Introdução
O ato de amamentar, considerado inerente à maternidade, nem sempre é um processo tranquilo e natural para algumas mulheres. Essa afirmação reflete na situação do Brasil, uma vez que, já nos primeiros dias de vida, verificou-se uma acentuada queda na probabilidade de as crianças estarem em aleitamento materno exclusivo, apesar da evolução da mediana do aleitamento materno 1.
Estudo sobre prevalência e determinantes do aleitamento materno exclusivo (AME), realizado em um município de São Paulo, constatou que a idade média, em dias, das crianças menores de seis meses que estavam em AME foi de apenas 60,6 dias 2. Tal resultado demonstra que estamos muito aquém da recomendação dos 180 dias para o AME 1.
Dentre os fatores relatados pelas mães para a interrupção precoce do AME, estudos mencionam receio e dúvidas acerca da qualidade nutricional e da quantidade do leite materno produzido para saciar o bebê, dificuldade em amamentar, falta de informações e de segurança da mãe sobre as vantagens do leite materno, além do uso de chupeta, bicos, água e chás no intervalo das mamadas 15. Vale destacar que tais fatores são considerados como modificáveis e apontam para a falta de confiança e de preparo da mulher para amamentar. Assim, os profissionais de saúde devem considerar em suas práticas o aconselhamento, o acolhimento e a comunicação terapêutica, buscando a compreensão holística da mulher 3.
Para tanto, é necessário considerar, desde o pré-natal, a mulher no seu processo de empoderamento relacionado ao ato de amamentar, a partir de um diálogo com a equipe de saúde sobre todos os benefícios do aleitamento materno, para que ela possa avaliar e realizar suas tomadas de decisões 4,6.
Ademais, a autoeficácia pode influenciar no julgamento da mulher sobre sua habilidade para iniciar o aleitamento materno, vencer as dificuldades que por ventura surjam e continuar o processo de amamentação 5. A autoeficácia para amamentar compreende as expectativas e as crenças da mulher em sua capacidade para executar tarefas específicas e comportamentos em prol de uma amamentação bem-sucedida. Por sua vez, as expectativas e as crenças para o aleitamento materno estão atreladas às experiências pessoal e vicária, à persuasão verbal, além de fatores fisiológicos a serem minimizados como dor, ansiedade e fadiga 12.
Nesse contexto, a Breastfeeding Self-efficacy Scale: Psychometric Assessment of the Short-form (BSES-SF), traduzida, validada e adaptada para o Brasil, é um instrumento capaz de mensurar a confiança da mulher para amamentar. Trata-se de uma ferramenta sensível e confiável para mensurar os escores de autoeficácia em amamentar e possibilita avaliar as nutrizes com maior risco de interromper precocemente o aleitamento materno, para que se intervenha de maneira eficaz 6,12
Uma vez que escores elevados da autoeficácia para amamentar estão associados ao tempo mais prolongado de amamentação, bem como ao AME 7,10, a mensuração destes, tanto na gestação quanto no puerpério, são importantes para orientar e aperfeiçoar as intervenções educativas pelos profissionais de saúde. Essas intervenções estão voltadas a aumentar a autoeficácia das gestantes e das puérperas para melhorar a adesão ao aleitamento materno, cuja taxa preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) ainda se encontra abaixo do esperado. Assim, o estudo teve como objetivo analisar a associação das médias dos escores da BSES-SF de mulheres no pré-natal e no pós-parto com o tipo de aleitamento materno.
Métodos
Tratou-se de um estudo longitudinal do tipo painel, no qual as mesmas variáveis são medidas para as mesmas unidades de análise para no mínimo dois períodos de tempo, e é adequado para a investigação de mudanças no nível individual. Pacatuba (estado do Ceará, Brasil) é a terceira maior cidade em densidade demográfica da região metropolitana de Fortaleza; a população de mulheres em idade fértil (10-49 anos) corresponde a 35,40 % da população e possui 14 Unidades Básicas de Saúde da Família (UBASF). Essas 14 unidades têm atendido no pré-natal uma média de 18 gestantes por mês, totalizando 120 mulheres no período gravídico.
Optou-se por eleger apenas seis das 14 UBASF por elas estarem localizadas no perímetro territorial de maior concentração geográfica do município. Adotaram-se como critérios de inclusão das participantes: com gestação única e estar a partir da 30a semana de gravidez, conforme estudo piloto no Canadá 11. Os critérios de exclusão foram: restrições físicas e/ou mentais que impossibilitassem a coleta de dados, gestantes com pré-natal de risco e neonatos que tivessem permanência maior que 15 dias em unidades de tratamento intensivo.
Realizou-se o estudo no período de julho a novembro de 2011. O recrutamento das gestantes foi de julho a setembro; após isso, à medida que as crianças nasciam, era reaplicada a escala e realizado o acompanhamento da criança e do seu tipo de aleitamento. Portanto, o total foi de 50 gestantes que estavam cadastradas e acompanhadas no pré-natal em seis UBASF do município de Pacatuba (Ceará).
A coleta de dados foi realizada tanto nas UBASF quanto por meio de visita domiciliária, tendo ocorrido em quatro momentos com a mesma mulher: primeiro momento no pré-natal; segundo momento do 1° ao 15° dia de puerperio de cada mulher; terceiro momento no primeiro mês de puerperio das participantes e quarto momento no segundo mês de puerperio.
Os instrumentos de coleta de dados foram: a BSES-SF 12, com vistas a avaliar a relação do nível de confiança da mãe e seu êxito em amamentar, um formulário sobre a dieta da criança e outro que abordava dados sociodemográficos, ambos adaptados de outros estudos 12.
A BSES-SF é uma escala do tipo Likert validada e confiável (alfa de Cronbach 0,74), composta por 14 itens distribuídos em dois domínios (técnico e pensamentos intrapessoais) com cinco opções de resposta: 1) discordo totalmente; 2) discordo; 3) às vezes concordo; 4) concordo; 5) concordo totalmente. A pontuação total dessa escala pode variar de 14 a 70 pontos, de modo que, quanto mais elevados os escores da mãe no somatório dos itens, maior sua autoeficácia para amamentar ( ).
O domínio técnico da BSES-SF reflete ações físicas que as mães deveriam realizar para amamentar com sucesso, como: aspectos relacionados ao manejo técnico, desde ações que reduzam a ansiedade materna nesse período significativo de suas vidas até o posicionamento apropriado, o conforto do neonato durante o ato de amamentar e o reconhecimento de sinais de uma lactação de qualidade, tal como a sucção do mamilo areolar, entre outros.
Os pensamentos intrapessoais refletem as percepções, as atitudes e as crenças da mãe com relação à amamentação bem-sucedida. Referem-se à subjetividade envolvida no processo de amamentar e podem estar associados a um período mais longo do aleitamento materno porque dizem respeito às sensações de alegria, prazer ou realização pessoal durante a amamentação de seus filhos, além de demonstrarem o desejo, a motivação interna e a satisfação das mães com a experiência de amamentar.
Antes de serem realizados os testes estatísticos, foi verificada a normalidade das variáveis (teste de Kolmogorov-Smirnov), bem como a igualdade de variâncias (teste de Levene); a análise exploratória foi realizada por meio de testes estatísticos descritivos, testes t de Student e de Wilcoxon, convencionando-se um nível de significância inferior a 0,05. Os dados foram processados no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 19.0.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, sob o protocolo 124/2011; foram respeitadas todas as normas éticas que envolvem seres humanos. Cada participante assinou as duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e ficou com uma via dele.
Resultados
Das mulheres participantes do estudo, a idade variou de 15 a 43 anos (M = 23; DP = ± 5,3), tendo predominado as casadas/ uniões consensuais (76 %), pardas (72 %), com oito ou mais anos de estudos (76 %), sem ocupação formal (66 %), com renda per capita maior que R$ 141,007 (66 %) e com média de três a quatro pessoas que residem no mesmo domicílio. As participantes envolvidas na pesquisa encontravam-se por volta das 36,4 semanas gestacionais no início do estudo.
Com relação às médias dos escores da BSES-SF nos dois primeiros momentos de aplicação da escala (pré-natal e pós-parto), pôde-se verificar significancia estatística (p = 0,009). Já quanto aos domínios da escala, evidenciou-se que os escores tanto no domínio técnico quanto no domínio pensamento intrapessoal foram maiores no pós-parto. Contudo, somente o domínio técnico apresentou significância estatística (p = 0,001) (Tabela 1).
Além disso, observou-se que, das 50 crianças acompanhadas no estudo, oito (16 %) tomaram leite artificial (LA) na maternidade. Destas, três (6 %) estavam em amamentação parcial (AM) no 15° dia de vida. Com relação às 42 (84 %) crianças que não fizeram uso de LA na maternidade, somente uma (2 %) encontrava-se em amamentação parcial no 15° dia de puerpério da mulher, constatando-se uma associação entre o uso de LA ao nascer e o tipo de aleitamento posterior à alta da maternidade (p = 0,001) (Figura 1).
Na maternidade, as mães de crianças que se encontravam em AME apresentaram médias dos escores da BSES-SF mais elevados tanto no pré-natal quanto no pós-parto (p < 0,005; p = 0,015). A alimentação prevalente até os dois meses de idade foi a amamentação exclusiva, com média de 51,2 dias (DP = 22,9). Já a média de dias de amamentação mista foi de 12,7 (DP = 23,2), e a média de LA foi de 1,5 dias (DP = 6,6).
Observa-se que a média da BSES-SF no pré-natal (1a coleta) é menor se comparada à média da BSES-SF coletada no puerpério (2a coleta), o que ficou evidenciado na prevalência da amamentação exclusiva em vários pontos de coorte longitudinais: na maternidade (p = 0,015), nos 15 primeiros dias pós-parto (p = 0,011), no primeiro mês de vida (p = 0,009) e no segundo mês de vida (p < 0,0001) (Tabela 2).
Discussão
Resultados do presente estudo evidenciaram que houve um aumento nas médias dos escores da BSES-SF tanto no pré-natal quanto no pós-parto em relação aos domínios técnico e pensamento intrapessoal. Essa confiança pessoal é relevante para a continuidade da amamentação, pois se o indivíduo dominar as práticas e tiver os incentivos necessários, as expectativas de eficácia serão as principais determinantes das suas escolhas, de quanto esforço vai desenvolver e durante quanto tempo vai persistir perante os obstáculos que surgirem.
Acerca da autoeficácia, deve-se considerar também que experiências pessoais, vivências positivas de terceiros e incentivo por persuasão verbal levarão a mulher a lidar com os estados fisiológicos e afetivos diversos inerentes a essa etapa de sua vida, o que corrobora para a manutenção do AME ou do aleitamento continuado 12.
Os achados do presente estudo demonstraram, ainda, que a prática da amamentação hospitalar ou nas primeiras horas de vida ajuda a mulher a permanecer com esse comportamento no domicílio. Tal fato é validado por estudo realizado em São Paulo, o qual demonstrou que existe efeito significativo do Alojamento Conjunto (AC) (p = 0,0297) no tipo de aleitamento no pós-parto, isto é, havendo a possibilidade de mulheres em AC terem 35 vezes mais chances de manter AME, quando comparadas com as que não estiveram em AC 13.
No presente estudo, em relação aos 15 primeiros dias de puerpério, primeiro e segundo meses de vida da criança, pode-se verificar que as médias dos escores da BSES-SF na amamentação exclusiva foram maiores no pós-parto (p < 0,05), com um aumento de 0,3 a 5 escores em relação aos dados da aplicação da escala no pré-natal. Pesquisa realizada na Austrália corrobora esse achado, pois também constatou escores mais elevados da BSES-SF tanto na primeira semana quanto no quarto mês pós-parto, sobretudo para aquelas mães que se encontravam em AME no hospital ou nas primeiras horas de vida 7,8.
Outro estudo desenvolvido na Austrália também verificou que a duração da amamentação parece ser maior em bebês que foram alimentados com leite materno de modo exclusivo e não receberam oferta de mamadeira, chupetas ou bicos enquanto estiveram no hospital. O risco para o desmame foi maior para os bebês de mães que usavam silicone no seio e optaram por usar mamadeira 15.
É evidenciado que mães com escores menores no pré-natal ou no puerpério têm mais chances de desmame precoce em comparação às mães com escores mais altos, indicando que a autoe-ficácia de mães em amamentação exclusiva difere daquelas que não aderiram ou descontinuaram essa prática nos primeiros dias de puerpério 16. Outro estudo realizado no Canadá com mães adolescentes encontrou diferenças significativas nas médias dos escores da BSES-SF (53,29 ± 6,83) no pré-natal e no pós-parto em relação ao início, à duração e à exclusividade do aleitamento materno 11.
Com isso, comprova-se que mulheres com altos escores de autoeficácia em amamentar, tanto no pré-natal como no puerpério, possuem mais chances de vivenciar e permanecer por mais tempo em aleitamento materno. Dessa forma, levando-se em consideração que esse construto trata-se de uma variável modificável, esta deve ser considerada para o direcionamento de intervenções educativas a serem aplicadas por enfermeiros com vistas à autoeficácia materna para amamentar.
Estudos demonstraram o sucesso de intervenções pautadas na autoeficácia materna em diversos contextos, como no Brasil, utilizando um álbum seriado criado a partir dos escores da BSES-SF como intervenção na autoeficácia para amamentar 12, e no Canadá com o uso de protocolo padronizado individualizado 9.
Assim, a autoeficácia deve ser considerada nas intervenções desenvolvidas e implementadas pela equipe de saúde relacionada ao aleitamento materno, tendo em vista que a avaliação dessa variável por meio da BSES-SF é forte preditor da duração do aleitamento materno e pode contribuir para a aproximação da média nacional de AME à preconizada por organizações internacionais.
Conclusão
Ao analisar a autoeficácia das mulheres no ciclo gravídico-puerperal quanto ao seu potencial em amamentar, pode-se verificar que, além de as médias dos escores da BSES-SF terem sido maiores no segundo momento da aplicação da escala (pós-parto), a autoeficácia em amamentar foi superior entre as mulheres que mantiveram o AME, principalmente nos 15 primeiros dias de puerpério, confirmando a validade preditiva da BSES-SF, ou seja, quanto maior o escore da BSES-SF no puerpério, maior a chance de amamentação exclusiva e maior duração desta em número de dias. Além disso, ratificou que o uso de LA no hospital ou nas primeiras horas de vida aumenta as possibilidades de a criança desmamar nos primeiros 15 dias de vida.
Em face disso, ressalta-se a necessidade da atuação dos profissionais de saúde em estratégias educativas de promoção ao aleitamento materno pautadas na autoeficácia. Essas estratégias devem ser implementadas tanto antes quanto depois do parto para que se aumentem os escores de autoeficácia para amamentar, já que estes estão associados ao tempo mais prolongado de amamentação bem como à melhora da adesão ao AME.
Apesar de os achados terem fornecido evidências relevantes quanto à autoeficácia em amamentar, deve-se ressaltar como limitação do estudo o número amostral, mesmo tendo abrangido toda a população de mulheres acompanhadas no pré-natal que atendiam aos critérios de elegibilidade.
Assim, faz-se premente a realização de estudos em outras realidades nacionais que aprofundem a autoeficácia como fator interveniente na continuidade do AME, sobretudo no contexto do AC, tendo em vista que nesse local a puérpera encontra nos profissionais, nas experiências de outras mães e na sua própria vivência um apoio para promover essa prática com maior sucesso.