Introdução
Ao longo da existência humana, várias correntes de pensamento fundamentaram a história mundial. Diferentes modos de conceber os aspectos do viver foram consolidando as concepções e as práticas da humanidade, e, a cada época, modelos são rompidos para o surgimento de novos paradigmas. No mundo moderno, o modelo cartesiano-newtoniano fundamentou este período no qual a visão reducionista e mecanicista do mundo e da vida foi proeminente. Contudo, com o passar do tempo, discussões sobre novas abordagens e formas de entendimento se tornaram evidentes e hoje representam a contemporaneidade. É dessa forma que o pensamento complexo começa a ter importância, com todas as suas concepções baseadas em conjeturas contrárias ao paradigma mecanicista ainda vigente 1.
A palavra complexidade exprime o incômodo, a confusão, a incapacidade de esclarecer de maneira simples, de nomear de modo claro, de ordenar as ideias. Contudo, os modos simplificadores de conhecimento mutilam mais do que exprimem as realidades ou os fenômenos que o tratam, ficando evidente que eles produzem mais cegueira do que elucidação. O pensamento complexo surge quando o pensamento simplificador falha, integrando em si ordem, clareza, distinção e precisão no conhecimento, recusando as consequências mutiladoras e redutoras. A complexidade aspira ao conhecimento multidimensional 2. É um tipo de pensamento que não separa, mas sim que une e procura as relações essenciais e interdependentes da vida humana, integrando as diferentes maneiras de pensar 3.
Diante das ideias mencionadas, vislumbra-se a possibilidade de promover a gestão das práticas em saúde e enfermagem na perspectiva do pensamento complexo. Isso porque a gestão das práticas em saúde exige a discussão sobre a diversidade humana, o diálogo entre parceiros e atores sociais, reconhecendo as igualdades e diferenças biológicas, sociais, culturais e políticas. O agir individual também apresenta os aspectos citados, que estão inter-relacionados na complexidade do ser humano e nas relações de cuidado 4.
O gerenciamento do cuidado em enfermagem é uma atribuição do enfermeiro que impacta diretamente na promoção da qualidade assistencial e das melhores condições de trabalho para os profissionais. Para isso, o enfermeiro realiza o cuidado, gerencia os recursos materiais e humanos, lidera, planeja a assistência, capacita a equipe de enfermagem, coordena a produção de cuidado e avalia as ações de enfermagem 5. Tendo em vista que a gestão das práticas em saúde e o gerenciamento do cuidado são atividades inerentes ao enfermeiro, torna-se relevante a perspectiva do pensamento complexo, considerando a multidimensionalidade da prática de enfermagem.
Ante o exposto, tem-se como questão de pesquisa: como o pensamento complexo vem sendo utilizado nas publicações científicas de gestão em enfermagem e saúde? Para responder a essa pergunta, objetivou-se evidenciar o conhecimento científico sobre o pensamento complexo nas publicações científicas de gestão em enfermagem e saúde.
Materiais e métodos
Esse estudo trata de uma revisão integrativa da literatura 6, que é um método qualitativo específico que analisa a literatura de modo a fornecer uma compreensão mais abrangente a respeito de determinado fenômeno ou problema. É uma abordagem que permite ser aplicada em diversos tipos de estudos e/ou temas, contribuindo para a prática de enfermagem baseada em evidências científicas. A revisão integrativa auxilia na construção da ciência de enfermagem apresentando o estado da ciência 6.
Para construção dessa revisão integrativa da literatura, utilizaram-se as seguintes etapas: formulação do protocolo para orientação da revisão, juntamente com a formulação da pergunta de pesquisa; coleta de dados nas bases de dados; avaliação dos dados; análise e interpretação dos dados; divisão dos dados em categorias e apresentação dos resultados e conclusões 6.
A coleta de dados foi realizada em maio de 2014, nas bases de dados da Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Bases de Dados de Enfermagem (BDENF) e Publisher Medline (PubMed), utilizando-se a combinação das seguintes palavras-chave: teoria da complexidade, pensamento complexo, Edgar Morin, enfermeiros, enfermagem, organização, administração, gestão e gerência. No Quadro 1, apresenta-se a sintaxe das palavras-chave, isto é, as estratégias de busca empregadas em cada uma das bases de dados selecionadas. Essas combinações de palavras-chave foram necessárias para garantir uma busca mais fidedigna e ampla dos estudos.
A partir dessas combinações, foi localizado um total de 1019 produções. Posteriormente, foram aplicados os critérios de inclusão e exclusão. Os critérios de inclusão adotados foram: artigos disponíveis na íntegra que abordassem a temática administração/gestão/complexidade aliado às áreas de interesse da enfermagem; publicados em português, espanhol ou inglês, independentemente do método de pesquisa utilizado. Foram excluídos artigos de revisão de literatura, ensaios teóricos, reflexões, editoriais, resumos de anais, teses, dissertações, trabalhos de conclusão de curso, boletins epidemiológicos, relatórios, documentos oficiais de programas nacionais e internacionais, livros e estudos que não comtemplassem a pergunta de pesquisa estabelecida. Estudos encontrados em mais de uma base de dados foram contabilizados somente uma vez. Ademais, não foi utilizado recorte temporal. Assim, obteve-se uma amostra de 114 artigos, dos quais 82 foram encontrados na PubMed, 19 na LILACS e 13 na BDENF.
Em seguida, foi realizada a primeira etapa de avaliação, que consistiu na leitura flutuante dos 114 resumos dos artigos, com o objetivo de analisar os títulos e objetivos dos trabalhos de forma a incluir ou excluí-los de análises posteriores. Dessa etapa, resultaram 23 artigos: 12 da PubMed, 6 da LILACS e 5 da BDENF. A partir da leitura dos 23 artigos na íntegra, foi feita a segunda etapa, que resultou em 10 artigos, sendo 7 encontrados na PubMed, 1 na LILACS e 2 na BDENF. Essa exclusão foi feita com vistas a responder à questão de pesquisa. Esse desenvolvimento pode ser observado na Figura 1.
A análise e a interpretação dos dados foram realizadas considerando o conteúdo expresso nos textos, por meio de leitura intensiva e atenta dos pesquisadores, que se utilizaram da sensibilidade teórica, própria dos métodos qualitativos.
Para a identificação dos artigos, foram extraídas informações e procedeu-se à classificação de acordo com alguns indicadores de análise: ano, país, periódico e tipo de publicação, cenário do estudo, abordagem metodológica e nível de evidência científica. Foi elaborado um quadro no software Word® para que, de forma organizada e sintetizada, as informações fossem extraídas e interpretadas pelos pesquisadores.
Para a classificação dos níveis de evidência científica dos artigos, foi utilizada a classificação proposta por Pompeo, Rossi e Galvão 7, detalhada no Quadro 2.
Para a análise do conhecimento científico produzido sobre o pensamento complexo nos artigos selecionados, os pesquisadores agruparam os artigos conforme as similaridades temáticas, relacionadas especificamente à forma como o referencial da teoria da complexidade foi abordado no texto, bem como a sua relação com a gestão em enfermagem e saúde. Os conteúdos foram classificados em categorias de análise, assim determinadas a fim de responder à questão de pesquisa.
Resultados
Pode-se constatar que foi crescente a produção acerca do pensamento complexo nas publicações científicas de gestão em enfermagem e saúde. O ano de 2013, por exemplo, concentrou três (30%) das dez publicações analisadas neste estudo. No que se refere ao país de origem das publicações, cinco (50%) delas ocorreram no Brasil. Dos artigos analisados, observou-se que os periódicos que obtiveram maior destaque foram a Revista Latino- americana de Enfermagem e a Online Brazilian Journal of Nursing, com duas (20%) publicações cada uma. Quanto ao cenário do estudo, os resultados apontaram duas (20%) publicações exclusivamente no âmbito hospitalar assim como duas (20%) publicações realizadas exclusivamente na atenção primária. Com relação ao tipo de pesquisa, sete (70%) eram de abordagem qualitativa. A respeito do nível de evidência, apenas um (10%) artigo apresentou nível II. Abaixo, apresenta-se um quadro demonstrativo das publicações analisadas (Quadro 3).
A partir da análise dos conteúdos dos artigos, construíram-se duas categorias de análise: “Pensamento complexo sustentando as práticas da gerência do cuidado” e “Administração complexa na perspectiva das organizações de enfermagem e saúde”. Constatou-se que o pensamento complexo, nas publicações científicas de gestão em enfermagem e saúde, é retratado sob duas principais formas: uma enquanto referencial teórico para as discussões de gerência do cuidado e outra enquanto modelo de gestão para as organizações de enfermagem e saúde.
Pensamento complexo que sustenta as práticas da gerência do cuidado
A relação entre os artigos demonstrou a importância de novas formas de cuidado por meio do uso de novas tecnologias de cuidado, reconhecendo a necessidade em vislumbrar a assistência sob novos olhares e referenciais. O referencial da complexidade enxerga a integralidade do ser, as relações e as interações que existem entre as organizações de saúde mediante as redes de cuidado, bem como a necessidade de interações entre os profissionais da saúde. A importância da articulação entre as diferentes profissões para a construção do conhecimento e de melhores práticas de cuidado é abordada em diferentes artigos. Assim, percebe-se que há uma perspectiva dialógica em caminhar na direção da complementaridade, da interdisciplinaridade, da transdisciplinaridade, com a articulação entre os profissionais da saúde 8-11.
Os pensamentos disjuntivos e simplificadores, por vezes, permeiam o cuidado, fragmentando-o. Os achados apontaram que essa perspectiva de dissociação é influenciada por modelos tradicionais pautados no mecanicismo, na divisão de tarefas e na forma de apreender o cuidado. Consequentemente, o cuidado ao paciente sofre o paradoxo da tentativa do cuidado multiprofissional dividido em partes 8,10,12.
Do mesmo modo, a articulação entre a gerência e a assistência e entre o saber e o fazer é vista de modo desarticulado; além disso, é percebido um distanciamento entre os conceitos teóricos e a prática assistencial. Para resolução desse dilema, as concepções de gerência do cuidado trazem noções de articulação entre o cuidar assistencial e o cuidar gerencial, com ideias e conceitos integrados para aprimorar a qualidade do cuidado que é oferecido 8,10,12.
O pensamento complexo permite um cuidado que perpassa ideias de redes de cuidado e interconexões, funcionando de modo articulado e fazendo com que essas redes de cuidado proporcionem uma interação entre os indivíduos e a realidade, entre os próprios profissionais, entre os sistemas de apoio, à medida que rejeita o pensamento redutor, disjuntivo e simplificador. Nessa perspectiva, o pensamento complexo trata a saúde com um enfoque mais amplo, em que, para ser alcançada, necessita das ações e dos envolvimentos dos mais variados sistemas da sociedade, conferindo importância às organizações dos sistemas de cuidado em saúde 9,10.
O cuidado de enfermagem, como parte do sistema de cuidado à saúde, é percebido como prática social que visa tanto à compreensão do indivíduo em sua integralidade como à compreensão de seus contextos sociais, que envolvem família e comunidade. Nessa ótica, umas das potencialidades dos enfermeiros encontradas nos estudos associados à gerência do cuidado é a capacidade de compreensão do ser humano como um todo e em suas diferentes dimensões. Percebe-se que a enfermagem está em uma constante busca da compreensão do indivíduo como um ser integral, isto é, um ser uno, complexo e multidimensional 8,11,12.
Os achados apontaram ainda para a construção de novos modelos de gestão do cuidado para a obtenção da sua qualidade nos sistemas complexos. A construção de novos modelos requer um esforço dos profissionais na busca de novas formas de interações e na busca do novo e das novas formas de enfrentamento das práticas de saúde, como possibilidades de transformação do cuidado 8,9,10,12.
Observa-se que o grande avanço nos artigos que retratam o cuidado na perspectiva do olhar da complexidade se dá ao avanço do cuidado enquanto sistema complexo, que contempla a dinamicidade e a multiplicidade de interações nos diversos aspectos da realidade, enxergando o todo nas partes e as partes no todo, além de enxergar o indivíduo em sua multidimensionalidade 8-10.
A administração complexa na perspectiva das organizações de enfermagem e saúde
A administração complexa é entendida, nesta investigação, como a utilização da teoria da complexidade como modelo de gestão nas organizações de enfermagem e saúde 13. Contudo, seus conceitos também foram aplicados em outras perspectivas de acordo com o objetivo do estudo investigado. Dessa forma, a administração complexa foi empregada como fator contribuinte para a melhoria do cuidado aos portadores de doenças crônicas 14; como instrumento que auxilia na definição da intervenção e desenho de estudo em sistemas complexos adaptativos 15, e como fator redutor da rotatividade dos profissionais de enfermagem em lares de idosos 13.
Assim, a partir do processo de leitura e análise, identificou-se que o conceito mais substancialmente abordado dentro dessa perspectiva foi o dos sistemas complexos adaptativos 14,15. Dentre os ambientes definidos como tal, pontuam-se a atenção primária 14, os lares de idosos, os hospitais, os consultórios médicos e as clínicas 13,15,16.
Os lares de idosos, por exemplo, são citados como sistemas complexos adaptativos pelo fato de serem compostos por um conjunto de agentes individuais (funcionários, moradores e familiares), com liberdade de agir de forma imprevisível 15.
Além disso, a não linearidade das decisões, a interação comunicativa e o caos também foram utilizados para caracterizar um sistema complexo adaptativo 13,14,16. A comunicação, nessa perspectiva, fortalece as relações interpessoais e favorece o ressurgimento da ordem e da coerência organizacional sem planejamento central na atenção primária em situações de caos 13,14.
Outra publicação, porém, com enfoque metodológico, retrata que os pesquisadores que planejam sua intervenção de pesquisa sem a participação da organização estudada terão mais dificuldade em resolver desafios inesperados porque os sistemas complexos adaptativos são inerentes à participação dos envolvidos na intervenção para a resolução dos problemas. Retratam ainda que a utilização de protocolos em sistemas complexos adaptativos não são uma boa opção na implementação de intervenções de pesquisa para a mudança do sistema, apesar de a pesquisa construir um instrumento que guia o planejamento do projeto dela e que norteia para a definição da intervenção e desenho de estudo em lares de idosos, entre outros 15.
A teoria da complexidade, no contexto da atenção básica, também foi utilizada como referencial teórico para sustentar a interdisciplinaridade, a qual propiciou aumento da motivação profissional, coesão da equipe de estratégia saúde da família e melhor compreensão dos papéis dos colegas de trabalho. Isso repercutiu na melhoria da qualidade do trabalho, na união da equipe de Estratégia Saúde da Família e na gestão organizacional pouco hierárquica 16.
A rotatividade (turnover) de profissionais da enfermagem foi um aspecto relevante elencado, pois ficou constatado que modelos de gestão pautados na recompensa reduzem os índices de rotatividade quando comparados com modelos deixar-fazer (laissez-faire). Os modelos de recompensa reduzem a rotatividade por utilizarem os conceitos e princípios dos sistemas complexos adaptativos como a autogestão, o compartilhamento das decisões e o bom relacionamento. Além disso, verificou-se que a rotatividade dos profissionais da enfermagem é maior quando a demanda de pacientes aumenta e é necessário que trabalhem mais horas por dia do que o previsto 13.
Discussão
O cuidado na modernidade é realizado por organizações complexas, destinadas à produção de cuidado. Para a produção desse cuidado, esperam-se novas formas de organização e gerência deste, aliadas a organizações estruturadas que busquem estratégias para promoção do cuidado qualificado. Assim, para a construção de organizações que façam uso de novos modelos de organização, com diferentes olhares a respeito da prática do cuidado, pressupõem-se novos olhares voltados às organizações de saúde, que utilizem modelos com o tema da complexidade durante o repensar das estratégias de novas práticas 17.
Sendo o cuidado um objeto resultante do conhecimento de enfermagem presente nas organizações de saúde e inserido em um mercado, é possível entendê-lo sob uma perspectiva empresarial.
Diante dessa constatação, o pensamento complexo destaca a necessidade que, ao produzir coisas e serviços, a empresa se autoproduz. Assim, existe a produção de objetos e serviços, que necessitam de auto-organização. E, ao contrário, ao progredir positivamente, promove o autodesenvolvimento da sua produção. Portanto, o produtor é o seu próprio produto e, como consequência, apresenta-se um problema de causalidade (18). Esta pode ser vista por três ângulos: a causalidade linear, a causalidade circular retroativa e a causalidade retroativa. A primeira acontece quando uma matéria-prima, ao ser transformada, produz um objeto de consumo -movimento linear-, ou seja, tal causa produz determinado efeito. A segunda reforça que uma empresa precisa ser controlada; que sua produção é fruto das solicitações externas e dependente do trabalho interno. Assim, o resultado pode ser fonte de estímulo ou regressão à produção de objetos e serviços. Na terceira causalidade, o produto é produtor do que o produz, isto é, efeitos e produtos são geradores deles mesmos. As três causalidades estão em todos os níveis de organizações complexas 18.
Adotar novas ideias e referenciais sobre o cuidado não significa abandonar totalmente as ideias preexistentes já que toda organização é formada por tradição e inovação, estando em constante renovação e mudança, em um processo dinâmico, refletindo as diferentes formas de pensar e interagir das pessoas que dela fazem parte 17.
O pensamento disjuntivo e simplificador que permeia o cuidado em alguns estudos revela os limites da racionalidade lógica e a complexidade do real uma vez que as ideias de gerência e assistência são vistas como contraditórias ou díspares. Entretanto, pode-se afirmar que toda introdução da contradição ou da incerteza pode transformar-se em ganho de complexidade. O complexo envolve o incerto, o ambíguo e o contraditório 17,18. A contradição pode ser demonstrada por meio da ordem e da desordem inerentes às organizações.
Nesse sentido, o mercado é um estímulo para a reorganização de uma empresa que ao mesmo tempo é ordenada, organizada e aleatória, pois não existem certezas absolutas sobre as chances e as possibilidades de se vender produtos e serviços. O universo é repleto de ordem, desordem e organização. A ordem é a repetição, a constância, a invariância. A desordem é a irregularidade, o acaso, a imprevisibilidade. Em um universo de ordem plena, não há inovação, criação, evolução. Na desordem total, não haveria a estabilidade para instituir uma organização. Por isso, ambos os aspectos são necessários, visto que toda organização é um fenômeno físico, vivo, organizacional. O fenômeno da desintegração é normal, contudo não pode ser permanente; portanto, a única maneira de evitar a degenerescência está na atitude conjunta da organização quanto à regeneração e à reorganização ante todos os processos de desintegração 18.
Falar em sistemas e organizações de saúde é reconhecer as redes de relações e interações que existem e estão a ela conectadas. Assim, muitos sistemas fazem parte e interagem com os sistemas de saúde, contribuindo para seu funcionamento. Redes de apoio, sistemas dos mais diversos setores da sociedade permitem a ampliação e a articulação das redes de saúde, imprescindível para a compreensão e a contextualização da própria saúde na sua totalidade 17.
Nesta investigação, os resultados apontaram para a utilização da teoria da complexidade como modelo de gestão das organizações de enfermagem e saúde. Tal fato corrobora com o conceito da administração complexa de Agostinho 19. Para essa autora, administração complexa é uma abordagem gerencial que insere no universo das organizações os conhecimentos da teoria da complexidade 19. A teoria da complexidade como modelo de gestão, além de ser chamada de administração complexa, também pode ser nomeada de modelo de gestão não linear, justamente por fugir das predeterminações verticais em situações de caos.
A administração complexa baseia-se nos conceitos dos sistemas complexos adaptativos 19,20 visto que as organizações, nesse contexto, são ambientes vivos, dinâmicos e imprevisíveis como as organizações de enfermagem e saúde.
O “sistema”, nessa perspectiva, significa uma série de itens conectados e interdependentes; o “complexo” implica diversidade e conexões entre vários elementos e o “adaptativo” deriva da capacidade de alterar, mudar e aprender com as experiências 21,22. Os sistemas complexos adaptativos são sistemas que exibem coerência sob a mudança sem direcionamento central 19. Exibir “coerência” sem “direção central” significa dizer que tais sistemas se auto-organizam 19. Isto é, o sistema se adapta sem a necessidade de um planejamento central predeterminado.
Os resultados apontam para a utilização de um instrumento que auxilia na definição da intervenção e do desenho de estudo em sistemas complexos adaptativos. Esse instrumento não se refere a uma decisão predeterminada, mas sim a um modelo que norteia a pesquisa em ambientes vivos, complexos e imprevisíveis, a partir de uma construção conjunta, participativa e autônoma dos envolvidos 15. Tais achados convergem com a ideia de que em um sistema complexo adaptativo pode existir planejamento; contudo, esse planejamento não pode ser limitante da autonomia e da criatividade dos envolvidos 19.
A administração complexa toma como base os conceitos dos sistemas complexos adaptativos, tendo quatro princípios que se inter-relacionam: autonomia, cooperação, agregação e auto-organização. A autonomia refere-se à capacidade do indivíduo de orientar sua ação com base no seu julgamento prévio. A cooperação entre os indivíduos visa contribuir com o desempenho da organização. A agregação se caracteriza por um agregado de indivíduos que, em torno dos objetivos globais, se unem, contribuindo com seus conhecimentos e habilidades para a competência do todo. Finalmente, a auto-organização retrata a capacidade dos seres humanos escolherem como as ações se operacionalizarão na prática 19.
O princípio da auto-organização foi amplamente trazido nos resultados desta investigação, sendo aplicado juntamente com a implantação de políticas públicas e reformulação de processos de cuidado para apoiar a tomada de decisão autônoma do portador de doença crônica 14. Esse indivíduo em posse do princípio da auto-organização foi capaz de reconhecer os pontos de maior e menor efeito multiplicador para o seu cuidado, bem como escolher como este será operado na prática 19.
Além disso, o princípio da autonomia articulado com o princípio da auto-organização foi utilizado para sustentar a tomada de decisão autônoma dos portadores de doenças crônicas 14. Estudo com o objetivo de abordar a educação em saúde relacionando-a com as doenças crônicas e sua implicação com as redes sociais também retrata a autonomia como fator contribuinte para o cuidado de doenças crônicas enfatizando a importância da educação em saúde (aprendizagem) no processo 23. A autonomia, dessa forma, garante aprendizado e adaptabilidade no cuidado, vantagens devidamente reconhecidas no campo das organizações que podem ser aplicadas à prática de cuidado em enfermagem e saúde.
O princípio da cooperação também ganhou destaque nesta investigação, visto as constantes referências a comunicação, relação interpessoal, participação e interdisciplinaridade 13,14,16. Resultado semelhante foi encontrado em um estudo que objetivou discutir as influências do relacionamento interpessoal para o cuidado em saúde. Concluiu-se, com esse estudo, que a inadequada utilização das habilidades sociais, em especial da comunicação, pode comprometer as relações que subsidiam a prática de cuidado devido aos conflitos interpessoais que esta pode resultar 24.
A administração complexa como modelo de gestão também repercutiu como redutor da rotatividade dos profissionais de enfermagem 13. Estudo com o propósito de identificar as condições intervenientes à governança da prática de enfermagem no centro obstétrico também mostrou que a governança, ou seja, o controle sobre a prática profissional, repercute positivamente na autonomia profissional, na comunicação interpessoal, na satisfação e no envolvimento com a profissão 25, fatores nevrálgicos para as organizações de saúde, em especial as públicas, no que diz respeito às condições de trabalho, ao absenteísmo e à falta de profissionais.
Considerações finais
Os estudos analisados nesta revisão possibilitaram avaliar as evidências disponíveis na literatura sobre o pensamento complexo nas publicações científicas de gestão em enfermagem e saúde. Constatou-se que a maioria das publicações se desenvolve no contexto brasileiro e que o pensamento complexo está despontando como novo modelo de cuidado, tanto no âmbito hospitalar quanto na atenção básica, com vistas à integralidade, à muldisciplinaridade, às redes de atenção e à articulação dos saberes. Além disso, foi empregado como modelo de gestão em organizações vivas e imprevisíveis, com o objetivo de promover a organização dos sistemas complexos adaptativos que tentem explicar a dinâmica das organizações de uma forma mais profunda e contextualizada.
Acredita-se que este estudo contribuiu com a aproximação do referencial da complexidade e dos conceitos de gestão em enfermagem e saúde, de modo que confere a esse pensamento maior visibilidade para futuras publicações. Além de apresentar um panorama das publicações a respeito do pensamento complexo voltado à gestão em enfermagem e saúde, visa contribuir para a importância da reflexão e de novos estudos sobre o tema.