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Aquichan
Print version ISSN 1657-5997
Aquichan vol.15 no.3 Bogotá July/Sep. 2015
https://doi.org/10.5294/aqui.2015.15.3.7
Relação familiar da pessoa idosa com comprometimento da capacidade funcional
Relación familiar del adulto mayor con comprometimiento de la capacidad funcional
Family Relationships of Elderly Adults with Compromised Functional Capacity
Luana Araújo dos Reis1
Nadirlene Pereira Gomes2
Luciana Araújo dos Reis3
Tânia Maria de Oliva Menezes4
Telmara Menezes Couto5
Aline Cristiane de Souza Azevedo Aguiar6
Margarida da Silva Neves de Abreu7
1 Enfermeira. Universidade Federal da Bahia, Brasil.
luareis1@hotmail.com
2 Doutora em enfermagem. Universidade Federal da Bahia, Brasil.
nadirlenegomes@hotmail.com
3 Doutora em ciências da saúde. Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Brasil.
lucianauesb@yahoo.com.br
4 Doutora em enfermagem. Universidade Federal da Bahia, Brasil.
tomenezes50@gmail.com
5 Doutora em enfermagem. Universidade Federal da Bahia, Brasil.
telmaracouto@gmail.com
6 Enfermeira. Universidade Federal da Bahia, Brasil.
alinecte@hotmail.com
7 Doutora em enfermagem. Escola Superior de Enfermagem do Porto, Brasil.
mabreu@esenf.pt
Recibido: 04 de mayo de 2015 / Enviado a evaluadores: 14 de mayo de 2015 / Aceptado por evaluadores: 21 de julio de 2015 / Aprobado: 28 de julio de 2015
Para citar este artículo / To reference this article / Para citar este artigo
Araújo dos Reis L. Pereira Gomes N. Araújo dos Reis L. De Oliva Menezes TM. Menezes Couto T. De Souza Azevedo Aguiar AC. Da Silva Neves de Abreu M. Relação familiar da pessoa idosa com comprometimento da capacidade funcional. Aquichan. 2015;15(3):393-402. DOI: 10.5294/aqui.2015.15.3.7
RESUMO
Objetivo: compreender a relação familiar da pessoa idosa com comprometimento da capacidade funcional. Materiais e métodos: estudo exploratório e descritivo de abordagem qualitativa, fundamentado no método da história oral, realizado com 15 pessoas idosas assistidas por uma unidade de saúde da família, residentes com familiares e que apresentavam comprometimento da capacidade funcional. Os dados foram coletados no período de março a abril de 2012, por meio de entrevistas em profundidade. As categorias temáticas foram: bom relacionamento familiar, mudanças na relação familiar, sentindo-se um incômodo para a família, sentindo-se abandonado pela família. Resultado: o estudo revelou que as pessoas idosas com comprometimento da capacidade funcional vivenciam sentimentos variados, que vão desde a alegria, por serem respeitadas e terem suas necessidades atendidas, à tristeza e revolta, pela adaptação negativa da família e o abandono dos filhos. Conclusão: a relação familiar da pessoa idosa passa por reajustes após o comprometimento da capacidade funcional, o que repercute significativamente na dinâmica das relações. A partir dessa compreensão, os profissionais de saúde, sobretudo de enfermagem, devem reconhecer os desafios enfrentados pela família, orientá-la e capacitá-la para o atendimento às demandas de cuidado apresentadas pela pessoa idosa com comprometimento da capacidade funcional, e favorecer a realização do cuidado sem que haja desgaste das relações.
PALAVRAS-CHAVE
Idoso, relações familiares, incapacidade funcional, Enfermagem (Fonte: DeCS, BIREME).
RESUMEN
Objetivo: comprender la relación familiar de la persona adulta con comprometimiento de la capacidad funcional. Materiales y métodos: estudio exploratorio y descriptivo de abordaje cualitativo, fundamentado en el método de la historia oral, realizado con 15 adultos mayores asistidos por una unidad de salud de la familia, residentes con familiares y que presentaban comprometimiento de la capacidad funcional. Se recolectaron los datos en el período de marzo y abril del 2012, por medio de entrevistas en profundidad. Las categorías temáticas fueron: buena relación familiar, cambios en la relación familiar, sintiéndose un estorbo para la familia, sintiéndose abandonado por la familia. Resultado: el estudio ha revelado que las personas mayores con comprometimiento de la capacidad funcional vivencian sentimientos diversos que van desde la alegría porque son respetadas y tienen sus necesidades atendidas, hasta la tristeza y revuelta, por la adaptación negativa de la familia y el abandono de los hijos. Conclusión: la relación familiar de la persona mayor pasa por reajustes luego del comprometimiento de la capacidad funcional, lo que repercute significativamente en la dinámica de las relaciones. Desde esta comprensión, los profesionales de salud, sobre todo de enfermería, deben reconocer los retos a los que la familia afronta, orientarla y capacitarla para la atención a las demandas de cuidado presentadas por la persona mayor con comprometimiento de la capacidad funcional, y favorecer la realización del cuidado sin que esto desgaste las relaciones.
PALABRAS CLAVE
Adulto mayor, relaciones familiares, discapacidad funcional, Enfermería (Fuente: DeCS, BIREME).
ABSTRACT
Objective: This research was intended to understand the family relationships of adults with compromised functional capacity. Materials and Methods: It is an exploratory, descriptive study with a qualitative approach, based on the oral history method. The sample included 15 elderly adults who were being assisted by a family health unit, were living with family members, and had compromised functional capacity. The data were collected between March and April 2012, through in-depth interviews. The subject categories were: good family relationships, changes in family relationships, feeling of being a nuisance to the family, and feeling abandoned or neglected by the family. Result: The study found that elderly adults with compromised functional capacity experience a variety of feelings that range from joy, because they are respected and their needs are met, to sadness and shock over their family's negative adjustment to the situation and by being abandoned or neglected by their children. Conclusion: The dynamics of the family relationships of elderly adults change significantly when the person's functional capacity is compromised. With this in mind, health professionals, especially nurses, must recognize the challenges the family faces and be prepared to guide and train family members to satisfy the demands of caring for an elderly relative with compromised functional capacity and to favor rendering the care that is needed without jeopardizing family relationships.
KEYWORDS
Elderly adults, family relationships, functional disability, nursing (Source: DeCS, BIREME).
Introdução
O cenário mundial experimenta uma transição demográfica, caracterizada por decréscimo no número de jovens e aumento expressivo de pessoas idosas. O Brasil apresenta uma conjuntura semelhante ao restante do mundo visto que seu índice de envelhecimento elevou-se de 31,7% em 2001, para 51,8% em 2011, ou seja, aproximadamente uma pessoa de 60 anos ou mais de idade para cada duas pessoas com menos de 15 anos (1).
Dentre os problemas comumente desencadeados pelo avançar da idade destaca-se a incapacidade funcional, definida como um conjunto de alterações que acarreta maior dependência de cuidadores e traz importantes prejuízos à saúde e à qualidade de vida da pessoa idosa. Resulta na diminuição da capacidade de auto-cuidado e, algumas vezes, de mobilidade, o que ocasiona baixa autoestima, depressão e menor vontade de viver (2, 3).
Quando a incapacidade funcional ocorre, a família passa a desempenhar o papel principal, no que se refere ao suporte à pessoa idosa dependente. Em geral, a família assume a tarefa do cuidado diário, muitas vezes sem o preparo e o conhecimento adequados, além de escassos recursos físicos, financeiros e humanos (4, 5).
Embora a velhice não seja sinônimo de doença, existe uma associação entre o envelhecimento e o grau de dependência (6). A dependência é um estado no qual as pessoas necessitam de assistência ou ajuda para realizar os atos correntes de vida, em decorrência de falta ou perda de autonomia física, psíquica ou intelectual (4).
No cuidado à pessoa idosa dependente e seus cuidadores, é importante observar em que medida o relacionamento familiar pode ser alterado pela situação de dependência, para que famílias vulneráveis sejam identificadas e mais bem assistidas (7).
Em 2008, o Ministério da Saúde lançou o Guia Prático do Cuidador, que orienta sobre a prestação de cuidados à pessoa idosa dependente no domicílio e, assim, torna a família cada vez mais responsável pelo cuidado (8).
A família permite a construção de relações profundas e sentimentos positivos de afeto, proporciona segurança e proteção aos que dela partilham, além de oferecer suporte nos momentos de dificuldades. No entanto, também pode ser um ambiente de desestabilização do indivíduo. Logo, da mesma forma em que é um ambiente de proteção, a família também pode ser um lugar de conflitos e geração de doença (9, 10).
Com base nessas constatações e nas observações em campos de prática direcionadas a pessoas idosas, questiona-se: como é a relação familiar da pessoa idosa com comprometimento da capacidade funcional? Tal inquietação justifica-se pela necessidade de os profissionais de saúde, sobretudo de enfermagem, reconhecerem os desafios enfrentados pela família no atendimento das demandas de cuidado apresentadas pela pessoa idosa com comprometimento da capacidade funcional e, desse modo, contribuírem com a promoção da saúde e prevenção das crises familiares decorrentes dos reajustes familiares necessários para o suporte adequado à pessoa idosa.
Assim, este estudo teve como objetivo compreender a relação familiar da pessoa idosa com comprometimento da capacidade funcional.
Materiais e métodos
Trata-se de um estudo exploratório e descritivo, de abordagem qualitativa, fundamentado pelo método da história oral. Esse método consiste na narrativa do conjunto da experiência de vida de uma pessoa e possibilita maior qualidade e profundidade dos dados, além de permitir uma maior aproximação com a relação familiar vivenciada cotidianamente (11).
O estudo foi desenvolvido junto a pessoas idosas assistidas por uma unidade da Estratégia de Saúde da Família (ESF) no interior da Bahia (nordeste do Brasil). O município, localizado no sudoeste baiano, conta com assistência primária à saúde com quatro Centros de Saúde, 16 Unidades Básicas de Saúde (UBS), 18 unidades da ESF, com 21 equipes, e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que totalizam 308 agentes.
Foram convidadas a participar do estudo 15 pessoas idosas (idade igual ou superior a 60 anos), de ambos os sexos, que atenderam aos critérios de inclusão: residir com familiares, apresentar comprometimento da capacidade funcional e demonstrar condições cognitivas para responder ao instrumento de coleta de dados. Para avaliar o comprometimento da capacidade funcional, foi aplicado o Índice de Barthel (12), utilizado para avaliar as atividades básicas de vida diária, e a Escala de Lawton (13), utilizada para avaliar as atividades instrumentais de vida diária; para avaliar o estado cognitivo, foi aplicado o Miniexame do Estado Mental (MEEM) (14).
Considerou-se como critério de exclusão não estar presente na residência após duas visitas da pesquisadora. Vale salientar que o contato com as pessoas idosas ocorreu por meio dos ACS, que acompanharam a pesquisadora em visitas domiciliares para aproximação com as pessoas idosas, sendo, posteriormente, agendada data para a realização da entrevista.
As entrevistas foram realizadas a partir de visitas às residências das pessoas idosas, em diferentes dias e horários, no período de março a abril de 2012. A pesquisadora realizou as visitas acompanhada dos ACS da área; na primeira visita, aconteceu a aproximação com a pessoa idosa e seus familiares; na segunda, procedeu-se à entrevista. Tal conduta intencionou garantir maior liberdade aos depoentes e fidedignidade de suas respostas ante as questões do instrumento de pesquisa: como era sua relação com seus familiares antes do comprometimento da capacidade funcional? Como é sua relação com seus familiares hoje, depois do comprometimento da capacidade funcional? Para facilitar a compressão dos participantes do estudo, explicou-se o que é capacidade funcional e quais as implicações de sua limitação na vida diária.
Os dados foram analisados concomitantemente às entrevistas. A inclusão de novos participantes no estudo foi interrompida a partir do momento em que as inquietações da pesquisadora foram respondidas e o objetivo do estudo alcançado. As entrevistas foram transcritas na íntegra e sistematizadas por meio da Análise de Conteúdo Temática Categorial, que consiste em procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens que viabilizam a análise das comunicações e, assim, a obtenção de indicadores. Estes, por sua vez, possibilitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/ recepção das mensagens (15).
Com base nessa técnica, o processo de sistematização deuse da seguinte forma: inicialmente, realizou-se leitura flutuante do material bruto para identificação do corpus de sentido; em seguida, delinearam-se as categorias temáticas por meio das quais se organizaram as falas; por último, interpretaram-se os depoimentos.
Por se tratar de uma pesquisa que envolve seres humanos, foram observados os aspectos éticos disciplinados pela Resolução 196/968, do Conselho Nacional de Saúde — Ministério da Saúde, em vigor no momento da pesquisa, com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Escola de Enfermagem da Universidade Federal da Bahia, mediante Parecer 41/2011. A participação no estudo se deu somente após a assinatura, em duas vias, do termo de consentimento livre e esclarecido; além disso, o anonimato dos participantes foi garantido e foram atribuídos a eles nomes fictícios de flores.
Resultados
Os 15 participantes, 11 mulheres e 4 homens, tinham entre 65 e 88 anos, 6 casados, 6 divorciados, 1 solteiro e 2 viúvos. No que se refere ao grau de escolaridade, 1 não era alfabetizado, 5 consideravam-se alfabetizados, 8 possuíam o ensino fundamental incompleto e apenas 1 pessoa idosa concluiu o ensino médio. Quanto à renda média mensal, 13 possuíam renda média de um salário-mínimo e 2 recebiam mais de um salário-mínimo.
A seguir, são apresentadas as representações da relação familiar dos participantes organizadas em quatro categorias temáticas: "bom relacionamento familiar", "mudanças na relação familiar", "sentindo-se um incômodo para a família", "sentindose abandonado pela família", tomando por base os depoimentos dos participantes. Sua discussão fundamentou-se em autores que abordam a temática.
Bom relacionamento familiar
Entre as pessoas idosas com comprometimento da capacidade funcional em que houve satisfatória adaptação familiar para atender às novas demandas, foi destacado o respeito e a boa relação, o que despertava sentimentos positivos e possibilitava inferir que o cuidar do outro em sua plenitude contribui para o seu bem-estar. Ressalta-se, pois, que se trata de pessoas idosas que coabitam com filhos que entendem e respeitam as limitações impostas pelo processo de envelhecimento.
Ah, a nossa relação é ótima. São cinco filhos [...]. Eu trato meus filhos como se fossem meus amigos e eu sou para eles como se fosse confidente, sabe? Então, eles têm liberdade de conversar o que quiser comigo, falar da vida deles, como é que está. Sempre com respeito (Acácia).
A relação é boa. Ele [filho adotivo] é um menino de boa cabeça, não bebe, não fuma, só liga mesmo para o trabalho. A mulher [esposa do filho] trabalha num armarinho, trabalha lá mais a mãe (Cravo).
A nossa relação é maravilhosamente bem. O menino é adotado, mas eu tenho amor igual um filho. A nora, não tenho o que dizer dela também, nunca discutimos, nunca tivemos diferença nenhuma (Orquídea).
Mudanças na relação familiar
A pessoa idosa com comprometimento da capacidade funcional e sua família enfrentam muitas limitações que resultam em mudanças significativas na rotina familiar. Tais limitações implicam diretamente as relações.
Antigamente, quando eu podia fazer as coisas, eles me respeitavam. Mas, hoje em dia, falta amor, consideração, respeito. Tem que ter mais amor e respeitar o outro. Ter mais consideração (Flor de Lótus).
A nossa relação hoje é ruim, me tratam muito mal. Toda vida foi sempre boa. Mas, agora que preciso deles, está assim (Gardênia).
Constatou-se, também, o despreparo das famílias para lidar com o indivíduo que envelhece e com as mudanças que ocorreram nas relações familiares após o comprometimento funcional da pessoa idosa. A não adaptação positiva ou negativa da família para atender às necessidades da pessoa idosa dependente pode, inclusive, expressar-se em situações conflituosas e trazer sofrimento:
[...] Minha filha me maltratava muito por eu não estar mais ouvindo direito. Hoje, eu prefiro não falar mais sobre isso, porque me traz muitas lembranças ruins. É muito sofrimento (Jasmin).
[...] Quanto mais velhos ficamos, ficamos mais fracos e nos tornamos incapazes. Parece que viramos criança de novo e dependemos de cuidados dos outros. Por isso sofremos. Isso é culpa da velhice (Dália).
Sentindo-se um incômodo para a família
Diante da dependência e da dificuldade ou impossibilidade de assumir o autocuidado e controlar a própria vida, a pessoa idosa sente-se um incômodo para seus familiares:
[...] Sinto-me triste, incomodando, inválido por dar trabalho à minha família (Lírio).
[...] Eu me sinto bem cuidada e querida por minha família, mas me sinto também incomodada por dar trabalho e acho que eles se preocupam demais comigo. Não podem viajar, para não me deixar só, porque eu não aguento mais viajar muito. Tenho medo de piorar e dar mais trabalho ainda (Mimosa).
O estudo revelou, ainda, que as pessoas idosas buscam alternativas para não mais dar trabalho aos familiares como, por exemplo, residir em Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI).
[...] Queria mesmo ir morar em um abrigo de velhos (Iris).
[...] Se eu não tivesse nessa cama, eu mesma ia fazer minhas coisas. [...] iria para o abrigo dos velhos (Rosa).
Sentindo-se abandonado pela família
Na ausência da companhia de uma pessoa da família, as pessoas idosas enfrentam grandes desafios diários para lidar com as limitações impostas pelo comprometimento da capacidade funcional, mas, sobretudo, sentem-se abandonadas e infelizes por não contarem com os filhos no momento de fragilidade em que mais precisam de apoio e cuidado.
Minha família é bem distante. De ano em ano que um filho vem me visitar. Só tem essa filha por mim (Ciclame).
É triste! Nós criamos o filho e quando chega a idade, nos vemos sozinho. Eu sei que eu fui uma boa mãe. Eu deixei de comer para dar de comer aos meus filhos. Os filhos casaram, se mudaram e não têm aquela obrigação comigo. Não liga nem para saber se eu comi hoje, se eu estou viva. É muita dor para uma mãe viver assim, largada (Dália).
Discussão
Diante das limitações decorrentes do comprometimento da capacidade funcional, a pessoa idosa passa a depender da ajuda de seus familiares para o desempenho das atividades da vida diária, o que para elas representa uma satisfação ou um incômodo à família e isso desencadeia mudanças nos relacionamentos. Tais mudanças podem ser positivas, com estreitamento das relações familiares em famílias com vínculos fortes e boa renda (7), mas, também, pode comprometer o equilíbrio e integridade das relações (6). Sob esse pensar, apreendeu-se, pelos depoimentos dos participantes, que a família, em sua plenitude, revela-se como cuidadora ao assumir e compartilhar junto a seu ente querido as demandas por ele apresentadas, além de demonstrar respeito e favorecer a manutenção da boa relação familiar. Essa afirmativa é reconhecida no discurso de Acácia, que percebe a relação de confiança como algo benéfico não só para ela, mas também contribui para o fortalecimento do vínculo familiar.
No entanto, em muitos casos, observou-se que a relação familiar com a pessoa idosa antes do surgimento do comprometimento da capacidade funcional, que gerou a dependência, era satisfatória, porém, à medida que ela passa a necessitar de auxílio para realização das Atividades da Vida Diária (AVD), faz-se necessário uma reorganização da estrutura familiar para atendimento de suas necessidades. Nesse celeiro, o cuidado se apresenta, geralmente, como uma tarefa árdua, que pode acarretar consequências para família (6). Ao cuidar da pessoa idosa dependente, a família pode apresentar desânimo e aborrecimento pela dificuldade de conviver com a pessoa idosa, que geralmente não aceita essa condição (16).
Mudanças negativas que se apresentam na relação familiar são influenciadas pela sobrecarga do cuidador familiar, principalmente quando sem apoio e submetido ao isolamento social em decorrência do cuidado (7). Pesquisa realizada em Ribeirão Preto (São Paulo, Brasil) constatou que a dependência da pessoa idosa é um fator de risco para sobrecarga do cuidador e requer, assim, uma abordagem preventiva e a intervenção precoce como prioritárias para essa população (17).
Outro estudo realizado com 70 cuidadores de pacientes diagnosticados com a doença de Alzheimer e 44 cuidadores de sobreviventes de Acidente Vascular Cerebral (AVC) mostrou melhor adaptação da família quando a situação geradora de dependência ocorreu de forma lenta e gradual, como na demência, do que quando ocorreu de forma súbita, como no AVC (18).
Destaca-se que, em meio à capacidade comprometida ou fragilizada da família para o cuidado, a pessoa idosa se abre para outras possibilidades de cuidado, o que a faz desejar ir para uma ILPI. Até tomar a decisão, ela avalia todas as consequências da sua atitude, pois tem ciência de que essa decisão, algumas vezes, será contrária à vontade de seus entes e aos preceitos sociais e legais, que julgam ser responsabilidade da família o cuidado à pessoa idosa. A institucionalização, então, é uma das soluções encontradas para o problema e a IPLI insurge como uma alternativa não familiar de suprir as necessidades de moradia e cuidado dessa população (19).
A manutenção de instituições asilares para abrigar pessoas idosas que não possuem condições de garantir sua própria sobrevivência é responsabilidade do Estado, embora o Estatuto do Idoso saliente que o atendimento da pessoa idosa deve ser feito, preferencialmente, na modalidade não asilar (20).
Estudo realizado em Ijuí (Rio Grande do Sul, Brasil) observou que muitas vezes a opção por residir em um asilo parte da própria pessoa idosa, motivada pelo desejo de encontrar um local no qual tenha atenção, conforto e, especialmente, atendimento a suas necessidades básicas. A situação econômica é um ponto preponderante para a decisão de morar em uma residência para idosos, além da possibilidade de não mais atrapalhar a vida dos familiares (21).
No entanto, em outro estudo com 83 idosos institucionalizados em Coimbra (Portugal), concluiu-se que ter depressão e/ou solidão em determinado momento serão fatores de risco para a persistência dos sintomas depressivos. A pioria ao longo do tempo da solidão, da ansiedade e dos afetos positivos e negativos parece também contribuir para a persistência dos sintomas depressivos. Assim, a solidão apresenta-se como fator de risco para o desenvolvimento da depressão (22).
Outro aspecto evidenciado no presente estudo foi a tristeza da pessoa idosa, revelada no sentimento de revolta, por não serem cuidadas na velhice no momento em que mais precisam de atenção e respeito. Algumas referiram distanciamento e abandono dos filhos nessa fase da vida. Constatações semelhantes foram encontradas em pesquisa com 96 integrantes da ESF em Curitiba (Paraná, Brasil), que constatou que a pessoa idosa, muitas vezes, vivencia a violência intrafamiliar, sendo o abandono e a negligência as formas mais comum reconhecidas pelas equipes da ESF (23).
Estudo realizado com 50 idosos do Arquipélago de Fernando de Noronha (Pernambuco, Brasil) revelou que as pessoas idosas são pessoas solitárias e isoladas, podem apresentar depressão e baixa autoestima, reforçada por sentimentos de culpa e vergonha (24).
Nesse cenário, os profissionais de saúde, entre eles o enfermeiro, podem dar suporte à pessoa idosa, seus familiares ou cuidadores, ao discutir estratégias de adaptação da funcionalidade que visem à sua manutenção. Ademais, podem identificar em sua área de abrangência instituições ou organizações que desenvolvem atividades com idosos, com intuito de ampliar a rede e o suporte social a essas pessoas (25).
Destaca-se, portanto, que o suporte à família tem efeito benéfico para todos os familiares, principalmente para a pessoa idosa. Entendendo a situação, a família prepara-se de forma mais adequada para atender às necessidades da pessoa idosa, e os profissionais de saúde atuam na promoção à saúde e prevenção de agravos, conforme premissas da Atenção Primária à Saúde. Tal ação vai ao encontro do Estatuto do Idoso, que em seu artigo 3° afirma que é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (18).
Ademais, o conhecimento das representações da pessoa idosa acerca da relação familiar após o comprometimento da capacidade funcional pode orientar a conduta dos profissionais de saúde, sobretudo a enfermagem, no sentido de atuar na promoção da saúde, por meio da orientação para a manutenção de um suporte familiar adequado à pessoa idosa.
Conclusão
O estudo permitiu compreender que a relação familiar da pessoa idosa passa por reajustes após o comprometimento da capacidade funcional, o que repercute significativamente na dinâmica das relações. Salienta-se a vivência de variados sentimentos que vão desde a alegria, com a relação de confiança e respeito, até a tristeza e a revolta, pelo despreparo da família em lidar com a situação de dependência. Após o comprometimento da capacidade funcional, as pessoas idosas sentem-se abandonadas pelos familiares e/ou um incômodo para estes, e manifestam o desejo de morar em uma ILPI.
A limitação deste estudo está relacionada com a não generalização dos seus resultados para toda a população, pois representam pessoas idosas cadastradas em uma ESF no interior da Bahia. No entanto, os resultados podem ser aplicados a indivíduos que vivenciem situações similares às dos nossos participantes. Assim, o presente estudo pode servir como referência para que os profissionais que prestam assistência à pessoa idosa, com destaque para enfermagem, possam atuar junto à sua família, no sentido de garantir um acompanhamento adequado, e minimizar o desgaste das relações, além de contribuir para uma melhor qualidade de vida nessa fase da vida.
As constatações deste estudo sugerem a necessidade de realização de pesquisas sobre a temática abordada, tendo em vista a escassez de estudos internacionais que abordem a relação familiar da pessoa idosa com comprometimento da capacidade funcional e a dinâmica de suas relações.
8 A resolução 196/96 foi substituída pela Resolução 466/2012, que trata de pesquisa e testes em seres humanos, publicada no dia 13 de junho de 2013, no Diário Oficial da União. A resolução foi aprovada pelo Plenário do Conselho Nacional de Saúde (CNS) na 240a Reunião Ordinária em dezembro de 2012.
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