.
Para auxiliar na transmissão de uma notícia difícil, foram elaborados diversos protocolos técnicos, todos assinalados por mnemônicos, dentre os quais destacamos o BREAKS, o ABCDE, o SPIKES, o CONE e o PACIENTE, que orientam a sua sistematização, podendo ajudar a torná-la menos traumática tanto para o profissional quanto para o familiar e o paciente 5-9.
Entre estes, o mais comumente utilizado e citado é o protocolo SPIKES, que orienta os profissionais a recolher e transmitir informações, proporcionar suporte ao paciente e induzir a sua colaboração no desenvolvimento de uma estratégia ou plano de tratamento 10.
A relevância do tema tomou especial conotação mundial em 2019 devido à pandemia de COVID que demandou dos profissionais, em especial os de terapia intensiva, a CND, e revelou a falta de treinamento de boa parte dos profissionais e a necessidade de capacitação para a força de trabalho 11,12
Dessa forma, justifica-se o presente estudo pela relevância de uma adequada CND para o trabalho nos espaços de UTI, uma vez que isso é essencial para a garantia de um bom relacionamento profissional/família/paciente. Além disso, é importante considerar que a forma como a notícia é transmitida pode gerar impactos diretos na sua compreensão, na percepção da qualidade do atendimento e na capacidade de enfrentamento em relação a doença e ao luto 13,14.
Nessa perspectiva, emerge o problema da pesquisa na seguinte questão: “Como os profissionais de UTI entendem a comunicação de notícias difíceis?”. O estudo objetivou analisar o conhecimento que os profissionais de uma equipe que trabalha em UTI possuem sobre CND.
Método
O estudo em questão é um estudo exploratório com variáveis qualitativas realizado na UTI de um hospital regional do Estado do Maranhão, durante o período de maio a novembro de 2019. A população-alvo do estudo foi composta por 29 dos 42 profissionais com ensino superior que trabalham na UTI investigada.
Foram incluídos no estudo os profissionais que possuíam vínculo com o hospital e aceitaram participar da pesquisa, desde que estivessem direta ou indiretamente envolvidos na rotina de CND do serviço. Foram excluídos do estudo os profissionais que não realizaram todas as etapas ou estavam de férias ou em qualquer outra licença no período de coleta de dados.
A coleta de dados foi conduzida por meio de entrevistas semiestruturadas realizadas sempre em local seguro e sigiloso, com acordo prévio quanto à data e horário da coleta de dados. Estas foram gravadas e posteriormente transcritas, variando em duração de 10 a 27 minutos e foram finalizadas após a saturação teórica dos dados.
Para a análise dos dados, utilizou-se o protocolo SPIKES como referencial teórico, considerando ser o protocolo mais utilizado nesse processo segundo a literatura. Ademais, o tratamento dos dados foi conduzido seguindo metodologia de análise de conteúdo desenvolvida por Bardin. Esse processo incluiu várias etapas, a saber: pré-análise; exploração do material; tratamento dos resultados obtidos e interpretação destes.
O projeto desta pesquisa foi submetido à apreciação junto ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), obedecendo a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado através do Protocolo caae 03689218.3.0000.5087. Os sujeitos da pesquisa foram previamente informados sobre os objetivos do estudo e sobre a importância de sua colaboração através de um Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE).
Os participantes foram identificados através de codificação para garantir o anonimato e sigilo das informações. Foram utilizadas as letras “E” para Enfermeiros, “M” para Médicos, “AS” para Assistentes Sociais, “F” para Fisioterapeutas e “O” referente a Outros profissionais (psicólogos, nutricionistas, fonoaudiólogos e odontólogos), colocados em uma única categoria para evitar identificação por serem poucos. As letras foram seguidas de número em algarismos arábicos, em ordem crescente de acordo com a ordem de entrada no estudo, para composição dos códigos.
Resultados e discussão
Foram entrevistados 29 profissionais de saúde com ensino superior (4 médicos, 8 enfermeiros, 6 fisioterapeutas, 3 psicólogos, 4 assistentes sociais, 2 nutricionistas, 1 fonoaudiólogo, 1 odontólogo) sendo a maioria do sexo feminino, com faixa etária entre 30 e 39 anos. Possuíam entre 5 e 10 anos de tempo de formação e menos de 5 anos de atuação em UTI.
As falas dos entrevistados foram agrupadas em três categorias: 1) Percebendo a si durante a comunicação da notícia difícil; 2) Percebendo o contexto do processo de comunicação; e 3) Percebendo o outro como receptor da notícia difícil.
Percebendo a si durante a comunicação de notícias difíceis
Quando questionados sobre a definição de notícia difícil, os profissionais foram levados a refletir sobre seus conhecimentos, condutas e reações frente a essas situações. Assim, ao conceituar notícia difícil, eles se dividiram entre os que a associam com o receptor da notícia, com quem a transmite, e com ambos.
[...] toda e qualquer notícia que leve a um impacto no emocional de quem vai receber a notícia (M01).
[...] é qualquer coisa que não deixa quem vai passar a notícia confortável, que desestabiliza aquilo que já é habitual (P01).
[...] é aquela notícia que o familiar pode se abalar muito, tanto emocionalmente, psicologicamente... e o profissional também (F03).
A notícia difícil é, na verdade, o anúncio que pode causar desconforto em uma das partes da comunicação, atingindo assim tanto o emissor quanto o receptor. Trata-se de um processo desafiador, dado o conflito sentimental entre os envolvidos no diálogo 15-17.
O que faz com que a comunicação de más notícias (CMN) seja tão difícil é o fato de ela confrontar sentimentos de ambos os lados da comunicação: o paciente ou a família, que tem que lidar com a tristeza e o desespero da informação; e o profissional, que tem que lidar com sua autoconfiança, porque deve ser capazes de lidar com seus próprios sentimentos, bem como com a reação do ouvinte 18.
A compreensão do que é uma notícia difícil é fundamental para que os profissionais de saúde se percebam dentro do processo, e entendam que a comunicação deve ser embasada em escuta qualificada e empatia. Além disso, é necessário reconhecer essa comunicação como algo que pode ser aprendido. Dessa forma podem melhorar seu desempenho durante o ato de informar, e mais que isso, pode diminuir o sofrimento de quem recebe esta informação através de sua mensagem já aprimorada 14,15,19.
Alguns entrevistados fizeram associações de notícia difícil com ideias de terminalidade, enquanto outros destacaram que também podem se associar a outros acontecimentos diários da UTI:
[...] são situações de óbito, situações em que o paciente já não tem mais protocolo de reanimação, pacientes terminais... (AS01)
[...] não são só relacionadas à questão de morte ou então à questão da perda definitiva. Às vezes até uma perda de função ou incapacidade naquele exato momento pode ser considerada uma notícia difícil. (P01)
Embora as ND não se restrinjam a situações de morte, elas são consideradas mais enigmáticas quando relacionadas ao óbito. Lidar com o fim da vida e o sofrimento decorrente deste momento de forma cotidiana, na rotina da UTI, pode fazer com que estes profissionais relacionem a nd com esses episódios 20.
Houve correlação entre as notícias difíceis e a idade dos pacientes atendidos por parte da maioria dos entrevistados, demonstrando que existem dificuldades para associar o fim da vida a pessoas jovens. Por outro lado, tal dificuldade não foi demonstrada na associação com idosos:
[...] é difícil quando é de um paciente novo, um paciente traumatizado, um paciente que ainda não teve filho, que ainda não conseguiu as coisas que a vida oferece. [...] sendo um paciente idoso... já não vejo tantos problemas, já não é tão difícil. Para mim, realmente a notícia difícil é aquela que se dá em paciente novo. De resto, assim, paciente idoso, de problemas degenerativos que vêm com a idade, para mim já é esperado, então não é difícil não. (M03)
Essa dificuldade na associação pode se justificar uma vez que a morte de pacientes jovens é vista como uma ruptura do ciclo da vida que deixa hiatos nos projetos e nas promessas para o futuro, causando sentimentos fortes de tristeza, frustração, dor e angústia 16,21. Em contrapartida, a morte de adultos e idosos costuma ser mais facilmente assimilada, considerando que já tiveram a chance de viver por um bom tempo, com diferentes oportunidades 22.
Os entrevistados referiram que se sentem aptos para a CND, entretanto, alguns relataram que a graduação auxilia nesse processo, outros destacaram que ela não garante segurança para sua execução. Para alguns, tal segurança emerge ainda da prática profissional:
Sim, eu me sinto preparado, mas eu nem digo que pela graduação. (P02)
[...] na nossa graduação de Enfermagem a gente acaba tendo algumas disciplinas [...] já começa a abrir a nossa mente em relação a isso... em relação a dar notícias ruins. (E06)
[...] Nem na graduação, nem no estudo, nem no conhecimento que tive após a conclusão do meu curso ajudou a me preparar. Foi mais a prática mesmo. (P02)
Os anos no exercício na profissão são, segundo Neto e colaboradores 23, insuficientes para a obtenção da habilidade de CND com maestria, ressaltando seu exercício como fundamental durante a graduação. Entretanto, percebe-se um hiato nas grades curriculares, que varia de total carência de preparo até uma formação incompleta das competências necessárias 24.
Na graduação, os estudantes da saúde normalmente se deparam com uma formação tecnicista, quase sempre norteada pela busca obsessiva da cura, onde mesmo sendo essenciais e éticas as habilidades e competências de comunicação, neste modelo biomédico hegemônico não existem espaços para sua formação 25. Assim, embora os profissionais de saúde sejam confrontados diariamente com situações que exijam a comunicação de más notícias, isso não significa saibam como lidar com isso 18.
Ademais, há o relato de que o aprendizado pode se dar através da observação das condutas de outros profissionais com experiência na rotina hospitalar, e na comunicação de notícias difíceis, sendo este um fator que os auxilia no preparo pessoal para CND:
Eu não tive o estudo próprio para lidar com isso, mas já observei e participei de algumas situações. Uso mais essa experiência de observação mesmo. (E04)
Campos e colaboradores 1 concordam com tais afirmações quando afirmam que a confiança e experiência na prática de CND é adquirida na experimentação dos envolvidos com a prática, ou até mesmo por observação e análise da conduta tomada por outros profissionais.
Também foi possível perceber que alguns entrevistados reconheceram a necessidade de capacitação para CND:
Na verdade, eu me sinto preparado devido já estar lidando com isso há muito tempo [...], mas assim, não acho que a gente teria que se capacitar melhor. (E02)
O criador do protocolo SPIKES, propôs que a CND seja considerada uma habilidade e não um dom divino, podendo assim ser ensinada e entendida por qualquer pessoa, sendo uma parte indispensável do cuidado 4. Entretanto, caso não se tenha vivenciado capacitações e treinamentos adequados durante a sua formação, é essencial que utilize sua competência inata para comunicar a nd da melhor forma 24 .
Ainda com relação ao preparo autorreferido, foi possível observar falas onde os entrevistados destacaram limitações pessoais para a CND:
É uma barreira que existe. Uma resistência minha mesmo... por não saber lidar com a reação da outra pessoa que vai me ouvir. (F02)
Outra coisa que dificulta na hora de dar a notícia é quando é um óbito... porque remete o seu próprio fim. Isso mexe com você porque seja hoje ou amanhã, quanto mais você vive, mais você começa a morrer. (P03)
Além disso, muitos entrevistados expressaram vontade de guardar para si as emoções que emergem durante a CND, seja para não evitar que isso afete a qualidade da transmissão de informações, seja para não demonstrar fragilidade.
Muitas vezes eu já chorei escondido. [...] Tem momentos que eu coloco meu rosto para cima e dou um jeito da família não ver que eu estou chorando. (AS03)
A gente tem que passar tranquilidade, porque se a gente demonstrar fragilidade... acaba tudo. (M01)
O fato de o profissional de UTI estar em constante contato com a fragilidade, a dor e a doença do outro, faz com que entrem em um grande dilema, pois estas situações os remetem à sua própria fraqueza e finitude 25. Além disso, na maioria das vezes, não possuem autorização para compartilhar esses sentimentos, nem se sentem confortáveis para lidar com isso 21. Ademais, o profissional sempre deve tentar compreender a realidade do paciente, com uma postura empática e compassiva, contudo delimitando que aquela vivência não lhe pertence 26.
No mundo contemporâneo, as demonstrações de sentimentos têm se tornado cada vez mais escassas, provocando assim questionamentos sobre humanização do atendimento. Tende-se a não permitir sua livre expressão entre profissionais, e isto tem grande potencial para provocar adoecimento dos mesmos 27.
Percebendo o contexto do processo de comunicação de notícias difíceis
Durante a entrevista, emergiram ideias que destacaram o contexto em que se dá a comunicação. Assim, os entrevistados trouxeram à tona a importância da composição da equipe no momento da CND, e a maioria deles apontou o médico como responsável pela transmissão da notícia, atrelando essa escolha com a necessidade de esclarecimentos para o familiar. Apenas um entrevistado demonstrou de forma evidente a necessidade de uma equipe multidisciplinar no cuidado aos pacientes.
Eu acho que o profissional que realmente tem como dar uma notícia difícil é o médico, porque ele pode explicar organicamente e o que aconteceu. (M03)
Vai ter sempre a pergunta do familiar, “mas o que foi que houve?”, então tem que ter esse conhecimento e quem está preparado para isso é o médico. (F05)
A equipe [para a CND] deve ser um conjunto [...] toda aquela equipe multidisciplinar que está trabalhando com aquele paciente. (AS04)
Admite-se a importância do profissional médico no momento da CND. Em um trabalho sobre a avaliação do conhecimento dos profissionais sobre CND em UTI, este chegou a ser apontado como possível chefe da equipe, considerando a necessidade de conhecimento aprofundado dos casos, e a capacidade para explicar seus detalhes para o paciente e para a família 16,28.
Entretanto, segundo sua definição, a CND não está restrita ao conhecimento específico dos casos, pois consiste na transmissão de qualquer informação que possa modificar negativa, parcial ou radicalmente o futuro da vida das pessoas envolvidas. Dessa maneira, todos os profissionais que compõem a equipe multidisciplinar de saúde em algum momento serão responsáveis pela CND 28-31.
Muitas vezes, outras categorias profissionais possuem um maior contato com o paciente durante sua hospitalização, não sendo, portanto, de propriedade unicamente médica, a competência para se transmitir uma notícia difícil. Esta pode se dar em qualquer momento, quando há um contato do profissional de saúde com o paciente e/ou seus familiares 29.
Com o intuito de amenizar os impactos de uma comunicação de má notícia inadequada, e facilitar sua realização, foram construídos, nos últimos anos, diversos protocolos para orientação dos profissionais da saúde 30. De todos, o que ficou mais conhecido foi o protocolo SPIKES, cujo acrônimo em inglês sintetiza as seis etapas a serem observadas, em tradução livre: preparação para o encontro, percepção, convite, conhecimento, emoções e estratégia/resumo 16.
É importante destacar que, mesmo que este protocolo seja difundido em todo o mundo, quando questionados em relação a CND, todos os entrevistados negaram ter conhecimento sobre o SPIKES. No entanto, mesmo referindo desconhecimento, foi possível perceber nas falas dos entrevistados, a realização de alguns de seus passos de forma intuitiva.
Em relação ao primeiro passo do protocolo SPIKES, Strategy, grande parte das falas ressaltou a necessidade do cuidado com o local onde se dá a CND, e com a compreensão da anamnese e dos procedimentos que o paciente realizou no estabelecimento.
Acho que tudo é uma questão de bom senso. Eu não vou dar uma notícia aqui no meio da UTI ou no corredor. Costumo chamar para o serviço social.(M04)
Você tem que fazer todo o levantamento histórico do paciente e a evolução clínica dele antes de comunicar alguma coisa. (F04)
O ambiente de comunicação exerce grande influência sobre o receptor da mensagem, uma vez que, quando inadequado, pode culminar em conversas laboriosas e pouco eficazes. Ademais, incorpora-se no primeiro passo do SPIKES a necessidade de preparação do emissor quanto às informações do prontuário, para que se tenha maior segurança neste momento delicado 31.
O segundo passo do protocolo SPIKES, Perception, também foi valorizado pela maioria dos entrevistados:
Às vezes o acompanhante fica aqui por um longo tempo com o paciente e não tem a percepção correta de gravidade do quadro, então eu sempre tento saber até que ponto ele entende o que está acontecendo. (M01)
A necessidade de perceber o receptor da mensagem antes de comunicá-la é de grande relevância. Deve-se levar em consideração todo seu contexto, incluindo sua personalidade, crenças religiosas, apoio familiar e conhecimento sobre o caso a ser comunicado. Para isso, faz-se necessária uma escuta apurada e sensível do familiar e acompanhantes 21,31,32.
Nesse ponto, os entrevistados também destacaram algumas situações em que se esses princípios não foram seguidos, contrariando as diretrizes recomendadas, e o cuidado com a percepção do preparo do receptor acaba sendo ignorado:
Às vezes o médico dá uma notícia muito brusca e o acompanhante entra em desespero e muitas vezes o médico não sabe lidar com essa situação. (E07)
É essencial, durante o cuidado, distinguir entre a comunicação de notícias e a simples transmissão de informações. A primeira necessita de comprometimento entre quem comunica e quem recebe a comunicação 24.
Em relação à terceira etapa do protocolo, Invitation, durante as entrevistas não foi possível identificar falas que mencionassem explicitamente o uso do convite para a realização da conversa antes de iniciá-la. Por outro lado, os entrevistados expressaram um empenho para conduzir a comunicação com gentileza e empatia:
A gente nunca deve chegar chamando a pessoa e falando logo. Tem que ir soltando a informação aos poucos. (P04)
O ideal é que antes da passagem da notícia se faça um preparo de quem irá receber a mensagem, sempre iniciando a mensagem de forma progressiva. A assimilação das nd tem muita relação com a importância do amparo oferecido pela equipe 27,28.
Quanto ao quarto passo, Knowledge, alguns profissionais destacaram um cuidado referente à transmissão de informações de forma gradual, e salientaram que é de suma importância que haja honestidade no momento em que se transmite a informação para que se tenha uma CND adequada.
Esconder os fatos para a família ou para o paciente acaba levando a situação para um estágio bem delicado. Quando a gente não esconde as coisas, a notícia que em si é difícil acaba sendo um pouco mais tolerada. (M04)
Quando a CND é feita de maneira eficaz, há uma melhor adaptação da família às novas circunstâncias. Por outro lado, a omissão de informações cria lacunas que podem dar origens a fantasias, ideias catastróficas e falsas expectativas, que por vezes podem ser mais difíceis do que a própria mensagem omitida 21,33.
Alguns entrevistados destacaram que, na prática, este passo por vezes acaba sendo ignorado, reconhecendo que, nessas situações, os receptores da informação são diretamente afetados pelo processo de comunicação:
Quando o familiar chega, a gente, sem perceber, fala assim: “o que ele era pra você?”. Então você escapa e não percebe que já está dando a notícia. Nessas situações, a pessoa já sente pelos nossos olhares e pelo nosso acolhimento que algo está errado. (P05)
Tanto o paciente quanto os seus acompanhantes costumam analisar a postura da equipe de saúde quando ela se aproxima para dar notícias. O que se observa é que eles realizam uma leitura facial do emissor e buscam prenúncios de perigo não só na verbalização da mensagem, mas também em todo o preâmbulo da situação, como a tonalidade da voz e as expressões faciais 27,34.
Além disso, outros aspectos devem ser valorizados nesse momento, como empatia, honestidade e coerência, bem como a expressão corporal e o contato visual 35.
Quanto ao passo Emotions, a preocupação com as emoções dos familiares e seus pacientes emergiu durante as falas, embora esteja relacionada com as dificuldades que os profissionais enfrentam para lidar com tais reações:
O difícil para o profissional é conseguir suportar aquele silêncio “brabo” que bate. O silêncio chega a falar. (P03)
Acho que o pior momento é quando eles se emocionam. Ver o sofrimento, o desespero, é horrível... é desconfortável, entende? (P05)
É essencial que o profissional de saúde receba suporte psicológico para saber discriminar as necessidades individuais de cada paciente e oferecer-lhe o que de fato este necessita, bem como parater condições de identificar suas próprias reações frente à situação para que tenha condições emocionais de comunicar adequadamente. Além disso, os profissionais devem saber que as respostas esperadas dos receptores podem ser divididas em três categorias: psicofisiológica, cognitiva e afetiva. Essas respostas podem variar de acordo com o significado do diagnóstico para eles, bem como suas experiências anteriores com doença 36.
É de fundamental importância que a equipe de saúde esteja preparada para lidar com essa etapa da comunicação, cujo foco deve ser a identificação e respeito às emoções do paciente. No entanto, durante a CND, uma das questões mais delicadas é o manejo das emoções dos familiares e seus pacientes. É comum que o profissional responsável não seja capaz de reagir de forma conveniente aos sentimentos do receptor ou até mesmo de reconhecê-los 34,37.
O último passo, Strategy, não foi identificado durante as entrevistas. Destaca-se a relevância de que o profissional saiba conduzi-lo, pois nessa etapa ele demonstra disposição para dar continuidade ao cuidado e evita a sensação de abandono no receptor 37.
No processo da CND os entrevistados destacaram ainda situações que extrapolam as definições postas em protocolos, como a oferta de informações por telefone, que costuma acontecer nos casos em que a família do paciente reside em municípios distantes:
Fico muito preocupada com a forma que a pessoa vai reagir lá do outro lado. E se de repente essa pessoa não tem apoio, não tem alguém [...]. (AS01)
A comunicação deve ser adaptada para cada situação. Deve-se recordar que, embora a CND seja possível por via telefônica, o emissor pode se deparar com dificuldades de compreensão pelos ouvintes, e a comoção nesses casos acaba sendo potencializada pela ideia de falta de suporte profissional naquele momento, o que leva a opiniões favoráveis e contrárias a essa prática 38.
Outra questão apontada pelos entrevistados é a dificuldade para aceitar a morte do paciente, que, segundo os entrevistados, pode interferir diretamente na conduta terapêutica e na CND:
Os médicos têm uma dificuldade. Eles não gostam de falar porque eles cuidam da vida [...] uma notícia de perda é difícil para qualquer ser humano, inclusive para o médico, que luta até onde pode. (P03)
Eu me reconheço como egoísta, porque a gente vê que o outro está sofrendo, está doente e às vezes não sabe mais se está nesse mundo..., mas nós que estamos aqui do outro lado estamos sendo egoístas porque queremos aquela pessoa de qualquer forma aqui. (AS01)
Enquanto a prioridade da assistência médica for a busca incessante pela cura e não a valorização do cuidado, a ideia de obrigação de livrar o paciente da morte a qualquer custo provocará profundos sentimentos de impotência e derrota para os profissionais de saúde. A cultura de medicar a vida, frequentemente acompanhada pelo sofisma de que a morte é um sinal de um insucesso, tem provocado e legitimado, de forma inadequada, abusos de muitos profissionais 16,39,40.
Muitos desses profissionais talvez não saibam como comunicar algo que não lhes foi apresentado como uma possibilidade dentro do contexto do cuidado, visto que essa discussão muitas vezes é negligenciada durante a formação.
Percebendo o outro como receptor da notícia difícil
Na CND, um componente extremamente relevante é o receptor, que no caso compõe-se pelo paciente e pelo familiar. Nas entrevistas, foi possível observar que os profissionais possuem preocupação com quem recebe a notícia, como recebem, e com as reações que apresentam:
Muitas vezes eu percebo que o paciente se sente bem só por eu estar do lado dele... por parecer saber o que ele está sentindo ou por mostrar que eu estou me importando com ele. (F06)
Por mais que a situação seja delicada, o paciente e seu familiar necessitam sentir que, ao seu lado, encontram-se pessoas que estarão presentes para apoiá-los em suas necessidades. Os pacientes prezam pelo contato olho no olho, toque afetivo, e por uma presença que os conforte 35.
Tal preocupação não se limita ao paciente, mas se estende ao familiar cuidador e sua realidade:
Quem chega no hospital não é só um paciente em adoecimento físico... todos eles já vêm com o emocional abalado. Eles deixam suas vidas e seus afazeres lá fora e ficam aqui vivendo a vida do outro (AS04).
A comunicação empática entre os profissionais de saúde e os familiares do paciente é de extrema relevância, pois é através dela que se estabelecerá uma relação de confiança que auxiliará pacientes e familiares a aceitarem a doença e a conseguirem participar ativamente das decisões relativas ao tratamento 27. Outro ponto destacado pelos profissionais é que, em algumas situações, a informação não é completamente compreendida por parte de quem a recebe:
Teve um médico que chegou para dar a notícia lá na sala para duas mulheres. O médico disse: “olá, eu sou o médico fulano de tal e a paciente foi a óbito”. Uma delas disse: “Ai meu Deus, graças a Deus! Pensei que fosse uma coisa mais grave!”. Aí a outra falou: “Fulana, a mamãe morreu!”. Então, assim... essa questão do nível de compreensão deles chega a ser um problema em algumas situações. (P05)
Durante o processo de comunicação, faz-se necessária a preocupação do emissor quanto à linguagem utilizada e quanto à atenção que deve ter para garantir que seu receptor tenha compreendido a mensagem transmitida, sempre recordando que conversas claras evitam momentos estressantes 27. Deve-se evitar uma linguagem científica e utilizar vocabulário adequado para o nível de compreensão dos familiares, considerando suas referências sociais e culturais 41. É sempre interessante observar a reação imediata do ouvinte, visto que esta denunciará o seu entendimento sobre o que foi dito 42.
Os entrevistados trouxeram em suas falas um receio em relação a uma possível não aceitação da notícia, o que segundo eles dificultaria todo o processo.
É horrível quando um familiar se nega a aceitar a situação do paciente. Já peguei alguns casos aqui que a família simplesmente se negou a aceitar a situação... a negação acaba que piorando o processo. (M04)
A circunstância emocional do grupo familiar e a complexidade da informação transmitida podem interferir na compreensão da informação, e isso, por sua vez, pode acarretar a não aceitação do que foi dito. Dessa forma, é de responsabilidade do profissional de saúde ratificar o conteúdo da mensagem transmitida aos ouvintes, com o intuito de esclarecê-la novamente, caso necessário 22.
Conclusão
A relevância do processo de comunicação de notícias difíceis, embora reconhecida pelos entrevistados, não é uma realidade na prática da formação e da assistência, revelando implicações éticas que incluem desde a ocultação da notícia, até a sua comunicação de forma inadequada, o que pode resultar em danos para os receptores, tanto no âmbito emocional, quanto de autonomia. Neste sentido, sugere-se a necessidade de estudos que avaliem a percepção de familiares e pacientes como ouvintes da notícia difícil.
Após a análise dos resultados, observou-se que o preparo para comunicação é de grande relevância, principalmente no que se refere à utilização de sinceridade e empatia. A relevância de uma comunicação de más notícias transmitida com qualidade pode ser um suporte primordial para que a informação seja transmitida de forma adequada, minimizando o sofrimento das partes envolvidas e alcançando seu objetivo.
Destaca-se que a implantação de um protocolo para padronização da CND pode auxiliar os profissionais, mas não consiste em uma fórmula obrigatória, como defendem alguns estudiosos. Na ausência de um protocolo, quando a conduta de comunicar se dá de forma humana, ética, empática e legal, a informação pode ser transmitida de maneira adequada e respeitosa, mesmo que de forma instintiva.
Por fim, ressalta-se a importância de valorizar a habilidade de comunicação de maneira transversal na formação dos profissionais de saúde, abrangendo desde a graduação até a formação continuada e a educação permanente.