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Aquichan
Print version ISSN 1657-5997
Aquichan vol.15 no.3 Bogotá July/Sep. 2015
https://doi.org/10.5294/aqui.2015.15.3.3
Violência física por parceiro íntimo na gestação:
prevalência e alguns fatores associados
Violencia física por el compañero íntimo en el embarazo:
prevalencias y algunos factores asociados
Intimate Partner Violence Perpetrated during Pregnancy:
Prevalence and Several Associated Factors
Jenny Karol Gomes Sato Sgobero1
Lorenna Viccentine Coutinho Monteschio2
Robsmeire Calvo Melo Zurita3
Rosana Rosseto de Oliveira4
Thais Aidar de Freitas Mathias5
1 Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Secretaria Municipal de Saúde.
jenny-sato@hotmail.com
2 Enfermeira. Mestre em Enfermagem. Hospital Universitário Regional de Maringá. Brasil.
helorenn@hotmail.com
3 Enfermeira. Doutoranda. Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Maringá. Brasil. Secretaria Municipal de Saúde.
robszurita@bol.com.br
4 Enfermeira. Doutoranda. Programa de Pós-graduação em Enfermagem da UEM, Maringá. Brasil.
rosanarosseto@gmail.com
5 Enfermeira. Doutora em Saúde Pública. Professora Titular do Departamento de Enfermagem e do Programa de Pós-graduação em Enfermagem da UEM, Maringá. Brasil.
tafmathias@uem.br
Recibido: 07 de octubre de 2014 / Enviado a evaluadores: 15 de noviembre de 2014 / Aceptado por evaluadores: 20 de abril de 2015 / Aprobado: 21 de abril de 2015
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Sgobero JKGS, Monteschio LVC, Zurita RCM, Oliveira RR, Mathias TAF. Violência física por parceiro íntimo na gestação: prevalência e alguns fatores associados. Aquichan. 2015; 15(3): 339-350. DOI: 10.5294/aqui.2015.15.3.3
RESUMO
Identificar alguns fatores associados com a violência física por parceiro íntimo na gestação. Estudo transversal, com 358 puérperas residentes no município de Maringá (Paraná), atendidas pelo Sistema Único de Saúde, em que foi utilizado o instrumento World Health Organization Violence Against Women. A análise de associação foi realizada por meio do Odds Ratio OR. A prevalência da violência física por parceiro íntimo na gestação foi de 7,5%, sendo maior entre as multigestas (89%; OR = 6,3; p<0,001). Houve associação significativa da violência física por parceiro íntimo na gestação com não ter religião (OR = 3,1; p = 0,008), ter fumado na gestação (OR = 2,7, p = 0,025) e ter filhos de outro parceiro (OR = 3,4; p = 0,011). Com relação às características do companheiro, houve associação com o companheiro não ter trabalhado durante a gestação (OR = 8,2; p<0,001) e uso de drogas ilícitas (OR = 3,1, p = 0,031). Os profissionais de saúde que atendem no pré-natal devem investigar possíveis ocorrências de violência física na gestação, principalmente em mulheres multigestas, e oferecer atenção multidisciplinar extensiva à família, do planejamento familiar ao cuidado psicossocial.
PALAVRAS-CHAVE
Violência contra a mulher, gestação, saúde da mulher, maus-tratos conjugais, violência doméstica (Fonte: DeCS, BIREME).
RESUMEN
Identificar algunos factores asociados a la violencia física por compañero íntimo en el embarazo. Estudio trasversal con 358 puérperas habitantes del municipio de Maringá (Paraná, Brasil), atendidas por el Sistema Único de Salud, en el que se utilizó el instrumento World Health Organization Violence Against Women. El análisis de asociación se realizó por medio del Odds Ratio (OR). La prevalencia de la violencia física por compañero íntimo en el embarazo fue de 7,5%, siendo mayor entre las multigestas (89%; OR = 6,3; p<0,001). Hubo asociación significativa de la violencia física por compañero íntimo en el embarazo con no tener religión (OR = 3,1; p = 0,008), haber fumado en el embarazo (OR = 2,7, p = 0,025) y haber tenido hijo de otra pareja (OR = 3,4; p = 0,011). En relación con las características de la pareja, hubo asociación con el no haber trabajado durante el embarazo OR = 8,2; p<0,001) y el uso de drogas ilícitas (OR = 3,1, p = 0,031). Los profesionales de salud que atienden en el prenatal deben investigar posibles ocurrencias de violencia física en el embarazo, sobre todo en mujeres multigestas, y ofrecer atención multidisciplinaria extensiva a la familia, desde la planeación hasta el cuidado psicosocial.
PALABRAS CLAVE
Violencia en contra de la mujer, embarazo, salud de la mujer, maltratos conyugales, violencia doméstica (Fuente: DeCS, BIREME).
ABSTRACT
The purpose of this research was to identify some of the factors associated with intimate partner violence perpetrated during pregnancy. This is a cross-sectional study of 358 puerperae residing in the city of Maringa (Parana, Brazil), who were being served by the Unified Health System. The World Health Organization Violence against Women Instrument was used. An association analysis was performed using the Odds Ratio (OR). The prevalence of intimate partner physical violence during pregnancy was 7.5%, being higher among women who have had multiple pregnancies (89%; OR = 6.3; p < 0.001). A significant association was found between intimate partner physical violence during pregnancy and lack of religion (OR = 3.1; p = 0.008), smoking during pregnancy (OR = 2.7, p = 0.025) and having had a child with another partner (OR = 3.4; p = 0.011). As for the characteristics of the couple, there was an association with the male partner not having worked during the pregnancy (OR = 8.2; p <0.001) and with the use of illicit drugs (OR = 3.1, p = 0.031). Health professionals who provide prenatal care should investigate possible instances of physical violence during pregnancy, especially among women who have had multiple pregnancies, and offer extensive multidisciplinary care for the family, ranging from planning to psychosocial assistance.
KEYWORDS
Violence against women, pregnancy, women's health, spousal abuse, domestic violence (Source: MeSH, NLM).
Introdução
A gestação é um período em que as mulheres enfrentam muitas mudanças, podendo ser uma fase vulnerável quanto às condições psicológicas, de autonomia e algumas vezes financeira, possibilitando uma predisposição à violência ou ao seu agravamento (1). Tem sido relatado que o maior perpetrador de violência contra mulher é o seu parceiro íntimo (2, 3), como expressão da dominação masculina representada por indicadores como o ciúme doentio, o controle e o isolamento da mulher de seu ambiente social (4).
A maioria dos países apresenta prevalências de violência física cometidas por parceiro íntimo na gestação entre 2% e 13,5%, com maior predomínio nos países da África e da América Latina (5). O menor índice encontrado foi de 2% em países como a Austrália, Dinamarca, Camboja e Filipinas e os maiores foram de 10,6% na Colômbia, 11,1% na Nicarágua e 13,5% na Uganda (5).
As mulheres que sofrem violência física na gestação geralmente apresentam escolaridade e renda familiar baixa, referem não ter apoio paterno durante a gestação, e frequentemente iniciam o pré-natal tardiamente (6). As complicações da violência para a saúde da mulher vão desde a depressão, vícios nocivos como o uso de álcool, de tabaco e de drogas ilícitas, até o baixo peso ao nascimento, prematuridade e desfechos fatais para a mãe e o feto (6).
Apesar de a literatura demonstrar como a violência atinge negativamente a gestação para a saúde da mãe e do concepto, ainda existe uma invisibilidade social desse fenômeno (7) que pode ser minimizada com a realização de estudos sobre esse tema. Identificar a ocorrência de episódios de violência, as características das mulheres na gestação e de seus companheiros são possíveis abordagens que podem contribuir para elaboração de uma assistência mais adequada (8). A análise da violência contribui para legitimar esse agravo como um problema para a área da saúde pública, e necessita ser abordado tanto como tema de pesquisa como na assistência (9), a fim de suprir a lacuna existente no conhecimento envolvendo a violência física por parceiro íntimo durante a gestação.
Assim, foi objetivo deste estudo identificar os fatores associados à violência física por parceiro íntimo na gestação, em um município de médio porte da região sul do Brasil.
Materiais e métodos
Trata-se de um estudo transversal com puérperas residentes em Maringá, Paraná, internadas em unidade de alojamento conjunto de dois hospitais de referência do Sistema Único de Saúde —SUS—.
A amostra foi calculada considerando os 2.178 partos financiados pelo SUS em residentes no município no ano de 2011, com um nível de confiança de 95% e margem de erro de 4%. A amostra foi composta por 358 puérperas, já considerados 10% para possíveis perdas. Como não foram identificados estudos na região ou no estado do Paraná sobre violência à mulher na gestação, a prevalência estimada de 20% foi fundamentada em estudo realizado na cidade do Rio de Janeiro (6) que avaliou a violência física por parceiro íntimo durante a gestação como fator de risco para a má qualidade da assistência pré-natal.
A participação de puérperas nesta pesquisa foi voluntária e foram incluídas puérperas em qualquer idade, com conceptos acima de 500g, que estivessem internadas em unidade de alojamento conjunto e em condições físicas e mentais para responder ao questionário. O período de coleta de dados ocorreu de 21 de dezembro de 2012 a 6 de abril de 2013 por meio de entrevista às puérperas.
A variável dependente foi a ocorrência de Violência Física por Parceiro Íntimo —VFPI— durante a gestação atual ou em gestações anteriores investigadas por meio da seguinte pergunta às mulheres: "Houve alguma ocasião na vida em que você foi agredida fisicamente por seu companheiro quando estava grávida?". Foi utilizado o questionário World Health Organization Violence Against Women —WHO VAW—, instrumento multidimensional de pesquisa validado no Brasil (10), sendo acrescentadas outras perguntas também pertinentes ao tema de estudo.
As variáveis selecionadas como possíveis fatores associados à violência física durante a gestação contemplaram características socioeconômicas, hábitos da mãe, antecedentes obstétricos e reprodutivos, e características e hábitos do companheiro atual. As variáveis socioeconômicas pesquisadas foram: idade (10 a 19 anos, 20 a 34 anos e > 35 anos), escolaridade (1 a 4 anos de estudo, 5 a 8 anos de estudo, 9 a 11 anos de estudo e > 12 anos de estudo), ter companheiro (sim ou não), ocupação (do lar/ estudante, carteira assinada, autônoma), raça/cor (preta/parda, branca/amarela) e renda familiar (<3 salários-mínimos e > 3 salários-mínimos).
Com relação às variáveis dos hábitos da mãe foram questionadas: religião (católica, evangélica, outra e nenhuma), ingesta de bebida alcoólica na gestação, tabagismo na gestação e uso de drogas (todas dicotomizadas em sim ou não).
Os antecedentes obstétricos e reprodutivos analisados no estudo tiveram as seguintes variáveis dicotomizadas (sim ou não): óbito fetal, aborto, filho prematuro, filho com baixo peso ao nascimento, recusa do uso de camisinha, filho de outro pai. A variável idade da primeira relação sexual foi categorizada em <16 anos e ≥16 anos, e a paridade em multigesta e primigesta.
Foram investigadas também características e hábitos do companheiro atual. As variáveis foram: idade (10 a 19 anos, 20 a 34 anos e ≥35 anos), escolaridade (1 a 4 anos de estudo, 5 a 8 anos de estudo, 9 a 11 anos de estudo e ≥12 anos de estudo), frequência da ingesta de bebida alcoólica (todos ou quase todos os dias, 1 vez na semana, 1 ou duas vezes ao mês, nunca). As variáveis trabalho na gestação, desejava a gestação atual da parceira e uso de drogas foram dicotomizadas em sim e não.
Os dados foram tabulados e organizados em planilha eletrônica do programa Excel versão 2007, com dupla digitação independente. Após a verificação de erros e inconsistências, os dados foram analisados por meio de técnicas de estatística descritiva utilizando o software Statística 7. Para o teste qui-quadrado foi utilizado o software Epi Info 7, considerando α=5%. Foi utilizado o Odds Ratio—OR— para mensurar a magnitude da associação entre as variáveis e seu respectivo intervalo de confiança—IC—.
A coleta de dados foi realizada por duas enfermeiras capacitadas previamente. Foi realizado estudo piloto prévio e observadas todas as recomendações éticas e de segurança para a realização de estudos que abordam a violência doméstica contra a mulher (11).
As entrevistas foram realizadas em uma sala dos hospitais reservada para esse fim, com o objetivo de garantir privacidade à mulher, com duração média da entrevista de aproximadamente 40 minutos. Após a entrevista, foi entregue a todas as puérperas um folheto com os locais de referência no município para assistência em situações de violência, constando o nome das instituições, endereços e telefones, seguido de orientações complementares.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá, sob o Parecer 170.704/2012. Todas as participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, cumprindo os requisitos da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.
Resultados
Das 358 puérperas entrevistadas 27 (7,5%) relataram algum episódio de violência física por parceiro íntimo durante a gestação. Houve associação significativa da violência física na gestação com relato de ser multigesta, não ter religião e ter fumado durante a gestação (OR = 6,3; p = 0,001; OR = 3,1; p = 0,008; OR = 2,7, p = 0,025; respectivamente) (tabela 1).
Verificou-se que das 27 mulheres que relataram violência física durante a gestação, 89% eram multigestas (OR = 6,3; p < 0,001). Assim, a partir dessa constatação, e considerando as diferenças entre multigestas e primigestas quanto ao seu perfil e desfechos maternos e perinatais (12), a análise da tabela 2 foi realizada considerando o grupo de mulheres que já tinham pelo menos uma gestação anterior. Para a análise da tabela 3 considerou-se somente as mulheres que relataram a presença de companheiro, independentemente da paridade.
A tabela 2 mostra que para as mulheres multigestas a VFPI na gestação esteve associada com o fato de a mulher ter um ou mais filhos de outro companheiro que não o atual (OR = 3,4; p = 0,011). Ressalta-se ainda que a violência física foi mais frequente para alguns desfechos indicativos de risco obstétrico, tais como o óbito fetal, aborto e filhos anteriores nascidos com baixo peso, como também o início da atividade sexual antes dos 16 anos de idade e a recusa do uso de camisinha pelo parceiro.
Quanto às características do companheiro, houve associação da violência física durante a gestação com o fato de o companheiro não ter trabalhado durante a gestação (OR = 8,2; p < 0,001) e ter usado ou usar drogas ilícitas (OR = 3,1, p = 0,031) (tabela 3).
Discussão
A prevalência de violência física na gestação encontrada neste estudo foi de 7,5%, valor semelhante aos resultados descritos em pesquisa realizada com puérperas em uma maternidade no ABC paulista, estado de São Paulo com prevalência de 7,6% para gestantes e puérperas em duas maternidades públicas municipais (13). Menor prevalência foi encontrada em estudo com gestantes em atendimento de consultas de pré-natal na rede pública de saúde em Campinas, São Paulo, com 5,7% (14).
Por outro lado, a prevalência de 7,5% deste estudo foi inferior à verificada na cidade do Rio de Janeiro (20%) (6), resultado de estudo realizado em três hospitais públicos daquele município. Essa diferença na prevalência de violência física na gestação, entre as mulheres residentes em Maringá e no município do Rio de Janeiro, mostra, em primeiro lugar, a necessidade de que estudos desta natureza sejam realizados em diferentes regiões e municípios do país, pois as condições de vida, de acesso a serviços públicos e as condições socioeconômicas diferenciadas influenciam nesses resultados. Por outro lado, é importante considerar que essas diferenças podem estar associadas a características da região relativas a investimentos em políticas públicas de incentivo às denúncias, maior disponibilidade de serviços de referência às mulheres e suas famílias, investimentos em campanhas de divulgação que possibilitem maior visibilidade desse agravo, e também mudança de valores e a conscientização por parte da mulher, acerca de seus direitos. Esses fatores podem propiciar melhoria nas notificações dos casos e das formas de monitoramento de tal tipo de evento, acentuando as diferenças observadas nas prevalências de violência física na gestação.
Destaca-se ainda que esse diferencial nas prevalências de violência física na gestação pode refletir o uso de diferentes instrumentos de pesquisa para identificação dos casos, além de contextos historicamente construídos por ideologias que legitimam e classificam homens e mulheres com papéis sociais desiguais e com relações assimétricas de dominação masculina (15). Esses fatores devem ser considerados quando os resultados das pesquisas são comparados entre si. Assim, enfatiza-se que os profissionais de saúde devem estar cientes da real situação desse agravo no seu município para melhor orientar suas ações junto à comunidade em geral, e no atendimento ao pré-natal em particular.
Considerando que a violência raramente inicia-se durante a gestação, já que com frequência configura-se um padrão regular e sistemático de relacionamento do casal, é fundamental que o tema seja abordado desde a primeira consulta de pré-natal nos serviços de saúde, buscando-se identificar as famílias que vivenciaram conflitos conjugais, mesmo antes da atual gestação. Da mesma forma, identificar situações de violência deveria fazer parte da rotina de internação e atendimentos das maternidades, especialmente quanto às gestantes que iniciaram tardiamente e/ ou tiveram um número reduzido de consultas pré-natais (6).
Ao interpretar os resultados aqui apresentados devem-se considerar ainda as dificuldades em abordar o tema da violência por parceiro íntimo. Existe a possibilidade de graus variados de constrangimento da mulher ao assumir ter sido vítima de alguma violência, fato que depende tanto da sua percepção do que seja a violência, quanto da coragem de confirmar algo que para ela pode ser humilhante e embaraçoso. Assim, é possível que todos esses fatores contribuam para a variabilidade das prevalências em diferentes cenários socioculturais e municípios diversos.
A religião foi um fator com associação significativa à ocorrência de violência física na gestação. As mulheres que relataram ter alguma religião apresentaram menor prevalência de VFPI na gestação do que as mulheres que disseram não ter religião, associação importante que deve ser considerada e melhor explorada em futuras pesquisas. É necessário ponderar, entretanto que a religião constitui uma variável de interpretação difícil por envolver dogmas religiosos que interferem no relato da violência. Assumir não ter religião pode ser tabu na sociedade cristã, e assumir ser vítima de violência também pode ter esse caráter. Tal fato deve ser considerado como possível dificuldade da mulher que relata ter religião admitir a ocorrência de violência pelo parceiro.
A violência física mostrou associação com o tabagismo da mulher durante a gestação, o que pode ter algumas interpretações como uma possível perda da autoestima que leva a mulher a adquirir comportamentos de risco, como o hábito de fumar para aliviar o estresse e o sofrimento causados pela violência (16), assim como a convivência com parceiros tabagistas exercendo uma importante influência quanto a não cessação do hábito durante a gestação (17). Lembrando que as associações aqui encontradas não podem ser consideradas uma relação de causa e efeito, devido o delineamento do estudo.
O fato de a violência física ser mais frequente em mulheres multigestas, resultado encontrado no presente estudo, concorda com outros autores (18). Considera-se que as mulheres com mais filhos são mais suscetíveis à violência supondo que um maior número de filhos pode aumentar o estresse na família. Indo mais adiante pode acontecer que essas mulheres que sofrem violência física também são vitimas de outras formas de violência gerando uma situação de submissão, que por sua vez levaria a um menor poder de negociação no cotidiano como, por exemplo, na relação sexual e quanto ao uso de meios contraceptivos o que as deixam mais suscetíveis à gravidez tornando-as mães de vários filhos (19).
A associação da violência física na gestação e filhos de outro parceiro encontrada neste estudo, também foi relatada em um estudo realizado no México, o qual faz referência à violência no período gestacional como um padrão mais grave de violência, que além de comprometer a saúde da mulher, pode comprometer futuramente também a infância, quando a violência passa a ser exercida por seu parceiro também em seus filhos (19).
Com relação às características do companheiro, a VFPI na gestação foi mais frequente quando este estava desempregado durante a gestação. O fato de estar sem renda pode resultar na percepção do companheiro de que a esposa é financeiramente independente ou que pode se tornar chefe de família aumentando a chance de episódios de violências, incluindo a violência física (20).
Outro resultado deste estudo foi a associação da violência física e o uso de drogas pelo parceiro, corroborando com achados de outros estudos (14, 21). Na cidade de Campinas, no estado de São Paulo, foi descrito o uso de drogas pelo companheiro como fator preditivo para violência (14). Recentemente, na cidade de Pelotas, estado do Rio Grande do Sul, um estudo apontou que o uso de drogas lícitas ou ilícitas no meio familiar pode gerar conflitos e resultar em atos de violência (21).
Este estudo apresenta dados úteis para orientar as iniciativas dos gestores e de profissionais da saúde visando à melhoria da qualidade da atenção a mulher durante a gestação. Entretanto, é importante ressaltar algumas limitações, principalmente aquelas decorrentes da dificuldade de abordagem do tema, pois a prevalência de violência física durante a gestação foi estimada tendo como fonte o relato da mulher. Considera-se que essa resposta envolve fatores culturais e emocionais podendo ser enfrentada com dificuldade, possibilitando a algumas mulheres omitirem a ocorrência desse agravo.
Finalmente, mesmo considerando que um estudo do tipo transversal como o presente não tem poder de estabelecer relação de causalidade da violência com as variáveis analisadas, a complexidade e a importância da violência como um problema de saúde pública presente na comunidade remetem à necessidade de se conhecer os fatores envolvidos com fins de legitimar esse agravo no âmbito da atenção à saúde.
Embora tenha sido observado aumento da produção científica sobre a violência nos últimos anos, ainda existem lacunas do conhecimento, sendo necessário investigar outros contextos desse agravo como, por exemplo, aspectos psicológicos das gestantes vítimas de violência, experiências positivas de redes de apoio às mulheres e seus companheiros, e a efetividade dos serviços de saúde no cuidado e assistência às vítimas.
Conhecer os fatores que se associam à ocorrência da violência física permite instrumentalizar os profissionais da saúde, especialmente o enfermeiro, a identificar essas características na mulher e sua família priorizando um atendimento mais próximo, com equipe multiprofissional e abordagem interdisciplinar, a fim de elaborar uma assistência direcionada e específica para encaminhamentos necessários no sentido de proteger a mulher, seus filhos e sua família. Sugere-se que o agravo da violência seja considerado e incorporado definitivamente aos serviços para que seja investigado pelos profissionais de saúde na rotina do atendimento à mulher "em geral" e durante o pré-natal em, particular.
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