SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.14 issue2Effectiveness of an Intervention to Reduce the Fear of Falling in Elderly PersonsVariables Associated with the Onset of Cigarette Smoking Among Adolescent Public Middle-School Students in Cartagena, Colombia author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Indicators

Related links

  • On index processCited by Google
  • Have no similar articlesSimilars in SciELO
  • On index processSimilars in Google

Share


Aquichan

Print version ISSN 1657-5997

Aquichan vol.14 no.2 Bogotá May/Aug. 2014

https://doi.org/10.5294/aqui.2014.14.2.8 


Acolhimento na percepção dos enfermeiros da Atenção Primária à Saúde

Acogida en la percepción de los enfermeros de la atención primaria a la salud

Acceptance in the Perception of Nurses Involved in Primary Health Care

Maria de Lourdes da Silva Marques-Ferreira1
Rosana Maria do Vale Barreira-Penques2
Maria José Sanches-Marin3

1 Enfermeira. Professora, Universidade Estatal Paulista, Brasil.
malusa@fmb.unesp.br

2 Enfermeira. Mestre, Universidade Estatal Paulista, Brasil.
rosanabp@unilins.edu.br

3 Enfermeira. Professora, Faculdade de Medicina de Marília, Brasil.
marnadia@terra.com.br

Recibido: 11 de abril de 2013 - Enviado a pares: 23 de mayo de 2013 - Aprobado por pares: 29 de octubre de 2013 - Aceptado: 11 de noviembre de 2013

DOI : 10.5294/aqui.2014.14.2.9



RESUMO

Objetivo: o presente estudo propõe-se a compreender a percepção de enfermeiros que atuam na Atenção Primária à Saúde sobre o acolhimento. Método: pesquisa qualitativa realizada a partir de entrevistas com 21 enfermeiros de oito municípios do interior paulista. A análise dos dados pautou-se na vertente fenomenológica, modalidade estrutura do fenômeno. Resultados: revelou-se que a compreensão dos enfermeiros sobre acolhimento, em alguns momentos, se aproxima dos princípios e diretrizes do SUS. Por outro lado, manifestam dificuldades com a estrutura, organização e gestão dos serviços de saúde, além de expressarem ações e crenças que se aproximam do modelo tradicional de cuidado. Conclusões: diante dos resultados, constata-se a união de esforços dos diferentes atores envolvidos no processo.

PALAVRAS-CHAVE

Acolhimento, atenção primária à saúde, sistemas de saúde, enfermagem, enfermeiros (fonte: DeCS, BIREME).



RESUMEN

Objetivo: el presente estudio se propone comprender la percepción de la acogida de los enfermeros que actúan en la Atención Primaria a la Salud. Método: es una investigación cualitativa realizada con entrevistas con 21 enfermeros de ocho municipios del interior del estado de São Paulo. El análisis de los datos se fundamentó en la vertiente fenomenológica, modalidad estructura del fenómeno. Resultados: se reveló que la comprensión de los enfermeros sobre la acogida, en algunos momentos, se aproxima de los principios y directrices del Sistema Único de Salud (SUS). Conclusiones: por otro lado, esos profesionales manifiestan dificultades con la estructura, organización y gestión de los servicios de salud y expresan acciones y creencias que se acercan al modelo tradicional de cuidado. Para la concreción de la acogida necesitan unir sus esfuerzos de los diferentes atores involucrados.

PALABRAS CLAVE

Acogimiento, atención primaria de salud, sistemas de salud, enfermeira, enfermeros (fuente: DeCS, BIREME).



ABSTRACT

Objective: This paper is intended to explore how nurses working in primary health care perceive acceptance. Method: It is based on a qualitative study conducted through interviews with 21 nurses from eight municipalities in the State of São Paulo. A phenomenological approach was used in data analysis. Results: It was found that nurses' understanding of acceptance, at certain points in time, comes close to the principles and guidelines of the Unified Health System (SUS). Conclusions: Nursing professionals manifest difficulties with the structure, organization and management of health services and express actions and beliefs related to the traditional model of care. The various stakeholders need to join forces if acceptance is to be achieved.

KEYWORDS

User embracement, primary health care, health system, nursing, nurses, male (source: DeCS, BIREME).



Introdução

Historicamente, o modelo de atenção à saúde no Brasil foi marcado pela assistência médica curativa e individual e pela compreensão de saúde como ausência de doença, pautada nos princípios do modelo flexneriano e, portanto, na fragmentação do cuidado. O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído em 1988 propõe o rompimento com esse paradigma, uma vez que o mesmo não responde às necessidades de saúde da população (1).

Na proposição do SUS, definiu-se um conceito ampliado de saúde que considera os diferentes determinantes e condicionantes do processo de saúde-doença e que a atenção à saúde deve seguir os princípios da universalidade do acesso, integralidade da assistência, equidade, descentralização, hierarquização e participação social (2), com ênfase na atenção primária à saúde.

A atenção primária é definida pelo Ministério da Saúde (MS) como "ações de caráter individual ou coletivo, desenvolvidas no primeiro nível de atenção dos sistemas de serviços, voltadas para a promoção da saúde, prevenção dos agravos, tratamento e reabilitação" (3). Na lógica da hierarquização do sistema de saúde, a atenção primária se constitui na porta de entrada para todas as novas necessidades, além de integrar a atenção fornecida em outros níveis de atenção à saúde. É nela que se proporciona a otimização de recursos, tanto básicos quanto especializados, e que mantêm o vínculo e a responsabilização pelas necessidades de saúde das pessoas, das famílias e da comunidade (4).

Diante de tais pressupostos, observam-se incontestáveis avanços, porém, ainda são muitos os desafios e debates necessários nessa construção que demanda infindáveis enfrentamentos. O MS vem propondo direcionamentos que, embora não representem garantias de operacionalização no cotidiano dos serviços, se constituem em disparadores de reflexões e decisões em prol de nova forma de pensar e agir na atenção à saúde.

Neste cenário surge, em 2003, a Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS — Humaniza SUS (PNH)17,20 e, nessa direção, o acolhimento passa a ser considerado uma diretriz de grande relevância (5). Considerado como uma ação técnico-assistencial, o acolhimento pressupõe a mudança da relação profissional-usuário e sua rede social através de parâmetros técnicos, éticos, humanitários e de solidariedade, em que se reconhece o usuário como sujeito e participante ativo no processo de produção da saúde (6).

O acolhimento implica, portanto, atitudes de amparo e hospitalidade, que favorecem a construção de uma relação de confiança e compromissos dos usuários com as equipes e os serviços, e contribui, assim, para a legitimação do sistema público de saúde (7).

Passa a ser uma estratégia fundamental, que consiste na reorganização do processo de trabalho de maneira a atender a todos que procuram os serviços de saúde, que fortalece o princípio da universalidade e a busca da integralidade e da equidade. Tem como eixo estimular e promover reflexões e ações de Humanização dos Serviços de Saúde, fundamentadas na ética e na cidadania (8).

Esse acolhimento também desempenha papel fundamental na dinâmica organizacional, o que resulta em encaminhamentos, deslocamentos, que passam por tomada de decisões num encontro pautado pelas disposições "morais" e "cognitivas". Trata-se rigorosamente de técnica de conversa, diálogo orientado pela busca de maior "ciência" das necessidades do usuário, bem como das possibilidades e dos modos de satisfazê-las (9).

Nessa perspectiva, considera-se que o acolhimento tem que avançar no sentido de sair das relações rotineiras de trabalho (assistencialismo) meramente burocrático para incorporar-se no sistema de atendimento como forma facilitadora na promoção do bem- estar físico, mental e social do usuário do sistema público de saúde (10, 11).

No entanto, se observa que o acolhimento tem assumido diferentes formatos e vieses que dificultam sua efetivação, propõe-se como objetivo para o presente estudo compreender a compreensão de enfermeiros da Atenção Básica sobre acolhimento.


Método

Trata-se de estudo de natureza pesquisa qualitativa, na qual se utiliza o método fenomenológico, modalidade estrutura do fenômeno situado, cuja essencialidade refere-se à compreensão abrangente e profunda dos dados obtidos (12). A pesquisa fenomenológica propõe o "ir à coisa mesma", ou seja, àqueles que possuem experiência do fenômeno interrogado em seu mundo-vida, e por isto, podem falar sobre ele (13). Busca-se, dessa forma, essa essência, a partir da percepção dos enfermeiros que atuam na Atenção Primária à Saúde sobre acolhimento.

O estudo foi realizado de fevereiro de 2010 a dezembro de 2011, sendo a coleta dos dados realizada no período de agosto a novembro de 2010.

A pesquisa abrangeu os municípios Cafelândia, Getulina, Guaiçara, Pongaí, Promissão, Sabino, Uru e Lins, pertencentes à Direção Regional de Saúde (DRS - VI) com sede no município de Bauru/SP. Totalizaram oito municípios localizados na região noroeste do estado de São Paulo, que juntos constitui em uma população de 160.000 habitantes (14). A rede básica de saúde, para os municípios em estudo, compõe-se de 30 unidades de Atenção Primária à Saúde, sendo sete na modalidade da Estratégia de Saúde da Família, 23 tradicionais, e destas, 10 incorporam o Programa de Agente Comunitário de Saúde (PACS).

A escolha dos municípios justifica-se por ser área de atuação da pesquisadora que buscou na investigação resposta de suas inquietações sobre o acolhimento. A Atenção Primária à Saúde possui uma equipe multidisciplinar, mas o interesse deste estudo refere-se particularmente ao atendimento prestado pelos enfermeiros, uma vez que, além de acolher em sua assistência, tem sob sua responsabilidade toda a equipe de enfermagem.

A coleta de dados foi realizada por um questionário que contemplou dados pessoais e relativos à função exercida, tempo de atuação, especialização na área e características da unidade.

A entrevista semiestruturada foi estratégia utilizada para coletar os depoimentos dos enfermeiros que se encerraram quando houve a repetição dos conteúdos das descrições, o que indicou o fenômeno desvelado. Assim, o número da amostra constituiu-se de 21 enfermeiros e teve, como questão norteadora: Para você, o que é Acolhimento em Saúde?

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Medicina de Marília, protocolo n. 238/10. Para a realização da entrevista, esclareceu-se aos participantes o objetivo do estudo e estes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os depoimentos foram enumerados de acordo com a ordem de realização das entrevistas.

Para a análise dos dados, inicialmente foram realizadas repetidas leituras atentiva dos discursos, a fim de, apreender o sentido do todo e, na sequência, identificaram-se as unidades de significado, para caminhar em direção à intersubjetividade, chegar à descrição das evidências da experiência vivida do sujeito, e destacar os dados significativos para a compreensão do fenômeno pesquisado (15).

A extração da essencialidade da percepção do conhecimento sobre acolhimento e a identificação das unidades de significados levaram a uma redução na busca da "percepção de acolhimento para os enfermeiros", nos dados constituídos, ao partir da interrogação do pesquisador. Após, estabeleceu-se a redução fenomenológica, cujas expressões cotidianas dos sujeitos da pesquisa foram transformadas na linguagem do pesquisador (16).

Em seguida, foi realizada a etapa de compreensão ou interpretação, que se iniciou pela análise ideográfica que se refere à individualidade de cada discurso, de forma a evidenciar a estrutura do fenômeno situado: ser enfermeiro e sua percepção sobre acolhimento dos pacientes atendidos. Na busca das unidades de significados, os discursos foram agrupados de acordo com categoria comum, com objetivo de organizar as articulações do discurso conforme as várias significações sobre acolhimento (16).

Após, procedeu-se a análise nomotética, que se constitui da análise geral dos discursos na qual se buscou a generalidade para apreender os aspectos mais comuns dos depoimentos. Assim, inicialmente foram agrupados os temas que emergiram das unidades de significados interpretadas por meio da redução fenomenológica (16).


Resultados

Dentre os 21 enfermeiros entrevistados, a maioria é do sexo feminino, com idade entre 20 e 45 anos, sendo que 11 eram casados, nove solteiros e dois divorciados. Os enfermeiros entrevistados atuam em unidades básicas tradicionais com ou sem o PACS e, também, em unidades de saúde da família (USF). A maioria ocupa função gerencial ou são responsáveis técnicos do serviço de enfermagem e coordenação do PACS.

A maioria ocupa função gerencial ou é responsável técnico do serviço de enfermagem e coordenação do PACS. O tempo de atuação dos enfermeiros na atenção básica varia de dois a 20 anos. A maioria deles possui especialização nas áreas de UTI, urgência e emergência, enfermagem do trabalho e obstetrícia.

No processamento dos dados emergiram três categorias temáticas que, ao serem consideradas as convergências, divergências e idiossincrasias, revelam a percepção dos enfermeiros que vivenciam o modelo de atenção básica sobre acolhimento.


O acolhimento como instrumento para acompanhamento da implementação da PNH na Atenção Primária à Saúde

A PNH enquanto uma política do SUS tem o acolhimento como instrumento para acompanhamento da implementação e responsabilização pelas necessidades dos usuários.

O acolhimento nas unidades de saúde favorece a construção de uma relação de confiança e compromisso dos usuários com as equipes e os serviços, o que contribui para a legitimação do sistema público de saúde essencial da e para a população. Os princípios revelados incluem integralidade, universalidade, acesso, resolubilidade, Política Nacional de Humanização (PNH) e responsabilização pelas necessidades dos usuários, conforme se destaca na falas seguintes: "Porque um paciente entra no atendimento, a gente acolhe esse paciente como um todo. (...) em questões sociais, de saúde, que é de fundamental importância para nós, a questão preventiva." (DEP. VI); "Assim, [...] por mais que você tenha direito a tudo, SUS é pra todos, no momento não está funcionando assim..." (DEP. IX); "Acolher é resolver as necessidades dos pacientes. Quando se atende bem o paciente e se resolve as suas necessidades, se realizam ações humanizadas". (DEP. XIII); "Acolhimento pra mim é atender a todos que procuram a unidade, é ter facilidade de acesso, se não tiver como atender às necessidades dos usuários, não se tem acolhimento". (DEP. VIII); "Acolhimento pra mim faz parte do programa de humanização...". (DEP. X); "O acolhimento acontece a partir do momento em que a gente acaba escutando esse paciente, atendendo de forma humanizada, resolvendo o seu problema, ou que ele resolva da melhor forma possível". (DEP. IV); "Me responsabilizar de uma forma ou de outra. A partir do momento que ela entrou aqui. Na verdade, eu tenho que corresponsabilizar, é eu e ela". (DEP XIII).


A relação da organização e gestão com o acolhimento nos serviços de saúde

Nesta categoria, os enfermeiros identificam a falta de recursos humanos e materiais, dificuldades diante da organização do processo de trabalho dos profissionais, além da necessidade de capacitação e desenvolvimento da educação permanente entre os profissionais e, ainda, a falta de aproximação dos gestores no processo de atenção à saúde das unidades. Tais aspectos evidenciam-se nos trechos seguintes: "Na minha realidade aqui na unidade, o que eu enxergo é que o quadro de funcionários é bem diminuído. E acaba sobrecarregando. E na parte de acolhimento fica devendo muito" (DEP. II); "As condições para fazer um acolhimento decente com o seu valor e tudo, aí eu acho que precisa melhorar o recurso físico. (DEP. III); "Os enfermeiros acabam sobrecarregados, porque você tem farmacêutico, tem dentista, mas tudo cai nas costas do enfermeiro dentro da unidade, inclusive tentar fazer um bom acolhimento". (DEP. XIII); "Como eu vejo o acolhimento... Não é do jeito que eu acho que é certo, mas não depende só da gente, depende de outras pessoas, de nossos superiores, de hierarquia, se você pede uma coisa, passa para outro departamento e para outro". (DEP. IX); "A minha percepção é que o acolhimento ainda está deixando muito a desejar... só os cursos básicos não dão resultados práticos, não são suficientes para melhorar a assistência". (DEP. I).


A desconstrução do sentido do acolhimento

Nesta categoria se observa que os enfermeiros revelam uma percepção de acolhimento que se aproxima do modelo tradicional de atenção primária à saúde. Tradicionalmente, a percepção de acolhimento se restringe à atitude voluntária de bondade e favor oferecidos por alguns profissionais; recepção administrativa e ambiente confortável; e, ainda, ação de triagem (administrativa, de enfermagem ou médica) com seleção daqueles que serão atendidos pelo serviço naquele momento: "Acolhimento para mim é a pessoa chegar à recepção, ser bem acolhida. Ser recepcionista é ter um calor humano, para poder atender bem em todos os locais dentro da unidade". (DEP. I); "A gente tem um acolhimento bom. Aqui é assim: a pessoa chega e a consulta é agendada na janela. Não tem nada de senha, a pessoa chega aqui no fichário. O paciente quer passar com tal médico. A pessoa procura fazer uma triagem, encaixar com aquele médico". (DEP. XII).


Discussões

No desvelamento da percepção sobre acolhimento, no que se refere à ferramenta para se atingir os princípios do SUS, os enfermeiros estabeleceram relação com o princípio da integralidade, ao apontar para uma visão abrangente das pessoas e levar, em consideração o nível de complexidade presente em cada uma delas (17). Além disso, acrescenta-se a perspectiva de um atendimento que ultrapassa o cuidado à doença.

Nessa dimensão, a integralidade se apresenta contrária às ações fragmentadas, que privilegiam a especialização e segmentação e que reduzem o paciente ao aparelho (ou sistema biológico) e toma como referencial a Medicina Integral e a incorporação de ações de promoção, prevenção, ações curativas e de reabilitação (6).

Embora o princípio da universalidade também tenha sido considerado no depoimento dos enfermeiros, há o reconhecimento de dificuldades para sua aplicabilidade. De acordo com o princípio da universalidade, todas as pessoas possuem direito ao acesso às ações e aos serviços de saúde, o que antes era assegurado somente às pessoas que tinham previdência social e rede privada (18).

No reconhecimento da dificuldade de se atender ao princípio da universalidade na atenção básica, os enfermeiros revelaram perceber que o acolhimento contribui para o acesso ao serviço de saúde, uma vez que o SUS garante ao cidadão o direito de acesso à saúde, contemplando, desde ações assistenciais em todos os níveis de complexidade, até atividades inseridas nos âmbitos da prevenção de doenças e de promoção da saúde.

O princípio da resolubilidade definido como "eficiência na capacidade de resolução das ações e serviços de saúde por meio de assistência integral, contínua e de boa qualidade" (19), foi considerado na fala dos enfermeiros. O atendimento à saúde precisa ter resolubilidade, pois a solução de problemas de saúde e de cuidado apresentados pelos usuários é essencial para a humanização da assistência (20).

A percepção dos enfermeiros sobre acolhimento também revela a integração com os pressupostos da PNH. O acolhimento enquanto diretriz da PNH, representa o aspecto mais evidente, especialmente na Atenção básica à saúde, pela influência que exerce no acesso dos usuários ao sistema de saúde e nas mudanças no processo de trabalho, com a finalidade de atender a todas as pessoas que procuram o serviço de saúde (7, 8).

Os enfermeiros associam a humanização da atenção à saúde ao acolhimento-diálogo, que diz respeito a um tipo de norma geral de comunicação entre todos os elementos que compõem a rede. Assim, não se trata necessariamente de uma atividade em particular, mas de um conteúdo de qualquer assistência. Portanto, a rede de conversações seria, o espaço coletivo composto de vários e distintos locais de conversa interligadas. A escuta no atendimento não deve desprezar nenhum aspecto das queixas, pois escutar é ajudar o usuário a refazer os motivos que ocasionaram o adoecimento, bem como correlações que são estabelecidas entre os sentimentos e sua vida (20).

Alguns conceitos que contribuem para a formação de um corpo de conhecimento necessário às ações de saúde pautadas em uma nova lógica também foram aspectos relatados pelos enfermeiros. Nesse sentido, destaca-se, a relação entre responsabilização e acolhimento, condição que os enfermeiros incorporam nos depoimentos, conforme segue.

Diante de tal compreensão, o acolhimento é representado como um encontro entre os sujeitos, que permite, uma relação de compromisso e ajuda — "é eu e ela". Assume-se, assim, uma forma de cuidado que considera as necessidades da pessoa, num encontro que ultrapassa a dimensão sintomática que motivou o usuário a procurar o serviço de saúde. Acrescenta-se que as ações de não responsabilização tendem a enxergar os problemas do usuário apenas sob o prisma da dimensão biológica, não estendida às demais. Foca-se em direção única, o que deixa os profissionais da equipe distantes da assistência ao usuário (21).

No que se refere à relação da organização e gestão com o acolhimento dos serviços de saúde, os enfermeiros destacam a insuficiência na quantidade de profissionais para atender às necessidades dos serviços. Reconhecidamente, quando o acolhimento se estrutura como uma recepção melhorada aparentemente, a dificuldade para os trabalhadores aumenta. Eles têm que atender a todos e têm de ouvi-los. Essa escuta — por mais que seja meramente ouvir o que o outro diz, a "escuta qualificada", traz implicação e responsabilidade para o trabalhador (22).

O acolhimento é mais do que escuta, pois pressupõe identificação de problemas e intervenções resolutivas, ampliação da capacidade da equipe de saúde em responder às demandas dos usuários, redução da centralidade das consultas médicas e utilização do potencial dos demais profissionais (10). Isso, porém, cria novas demandas e necessidades de intervenções, e foge das ações normativas do cotidiano dos serviços.

É importante considerar, então, que o dimensionamento de pessoal interfere diretamente na eficácia e qualidade da assistência à saúde e, por outro lado, pode gerar conflitos entre os profissionais com sérias consequências às instituições de saúde (23). A falta de condições adequadas para o desenvolvimento do trabalho também é fator de estresse profissional, além de levar ao conformismo e à acomodação com relação às deficiências do sistema.

Acrescenta-se que é preciso garantir condições adequadas de trabalho, uma vez que a estrutura de um serviço se traduz em condição essencial para o seu desenvolvimento, embora não garanta a qualidade do processo assistencial.

A dificuldade ante a organização do processo de trabalho dos profissionais revela que, ainda que ocupem o mesmo espaço físico, exercem as atividades de forma isolada e operam em lógicas diferenciadas. No acolhimento, por não ser uma atividade específica de uma determinada profissão, todos os profissionais precisam estar comprometidos e capacitados para receber a população com ações acolhedoras.

A qualidade dos serviços e cuidado em saúde depende da articulação complexa do processo de trabalho da equipe multidisciplinar com as condições de infraestrutura, serviços e sistema de saúde com a gestão que exerce papel importante nessa articulação (24).

Ainda se identifica, na percepção dos enfermeiros, que para avançar é preciso o desenvolvimento de Educação Permanente (EP), a qual é considerada como uma ferramenta que busca uma reflexão crítica sobre as práticas de serviço. Convém ressaltar que só a prática educativa aplicada ao trabalho possibilita transformações nas relações, processos de trabalho, condutas, atitudes, profissionais, assim como na equipe (25).

Ao se referir à categoria da desconstrução do sentido do acolhimento, salienta-se que no campo da saúde, há duas compreensões de acolhimento identificadas. Uma delas é que acolhimento se mostra em um espaço como ambiente repleto de conforto. A outra identifica o acolhimento como triagem e encaminhamento de serviços (26).

Quando o acolhimento é compreendido como sinônimo da realização da triagem, consulta agendada, encaminhamentos e normas de acesso, isso pode perpetuar a exclusão dos usuários, o que dificulta o processo terapêutico, o vínculo e a corresponsabilização (27).

Ao se contrapor à percepção dos enfermeiros, o acolhimento não é um espaço ou um local, mas uma postura ética, não pressupõe hora ou profissionais específicos para fazê-lo, implica compartilhamento de saberes, angústias e invenções, ao tomar para si a responsabilidade de "abrigar e agasalhar" as pessoas em suas demandas, com responsabilidade e resolubilidade sinalizada pelo caso em questão.

Desse modo, o que diferencia acolhimento de triagem é que ele não constitui uma etapa do processo, mas sim tipo diferenciado de ação que deve ocorrer em todos os locais e momentos do serviço de saúde. Para que o acolhimento seja uma diretriz operacional é necessário mudança na forma de fazer saúde (28).

Outro aspecto que necessita de superação é a visão afetuosa atribuída ao acolhimento que, embora necessária, muitas vezes não se apresenta como forma de resolução da necessidade. O profissional precisa incrementar o atendimento com interrogações que levam à compreensão das necessidades expressas e veladas pelo contexto de vida e pelo próprio entendimento das possibilidades do sistema de saúde.


Conclusão

No percurso da compreensão da percepção dos enfermeiros da região de Lins, Estado de São Paulo, constata-se que o acolhimento está relacionado aos princípios e conceitos que direcionam a construção de um modelo de atenção pautado no SUS. Ao fazerem essa relação, revela-se que os profissionais de enfermagem compreendem que o acolhimento envolve a integralidade, universalidade e humanização da atenção, além da responsabilização pelas necessidades dos usuários, do trabalho em equipe e da escuta ampliada, como elementos essenciais nesta construção. Por outro lado, embora os enfermeiros reconheçam os aspectos conceituais do acolhimento, há indicativos de que o modelo tradicional de cuidado também continua permeando as ações e as crenças arraigadas pela tradição.

Desvelou-se também que a falta de investimento na contratação e qualificação dos profissionais, bem como a falta de adequação da estrutura física e de participação efetiva dos gestores dificultam a adequada implementação do acolhimento.

O estudo indica a necessidade de inserção de abordagens teóricas e práticas sobre o acolhimento no cotidiano dos enfermeiros, para que sejam elementos essenciais na realização de uma prática humanizada e integral. É preciso a conscientização de que não basta ser tecnicamente capaz, mas, sobretudo ser humanamente eficiente, pois é por meio das ações do profissional que decorre boa ou má assistência. É por meio do acolhimento que as relações de trabalho em saúde podem ser refletidas e repensadas.



Referências

1. Brasil. Ministério da Saúde; OMS. OPAS. Políticas de recursos humanos em saúde: seminário internacional. Brasília, 2002.         [ Links ]

2. Buss PM. Promoção da saúde e qualidade de vida. Cienc Saúde Coletiva 2000; 5: 163-77.         [ Links ]

3. Almeida C, Macinko J. Validação de metodologia de avaliação rápida das características organizacionais e desempenho dos serviços de atenção básica do SUS em nível local. Brasília: Organização Pan-Americana de Saúde; 2006.         [ Links ]

4. Starfield B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: Ministério da Saúde; 2002.         [ Links ]

5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas Práticas de Produção de Saúde. Ministério da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.         [ Links ]

6. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Integralidade da atenção. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.         [ Links ]

7. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção de saúde. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. 2. ed. Brasília: Ministério da Saúde; 2006.         [ Links ]

8. Santos-Filho SB, Barros MEB, Gomes RS. A Política Nacional de Humanização como política que se faz no processo de trabalho em saúde. Interface (Botucatu). 2009, 13(sup.1): 603-13.         [ Links ]

9. Ramos DD, Lima MADS. Acesso e acolhimento aos usuários em uma unidade de saúde de Porto Alegre. Cad saúde Pública. 2003; 19 (1): 27-34.         [ Links ]

10. Takemoto MLS, Silva EM. Acolhimento e transformações no processo de trabalho de enfermagem em unidades básicas de saúde de Campinas, São Paulo, Brasil. Cad. Saúde Pública. 2007; 23(2): 331-40.         [ Links ]

11. Mitre SM, Andrade EIG, Cotta RMM. Avanços e desafios do acolhimento na operacionalização e qualificação do Sistema Único de Saúde na Atenção Primária: um resgate da produção bibliográfica do Brasil. Revista Ciência & Saúde Coletiva [On-line]. Disponível em: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/artigo_int.php?id_artigo=7713        [ Links ]

12. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 9a Ed. São Paulo: Hucitec; 2006.         [ Links ]

13. Martins J, Boemer MR, Ferras CA. A fenomenologia como alternativa metodológica para pesquisa: algumas considerações. RevEscEnf USP 1990; 21(1): 139-47.         [ Links ]

14. SEADE 2008 SEADE. Projeção da população residente na região de Lins em 2008. Disponível em: http://www.seade.gov.br/produtos/projpop/index.php        [ Links ]

15. Roehe MV. Uma abordagem fenomenológico-existencial para a questão do conhecimento em psicologia. Estudos de Psicol 2006; 11(2): 153-8.         [ Links ]

16. Martins J, Bicudo MAV. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos básicos. 2 ed. São Paulo: Moraes; 1989. 110p.         [ Links ]

17. Oliveira ERA, Fiorin BH, Santos MVF, Gomes MJ. Acolhimento em saúde e desafios em sua implementação: percepção do acadêmico de enfermagem. Revista Brasileira de Pesquisa em Saúde. 2010; 12(2): 46-51.         [ Links ]

18. Pontes APM, Oliveira DC, Cesso RGD, Gomes AMT. O princípio da universalidade do acesso aos serviços de saúde: o que pensam os usuários? Esc Anna Nery RevEnferm 2009; 13(3): 500-7.         [ Links ]

19. Brasil, Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Assistência à Saúde. ABC do SUS: Doutrinas e Princípios. 1990.         [ Links ]

20. Hoga LAK. A dimensão subjetiva do profissional na humanização da assistência à saúde: uma reflexão. Rev Esc Enfermagem USP 2004; 38(1):13-20.         [ Links ]

21. Scherer MDA, Marino SRA, Ramos FRS. Rupturas e resoluções no modelo de atenção à saúde: reflexões sobre a estratégia saúde da família com base nas categorias kuhnianas. Interface (Botucatu) 2005; 9(16): 53-66.         [ Links ]

22. Teixeira RR. O acolhimento num serviço de saúde entendido como uma rede de conversações. Em: Pinheiro R, Mattos RA. (orgs.). Construção da integralidade: cotidiano, saberes e práticas em saúde. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ABRASCO; 2003.p. 49-61.         [ Links ]

23. Kurcgant P et ál. Gerenciamento em enfermagem. Rio de janeiro. Guanabara Koogam, 2005.         [ Links ]

24. Solla JJSP. Acolhimento no sistema municipal de saúde. Rev Bras Saúde Matern Infant; 2005; 5(4): 493-503.         [ Links ]

25. Carotta F, Kawamura D, Salazar J. Educação Permanente em Saúde: uma estratégia de gestão para pensar, refletir e construir práticas educativas e processos de trabalho. Saúde Soc. 2009, 18(Supl1): 48-51.         [ Links ]

26. Camelo SHH, Angerami ELS, Silva EM, Mishima SM. Acolhimento à clientela: estudo em unidades básicas de saúde no município de Ribeirão Preto. Rev latino-am enfermagem 2000; 8(4): 30-7.         [ Links ]

27. Bertussi, Oliveira, Lima. A unidade básica no contexto do sistema de saúde. Em: Andrade SM, Soares DA, Junior LC. (orgs.). Bases da saúde coletiva. Londrina: Abrasco; 2001.         [ Links ]

28. Benevides R, Passos E. Humanização na saúde: um novo modismo? Interface (Botucatu) 2005; 9 (17): 398-406.         [ Links ]


Para citar este artículo / To reference this article / Para citar este artigo

Marques-Ferreira ML, Barreira-Penques RM, Sanches-Marin MJ. Acolhimento na percepção dos enfermeiros da Atenção Primária à Saúde. Aquichan 2014; 14(2): 216-225.