Introdução
A promoção da educação postural pelas crianças é um objetivo prioritário ao nível da intervenção na área da Saúde Escolar. Os profissionais de saúde, nomeadamente os enfermeiros que intervêm a este nível, têm um papel importante no meio escolar no âmbito da prevenção primária em saúde.
As alterações posturais são problemas comuns em crianças e adolescentes nos últimos anos, entre os fatores que contribuem para o aparecimento desses problemas está a postura inadequada 1 e o sobrepeso 2.
Nesse período escolar, o sistema músculo-esquelético encontra-se em processo de crescimento, onde o uso de mobiliário inadequado, o transporte de cargas excessivas e a manutenção prolongada de posturas estáticas são fatores de risco para o desenvolvimento corporal que podem causar desconforto, dor ou incapacidades 3,4.
Uma opção para atenuar os problemas de má postura são as Escolas Posturais, que, independentemente da sua concepção teórica 5,6, têm o objetivo de modificar as más atitudes diárias que conduzem a danos na coluna vertebral, podendo causar danos irreversíveis 6.
A Escola Postural Sueca, proposta em 1969, foi um dos primeiros programas de educação postural 1,2. Depois disso outros programas têm vindo a ser aplicados em ambiente escolar 6,7. Estas podem ser oferecidas a públicos distintos, como, por exemplo, terceira idade, crianças, adolescentes e jovens, desde que seus conteúdos teóricos e práticos sejam adaptados às diferentes necessidades 6. No entanto, os hábitos posturais começam a ser incorporados nos primeiros anos da vida escolar, sendo relevante a realização de atividades nesta faixa etária de modo que possam estimular uma execução adequada destas atividades, para a promoção da saúde cinético-funcional 1,2.
O presente estudo destaca-se em relação aos já realizados, por combinar à educação teórica e prática um jogo sobre postura. Os jogos experimentais são uma forma de motivar, são esperadas aprendizagens dos participantes que duram além do jogo em si 8. Também foi atribuído ao jogo o facto de promover a integração de conteúdos e reforçar a ligação entre a teoria e a prática 9. Com base no supracitado, o objetivo principal do estudo foi verificar o impacto de um jogo para promover a educação postural das crianças.
Método
Trata-se de um estudo quase-experimental, realizado no ano letivo de 2014-2015. A população total do estudo era constituída por 960 alunos das escolas pré-escolar e primeiro ciclo de um Concelho do Norte de Portugal, participaram do presente estudo 215 alunos. Neste estudo com delineamento no tempo foi usado o desenho antes- após com grupo testemunho sem randomização. A técnica de amostragem foi aleatória simples considerando como critérios de inclusão: terem completado o questionário antes e após a intervenção, assim como, terem participado nas diferentes etapas.
De modo a avaliar o impacto da intervenção foi aplicado um questionário antes e após a intervenção. O questionário incluiu dados pessoais do aluno, presença e localização de dores músculo-esqueléticas e avaliação dos hábitos posturais, em pé, sentado, no transporte da mochila escolar e nas técnicas de levantamento de objeto. O questionário de avaliação de hábitos posturais deste estudo foi adaptado do projeto da dissertação de Mestrado de Rebolho 11. Este instrumento apresenta as alternativas de respostas para as questões dirigidas aos hábitos posturais, na escolha das seguintes opções: posicionamento correcto, incorrecto, não sei. O instrumento é ilustrado com desenhos representativos das opções disponíveis para a resposta, facilitando a escolha da alternativa. Este instrumento, criado por Rebolho 11, tem vindo a ser utilizado em outros estudos 11,12,17.
Ao longo das diferentes etapas foram salvaguardados os procedimentos éticos inerentes a um percurso de investigação.
As escolas candidataram-se ao projeto por meio da autarquia local, em que foram explicados os objetivos da intervenção, assim como, os procedimentos de colheita de dados a serem realizados.
A intervenção incluiu uma componente teórica, uma componente prática e o jogo da Postura. A intervenção foi realizada por estudantes do Curso de enfermagem de uma Escola de Enfermagem do Norte de Portugal, sob supervisão de um docente. Estas atividades estão integradas num projeto de voluntariado em parceria com a câmara de uma autarquia local.
A componente teórica com uma duração de cerca de 30min, cujos objetivos consistiam em sensibilizar para a importância de posturas correctas e transmissão de princípios essenciais a adoptar para uma melhor postura. Os temas incorporados integravam conhecimentos sobre anatomia, fisiologia, biomecânica da coluna, orientações ergonómicas e posturais nas atividades de vida diária. Posteriormente, os conteúdos relacionados com as orientações ergonómicas e posturais referentes ao transporte de mochila, posicionamento na cadeira e mobilização de cargas, era aplicado em demonstração prática. De seguida era aplicado o jogo, o que permitia um feedback imediato dos conhecimentos adquiridos.
Os jogos devem ser cuidadosamente planeados de forma a atingir os resultados da aprendizagem 10. O jogo implica um conjunto de regras, critérios, e objetivos para determinar os vencedores 8,10, podendo assumir diversas formas 9, onde neste estudo recorreu-se a um jogo de tabuleiro.
O Jogo da Postura® é um jogo de tabuleiro gigante em que o progresso é determinado pela capacidade da equipa responder às questões sobre hábitos Posturais, anatomia e biomecânica. Cada equipa elege um elemento que assume o papel de peão no jogo, um dado grande insuflável é lançado, cada equipa responde às questões apresentadas nos cartões e os alunos andam pelo tabuleiro até completarem o jogo. O trajeto entre a primeira e a última casa do jogo leva em média uma hora para ser completado, os vencedores são a primeira equipa a chegar à última casa (ver Figura 1).
Os questionários foram preenchidos em sala de aula, com o auxílio de cada professor. A primeira aplicação dos questionários ocorreu em novembro de 2014, depois se realizou a intervenção entre janeiro e março de 2015 e posteriormente foi novamente aplicado o questionário nos meses de maio e junho de 2015. Esta atividade decorreu ao longo de um ano letivo. Para a análise estatística foi utilizado o Statistical Package for the Social Sciences (versão 18.0). Para comparar as pontuações dos participantes, antes e depois da intervenção, recorreu-se ao teste de Wilcoxon, uma vez que se tem amostras emparelhadas e que as pontuações não têm distribuição normal.
Resultados
A amostra foi constituída por 215 crianças, 106 do género masculino e 109 do género feminino. A idade variou entre os 5 e 12 anos, sendo a média de idade de 7,7 anos. Quando questionados os estudantes sobre queixas álgicas 105 (48,8%) referiram que sim, estando ilustradas na Figura 2 as localizações mais frequentes.
No que se refere à avaliação dos hábitos posturais (em pé; sentada; no transporte da mochila escolar e nas técnicas de levantamento de objeto), na Tabela 1 é apresentada a frequência de respostas incorrectas antes da intervenção.
Estes dados revelaram que os alunos desconheciam a postura corporal adequada nas diferentes categorias estudadas, principalmente no posicionamento de pé e na técnica de levantamento de objeto.
Na Tabela 2 é apresentada a frequência de respostas incorrectas após a intervenção, podem observar-se diferenças significativas após a intervenção.
Na Tabela 3 é realizada a comparação entre os dois momentos, onde se observa que na globalidade o questionário sobre os hábitos posturais obteve um valor-p inferior a p=0,05, sendo inferior ao nível de significância adoptado de 5%, mostrando que são estatisticamente significativos, demonstrando que a intervenção foi eficaz. Porém observa-se que na pergunta 4, a intervenção não foi eficaz, dado que na primeira avaliação as crianças já descreviam a tarefa de transportar a mochila de forma adequada.
Discussão
Neste estudo, verificamos uma alta prevalência de dor referida pelos inquiridos (48,8%). As dores na coluna e no sistema músculo-esquelético apresentam uma alta prevalência entre as crianças 12, em que a dor nas costas é actualmente um motivo de preocupação 1, manifestando-se em grandes proporções na infância e adolescência 13. Num estudo sobre prevalência de dores músculo-esqueléticas em alunos entre os seis a 12 anos esta ocorreu em 51,1% 14.
A maior prevalência de dores foi referida pelo género feminino 56%, em oposição aos 43% do género masculino indo ao encontro de um estudo realizado sobre prevalência de lombalgia em crianças 15.
Com relação à localização das dores músculo-esqueléticas, as regiões de maior frequência foram a coluna, nomeadamente a nível dorsal (6,1%), cervical (14,9%) e lombar (21,6%) e os membros inferiores (33%). Outros estudos também referem a dor na coluna e membros inferiores como principal queixa 12,14-16. Com relação às causas prováveis das queixas de dores nas costas entre as crianças e adolescentes, a permanência na postura sentada por períodos prolongados na escola ou utilizando jogos e computadores é apontada como um fator 12, assim como o uso e transporte inadequado das mochilas e as atividades físicas em excesso 14. A postura sentada gera uma maior pressão nos discos intervertebrais da coluna lombar do que a posição em pé podendo daí advir consequências irreversíveis para a coluna vertebral 1.
O objetivo principal deste estudo era verificar o impacto de uma intervenção ao qual se associou um jogo para promover a educação postural das crianças. Um dado interessante deste estudo é que as crianças já detinham algum conhecimento prévio sobre a postura correcta, embora fosse visível nos momentos de intervenção que não a colocavam em prática, aspecto referido por outros autores 17,7. As informações que as crianças mais desconheciam eram as posturas correctas dos pés em pé e a forma de levantar um objeto. No que se refere à questão 3.2, sobre o posicionamento dos pés, apesar de ao longo da intervenção e da aplicação do jogo ter sido perceptível a incorporação por parte das crianças da importância de uma maior base de sustentação, esta não foi validada pelo questionário, o que consideramos poder estar relacionado com a má interpretação da imagem.
No entanto, foi possível verificar uma melhoria significativa em todas as respostas ao questionário. A estratégia de ensino utilizada demonstrou ser efectiva para fixar conceitos de hábitos posturais, incluindo conhecimentos de anatomia, biomecânica. Os achados deste percurso confirmam os apresentados por outros estudos 1,5,6,7,11,18, ou seja houve mudança no conhecimento de hábitos posturais antes e após a participação dos alunos num programa de educação postural. Num estudo realizado sobre o modo de transportar mochilas escolares após sessões educativas, observaram que as mesmas promoveram mudanças, revelando adesão satisfatória ao modelo de intervenção proposto 5. Por outro lado, também um estudo realizado com a utilização de uma história em quadrinhos e a experiência prática de posturas correctas e incorrectas aplicadas em três encontros com crianças com idades entre 7 e 11 anos, os resultados indicaram que houve um aumento significativo na aprendizagem e memorização dos hábitos posturais correctos 7.
Estes dados vão ao encontro dos obtidos neste estudo, reforçando que as escolas são locais ideais para a realização de ações que favoreçam o adequado desenvolvimento físico e motor de crianças, possibilitando a melhor compreensão da relação entre a dor músculo-esquelética e os fatores associados e garantindo o sucesso da intervenção por meio da informação, prevenção e diagnóstico precoce em ambientes escolares 19. Desde a criação das Escolas Posturais têm surgido algumas modificações na sua forma de aplicação e nos parâmetros de avaliação porém, sem se desvincular do seu fundamento principal, a prevenção e tratamento de pacientes com dor lombar e sua relação com o aumento de tensão mecânica na realização das atividades da vida diária 20.
No que se refere à utilização do jogo, várias estratégias têm sido utilizadas para optimizar o processo de ensino, nomeadamente vídeos, circuitos práticos, técnicas de dramatização, cartazes, demonstração das posturas com uso de bonecos, história aos quadradinhos 7. Embora na literatura extensa existente não tenha sido encontrado aplicação de um jogo nesta temática, este se revelou eficaz podendo ser utilizado como estratégia pedagógica.
Com relação às limitações deste estudo, seria importante a avaliação em longo prazo do impacto desta intervenção na vida dos participantes, nomeadamente por meio da observação. Dado que, o autorrelato muitas vezes não descreve a real maneira da realização da atividade diária, já que a criança assinala a forma como acredita que realiza a tarefa. Conforme salientado num estudo de revisão sistemática sobre o tema a estrutura dos programas é bastante diversificada, o que dificulta a comparação entre os estudos, além de que existe falta de publicações que avaliem os resultados no médio e longo prazo 21.
Conclusão
Os resultados deste estudo demonstraram que as medidas de intervenção adoptadas promoveram mudanças no conhecimento por parte das crianças em idade escolar decorrente do programa de educação realizado pelos enfermeiros. A prevalência de dor, principalmente na coluna e membros inferiores foi um achado relevante entre a população escolar, com maior prevalência no género feminino. Este estudo reforça a necessidade de serem adoptados programas educativos de promoção da saúde escolar, com ações voltadas para a educação postural.
Embora a literatura internacional seja extensa com relação à educação postural de crianças e adolescentes em idade escolar, evidencia-se a escassez de estudos com a intervenção de enfermeiros e envolvendo a população Portuguesa, cujos hábitos e condições de saúde podem não ser semelhantes aos de outros países.
Propomos a continuidade deste estudo por meio de reforços de conteúdos e de futuras avaliações para que as crianças possam efectivamente incorporar os hábitos posturais adequados no seu dia a dia.
Conclui-se que o Jogo da Postura foi uma intervenção eficaz apresentando reacções muito positivas, na sua aplicação “You can experiment a game, without risk”.