Introdução
A morte de um filho traz grande impacto na vida dos pais, em âmbito pessoal, conjugal, familiar e social 1-5. Há características particulares quando esse filho é um neonato, por terem sido repentinamente truncadas as expectativas criadas durante a gestação 1-6.
A morte neonatal não parece ter lógica diante dos avanços científicos e tecnológicos na área de assistência à saúde, tanto no acompanhamento pré-natal do setor primário quanto no contexto da Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (Utin).
As mortes dos bebês no período perinatal têm ocorrência registrada por volta de 2,6 milhões por ano no mundo 7. Cada uma dessas mortes é acompanhada por grande tristeza e aflição, não só para os pais e familiares 8, como também para os profissionais de saúde.
Além dos pais, todos os parentes podem carregar sintomas psicológicos negativos no período pós-morte 9-10 e são vistas consequências extensas nas famílias 11. Existem gastos econômicos com a morte: despesas com funerais e investigação da causa, mas o maior custo é inatingível, pois está relacionado com tristeza, ansiedade e medo, o que evidencia a necessidade de estratégias de apoio a essa população 12-14.
Durante o luto, pode haver experiências de ansiedade, estresse pós-traumático, ideação suicida, pânico e fobias 15-16, depressão, aumento do risco para diabetes e câncer, internações psiquiátricas e suicídio 17. Assim, estudar o período perinatal é fundamental para pensarmos sobre a adequada assistência a esse grupo 18, especialmente acerca da saúde mental com foco na prevenção de agravos de saúde individual e de caráter social.
A literatura atual aponta a existência de lacuna no conhecimento dos cuidados de saúde mental perinatal. Portanto, são necessários estudos que possam preenchê-la assim como a utilização destes para formular ações direcionadas ao cuidado dessas mulheres e de seus familiares 19.
Então, destacamos como objetivo deste estudo investigar e discutir as publicações relacionadas ao suporte ao luto de pais que perderam filhos recém-nascidos com a finalidade de sintetizar o conteúdo sobre o tema e delimitar a lacuna da literatura associada a esse processo.
Material e método
Trata-se de uma revisão crítica da literatura que segue as premissas da revisão integrativa, método que reúne e sintetiza resultados de pesquisas sobre um delimitado tema ou questão 20-21. Seguimos, por isso, seis passos bem-definidos: 1º) elaboração de uma hipótese ou questão de pesquisa; 2º) amostragem ou busca na literatura; 3º) categorização dos estudos; 4º) avaliação e análise dos estudos com potencial para inclusão na revisão; 5º) interpretação dos resultados e 6º) síntese do conhecimento e apresentação da revisão 22.
Para a execução desta revisão, foram explorados os estudos que discutem questões acerca dos pais no contexto da morte dos neonatos, compreendidas as seguintes atividades nas fases do processo:
1ª etapa: elaboração da questão norteadora “Como é a experiência dos pais no luto pela morte do filho neonato em relação ao suporte e apoio oferecidos?”;
2ª etapa: busca pelas publicações nas bases de dados CINAHL, Embase, PubMed PsycINFO e Scopus, utilizados os seguintes descritores do Medical Subject Headings (MeSH): “Infant, newborn” and parents and grief or mourning;
3ª etapa: estabelecimento dos critérios de inclusão: 1) período de publicação entre 2010 e 2017, 2) método descrito de forma compreensível, 3) discussão com foco e relevância sobre o tema proposto e 4) contribuição para responder à questão norteadora. Estabelecimento dos critérios de exclusão: 1) estudos acerca de pais enlutados por filhos adultos e 2) estudos que abordam a experiência de profissionais de saúde. A Figura 1 apresenta o processo de busca e exclusão de artigos;
4ª etapa: após a leitura dos títulos e resumos, 71 artigos com potencial para inclusão foram selecionados, lidos na íntegra e avaliados minuciosamente pelos autores. Para a coleta de dados, utilizamos um instrumento 23 que permitiu a pormenorização dos dados relevantes de cada texto lido em formato de fichamento, o que facilitou a integração dos dados na discussão crítica;
5ª etapa: a partir da leitura analítica, foram excluídos os artigos que não contribuíram para a construção da reflexão proposta e foram descritas unidades temáticas para a discussão. A análise dos dados coletados foi realizada sob os princípios da análise temática 24, que segue a lógica de elencar categorias principais e agrupar informações a partir dos temas nelas contidos;
6ª etapa: realização da discussão com base nos temas encontrados e considerações acerca das conclusões dos artigos e desta revisão; formatação final do estudo.
Resultados
Pontos relevantes foram encontrados nos textos analisados e deram origem às categorias e subcategorias, fazendo pensar nas características necessárias aos profissionais e às instituições onde os sujeitos enlutados se encontram, e sobre o vínculo existente entre os enlutados e os serviços de assistência.
Utilizamos as denominações a seguir.
Categoria A - Apoio e suporte aos pais que vivenciam experiência da perda do filho neonato: o tipo de atendimento recebido pelos pais; os grupos de apoio ao enlutado; a formação de memória da criança que morreu; o apoio espiritual; a comunicação; a autonomia dos pais nos cuidados recebidos no processo de morte e morrer; o suporte da família e da comunidade.
Categoria B - sentimentos dos pais ante a situação de morte: a aflição; o sentimento de tristeza e melancolia; a gratidão;
Categoria C - participação dos pais no processo de tratamento e prognóstico do filho: a autonomia; a invisibilidade do luto.
Além disso, durante nossas leituras, observamos que os estudos a respeito do luto parental neonatal começaram a ser publicados em 1970 25, mas foi durante a década de 1980 que o número de estudos publicados cresceu, e o tema foi consolidado para a discussão da assistência à saúde.
Com o propósito de investigar as discussões na atualidade, percebemos que o luto está dividido em temas quando a discussão é direcionada ao suporte e cuidado à saúde do enlutado. Esses temas relacionados são explorados de formas diferentes em cada período, e, em diversos países, os estudos foram desenvolvidos com ênfase nas preocupações ou necessidades locais em cada momento. Portanto, apontamos brevemente como o tema está localizado em cada período na Figura 2.
Discussão
Podemos compreender que o luto requer grande movimentação por parte de quem o experimenta em virtude da perda de alguém amado 26-27 e mesmo por parte de quem atende os sujeitos enlutados 28-29. Nesta seção, são apontadas as categorias e subcategorias emergentes nos resultados, e nelas há material para discutir acerca do suporte ao enlutado.
Categoria A - Apoio e suporte aos pais que vivenciam a experiência da perda do filho neonato
Emerge do que nos é trazido sobre o significado de apoiar e dar suporte aos pais que passam pela experiência de perda, dando sentido às ações externas esperadas dentro dos serviços ou extrapolando a instituição e abarcando a família e a comunidade.
A palavra “apoiar” nas situações de perda se relaciona a prevenir e promover a diminuição de estresse 30. Dar suporte remete a um processo de cuidados para que o sujeito seja capaz de comunicar-se livremente sobre sua experiência e os sentimentos nela envolvidos, com o objetivo de sentir-se aceito, respeitado e cuidado 30.
O tipo de atendimento recebido pelos pais pode aliviar ou agravar as angústias durante o luto neonatal pelo contato possível entre os familiares do neonato e a equipe de saúde; assim, uma equipe bem-preparada para apoiar e disposta para o cuidado dos pacientes e familiares envolvidos no contexto da perda pode ser eficiente para o processo de luto individualmente.
Os grupos de apoio ao enlutado são um tipo de suporte oferecido em alguns locais e têm seus benefícios relatados, especialmente para mulheres 31. Compartilhar as experiências e sentir a equipe de saúde posicionada em seu auxílio em momentos e espaços específicos pode fazer os pais sentirem-se mais bem preparados para o enfrentamento do luto.
Os grupos virtuais são uma tendência contemporânea 32. Recentemente foram criados grupos on-line de apoio e memorial de pais enlutados. Diante do avanço tecnológico e do amplo acesso à internet na atualidade, essa estratégia pode, potencialmente, minimizar fatores como a não adesão à oferta de suporte e a timidez em relação à expressão de sentimentos.
A formação de memória da criança que morreu aparece em alguns estudos como atividade fundamental para trazer conforto no processo de luto 33-35, assim como a possibilidade dos pais terem contato com a criança morta antes do funeral 33.
A inserção do bebê na memória familiar com ações que o envolvam como: tirar fotos, marcar os pés em algum tecido ou papel ou guardar roupas e cobertores por ele usados trazem benefícios como menos emoções negativas durante o processo de luto 31, formando a identidade do bebê e desestruturando a possível percepção de desvalorização que os pais possam ter, o que permite a personalização do bebê 34.
Tais ações precisam ser realizadas oportunamente e com respeito à decisão familiar quanto ao tipo e tempo desse contato, além de ser considerada a diversidade cultural 31,38, como quaisquer outras possibilidades de ação junto aos pais dos neonatos, pois diferenças entre pessoas de distintas culturas e de gerações diferentes são relatadas 36. Pais imigrantes relatam grande dificuldade de comunicação atribuída, especialmente, ao idioma e aos costumes do país onde vivem 36.
As relações emocionais formadas com o bebê no período em que estava vivo dão origem aos laços entre pais e filho; esses laços são significativos após a morte do bebê. Pais com bons momentos juntos ao filho, enquanto estava vivo, evidenciam completude emocional; enquanto pais que vivenciaram momentos de sofrimento emocional durante a vida do filho percebem tristeza intensa 32.
O apoio espiritual deve existir aos pais quando o bebê está internado, pois, com isso, é relatado que há maior entendimento durante o luto, o que faz a perda ser mais bem-entendida em sua vida, devendo cada profissional da equipe de saúde ter preparo suficiente para tal auxílio, ou ainda incorporar à equipe uma figura religiosa específica, se for oportuno, como um capelão 37-38.
Há evidência de que atividades espirituais trazem menores sintomas de desespero, desorganização e depressão aos pais enlutados 39. Encontrar significado e propósito para viver a situação pode ajudar os familiares a lidarem com a morte de seus filhos, o que diminui seus sintomas de dor e melhora sua saúde mental 39-40.
Em relação à preparação para o apoio espiritual dentro da equipe de saúde, é descrito, em determinado campo, que 76% dos profissionais pediatras consideram a comunicação sobre espiritualidade importante, mas 51% nunca ou raramente falaram sobre isso com a família do paciente e somente 10% têm isso como prática 37. Outros profissionais não foram citados nesse tipo de atividade, o que evidencia lacuna.
Em algumas instituições, o apoio de conselheiros religiosos como capelão tem sido válido. Especialmente em países onde a diversidade religiosa é grande, há dificuldade de uma preparação ecumênica para assim minimizar interferências de idealizações pessoais. Seria necessário incorporar nos currículos da área de saúde temas que remetessem à reflexão sobre espiritualidade e religiosidade; para tanto, há que se pensar na inserção do tema dentro do modelo biomédico dominante atualmente nas grades dos cursos dessa área.
As práticas religiosas de cerimoniais de culto à morte como enterros, velórios, cremações são relatadas como ações positivas de despedida em relação à concretização do luto 31.
A necessidade de respeito à diversidade de crenças e a disposição e preparação dos profissionais para essa comunicação devem ser consideradas. Os orientais, por exemplo, relatam experiência de busca espiritual pelo contato com o bebê e estágios bem distintos no enfrentamento familiar do luto de tristeza, busca por recuperação e paz mental 41.
A comunicação adequada é evidenciada como extrema necessidade no processo de perda 6,33,40, pois os pais sentem a dificuldade de comunicar-se e percebem a mesma dificuldade por parte da equipe 31, o que pode estar ligado a sentimentos de depressão e culpa 42-43. A informação adequada, a relação de
confiança e a deliberação entre pais e profissionais podem auxiliar na tomada de decisão sobre o recém-nascido 44.
O momento da comunicação da notícia da morte é crucial para o desenvolvimento do luto saudável. Empatia, promoção de espaço e tempo com privacidade, entendimento, sensibilidade e apoio contínuo são relatados como necessidades dos pais no processo de perda no Reino Unido 31.
Encontramos a definição de “comunicação”, em um dos estudos incluídos, que compreende desde o espaço físico adequado, com ambiente tranquilo e cômodo, privacidade e possibilidade de manter conversas sem interrupções, até relações de confiança mútua. Como condições prévias, indicam-se: disposição para escuta, informação com quantidade e qualidade adequadas, progressiva e gradual, consistente e sem contradições, compreensível, sensível, individualizada e com tempo suficiente para a expressão de sentimentos, valores e expectativas, além do gerenciamento do silêncio. Ademais, incluem-se os registros das decisões tomadas como parte de uma comunicação adequada 44.
Em estudo com mães muçulmanas, selecionado nesta pesquisa, a maior parte das entrevistadas apontou que gostaria de uma comunicação mais clara sobre a morte do filho e sentiu como se o bebê fosse pouco representativo para os profissionais, desde o nascimento 30.
A autonomia dos pais nos cuidados recebidos no processo de morte e morrer é desejada no processo de luto. Diretrizes para os cuidados em UTI de alta complexidade são seguidas em serviços do Reino Unido 45, onde fica determinado que se deve atender às necessidades das famílias nos períodos pré e pós-morte, e por período prolongado e indeterminado, inclusive com o auxílio em posteriores gestações.
Nos EUA e no Reino Unido, os cuidados individualizados e a oferta de diferentes tipos de apoio começam a ser considerados, tendo como resultado as diferenças relatadas entre os sofrimentos de pais e mães enlutados 6,46.
No geral, é mostrada a premissa de que nem todos os pacientes e familiares podem ser beneficiados com o atendimento em serviços com práticas de excelência 47. Essa questão é motivo de discussão por parte dos pais e de questionamentos sobre qualidade de atendimento recebido 33,42. Isso denota diferença de atendimento entre classes sociais e econômicas, o que reforça a heterogeneidade na garantia de direitos entre as pessoas.
A questão do acompanhamento da criança em UTI 33 é debatida fortemente, pois há obrigatoriedade de um dos pais ou responsável presente em tempo integral durante a internação de menores, porém a presença do acompanhante é parcialmente possível ou permitida somente em período de visitação por questões ainda não vencidas, como a falta de estrutura física e acomodação ou a dificuldade em lidar com familiares durante a hospitalização na maioria das unidades.
Falar da morte do filho e retornar ao hospital mostram-se como ponto positivo e remetem à sensação de paz pelos pais que participaram de um dos estudos analisados 31; por outro lado, há falta de estratégias e critérios bem-definidos para o suporte à vida, o que dificulta atitudes profissionais e participação dos pais no processo de morrer da criança.
O atendimento à saúde e a qualidade de vida proporcionada à criança irão ao encontro, portanto, dos interesses dos pais e ao contexto social 48. Outro estudo 40 discute sobre o estímulo em relação à reflexão acerca da morte neonatal com material didático preparado para os pais; essa atividade fez emergir sentimentos e, com isso, discussões acerca do que é esperado pelas famílias e sobre a abertura delas para receber apoio e suporte.
Ainda outro texto traz a experiência da formação de serviço de educação e apoio específico para o luto e os relatos de claros benefícios vivenciados pelos familiares dos frequentadores 49.
O suporte da família e da comunidade é querido pelos pais e já se encontra autonomia dos enlutados em direcionar a busca por encorajamento nesses grupos. O compromisso dos laços afetivos encontrados dentro da família representa grande apoio aos pais enlutados da Bélgica; assim eles apontam que, além dela, a comunidade pode fornecer a reestruturação social após a perda e, somente quando são notadas insuficiências nesses dois grupos, os pais solicitam e recebem auxílio de profissionais da saúde, o que nos convoca a refletir sobre a formação da rede de cuidados 50.
Categoria B - Sentimentos dos pais ante situações de morte e desfechos do luto
É oriunda das falas expressas sobre o movimento interno percebido pelos pais no processo de morte do filho.
A morte e o luto do filho serão enfrentados pelos pais de acordo com suas experiências anteriores relacionadas à morte e ao luto, pois os sentimentos e emoções gerados a partir desses acontecimentos serão vivenciados novamente no decorrer da vida, quando passarem por experiências semelhantes.
Os sentimentos envolvidos no processo de luto e a forma como serão reificados pelos pais constituirão o novo ser humano após essa experiência; assim, o compromisso de auxílio à promoção de saúde e à prevenção de doenças deve ser lembrado e ressaltado nos aspectos que envolvem o luto. Os profissionais da saúde podem contribuir para a ressignificação da vida ou, simplesmente, por omissão ou imperícia, predispor os sujeitos a doenças psíquicas e físicas no decorrer do processo de luto.
A aflição, o sentimento de tristeza e melancolia são esperados na dinâmica individual e familiar do luto; somente devem ser considerados preocupantes quando afetam rotinas da vida diária, com combinações de agravos cognitivos, emocionais, comportamentais, sociais e espirituais 37.
Entretanto, a observação e acompanhamento do processo de luto, junto ao auxílio especializado, deve ser uma prática organizada dentro das instituições de saúde. O abandono sentido pelos pais quando não há vínculo com serviços de oferta de apoio resulta em problemas acerca da saúde mental desses indivíduos, o que agrava um quadro social de deficiência em atendimento aos enlutados 34,17.
Após um ano de luto, é relatado grande número de hospitalização, agravos de condições crônicas de saúde, ampla utilização de medicações e aparecimento de depressão; além disso, o rompimento do vínculo dos pais enlutados com os profissionais de saúde após a morte do filho pode fazer essas condições ficarem ocultas na prática assistencial 34,17.
Equipes de saúde podem ter dificuldades com o imprevisível. O comportamento dos pais pode refletir raiva, medo, desconfiança, irracionalidade e exigência, o que gera dificuldades para o profissional despreparado 37.
Reafirmando que a relação com a espiritualidade e com outras formas de apoio trazem sentimentos de amor, confiança e esperança, o que reforça a necessidade de abordagem nesse contexto e de amadurecimento profissional, trazemos a importância da imparcialidade e da capacidade de lidar com esses sentimentos gerados pelo processo de luto que inevitavelmente atingirão a equipe em algum momento.
A gratidão dos pais que relatam ter recebido apoio social e psicológico durante o luto pelos profissionais 43 fica registrada e é percebida como movimento confortante durante o luto.
Algumas intervenções são relatadas como eficientes no processo de morte/morrer dos neonatos e acabam por promover a valorização do vínculo entre família e serviço de assistência durante o processo de luto; exemplos dessas ações: a) permissão e incentivo a visitas de parentes e amigos da criança; b) treinamento para boa comunicação e c) discussão sobre casos específicos 43.
Há relatos da vontade dos pais em ter outros familiares envolvidos no processo de internação, morte/morrer do filho; assim, as visitas parecem ser fundamentais para alguns enlutados 39.
Os pais sentem a necessidade de, além do entendimento estrutural da perda, concluir a experiência subjetiva em si, e, como pais enlutados que agora são, participar dos rituais relacionados ao filho e retornar às atividades sem pretensão de se tornarem novamente quem eram antes do acontecimento 51. Inseridos em um contexto social restrito, entendem que os profissionais da saúde são como aliados nesse movimento 49.
Categoria C - Participação dos pais no processo de tratamento e prognóstico do filho
Está relacionada com a expressão da necessidade de abertura a possibilidades de participação na vida e morte do filho sentida pelos pais.
Em um estudo selecionado, oriundo da França, 50 % dos pais entrevistados sobre a qualidade do atendimento durante o processo de morte/morrer do filho relataram ter tido autonomia e poder nas tomadas de decisões, tiveram boa comunicação com a equipe de saúde e perceberam que suas crianças receberam tratamento necessário: de beneficência, a princípio e posteriormente, sem possibilidades terapêuticas, foram ofertados cuidados de não maleficência, podendo confortar-se pelo interesse demonstrado pela criança 52.
A autonomia desejada por vezes não é sentida como possibilidade pelos pais. Uma mãe, afastada do processo de morte do filho pelo pai da criança, não consegue manifestar seu ponto de vista 53. O que ratifica que a participação dos pais traz alguma concretização do luto 53. Assim, os pais deixam expressa a queixa por não ter participado das decisões sobre os cuidados de seu filho, ou de não terem sido orientados adequadamente sobre esses cuidados e as opções existentes, tendo desrespeitadas as suas escolhas 33,51,53.
Alertando para as necessidades específicas dos pais enlutados 46 e voltando à importância da comunicação no processo de luto, sem a abordagem adequada aos pais e boas orientações, não é possível dar-lhes autonomia. Trabalhar junto aos pais, processualmente pelo seu conhecimento do caso do filho e sua possibilidade de escolha, é fator marcante no processo de luto.
No estudo brasileiro indexado nas bases de dados, a maioria dos pais declarou em entrevista a percepção de comunicação inadequada entre a equipe e a família, alegando que não foram informados com linguagem compreensível sobre o estado de seu filho, não entendendo a linguagem técnica da equipe e relatando, ainda, que não foram conhecedores das escolhas existentes para o tratamento dos filhos, e sim somente informados de decisões já tomadas 43. Isso evidencia que a participação no processo de vida, morte e morrer do filho lhes foi negada.
No momento da morte de seu filho, os pais desejavam privacidade e despedida fraterna, porém, diante do contrário, salientam a consideração de despreparo da equipe, principalmente do profissional médico 43.
A invisibilidade do luto é culturalmente construída, mas também está relacionada à subnotificação dos óbitos de recém-nascidos; na Etiópia, as mulheres indicaram que, embora sintam e lamentem a perda de seu filho, seus sentimentos são reprimidos pelas normas comunitárias; percebendo vivências de grande pesar, elas são encorajadas a não lamentar a perda. Em algumas regiões desse país, especialmente por parte das pessoas mais velhas, acredita-se, por exemplo, que a mulher pode ter um espírito ruim dentro de la que propiciou a morte do recém-nascido 52.
Os autores afirmam que há a consciência da importância do registro desses óbitos para a saúde pública, mas, por convicções culturais, as famílias aceitam a imposição sobre manter o fato como inexistente, perpetuando a invisibilidade de seus bebês 52.
Considerações finais
Os profissionais de enfermagem precisam ter conhecimentos e práticas voltados para as ciências humanas e sociais de modo complementar; assim, temas como: comunicação, espiritualidade, escuta qualificada, preservação da autonomia e respeito à diversidade de comportamento precisam ser considerados.
Os profissionais da saúde devem ater-se às figuras parentais e à sua potencialidade para suporte dentro dos núcleos familiares. Percebemos que a posição da figura paterna é pouco explorada na literatura, sendo necessárias novas pesquisas na área com vistas à atual valorização do trinômio familiar nos processos que envolvem a gestação, o nascimento e a criação dos filhos.
A equipe necessita desenvolver habilidades de comunicação adequada e estabelecer bom uso dela durante o processo de morte dos neonatos. A abertura à participação dos pais nesse processo tem importância destacada nos textos.
O enfermeiro, junto à equipe, precisa estimular atividades de construção de memória e vínculo afetivo com o neonato falecido, questões de grande validade na incorporação da experiência do luto na vida familiar. O registro das mortes também deve ser uma preocupação do enfermeiro.
Grande atenção à forma de apoio espiritual e religioso é dada nos estudos, emergindo a necessidade de contextualização do tema por parte da equipe de saúde. Um enfoque coletivo é dado à experiência de luto, mas a subjetividade parece ser pouco falada e explorada nos textos, tanto dos profissionais como dos pais enlutados e familiares.
O enfermeiro deve prezar pela continuidade do vínculo entre o serviço de saúde e os familiares enlutados, pois, somente com o acompanhamento desses casos e o respeito à individualidade, poderemos discutir sobre a assistência a essa população.
Para finalizar, como limitação do estudo, temos que a busca foi realizada apenas nas principais bases de dados da área de saúde. Por outro lado, o conhecimento agregado por meio deste trabalho traz síntese e crítica imediatas do cenário atual sobre o tema, além de fornecer subsídios para novas pesquisas e assistência ao enlutado.