Introdução
O papel político desenvolvido pelos enfermeiros junto aos usuários passou a ser reconhecido como advocacia em saúde, de forma a representar um dos conceitos-chave da ética em enfermagem, discutido na literatura desde 1973, quando o Conselho Internacional de Enfermeiros (CIE) o introduziu no Código de Ética da profissão 1,2.
Originou-se a partir do termo em latimadvocatus,diretamente relacionado ao termoadvogado,aquele que intercede, defende ou julga a outra pessoa 3. Dessa forma, de acordo com o CIE, o enfermeiro possui o papel inerente à profissão de respeito aos direitos humanos, incluindo o direito à vida, à dignidade e ao de ser tratado com respeito 2. A advocacia em saúde passou a ser problematizada na prática de enfermagem com maior ênfase na década de 1980, nos Estados Unidos da América, sendo considerada, ainda hoje, um papel relativamente novo para a profissão, com interpretações conceituais bastante variáveis 2,3.
A atribuição de defesa do paciente também é desenvolvida por outros profissionais de saúde; contudo, verifica-se que a enfermagem possui um papel de destaque no exercício da advocacia; devido à relação de proximidade enfermeiro-paciente e ao maior tempo de permanência nas unidades de saúde, o enfermeiro encontra-se em uma posição única para o desenvolvimento desse papel, por possuir maior inteiração na relação terapêutica e maior envolvimento no quadro de saúde dos pacientes, o que facilita o esclarecimento dos objetivos do tratamento e a defesa de suas necessidades e desejos 3.
A importância da defesa em saúde é citada não só na literatura filosófica, mas também introduzida nas competências educacionais e nos códigos de ética, tais como o Código de Ética para Enfermagem da American Nurses Association 4, em que a advocacia é considerada como um componente importante na garantia dos direitos e da segurança do paciente, tanto para alcançar os resultados esperados pelos profissionais como para agir em prol daqueles que não são capazes de se defender 5.
Na enfermagem brasileira, o Código de Ética dos Profissionais leva em consideração a necessidade e o direito de assistência em enfermagem da população, o interesse do profissional e de sua organização, além de destacar a premente necessidade de aprimoramento técnico, científico e cultural do profissional no desenvolvimento de suas ações 6.
A defesa do paciente é um elemento inerente da ética profissional. Assim, o enfermeiro necessita agir como advogado em prol dos pacientes que se encontram sob seus cuidados, direcionando esforços para a prática de apoio e para o respeito da autonomia e privacidade deles, a fim de subsidiar e respeitar seus direitos em saúde, uma vez que os enfermeiros se encontram munidos de condições para identificar e compreender situações em que precisam interceder 7.
No tocante à prática de advocacia, os enfermeiros podem enfrentar repercussões pessoais negativas, ao se depararem com certos obstáculos e consequências, relacionados a conflitos de interesse da organização e às relações próprias do ambiente de trabalho, o que pode tornar-se um desafio no exercício da advocacia e afetar a capacidade do enfermeiro em atuar como um defensor, bem como originar a relutância em assumir esse papel 7,8.
Desse modo, alguns fatores podem contribuir para que os enfermeiros não exerçam a função de advogados, como insegurança no emprego, opressões, indisposição com membros da equipe, mudança de status no trabalho, falta de apoio, conflitos e temor de represálias que constituem desafios na capacidade de acesso aos cuidados de saúde dos pacientes 2,9.
Diante do estágio atual da produção científica da enfermagem, observam-se diversas lacunas ainda existentes no que concerne a essa temática 10. Dessa forma, a necessidade de identificação dos preditores da advocacia em saúde vivenciadas no cotidiano profissional de enfermeiros, no contexto hospitalar, justificou a realização deste estudo, uma vez que o não exercício da advocacia pode resultar em dificuldades no desenvolvimento das potencialidades desses profissionais e queda na qualidade do cuidado, havendo necessidade de uma compreensão mais abrangente acerca da temática.
Assim, a necessidade de conhecimentos acerca dos fatores advindos do exercício da advocacia em saúde, na enfermagem, ressalta a relevância deste estudo, principalmente por meio das elucidações das principais contribuições e limitações imbricadas nessas ações, de modo a gerar maior qualidade e autonomia no processo de trabalho. Foi objetivo deste estudo identificar os principais fatores emergentes do exercício da advocacia em saúde por enfermeiros no contexto hospitalar.
Materiais e métodos
Estudo quantitativo, transversal analítico, realizado com 157 enfermeiros de duas instituições hospitalares do sul do Brasil, uma pública e uma filantrópica. A coleta de dados foi realizada entre os meses de setembro e outubro de 2015. Foram realizadas visitas às unidades dos dois hospitais selecionados; os instrumentos foram entregues diretamente aos informantes em um envelope de papel pardo, sem identificação, juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Foi utilizada a modalidade de amostragem não probabilística por conveniência 11, de modo que todos os participantes da pesquisa fossem selecionados de acordo com sua presença e disponibilidade no local e no momento em que ocorreu a coleta de dados, desde que atendessem aos critérios de inclusão e exclusão 12.
Foram critérios de inclusão: ser enfermeiro, atuar profissionalmente nos hospitais selecionados e atuar a mais de seis meses na instituição, por acreditar ser este um tempo necessário para a adaptação às rotinas e à organização. Foram critérios de exclusão para a participação na pesquisa: estar ausente do local de trabalho (unidade hospitalar) no momento da coleta de dados devido a férias, paralisação, afastamento ou licença e ser profissional de contrato temporário.
Para a seleção do tamanho amostral, adotou-se uma fórmula específica, que objetivou estimar o mínimo tamanho amostral, com vistas a garantir um nível de confiança mínimo de 95 %. Conhecendo previamente a população das duas instituições, composta por 235 enfermeiros, e após a realização do cálculo amostral, chegou-se ao número mínimo de 145 informantes 12. Contudo, na tentativa de selecionar o maior número de participantes possíveis para a obtenção de uma margem de segurança, obteve-se uma amostra de 157 enfermeiros, de modo a ultrapassar o valor estimado pela fórmula.
Para a coleta de dados, o instrumento escolhido para investigar os aspectos atrelados à advocacia em saúde foi uma adaptação da Protective Nursing Advocacy Scale (PNAS), desenvolvida originalmente nos Estados Unidos e aplicada em enfermeiros da especialidade médico-cirúrgica no ano de 2010 2; essa escala foi adaptada culturalmente e validada para o contexto brasileiro em 2015 13. A PNAS original é composta por 43 questões, sendo respondida por meio de uma escala de frequência do tipo Likert de cinco pontos, utilizando-se 1 para discordo totalmente, 2 para discordo parcialmente, 3 para não concordo nem discordo, 4 para concordo parcialmente e 5 para concordo totalmente.
A PNAS em sua versão inicial apresenta 37 questões validadas em quatro constructos: 1) atuação como advogado, que reflete ações tomadas pelos enfermeiros quando advogam para os pacientes; 2) situações de trabalho e ações de advocacia, que reflete as possíveis consequências da advocacia de pacientes no ambiente de trabalho; 3) ambiente e influências educacionais, que engloba a influência do conhecimento e ambiente interno dos enfermeiros, como valores pessoais, confiança e crenças para atuarem como advogados; 4) suporte e barreiras para a advocacia, que consiste de itens que indicam os facilitadores e as barreiras para a advocacia do paciente na enfermagem, o que inclui o ambiente de trabalho como um todo 2.
Em sua versão brasileira 13, o instrumento é constituído por 20 itens, sendo operacionalizado por meio de uma escala de frequência do tipo Likert de cinco pontos, utilizando-se 1 para discordo totalmente, 2 para discordo parcialmente, 3 para não concordo nem discordo, 4 para concordo parcialmente e 5 para concordo totalmente. Apresenta cinco constructos: 1) implicações negativas do exercício da advocacia, que ilustra possíveis consequências do exercício da advocacia no ambiente de trabalho; 2) ações de advocacia, que envolve questões atreladas ao exercício profissional que representem advogar, agir pelo paciente; 3) facilitadores ao exercício da advocacia, que inclui questões pessoais e profissionais que possam contribuir para o exercício da advocacia; 4) percepções que favorecem o exercício da advocacia, que aborda o entendimento de situações em que o exercício da advocacia se faz importante; 5) barreiras ao exercício da advocacia, que engloba aspectos pessoais que inviabilizam ou prejudicam as ações de advocacia 13.
O instrumento brasileiro apresenta, ainda, uma parte inicial de caracterização dos participantes que contém características sociodemográficas, que possam ser significativas para a correlação com a advocacia do paciente, tais como: idade, sexo, tempo de formação, instituição de trabalho, carga horária de trabalho, tempo de atuação profissional, outros cursos concluídos (especialização, mestrado, doutorado), modalidade de atendimento e realização de reuniões na unidade de trabalho. Neste estudo, o instrumento PNAS - versão brasileira manteve-se com os cinco constructos já existentes; o alfa de Cronbach do instrumento apresentou valor 0,78, enquanto os coeficientes dos cinco constructos se situaram entre 0,70 e 0,87.
Para a aplicação do instrumento de coleta de dados, foi realizada visitas às unidades hospitalares, de forma que os enfermeiros fossem convidados a participar do estudo no próprio local e turno de trabalho. Após os procedimentos relacionados aos aspectos éticos, o instrumento foi entregue diretamente aos participantes em um envelope de papel pardo, sem identificação, e recolhido logo após seu preenchimento, conforme agendamento.
Para a análise dos dados, utilizou-se o software estatístico Statistical Package for Social Sciences, versão 23.0. Foram realizados dois testes estatísticos para garantir a validade dos instrumentos, a análise fatorial para a sumarização dos dados através da identificação de fatores comuns entre as questões, agrupandoos em constructos através da média das respostas, e o alfa de Cronbach, que buscou avaliar o nível de confiabilidade do instrumento através da verificação de características contidas em cada grupo de questões, verificando se as questões incluídas no questionário conseguiram medir de maneira consistente os fenômenos em questão. A normalidade dos dados foi atestada através do teste de Kolmogorov-Smirnov.
Para analisar a correlação existente entre as variáveis quantitativas, de advocacia em saúde, recorreu-se ao coeficiente de correlação linear de Pearson. Trata-se de um método de análise bivariada que analisa simultaneamente duas varáveis dependentes, medindo a intensidade da relação existente entre elas 11. O segundo tipo de análise estatística realizada foi a multivariada através da regressão linear, que busca estabelecer a relação entre os fatores de intensidade e frequência de sofrimento moral com a advocacia do paciente, através da análise de uma variável dependente com outras independentes.
Os aspectos éticos foram respeitados, conforme as recomendações da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, de forma que o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa local (Parecer 97/2013 do Comitê de Ética Local).
Resultados
Os resultados evidenciaram moderada associação entre facilitadores ao exercício da advocacia e percepções que favorecem seu exercício. A dimensão "facilitadores ao exercício da advocacia" foi o principal preditor da advocacia em saúde no contexto hospitalar, capaz de deflagrar nos enfermeiros a sensibilidade e o desejo em advogar.
O instrumento PNAS - versão brasileira foi utilizado na avaliação das crenças e ações da advocacia do paciente de enfermeiros. Mediante a análise de componentes principais, a questão 10 do instrumento original foi excluída por apresentar baixa carga fatorial, com autovalor menor que 0,500. O alfa de Cronbach do instrumento apresentou valor 0,78, enquanto os coeficientes dos cinco constructos se situaram entre 0,70 e 0,87, ilustrados na Tabela 1.
A análise descritiva permitiu identificar que o constructo "facilitadores ao exercício da advocacia" apresentou a maior média do instrumento (3,06), o que evidenciou que características e competências dos enfermeiros favorecem o exercício da advocacia, bem como o comprometimento e maior dedicação à enfermagem.
O constructo "percepções que favorecem o exercício da advocacia" apresentou a segunda maior média do instrumento (2,94); relaciona-se às percepções dos enfermeiros quanto à advocacia e aos cuidados prestados aos pacientes, que podem favorecer suas ações como advogado, principalmente no que tange à percepção de vulnerabilidade. Em seguida, tem-se a dimensão "ações de advocacia" (2,69), que indica ações multidimensionais de advocacia dos enfermeiros, como agir e falar em nome do paciente, variando de acordo com o contexto clínico.
O constructo "implicações negativas do exercício da advocacia" obteve média de 1,78; constatou-se que consequências do exercício da advocacia são relevantes para os enfermeiros e podem culminar em perda do emprego e até mesmo rotulações negativas formuladas por colegas de trabalho. Já o constructo "barreiras ao exercício da advocacia" obteve a menor média (1,40) e demonstrou que barreiras que dificultam ou impedem que os enfermeiros realizem seu fazer como advogado podem não ser percebidas pelos enfermeiros.
Preditores da advocacia em saúde identificados por enfermeiros
Por meio da análise de correlação de Pearson, foi possível identificar que os constructos "facilitadores ao exercício da advocacia" e "percepções que favorecem o exercício da advocacia" se relacionam com uma moderada força de associação (0,455), com significância ao nível de 5 %, ao passo que covariam de maneira previsível. As correlações entre os demais constructos de advocacia em saúde apresentaram força de associação do tipo leve, quase imperceptível. A Figura 1 representa a correlação existente entre os constructos "facilitadores ao exercício da advocacia" e "percepções que favorecem o exercício da advocacia" de forma a evidenciar as questões de maior média contidas nesses constructos.
Foi realizada, ainda, a análise de regressão para a identificação dos efeitos causados pelo exercício da advocacia em saúde no contexto hospitalar dos enfermeiros. Foram consideradas a soma total das questões do instrumento como variável dependente e as dimensões em saúde: facilitadores ao exercício da advocacia; implicações negativas do exercício da advocacia; ações de advocacia; barreiras ao exercício da advocacia e percepções que favorecem o exercício da advocacia. Foi possível perceber como fator significativo estatisticamente que as ações de advocacia causam maior efeito sobre as implicações negativas do exercício da advocacia, ou seja, o exercício de advogar pelo paciente pode resultar em implicações negativas, especialmente relacionadas a conflitos e retaliações.
Assim, conforme evidenciado, houve relação moderada entre as dimensões de advocacia em saúde intituladas como "facilitadores ao exercício da advocacia" e "percepções que favorecem o exercício da advocacia".
Discussão
Facilitadores ao exercício da advocacia
Concernente à dimensão "facilitadores ao exercício da advocacia", estão relacionadas, principalmente, as competências e habilidades dos enfermeiros. O enfermeiro com conhecimento e domínio da área em que atua é um profissional capaz de influenciar a equipe de saúde com habilidades naturalmente adquiridas e argumentos que efetivam a advocacia do paciente, uma vez que, ao lidar com a vida, alguns conhecimentos específicos precisam ser reforçados, bem como o conhecimento legal, social e político, para obtenção de cuidados e direitos, bem como educação continuada como ferramenta para atualização em saúde 14.
A atuação de acordo com a obrigação ética e moral da profissão de enfermagem e o respeito aos direitos dos pacientes também podem constituir elementos facilitadores da prática da advocacia. Destacando que uma boa interação entre a equipe de enfermagem e a equipe médica também podem auxiliar para que o exercício da advocacia ocorra de forma mais eficaz e menos conflituosa por meio não governamental ou governamental 15.
Além disso, a relação estabelecida entre enfermeiro e paciente configura-se como um fator relevante, pois o estabelecimento de uma interação positiva pode estabelecer uma atmosfera de confiança, equivalente à do vínculo familiar, o que culmina em outro fator facilitador da advocacia: o estabelecimento do diálogo 16.
A identificação de recursos oriundos das instituições de saúde e comunidade também recebe ênfase. Ao ser considerado que a atitude de defesa engloba múltiplos fatores, a atuação isolada do profissional ou de uma determinada unidade de saúde pode se tornar incapaz de alcançar a resolutividade almejada, o que torna imperativo para o profissional de saúde, além dos conhecimentos e habilidades essenciais para o exercício da advocacia, o desenvolvimento de um processo de comunicação para o estabelecimento de parcerias, redes com outros setores e serviços em saúde 6.
Por meio do diálogo, o enfermeiro também é capaz de realizar uma avaliação eficaz das necessidades dos pacientes/clientes, pois o estabelecimento de uma comunicação efetiva garante que o profissional adquira maior habilidade para reconhecer e identificar as possíveis carências individuais, o que pode lhe fornecer subsídios suficientes para agir em sua defesa 16.
Percepções que favorecem o exercício da advocacia
Percepções dos enfermeiros em relação à advocacia e aos cuidados que prestam aos pacientes podem favorecer seu exercício nos ambientes de trabalho. Assim, destaca-se que situações de vulnerabilidade e risco à saúde dos pacientes impulsionam os enfermeiros a agirem como advogados, principalmente quando as necessidades daqueles não parecem satisfeitas ou, ainda, quando a qualidade dos serviços diminui e os pacientes não recebem cuidados adequados 13.
É relevante destacar que, embora nem todos os pacientes sejam considerados vulneráveis, a combinação de doença, hospitalização e prognóstico negativo pode dificultar o ato de expressão plena de suas opiniões e escolhas, havendo a necessidade de um intermediador; diante do quadro, o enfermeiro percebe-se como o profissional capaz de defendê-los, tendo por base suas crenças e valores 6,8.
Desse modo, os achados deste estudo vão ao encontro de outras pesquisas que identificaram que os enfermeiros parecem advogar pelos pacientes em seus ambientes de trabalho, especialmente quando identificam que estes se encontram desprovidos de informações que garantam sua autonomia e esclarecimentos acerca do quadro clínico e medidas futuras a serem tomadas 17,18.
A compreensão acerca das percepções que favorecem o exercício da advocacia se estendem também àqueles que se encontram em fim de vida, já que o enfermeiro percebe a necessidade do seu envolvimento como mediador e facilitador, em busca da manutenção na qualidade do atendimento, uma vez que nessa fase os pacientes precisam ser tratados com solidariedade e compaixão, fato este que comove e instiga o enfermeiro a advogar, principalmente diante da evidência de descaso na qualidade da assistência 14.
Ainda, ao relacionar a advocacia com as situações de vulnerabilidade, cumpre destacar o grupo etário infantil, que necessita de maior atenção dos profissionais na identificação de suas fragilidades. Em um estudo que discorreu sobre a atuação profissional em saúde na unidade de pediatria, pode-se identificar que a equipe de saúde percebe a criança e a família vulneráveis e que precisam de profissionais que atuem como um elo entre o paciente e os serviços de saúde; além disso, ressalta-se o papel do enfermeiro como conselheiro e advogado, numa perspectiva de "advogar pela causa" como uma arte e uma ciência 6.
Para a avaliação do efeito do exercício de advocacia em saúde no trabalho dos enfermeiros atuantes em instituições hospitalares, foi possível identificar que as ações de advocacia possuem efeito sobre as implicações negativas do seu exercício. Nesse caso, a atuação em saúde em prol dos direitos dos pacientes e da garantia de informações fidedignas pode repercutir de forma negativa no trabalho do enfermeiro, na forma de punições e ta-xações pejorativas.
As ações de advocacia exercidas pelos enfermeiros podem variar de acordo com diferentes situações clínicas, ambientes e relações 13. No contexto brasileiro, de acordo com a Constituição Federal de 1988, a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, norteada por formas de defesa, elencadas em artigos, das quais a população pode lançar mão, especialmente nos casos em que seus direitos são violados. Todavia, tais direitos são pouco conhecidos entre pacientes/usuários e profissionais de saúde; assim, mesmo diante da existência de legislações adequadas, sua aplicabilidade pode não ser efetiva 15.
Nessa perspectiva, as ações de advocacia podem ser definidas como um processo que visa promover direitos não respeitados seja por falta de regulamentação, seja por falta de execução, por meios legais e éticos, a favor de grupos sociais, desfavorecidos ou oprimidos em seus cuidados em saúde 14,15.
Um exemplo de ação em advocacia inclui o ato de informar e educar os pacientes, com vistas à sua capacitação e empoderamento, de modo a agir em defesa de um direito ainda não reconhecido ou não materialmente garantido. É importante destacar que, por trás das escolhas dos pacientes, existe a responsabilida de do profissional 8,16.
A cultura, política da instituição de saúde, pode minar as ações dos enfermeiros, de forma a aliená-los, uma vez que podem levar em conta unicamente a garantia dos interesses políticos e econômicos da instituição, através da contenção de custos e de limitações na autonomia dos pacientes e profissionais. Além disso, os enfermeiros vivenciam situações conflituosas entre advogar ou manter-se no emprego 14,17.
No tocante às ações de advocacia em saúde, algumas consequências podem levar os enfermeiros a serem acusados de insubordinação e sofrerem perda da reputação profissional, podendo, até mesmo, receberem rotulações como péssimos colegas de trabalho e serem perturbados em suas vidas pessoais 18.
Sob esse prisma, alguns estudos convergentes a este achado destacam que as ações de advocacia, muitas vezes, deixam de ocorrer por estarem associadas com suas consequências negativas, como a possibilidade de recusa dos demais profissionais em atuarem coletivamente com o profissional defensor, a conferência de uma reputação negativa, situações de constrangimento moral, a falta de apoio da instituição, retaliações advindas dos empregadores e até mesmo a perda do emprego 14-19.
Mesmo diante de tais dificuldades, foi identificado que os enfermeiros que mantinham sua responsabilidade ética e moral afirmavam advogar, ainda ante limitações advindas da instituição em saúde, principalmente através da denúncia, o que demonstra coragem na tentativa de romper com situações cotidianas que, por vezes, não são modificadas ou questionadas em seus contextos de trabalho 13,20. Apesar dos conflitos, e aparente desgaste provocado, os enfermeiros expressaram sensação de alívio e dever cumprido ao exercer suas atribuições no que concerne à advocacia.
Na tentativa de reverter essa situação, destaca-se a necessidade dos enfermeiros em desenvolverem a coragem moral para superar o medo de possíveis riscos punitivos relacionados às adversidades dos sistemas em saúde, de modo a influenciar os demais enfermeiros a exercerem autonomia em seus espaços de saúde 19-22.
Espera-se, com este estudo, instigar a reflexão sobre a importância imbricada no exercício da advocacia em saúde e a necessidade constante do reconhecimento das instituições de saúde acerca dessa atribuição, de modo a buscar subsídios que possam contribuir com a qualidade do atendimento prestado pelos enfermeiros, através do fortalecimento de sua identidade profissional e do desenvolvimento de ações autônomas e éticas.
Conclusão
Os resultados deste estudo se constituem em importante avanço para a enfermagem, especialmente ao indicarem a necessidade de reflexão constante das atividades da profissão, com efeito nas atribuições e manejos do exercício da advocacia em saúde. Isso porque as situações abordadas elucidam as principais dimensões que envolvem esse processo, que, por vezes, podem desencadear desfechos negativos que impossibilitem a atuação do enfermeiro como advogado em saúde.
Nesse sentido, os profissionais reconhecem a necessidade em advogar e, ao mesmo tempo, podem vivenciar limitações em decorrência de suas ações. Assim, é preciso investir em estratégias de reduções dos possíveis efeitos negativos, oriundos das práticas de advocacia em saúde, de forma a propiciar práticas profissionais mais qualificadas e dinâmicas, que beneficiem o binômio enfermeiro-paciente.
Foi possível identificar que a dimensão "facilitadores ao exercício da advocacia" é o principal preditor capaz de incitar os enfermeiros a advogarem em seus diferentes contextos de saúde. Portanto, o sentimento de responsabilidade por parte dos enfermeiros em manter o bom funcionamento da equipe e gerir questões conflitantes eleva a necessidade em oferecer segurança aos pacientes, já que, quando o enfermeiro se encontra comprometido com seu exercício profissional, pode se sentir mais seguro para desenvolver suas ações com autonomia e confiança, a fim de conservar e defender suas crenças, mesmo diante de represálias.
Como limitação do estudo, destaca-se que ele foi conduzido em uma pequena amostra de enfermeiros atuantes em dois hospitais de uma cidade do extremo sul do Brasil; portanto, não é possível a generalização dos resultados. Destaca-se a necessidade em realizar outros estudos de relação entre a advocacia do paciente e as possíveis implicações negativas de seu exercício para os enfermeiros, de modo a contribuir para transformar a realidade e aprimorar o comportamento ético desses profissionais, mediante um enfrentamento adequado de situações específicas do ambiente de trabalho.