Introdução
No mundo, desde a década de 1990, observa-se a crescente preocupação com a forma de nascer. No Brasil, o Ministério da Saúde e a sociedade civil organizada têm proposto mudanças a fim de garantir boas práticas obstétricas e neonatais, bem como nascimentos mais respeitosos às mulheres e aos recém-nascidos 1. Embora evidências científicas, diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) e políticas públicas (Programa de Humanização do Parto e Nascimento -PHPN- e a Rede Cegonha) 2 há anos enfatizem a importância da humanização da assistência ao parto, o modelo de assistência obstétrica e neonatal ainda segue um modelo medicalizado e tecnocrático, que valoriza a tecnologia sobre as relações humanas e é centrado no médico.
Há 40 anos, o índice de cesarianas, no Brasil, tem crescido, com índice atual de 52 % no geral e 88 % na rede privada 3-6. Esses índices são considerados um fenômeno multifatorial que, além de ser determinante na morbimortalidade materna e perinatal, exige gastos desnecessários para o sistema de saúde. O avanço científico na área de obstetrícia foi muito importante, contudo o uso de tecnologias inapropriadas na assistência à gestação e ao parto medicalizaram a assistência, proporcionando um desfecho de cesarianas desnecessárias e perpetuando a cultura do medo do parto 7-12.
Desde o PHPN, e atualmente a Rede Cegonha, tem-se apontado o pré-natal como um espaço de aprendizado e empoderamento da mulher; importante ferramenta para a educação em saúde na busca dessa mudança de paradigma (2, 13). Nesse contexto, a assistência pré-natal deve, além de ser um espaço de rastreamento das patologias e das situações de risco gestacional, ser responsável por ações educativas 14-17. Também deve promover às gestantes maior apropriação da fisiologia e da importância do parto normal, desconstruindo o senso comum de experiências negativas veiculadas socialmente 1,17-18.
A criação de vínculos e a relação de confiança entre o profissional e a gestante com melhor monitoramento da gestação são evidenciadas quando o mesmo profissional a acompanha 16. Através das tecnologias leves, que valorizam o diálogo, o inter-relacionamento e a troca de saberes profissional-gestante, é possível explorar o que a gestante pensa a respeito do parto, crenças que o rodeiam, trazendo à tona o mundo da vida 19 da própria gestante, bem como o do profissional que, ao ouvir e dialogar, expõe seus pontos de vista e reflete sobre eles. Para isso, é necessário que as relações entre profissionais de saúde e comunidade baseiem-se no diálogo igualitário, e não em relações de poder 20.
Na assistência pré-natal, no programa de Saúde da Família, apesar de a estratégia propor uma relação diferenciada entre usuários e profissionais, especialmente na vigilância em saúde -formas de prevenção e promoção-, pouco se tem feito, pois a percepção biologista e fragmentada do ser humano continua entrelaçada aos profissionais de saúde; no caso das gestantes, eles atuam em consultas e procedimentos mecanizados, o que torna a qualidade do cuidado intermediária 7. No Brasil, 66 % das mulheres preferem o parto vaginal no início da gestação à cesariana (26,7%), o que reflete a dissociação da postura profissional 6,21.
Nesse sentido, esta pesquisa teve como objetivo analisar, junto às equipes de Saúde da Família, os elementos que dificultam a abordagem do tema parto no ambiente do pré-natal. Os questionamentos foram: como é a formação dos profissionais? Como foram suas vivências em relação ao tema parto? O que conhecem sobre o parto humanizado?
Materiais e métodos
Pesquisa qualitativa, que utilizou para o delineamento a metodologia comunicativa 22, na qual a intenção é compreender dialogicamente, pelo compartilhamento de conhecimentos, no diálogo aberto entre investigados e investigador, o objeto de pesquisa e propor recomendações para os profissionais de saúde, de gestão, entre outros.
A metodologia comunicativa fundamenta-se nas elaborações da Teoria da Ação Comunicativa de Habermas 19 e da Teoria da Ação Dialógica de Paulo Freire 23,24.
A pesquisa foi realizada após a aprovação do Comitê de Ética (Parecer n.˚ 26/2013), com 4 equipes de Unidades de Saúde da Família (USF) de uma cidade do interior de São Paulo (Brasil), de agosto de 2013 a agosto de 2014. No momento da pesquisa, essa cidade contava com 14 USF e 17 Equipes de Saúde da Família (ESF). A princípio, o critério para a escolha da USF foi a existência de 1 grupo de gestantes na Unidade, contudo o convite para participar da pesquisa foi estendido a todas as USF.
Instrumentos de coleta e análise dos dados
Após a autorização do Comitê de Ética, os pesquisadores fizeram um primeiro contato com os profissionais das USF para apresentação da pesquisa e convite para a participação da equipe nela. A técnica de coleta de dados foi o Grupo de Discussão Comunicativo (GDC), o qual busca reunir diversas pessoas pertencentes a um grupo “natural” para confrontar a subjetividade individual com a grupal e, com isso, pretende colocar em contato diferentes perspectivas, experiências e pontos de vista 22,25.
Foram dois encontros com cada equipe, realizados durante as reuniões de equipe das unidades. No primeiro encontro, foi aplicado um questionário para caracterizar os profissionais que participaram da pesquisa e realizado o GDC. O roteiro do GDC continha quatro temas: o primeiro foi um vídeo disparador, construído pela autora para esse fim (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iupPdRCFb4o&feature=youtu.be). O segundo tema foi as opiniões de profissionais de saúde sobre o parto; o terceiro foi as vantagens e as desvantagens do parto normal e da cesárea, e o quarto e último tema foi as dificuldades e as facilidades em falar sobre parto.
No segundo encontro, foi apresentada a análise parcial dos dados aos participantes para validação. O nível básico para a análise de dados compreendeu a ordenação dos elementos que representaram dificuldades/obstáculos e aqueles que foram identificados como transformadores com relação ao tema parto no pré-natal, dispostos nas duas categorias previamente determinadas pelo método: sistema e mundo da vida, conforme a Matriz Final (Quadro 1). Para este artigo, foram selecionados os elementos dificultadores.
Resultados
Participaram do estudo: 2 médicos, 3 enfermeiros, 17 agentes comunitários de saúde, 5 dentistas, 1 auxiliar de enfermagem, 1 auxiliar de dentista, 1 auxiliar de limpeza, 1 educador físico, 1 fonoaudiólogo e 1 nutricionista. Destes, 26 eram mulheres e 7 homens, com idades entre 25 e 58 anos, dos quais a maioria trabalha na ESF há mais de cinco anos; 22 relataram ter filhos, dos quais 4 foram por parto normal e 6 com presença de acompanhante no parto. As USF foram enumeradas (USF1, USF2...) em ordem de ocorrência do grupo de discussão. A Tabela 1 apresenta os elementos dificultadores emergentes da análise final; os autores a elaboraram em conjunto com os dados coletados durante a pesquisa, tendo como base o referencial metodológico.
Foram identificados dez elementos dificultadores relacionados ao sistema, e dez, ao mundo da vida. Os elementos dificultadores relacionados ao Sistema -“formação do profissional de saúde”, “modelo de atenção ao parto” e “banalização da violência obstétrica”- estão relacionados ao modelo de formação dos profissionais de saúde e ao modelo de atenção ao parto, aspectos interligados e que se refletem na assistência ao parto e, consequentemente, na maneira como os profissionais da atenção primária o veem.
“Existem instituições de ensino que o papel é ensinar técnica. A humanização você vai pela sua personalidade, você vai aprender na prática.” (Médico 1/USF 1)
“Eu acho que a falta de informação [dos profissionais] é mais predominante do que a pessoa tem informação... eu acredito que mesmo que tenha acompanhamento pré-natal em consultório particular... tudo, acho que falta muita informação.” (Dentista 2/USF 4)
“Choca... mas não choca tanto por conta de estar acostumada […]” (Enfermeira 1/USF 4, ao se referir à violência obstétrica)
Os elementos “pouco conhecimento dos profissionais com relação à fisiologia do parto e das leis que envolvem a gestante”, “falta de conhecimento das diferenças e das vantagens dos tipos de parto” estão interligados e apontam para a manutenção de conhecimentos errôneos quanto à definição de parto humanizado e ao direito legal do acompanhante no parto. Isso favorece o surgimento do dificultador “falta de segurança e de argumentação dos profissionais ao discutirem questões de parto com a gestante”.
A conjunção desses fatores culmina com a formação do elemento “parto visto como procedimento muito ‘intervencionista’” e sustenta a ideia de que parto normal é ruim e “coisa” de pobre.
“Minha dificuldade é não saber argumentar... porque, se a gestante me disser que não quer fazer parto normal, eu não sei argumentar […]” (ACS 1/USF 3)
“Isso é novo, né [lei do acompanhante]?! Porque você larga a mulher lá e vai embora... você não pode ficar lá […]” (ACS 4/USF 4)
O elemento “descontinuidade do trabalho realizado com a gestante na USF” surgiu a partir da fala de alguns profissionais da USF, que, ao ouvirem queixas de puérperas quanto ao atendimento prestado na atenção hospitalar, se ressentiram de que seu trabalho foi perdido pela descontinuidade e pela falta de articulação da atenção primária com a atenção hospitalar.
“No grupo de gestante, a gente viu que muitas gestantes não sabiam de muita coisa e, quando souberam, optaram por fazerem parto normal... algumas não conseguiram, né... mas é isso que eu falo, às vezes você empodera aqui e lá não... porque às vezes faz um trabalho aqui, tá muito bonito o trabalho, mas não chegou lá... então é uma barreira muito grande.” (Dentista 3 /USF 3)
A “cesárea como principal escolha dos profissionais de saúde” revela a influência dos serviços de saúde, em especial das crenças e dos conhecimentos dos profissionais, nas escolhas pelo tipo de parto.
“No Brasil, a parte cirúrgica obstétrica é a melhor do mundo, ninguém fala isso... ninguém bate nesse ponto. Ah, mas o Brasil faz muita cesárea! Mas nós somos os melhores do mundo nisso.” (Médico 1/USF1)
Os elementos dificultadores do Mundo da vida trazem questões subjetivas relacionadas às próprias experiências de vida e às crenças dos participantes. Os elementos “medo da dor do parto”, “parto normal sofre mais” e “parto visto como solitário/solidão (tanto na cesárea quanto no normal)” revelam que o medo do parto está fortemente ligado, entre outros fatores, com o medo da dor, que é percebida como insuportável, ligada também à ansiedade que a incrementa e retroalimenta a ideia de morte.
O elemento “falta de apoio da família no momento do parto”, somado à sensação de solidão, aponta para a ausência de um acompanhante e a vulnerabilidade da mulher diante do processo do parto e do nascimento, influenciando no significado da dor.
“Eu acho que, quando você não tem o apoio de ninguém, você se sente sozinha, a dor pode ter aumentado por isso.” (ACS 6/USF 1)
“[…] a gestante se sente protegida na hora que ela tem um apoio de outra pessoa. E é difícil quando você tá sozinha, porque você precisa ir atrás das coisas e não fica calma. Eu acho que isso muda muito a dor.” (Enfermeira 2/USF 4)
Os elementos “não ter passado pela experiência do parto” e “vergonha de falar em público” estão relacionados ao eu pessoal, subjetivo. Em decorrência de não ter vivenciado o parto, o profissional relatou sentir-se despreparado para falar do assunto.
“E também eu não vivi isso... acho que se eu tivesse passado por um parto normal, eu me sentiria mais segura em falar sobre isso pra elas […]” (ACS 7/USF 3)
Para as profissionais de saúde que haviam realizado cesárea, houve um movimento de buscar justificativas para proteger sua decisão sobre fazer uma cesárea eletiva. Os elementos do mundo da vida que se enquadraram nesse sentido foram: “cesárea vista como um ato cirúrgico com recompensa - filho” e “cesárea vista como nascimento sem sofrimento - porém egoísmo da mãe”.
“Uma cirurgia... alegre... porque vem um fruto daí... é um nascimento sem sofrimento! Mas eu fui egoísta... era sem dor pra mim, não pra ele... hoje que eu tenho mais informação, eu faria normal também.” (ASC9/USF 4)
A “humanização na dependência exclusiva da postura do profissional” apareceu como elemento dificultador independentemente do nível de experiência profissional que este possui.
“Mas temos médicos aí que são experientes e não são humanizados. Vai variar de cada pessoa, o que cada um entende de ser humano... A prática é importante... se você vivenciar mais a prática do parto humanizado, a tendência é você seguir aquela linha... Mas, se a pessoa não tem isso dentro dela, como caráter dela, não é aquilo, não adianta, por mais prática que tenha, a experiência com a prática humanizada vai ajudar a fazer o parto humanizado.” (ACS 10/USF 1)
Discussão
A formação dos profissionais de saúde que participaram desta pesquisa reflete o modelo biomédico centrado na lógica reducionista e técnica, que desconsidera a perspectiva holística 14,26. A supervalorização da tecnologia em detrimento da assistência baseada nos direitos e na dignidade dos usuários ressalta o olhar para o processo gravídico-puerperal como fenômeno biotécnico, e não como uma vivência pessoal e sociocultural 27-29. Como resultado, vê-se a reprodução de técnicas sem comprovação de benefícios por evidências científicas e equipes cada vez mais despreparadas e desqualificadas 15.
“Estar acostumado” a situações violentas vividas pelas mulheres no período gravídico puerperal, como evidenciado pela presente pesquisa, reflete a forma como os membros da equipe veem o parto. A violência obstétrica, geralmente, não é percebida pelos profissionais como violenta, mas sim como um exercício de autoridade num contexto considerado “difícil”; no entanto, é a expressão de abuso físico, imposição de intervenções não consentidas, intervenções aceitas com base em informações parciais ou distorcidas, cuidado não confidencial ou privativo, cuidado indigno e abuso verbal, discriminação baseada em certos atributos, abandono, negligência ou recusa de assistência, discriminação social, violência verbal e física, abuso sexual e uso inadequado de tecnologia com intervenções e procedimentos desnecessários com potenciais riscos e sequelas, que, maquiados de boa prática, se tornam invisíveis no cotidiano assistencial 30-31.
A insegurança dos profissionais da atenção primária em abordar o tema parto perpetua conceitos errôneos como o de que a cesárea é a forma mais segura de nascimento; além disso, viola a humanização da assistência obstétrica baseada na autonomia e em direitos. Desde a assistência pré-natal, as mulheres são vistas como objeto, fora de contexto, a “máquina” é examinada e não se estabelece vínculo com o profissional 8. Grande parte dos médicos e profissionais da enfermagem relacionou o parto humanizado à presença de acompanhante familiar, ao atendimento às necessidades físicas e emocionais da parturiente e ao contato precoce mãe-bebê; no entanto, desconsiderou as boas práticas de assistência no parto como: alimentação durante o trabalho de parto, movimentação durante o primeiro estágio de trabalho de parto, uso de métodos não farmacológicos para o alívio da dor e monitoramento da evolução do trabalho de parto com partograma 5.
Os profissionais da atenção primária relatam grandes dificuldades no retorno das informações de contrarreferência da atenção hospitalar 8, aspecto semelhante aos resultados da presente pesquisa. Normalmente, a informação era proveniente da própria gestante, ferindo um princípio básico do Sistema Único de Saúde (SUS): a integralidade. A ausência de informação e a não integração entre hospitais e serviços de assistência pré-natal impediu que o processo reprodutivo fosse visto em sua totalidade e favoreceu a descontinuidade na assistência materno-infantil.
Outros estudos referendam que os índices de cesárea são influenciados pelo modelo biomédico, a qualidade da orientação recebida pela gestante ou até mesmo a falta de informação a respeito do parto normal 28,34, aspectos que corroboram a presente pesquisa.
As dificuldades relacionadas às atividades educativas no pré-natal, identificadas na presente pesquisa, reforçam a necessidade de infraestrutura física e material para o desenvolvimento de ações de educação e promoção da saúde, aspectos considerados importantes para propiciar boas práticas assistenciais 35-36. O papel educativo no pré-natal é uma importante ferramenta de influência na cadeia de crenças e opiniões sobre as vias de parto e, consequentemente, sobre a escolha final, devendo estar à altura das necessidades de informação das gestantes 36-37.
A associação da dor do parto normal à fantasia de morte faz com que a não escolha por aquele seja uma realidade 34. Para as mulheres participantes deste estudo, em especial para aquelas que passaram por experiências traumáticas no parto, a dor é vista de modo negativo, “dor de morte”:
“[…] a dor do parto pra mim é uma dor de morte.” (ACS 5 /USF 1)
“[…] essa questão da dor é uma expectativa já gerada, uma pré dor, que a pessoa já tá lá pensando que se ficar gestante vai sofrer, vai ter dor... e, quando o filho chega, tem dor e sofre mesmo, porque é uma projeção do inconsciente.” (Dentista 1/USF 1)
O medo da morte pode ser acentuado pela ausência de acompanhante no trabalho de parto e nascimento, o que coloca a mulher em situação de vulnerabilidade de gênero e proporciona situações de abandono, solidão e sentimento de desrespeito 37-40.
Portanto, a ideia perpetuada de um parto sofrido, as experiências e as vivências anteriores, bem como a compreensão familiar, do parceiro e de outros membros do convívio social da mulher a respeito da gravidez influenciam a sua escolha pelo parto normal ou pela cesárea 28,37. A cultura medicalizada de atenção ao parto exerce influência sobre as experiências das famílias e pode comprometer o conhecimento da mulher sobre seu próprio corpo, sua fisiologia, capacidade e autonomia, contribuindo para a crença de periculosidade do parto vaginal e potencializando a insegurança da mulher e o seu medo de tomar a decisão em prol desse parto 41.
As experiências de cesáreas dos participantes da presente pesquisa oscilam entre aspectos positivos e negativos. O estudo referenciado aponta que, entre os positivos, está a associação com a ausência da dor, a rapidez do procedimento e a possibilidade de marcar uma data ou realizar uma laqueadura. Entre os negativos, destacaram-se os riscos da cirurgia, as dores no pós-parto, as dificuldades com a recuperação e o retorno das atividades sexuais, além de preocupações e experiências prévias com a anestesia e maiores níveis de medo e descontentamento ao lembrar do nascimento de seus filhos 12.
Outro elemento destacado foi o entendimento restrito do conceito de humanização da assistência à saúde. Para os elementos relacionados à humanização, devem ser consideradas questões de acessibilidade ao serviço nos níveis primário, secundário e terciário de assistência, como provisão de insumos e tecnologias necessárias, formalização de sistemas de referência e contrarreferência, disponibilidade de informações e orientação da clientela e a sua participação na avaliação dos serviços 42. A humanização é muito mais do que tratar bem e com delicadeza. O cuidado humanizado no pré-natal é direcionado em sua integralidade e é importante considerar as gestantes e os familiares no conjunto social, econômico, político e cultural em que atuam e geram mudanças 26,43,44.
Em relação à formação dos profissionais de saúde, vale destacar que, para a construção de um olhar humanístico, o ensino e a aprendizagem devem ser um processo permanente, no qual o estímulo à criatividade e à utilização de tecnologias deve também contribuir para instrumentalizar o profissional a estabelecer relações que sejam satisfatórias, tanto para ele próprio quanto para os por ele assistidos. Dessa maneira, a formação profissional deve favorecer o olhar humano no desenvolvimento de competências capazes de oferecer uma assistência humanizada 14. É fundamental avaliar as demandas das mulheres bem como analisar o discurso dos profissionais de saúde, para ver como se coaduna com a proposta de humanização 29.
A implementação de todos os aspectos de uma assistência humanizada também inclui uma assistência segura. Diminuir as altas taxas de mortalidade materna é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030, acordados pelos países-membro da Organização das Nações Unidas 45.
É preciso que os serviços públicos e privados de saúde obstétrica, os profissionais de saúde e a sociedade civil se unam em busca de melhores condições de assistência materno-infantil, para sejam criadas e implementadas políticas públicas de saúde que qualifiquem os serviços e atendam às necessidades das mulheres de modo universal e equânime (inclusive para as mulheres mais vulneráveis), aumentando a força de trabalho, capacitando continuamente o profissional, garantindo recursos financeiros sustentáveis, com o uso das melhores evidências para informar à prática clínica com foco nos direitos da mulher e agindo com responsabilidade ética 46.
Conclusão
A presente pesquisa conclui que os profissionais da atenção primária, em especial da ESF nas equipes pesquisadas, apresentam dificuldades para a abordagem do parto no pré-natal, o que consequentemente influenciará a qualidade da assistência prestada. Essas dificuldades são de causas multifatoriais: formação da maioria dos profissionais em modelo biomédico, desconhecimento da fisiologia do parto, das boas práticas do parto, até falta de reconhecimento dos direitos das gestantes. Ainda é forte a ideia de que o parto normal é ruim, “coisa” de pobre.
Quanto à educação em saúde e à atenção à saúde em redes, este estudo mostrou que existem fragilidades que perpassam desde a falta de espaço físico e recursos materiais para atividades educativas até a frágil articulação da atenção primária com a maternidade.
Do ponto de vista das histórias de vida dos profissionais, suas vivências de parto reforçam a percepção distorcida e a opção da cesárea como forma de nascimento de seus filhos. Mesmos os não pais demonstram que a falta de experiência pessoal e a vergonha os tornam inseguros em falar sobre parto. A maioria dos profissionais envolvidos na pesquisa percebeu, no decorrer da pesquisa, como o Mundo da vida, que compreende os relatos relacionados às vivências cotidianas das pessoas participantes, pode refletir positiva ou negativamente na assistência prestada.
O diálogo igualitário, pressuposto da metodologia comunicativa, permitiu repensar as preconcepções decorrentes das experiências pessoais e profissionais, de forma que novas informações pudessem ser construídas no decorrer do próprio processo de investigação, munindo os profissionais de novas ferramentas que possibilitassem a transformação de suas realidades pessoais e profissionais.
Portanto, há necessidade de se investir em espaços dialógicos para a discussão do tema parto na atenção primária a fim de fazer parte do cotidiano das USF, valorizando, dessa forma, uma importante ferramenta -a educação permanente em saúde- com investimentos na qualificação dos profissionais nas questões referentes ao parto, buscando espaços de diálogo que lhes permitam explorar suas próprias vivências e desmistificar ideias que sustentem a cesárea como a melhor via de nascimento em qualquer situação.