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Universitas Psychologica

Print version ISSN 1657-9267

Univ. Psychol. vol.12 no.4 Bogotá Oct./Dec. 2013

 

Professores do ensino público superior: produtividade, produtivismo e adoecimento*

Professors of Public Higher Level Education: Productivity, Productivism and Sickness

Izabel Cristina Ferreira Borsoi**
Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil

Flavilio Silva Pereira***
Instituto Ideias Vitória, Brasil

*Artigo elaborado com base em resultados da pesquisa "Precarização do trabalho e produtividade: implicações no modo de vida e na saúde de docentes do ensino público superior", realizada com apoio da Associação dos Docentes da Ufes (Adufes) para custeio de material de consumo e assessoria de informática e estatística. Agradecemos a todos os professores e a todas as professoras que aceitaram participar dessa pesquisa. Trata-se de pesquisa académica não relacionada a tese de doutorado ou a dissertação de mestrado. O projeto foi aprovado pelo Comité de Etica em Pesquisa da Ufes em 25 de junho de 2009, registro no. 72/2009.
**E-mail: cristinaborsoi@uol.com.br
***E'mail: flaviliosp@yahoo.com.br

Recibido: marzo 4 de 2013 | Revisado: mayo 15 de 2013 | Aceptado: julio 25 de 2013


Para citar este artículo

Borsoi, I. C. F., & Pereira, F. S. (2013). Professores do ensino público superior: produtividade, produtivismo e adoecimento. Uni-versitas Psychologica, 12(4), 1213-1235. Doi: 10.11144/ Javeriana.UPSY12-4.peps


Resumo

O objetivo deste artigo é mostrar de que maneira a agenda de atividades no mundo académico tem levado docentes do ensino público superior ao adoecimento. A análise foi baseada em informações colhidas por meio de questionário respondido por 98 professores de uma universidade pública federal e em entrevistas com 18 deles. Os resultados apontam que a procura de ajuda médica e/ou psicológica é mais frequente entre docentes de programas de pós-graduação, principalmente entre mulheres com maior número de orientandos; indicam, também, que é a diversidade de atividades -quase todas obrigatórias, delimitadas e consideradas parâmetro de avaliação do desempenho académico individual e coletivo- que parece levar muitos desses professores ao sofrimento e ao adoecimento.

Palavras-chave autores: Trabalho docente, produtividade, saúde, adoecimento, universidade pública.

Palavras-chave: Psicologia Social, educação, Brasil.


Abstract

This paper aims at pointing out the way the agenda of activities in the academic world has led professors of public higher level education to sicken. The analysis was based on information gathered through a questionnaire applied to 98 professors of a Brazilian federal public university and interviews with 18 of them. The results demonstrate that the search for medical and/or psychological help is more frequent among professors who work in postgraduate programs, mainly women with a large number of advisees. The results also indicates that the diversity of activities — almost of them are mandatory, delimited and considered parameters for assessing individual and collective academic performance — is what seems to cause suffering and sickness among many of those professors.

Key words authors: Teaching Work, Productivity, Health, Sickness, Public University.

Key words plus: Social Psychology, Education, Brasil.


Introdução

Há poucos anos, quando professores universitários se encontravam para almoçar, a conversa, provavelmente, incluiria os diversos assuntos do dia —tais como congressos, bolsas, associações científicas—, além das inevitáveis fofocas que são partes do cotidiano humano. Provavelmente, também, terminariam a conversa de bom humor! Hoje é bem possível que um outro tema domine a mesa, mas, desta vez, deixando seus componentes de mau humor: as exigências crescentes da produção académica e os ratings da avaliação CAPES. (Spink & Alves, 2011, p. 337)

A citação que abre este trabalho foi extraída de um artigo de Spink e Alves cujo título é, ao mesmo tempo, sintomático e provocador: "O campo turbulento da produção académica e a importância da rebeldia competente". Os autores analisam, com muita propriedade, o caminho hoje adotado pelas universidades (não somente brasileiras) no que diz respeito à produção académica: a busca, acima de tudo, de posições significativas no ranking científico, principalmente internacional. Trata-se da universidade que se volta para uma agenda de ati-vidades que possibilite o reconhecimento do mérito do pesquisador e de sua instituição e que viabilize maior aporte financeiro para pesquisas —não importando o grau de relevância que elas tenham no plano social. Compromissada com os congressos e os periódicos científicos que definem sua posição no mundo académico global, essa universidade se fecha para as reais demandas e necessidades da sociedade que a abriga.

Em contraposição a isso, Spink e Alves (2011) apontam um caminho que põe em relevo uma "universidade sem muros, integrada ao seu lugar de atuação" (p. 340). Nesse caso, seus integrantes estão dedicados não às demandas produtivistas, mas ao estudo "dos indicadores da vida social coletiva e à seriedade e utilidade das ideias em debate" (p. 341). E esse posicionamento que caracteriza a rebeldia competente no mundo académico.

Podemos dizer que essa espécie de subversão do status quo da vida universitária se resume, no fundamental, ao compromisso com a produção científica que prima pela conectividade com o real e pela qualidade de seus resultados. Certamente, tal postura repõe os professores-pesquisadores na condição de artesãos da ciência. Mas não só. Retoma o princípio básico do ensino nas universidades, que visa à formação de profissionais competentes e socialmente comprometidos.

O problema que apresentamos aqui, entretanto, não diz respeito somente à necessidade de voltarmos nosso olhar crítico para o tipo de produtividade científica que tem sido imposta aos docentes no meio universitário e de procurarmos construir um modelo académico que conecte a universidade à sociedade real, concreta. Nosso objetivo central é discutir a relação entre essa dinâmica produtivista e a saúde desses professores; mais precisamente, mostrar de que maneira essa agenda de atividades vem provocando, cada vez mais, sofrimento e adoe-cimento1 entre eles. Sendo assim, consideramos que a "rebeldia competente" contribuiria também para modificar a relação que os docentes têm construído com o mundo académico de forma a preservar sua saúde física e mental.

Importante alertar que não estamos tratando de nenhuma novidade no que diz respeito à saúde e ao adoecimento de professores do ensino superior: a literatura vem apontando tal problema, principalmente a partir de meados da década passada. Alguns estudos sobre qualidade de vida já indicavam que o trabalho nas universidades começava a impactar de maneira negativa a saúde desses profissionais, como mostram Lucero, Muñiz, López, Lara e Pérez (2008). Ao contrário do que indica a pesquisa de Jesús (2003) —que aborda uma amostra de 331 professores da Universidade de Alicante (Espanha) e conclui que a grande maioria dos participantes refere ter qualidade de vida laboral "buena o muy buena" e um grau de satisfação "moderadamente elevado"—, outras investigações tendem a associar a baixa qualidade de vida laboral ao sucateamento das universidades (Pereira, 2006) e a considerar o trabalho docente como gerador de insatisfação, insegurança pessoal, estresse laboral (Guevara & Domínguez, 2011).

No caso específico do Brasil, foram as reformas governamentais direcionadas às universidades públicas, e postas em prática nos anos 1990, que surgiram como geradoras de determinados problemas que passaram a afetar o cotidiano e a saúde dos professores a partir da virada do milénio. Ao longo desse período, essas reformas implicaram mudanças em vários âmbitos da vida docente. No âmbito da carreira, houve alterações nos critérios para aposentadoria e para progressões funcionais, criação de normas produtivistas de avaliação de desempenho individual, bem como cortes de benefícios, como quinquénios, anuénios2 e licenças-prémio3. Quanto à remuneração, continuamos registrando perda de poder aquisitivo do salário. Além disso, até muito recentemente, vimos crescer a participação dos valores de adicionais salariais no total remuneratório, em detrimento de reajustes do salário-base —situação que começou a se modificar somente em 2012, após forte pressão do movimento docente, havendo, a partir de então, a incorporação de alguns adicionais ao salário-base.

Em um plano mais amplo, assistimos à expansão universitária, com o surgimento de novos campi e o aumento vertiginoso da quantidade de cursos de graduação e de pós-graduação, impactando de maneira brutal a relação numérica professor-aluno. (Sguissard & Silva Junior, 2009; Silva Junior, Sguis-sard, & Silva, 2010).

Em geral, as crescentes exigéncias em torno do desempenho e da produtividade científica são apontadas como principais responsáveis pelo aumento de quadros de sofrimento e adoecimento entre os professores universitários (Bianchetti & Machado, 2008; Emiliano, 2008; Lacaz, 2010; Louzada & Silva Filho, 2005; Luz, 2008; Sguissard & Silva Junior, 2009). Os problemas que mais acometem os docentes são transtornos psicoemocionais, tais como depressão e ansiedade, e afecções osteo-musculares (Luz, 2008; Emiliano, 2008; Borsoi & Pereira, 2011). O burnout é apontado como uma síndrome singular que afeta professores em razão da natureza específica de seu trabalho. Para Carlotto (2002), trata-se de um "tipo de estresse profissional que acomete profissionais que trabalham com qualquer tipo de cuidado, havendo uma relação de atenção direta, contínua e altamente emocional com outras pessoas" (p. 190). Lacaz (2010) sintetiza essa síndrome da seguinte forma:

Está associada a sintomas relacionados à exaustão mental, emocional, fadiga e depressão. São sintomas comportamentais e mentais, e não apenas físicos, e relacionam-se ao trabalho. Tais sintomas acometem pessoas "normais" e associam-se à queda do desempenho no trabalho, causada por posturas e comportamentos negativos. As dimensões da Síndrome envolvem exaustão emocional, despersonalização e baixa realização pessoal no trabalho. (Lacaz, 2010, p. 56)

Na área da educação, segundo Lacaz, são as pessoas do sexo masculino, com idade abaixo de 40 anos e com menos experiéncia de trabalho que mais sofrem com essa síndrome, aquelas "que são mais idealistas e entusiastas com a profissão e o trabalho, que se relacionam mais com os alunos e sofrem mais com o conflito de papéis" (Lacaz, 2010, p. 56).

No caso do burnout, há algum tempo a literatura estabelece relação entre as características do trabalho docente e essa forma de adoecimento. Os estudos, em geral, são conduzidos tomando como base o Maslach Burnout Inventory (MBI), um questionário padronizado de autoinforme que deve ser respondido por meio de uma escala do tipo Likert (Benevides-Pereira, 2002).

A constatação de que houve um aumento, principalmente, de problemas de ordem psicoemocional e osteomuscular tem-se dado, no fundamental, por duas vias: pelos relatos de docentes que afirmam apresentar determinado conjunto de sintomas, o qual é atribuído à situação de trabalho, em especial à excessiva carga de trabalho nos últimos anos; e pela verificação do número de afastamentos do trabalho por motivo de doença. Nesse ponto, é de nosso conhecimento que estamos diante da subno-tificação dos casos de adoecimento —os professores tendem a se afastar do trabalho sem formalizarem sua licença médica, pois acabam retomando suas atividades e compensando o tempo "perdido" durante seu afastamento. Borsoi (2012, p. 97) assinala que o "adoecimento torna-se conhecido [na instituição] quando o docente se vé obrigado a se afastar de suas atividades didáticas, assegurado por licença médica que fundamente a necessidade de sua substituição em sala de aula". Para Lemos (2005), os professores tendem a buscar a automedicação para controle da dor e dos desconfortos que os impedem de trabalhar temporariamente.

Nosso propósito é mostrar que muitos docentes estão adoecendo em razão do seu modo de trabalhar para cumprir as exigéncias que lhe são impostas pelo modelo de universidade que está em vigor, exigéncias essas que vão muito além do cumprimento de metas de produção científica. Para isso, tomaremos como base empírica resultados de uma pesquisa realizada entre 2009 e 2010 com docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Método

Num primeiro momento, abordamos 98 docentes efetivos de um conjunto de 403. São 58 homens (59.2%) e 40 mulheres (40.8%) com idade média de 46.7 anos, variando entre 26 e 68 anos, distribuídos por 18 departamentos académicos.

Foi critério para delimitação do universo da pesquisa que os departamentos nos quais os docentes estavam lotados tivessem programas de pós-graduação em funcionamento por, ao menos, trés anos —com isso, garantindo o triénio para a primeira avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Esses departamentos estão vinculados a diferentes centros: Tecnológico, Educação, Ciéncias Humanas e Naturais, Ciéncias Jurídicas e Económicas, Ciéncias Exatas e Ciéncias da Saúde. Assim, foi contemplada uma grande diversidade de áreas de conhecimento.

Os professores responderam a um conjunto de perguntas fechadas e abertas que compunham um instrumento de pesquisa denominado "Protocolo de estudos sobre trabalho docente", elaborado e testado pelos próprios pesquisadores. Em ANEXO, disponibilizamos a versão que foi apresentada nas formas impressa e on-line4. Nesse protocolo abordamos os seguintes temas: jornada e condições de trabalho; forma de organização das atividades de ensino, pesquisa e extensão; sentimentos em relação ao trabalho; aspectos relativos à saúde e ao modo de organização do tempo liberado do trabalho; e impressões gerais sobre a própria atuação como docente, a universidade e as perspectivas de futuro. Em qualquer uma das versões ficou resguardada a identidade do docente — isso foi feito em conformidade com os procedimentos recomendados pelo Comité de Ética em Pesquisa (CEP) da Ufes. Por meio de reuniões departamentais e de e-mails, os professores foram informados sobre a pesquisa e convidados a participar dela. Essa participação foi, portanto, por adesão, não sendo possível garantir uma amostra aleatória e probabilística.

A sistematização dos dados para análise estatística foi realizada por meio do programa SPSS (versão 11.5). Os procedimentos adotados para tal análise levaram em consideração agrupamentos e cruzamentos de informações obtidas no protocolo que permitissem, por um lado, traçar o perfil dos docentes envolvidos na pesquisa no que diz respeito ao modo de caracterizar seu trabalho e organizar sua jornada, ao tempo efetivo dedicado ao trabalho e aos aspectos de género; e, por outro, caracterizar os modos de expressão de sofrimento e/ou adoecimento. Aqui, buscamos saber se os docentes haviam procurado atendimento médico e/ou psicológico nos dois anos que antecederam a pesquisa e caracterizar as queixas mais frequentes de problemas relacionados à saúde, bem como o tipo de medicação, prescrita ou não, que estavam usando ou tinham usado no mesmo período.

Do conjunto de informações obtidas, destacamos aquelas que dizem respeito, de modo particular, à relação entre produtividade e saúde/ adoecimento para tratar o problema delineado neste artigo5. Tais resultados estão expostos na forma de gráficos de barras e de dispersão ao longo do texto.

Os gráficos de dispersão, de modo particular, foram adotados para mostrar a relação/associação entre duas variáveis envolvendo grupos de docentes do sexo masculino e do feminino. Especificamente sobre essas representações gráficas, é preciso que se ressalte que uma amostra construída por adesão possibilita estabelecer relações entre variáveis de forma a denotar apenas tendéncias. Sendo assim, os resultados apresentados devem ser analisados como relativos somente ao grupo estudado, não podendo, então, ser extrapolados para todo o conjunto de professores da universidade em questão.

Num segundo momento, tomamos como base entrevistas realizadas com 18 docentes que responderam às perguntas do protocolo. Essa amostra foi construída intencionalmente, considerando os resultados de cunho quantitativo.

O intervalo entre a aplicação do protocolo e a realização das entrevistas variou de 10 a 12 meses. Com as entrevistas, o objetivo foi, principalmente, aprofundar informações obtidas por meio do protocolo e verificar se houve mudanças significativas, tanto no trabalho como na vida pessoal e na saúde dos professores —considerando o tempo decorrido entre uma etapa e outra da pesquisa. As entrevistas permitiram inquirir sobre percepções, sentimentos e expectativas que os docentes não podiam expressar em um protocolo estruturado de perguntas.

Resultados e discussão

Uma das questões que mais afligem os pesquisadores que estudam a relação entre trabalho e saúde é: como estabelecer o nexo entre determinados elementos da situação laboral e o adoecimento do trabalhador? Um problema que se torna mais complicado quando envolve transtornos de ordem psicoemocional (Borsoi, 2007).

Aqui, precisamos lidar com a seguinte pergunta: como nos certificarmos de que tais modos de sofrimento e adoecimento tém, de fato, relação com as exigéncias do trabalho? Em se tratando da atividade académica, essa pergunta inquieta ainda mais, uma vez que estamos diante de um tipo de trabalho também visto como gratificante e prazeroso (Mancebo, 2007; Mancebo & Lopes, 2004; Vilela, 2010), que preserva determinado grau de autonomia profissional, é socialmente reconhecido —por se tratar de atividade intelectual por exceléncia— e possibilita constante busca de conhecimento e contato frequente com pessoas jovens.

Além disso, não podemos afirmar que, pelas suas características fundamentais, se trata de uma atividade que possa ser qualificada como insalubre e/ou periculosa6. O giz, que, num passado bastante recente, afetava os professores por ter componentes alergénicos, foi paulatinamente substituído por pincéis. Quanto aos demais elementos das condições de trabalho —tais como qualidade inadequada das salas de aula e de atendimento individual, falta de disponibilidade de locais para estudos e acesso a recursos didáticos etc.—, eles são motivos antigos de insatisfação e integram a precariedade de longa data da situação laboral na maioria das universidades públicas brasileiras. Essas características apenas demonstram o descaso de vários mandatos governamentais em relação a essas instituições, e não fazem parte da natureza do trabalho docente propriamente dito.

Então, o que mudou, de fato, na atividade dos docentes a ponto de fazer com que as queixas de insatisfação e os sintomas de sofrimento e adoecimento ganhassem a dimensão que tém atualmente? Mesmo que alguns estudos apontem as condições de trabalho como um motivo importante nesse processo (Lemos, 2005), o que mais tem recebido destaque é o aumento brutal das incumbéncias académicas. O professor passou a assumir um leque de tarefas não só qualitativamente distintas, mas também, e principalmente, impactantes em termos quantitativos. E essa nova dimensão do trabalho que faz com que o docente não consiga estabelecer limites para sua jornada de trabalho, sendo forçado a invadir o tempo da vida privada com demandas laborais, como atesta a maioria dos estudos que discute o trabalho docente de nível superior, tais como os de Alvarez (2004), Bianchetti e Machado (2008), Sguissard e Silva Junior (2009) e Borsoi e Pereira (2011).

Entre as diversas incumbéncias dos docentes está a denominada "produtividade académica", que, no cotidiano universitário, é vista como restrita à produção científica —esta materializada em artigos, capítulos de livros e trabalhos publicados em congressos (Borsoi, 2012). Os estudos já mencionados aqui, no geral, apontam os professores vinculados a programas de pós-graduação como aqueles que estão mais expostos à pressão no trabalho e, portanto, também mais propensos ao adoecimento.

Neste artigo, nossa análise, até certo ponto, caminha na mesma direção, tanto no que diz respeito aos resultados quantitativos quanto aos qualitativos.

Dos 80 docentes que assinalaram ter procurado ajuda médica e/ou psicológica nos últimos dois anos, 62.5% estavam em programas de pós-graduação. Além disso, mais de 80% deles informaram ter problemas como enxaqueca, cistite e crises gástricas. Os gráficos 1, 2 e 3 mostram um conjunto de atividades académicas e administrativas —estas, em sua grande maioria, desempenhadas por docentes atuantes em programas de pós-graduação— e o relacionam a aspectos associados à saúde e ao adoecimento de professores participantes da pesquisa. E fundamental que notemos que se trata, no geral, de incumbéncias que integramos critérios das avaliações realizadas pela Capes para conceituar tais programas7.

Os gráficos indicam que as porcentagens de professores que informam exercer as atividades descritas e fazer uso frequente de medicamentos, procurar ajuda médica e/ou psicológica e sofrer desconfortos físicos e/ou psíquicos nunca são inferiores a 40%, chegando, em alguns casos, a atingir mais de 80%. Muito embora os resultados estejam restritos à análise estatística descritiva, imposta por uma amostra pouco extensa e, ao mesmo tempo, não probabilística8, os dados apontam uma evidente relação entre excesso de trabalho e sofrimento e adoecimento entre os docentes.

Essa relação aparece também de maneira marcante em várias entrevistas. Aqui, cabe salientar que o tempo decorrido entre a aplicação do protocolo de pesquisa e a realização das entrevistas foi fundamental para percebermos a dimensão do impacto da sobrecarga das atividades académicas na vida e na saúde dos professores.

As entrevistas sempre eram iniciadas partindo de uma síntese das respostas assinaladas no protocolo. A partir daí, o docente era questionado sobre o que havia se mantido nos últimos 10 a 12 meses e o que fora modificado, tanto no seu trabalho como na sua vida pessoal. Parte significativa dos entrevistados informou algum grau de mudança em sua situação de trabalho e/ou em sua conduta em relação às exigéncias das atividades académicas. O que mais chama a atenção em vários relatos é o impacto da mudança da própria conduta no modo de viver e, em particular, na saúde. Seguem alguns depoimentos que atestam essa afirmação.

Um docente assinala no protocolo de pesquisa que tomava ansiolítico para controlar cansaço, estresse, insónia, dores no corpo, irritabilidade etc. —todos, segundo ele, sintomas resultantes das demandas laborais excessivas do seu departamento, em especial do programa de pós-graduação, que precisa manter o conceito 5 atribuído pela Capes. Questionado sobre a permanéncia desse quadro, obtivemos a seguinte resposta:

Melhorou por conta de intensificação de análise pessoal e por uma atitude de diminuir a cobrança, ou seja, se tem uma tarefa que efetivamente não deu tempo para fazer, paciéncia, não faz. Então, os sintomas têm ficado menos frequentes. Não tomo medicamento mais, mas teve um tempo que tive que tomar mesmo. Naquele momento em que não se dava conta do excesso de trabalho. (Homem, 49 anos, Centro de Ciéncias Humanas e Naturais)

Uma professora informou, na primeira etapa da pesquisa, que havia adoecido consecutivamente nos últimos quatro anos. Teve labirintite, bronquite e mais algumas doenças consideradas sérias que, de acordo com seu relato, são todas psicossomáticas. Ficou afastada com licença médica por aproximadamente seis meses. Além do acompanhamento médico, iniciou tratamento psicoterapéutico por causa do diagnóstico de estresse. Durante a entrevista afirmou que seu quadro de saúde havia melhorado, mas que, para isso, ela seguiu a prescrição de um dos médicos que a acompanhava: "eu tinha que reduzir a zero o meu estresse, eu tinha que esquecer que sou professora, 'desligue da universidade'. Então, durante seis meses, eu consegui me desligar completamente da universidade. Eu já estava na coordenação do mestrado" (Mulher, 52 anos, Centro de Ciéncias Jurídicas e Económicas). Ao retornar da licença médica, ela buscou formas de redimensionar as demandas laborais:

Uma questão que eu reduzi foi não trabalhar mais em finais de semana. Claro que você deixa de fazer determinadas tarefas, digamos assim. Na graduação, eu consegui me limitar a uma disciplina. Dou uma disciplina teórica. Num semestre eu dou disciplina na graduação e, no outro, no mestrado. Estou com orientação só no mestrado. Deixei de orientar na graduação. Então, com isso, já deu uma reduzida significativa. Uma estratégia que nós utilizamos é passar a fazer pesquisas coletivas. Isso nos fortaleceu muito. Antes, era eu com minha orientanda do PIBIC. Hoje, como estamos fazendo pesquisas que envolvem várias pessoas, nós estamos fazendo artigos também coletivamente. (Mulher, 52 anos, Centro de Ciéncias Jurídicas e Económicas)

Outro professor relata o seguinte:

Eu tive quadros de esgotamento, depressão, angústia, obesidade. Tudo que é de ruim aconteceu. Parte não era relacionada com o trabalho, não. Era particular mesmo. Mas eu fui percebendo que eu tinha muitas insatisfações no trabalho e muita coisa eu estava carregando para casa. A noite, meu gabinete em casa era continuação do trabalho. E aí a gente tem que usar o racional. Eu fui contratado para trabalhar oito horas, e não 10 ou 12, como estava acontecendo. Eu fui cortando, vendo o que era prioritário na minha vida, otimizando o tempo. Então, diferente de antes, que eu ficava atendendo, conversando com os alunos e colegas, eu tenho uma outra organização do tempo (... ) Esse ano mudou mais. Fui analisando a situação, fui vendo as causas, fui atacando aquilo que estava me aborrecendo, colocando aquilo que me dava prazer. E fui vendo que o trabalhar em casa, à noite e em fim de semana, estava contribuindo muito para aquele estado. Mudei meu ritmo de vida e comecei a fazer coisas que me dão prazer (... ) Faço caminhada, corro na praia, nado, comecei a sair com a minha família durante a semana, melhorei minha socialização, comecei a rir mais da vida. Então comecei a fazer coisas que me dão prazer. Fui vendo que essas coisas não são caras. A gente vai vendo que as coisas são mais simples. Não uso mais remédio. Vou periodicamente ao endócrino para fazer avaliação. (Homem, 47 anos, Centro de Ciéncias Humanas e Naturais)

O que chama a atenção nesses depoimentos é ue eles revelam a conquista de certo bem-estar e ecuperação da saúde a partir do redimensionamen- o da dinâmica do trabalho, o que possibilitou aos rofessores reordenarem suas vidas fora do contexto aboral. Além disso, mostram que eles, bem como utros entrevistados, precisaram chegar ao limite o que podiam suportar em termos de sofrimento, até de adoecimento, para perceberem que era íecessário modificar sua relação com o trabalho.

Ao mostrarmos que reduzir a carga de trabalho e reservar tempo para o descanso e a vida social e familiar foram fatores decisivos para que os professores pudessem amenizar o sofrimento, ou mesmo recuperar seu estado de saúde, sinalizamos que há uma relação efetiva entre aspectos da situação laboral e o processo de adoecimento entre docentes universitários.

Tendo em vista o que expusemos até agora, cabe apontar as dimensões do trabalho académico que parecem impactar mais a saúde dos professores. Entre os entrevistados, o principal motivo de sofrimento e adoecimento é a exigência de produtividade científica, além do sentimento de improdutividade. No entanto, no que diz respeito à relação entre produtividade científica —esta restrita a publicações— e ocorrência de mal-estares ou adoecimento, os resultados do protocolo de pesquisa não revelam correlação digna de nota. Esta constatação, todavia, não equivale a dizer que a pressão que sentem para publicar não seja um elemento importante para desencadear sofrimento e adoecimento; o que estamos afirmando é que o fato de publicar mais trabalhos ou menos trabalhos não aparece como impactante no estado de saúde do professor, como mostra o Gráfico 4.

No gráfico em questão, podemos observar, somente, que as mulheres apresentam uma leve relação positiva (diretamente proporcional) entre o aumento do número médio de publicações por ano (considerando os últimos trés anos) e o número de queixas relacionadas a mal-estares físicos e/ou psíquicos. Entre os homens essa relação não é di-retamente proporcional.

Esse resultado pode ganhar sentido quando consideramos que a produção científica é algo necessário e, ao mesmo tempo, desejado pelos professores, em particular por aqueles que estão em programas de pós-graduação. O problema é que essa necessidade e esse desejo esbarram na impossibilidade de serem satisfeitos a contento, uma vez que há uma imensa demanda de ativi-dades académicas, principalmente de ensino —de maneira especial, a sala de aula e as orientações e as supervisões de alunos. Parece ser nessa dimensão que ocorre a maior sobrecarga de trabalho, uma dimensão do trabalho académico que, em geral, os docentes não consideram como tempo produtivo.

Mais ainda, os professores tendem a não levar em conta que o tempo de amadurecimento de um problema de pesquisa, por exemplo, seja parte do momento da produção. Produtividade, então, se restringe aos trabalhos materializados em publicações. Essa é uma concepção construída com base na visão de produtividade imposta por instituições que regulam, avaliam e financiam as pesquisas e os programas de pós-graduações. Os depoimentos de trés professores são exemplares nesse sentido:

Esse negócio das publicações na Capes. Não interessa se vocé tem orientandos, se vocé tem pesquisa, se vocé tem livro. Interessa é que vocé tem trés artigos, não importa se vocé é o quinto ou décimo autor. Eu estou até repensando a minha vida. Estou próximo de me aposentar. A única coisa que me deixa muito feliz é que eu contribuí para formar muitos alunos, tanto na graduação quanto no mestrado. (Homem, 58 anos, Centro de Ciéncias Jurídicas e Económicas).

A minha concepção era de que não estava sendo produtiva porque eu não estava conseguindo escrever artigo. Aí, eu descobri, na terapia, como eu estava produtiva, como que estava sendo produtiva, por exemplo, nesse trabalho de extensão... Mas a concepção é "não é produtivo". Se vocé não publica trés artigos, seu nome vai com "bolinha", com "zeri-nho". (Mulher, 52 anos, Centro de Ciéncias Jurídicas e Económicas).

Eu acho que o produtivo é no sentido das cobranças de produtividade que são feitas pela instituição. Então é a publicação que eu associo como produtivo. Estou tentando publicar, mas não sei onde ainda. Eu tenho que parar para ver isso. Esse trabalho que fazemos em termos de projetos com a graduação não é reconhecido pelo departamento ou pela instituição. Podemos chamar isso de iniciação científica? "Não, porque não está produzindo". Mas nós estamos fazendo um trabalho com o primeiro período, ensinando a fazer pesquisa, então é um trabalho de iniciação científica. Para mim, esse trabalho tinha que ser reconhecido como pesquisa, porque o aluno tem que pesquisar, tem que ir para biblioteca (...). (Mulher, 56 anos, Centro de Ciéncias Humanas e Naturais)

Partindo desse parâmetro de produtividade, podemos entender porque mais de um terço dos integrantes da pesquisa afirma não se sentir produtivo, apesar de trabalhar muito. Poucos são aqueles que se deram conta de que são produtivos, mesmo não conseguindo cumprir as metas de publicação definidas pelos programas de pós-graduação e pela Capes.

Para compreendermos, então, o problema analisado aqui, precisamos considerar que produtividade docente abarca o conjunto de atividades que o professor desenvolve durante sua jornada de trabalho (e para além dela) e que tem como finalidade tanto a produção de conhecimento como a formação de estudantes de graduação e de pós-graduação. Sendo assim, a pressão por produtividade se dilui entre a chamada "produção científica" e aquela que implica a obrigatoriedade de estudo constante para preparação de aulas, a própria aula ministrada, a leitura de trabalhos e projetos de alunos, o tempo dedicado às orientações e supervisões etc., ou seja, o que poderíamos definir como trabalho acadêmico estrito senso.

Essa consideração fez com que procurássemos no conjunto de atividades realizadas pelos professores aquelas que poderiam ter maior ou menor impacto sobre sua saúde. Seguindo esse percurso, as análises apontaram alguns resultados significativos, com destaque para a relação entre elementos indicadores de sofrimento e adoecimento e tempo investido em orientação de estudantes —tempo considerado aqui em parâmetros numéricos. E importante ressaltar, novamente, que é necessário considerarmos os gráficos a seguir como indicadores de tendências, não sendo possível, portanto, generalizar seus resultados para grupos que extrapolem a amostra estudada.

O Gráfico 5 aponta a relação entre o número de orientandos que cada docente tem na pós-graduação e o número de motivos que o levaram a procurar atendimento médico e/ou psicológico. Esses motivos estão relacionados, no fundamental, a problemas de ordem psicoemocional, enxaqueca, cistite e crises gástricas. Em seguida, estão as afecções osteomus-culares, dermatológicas e respiratórias, as alergias, entre outros.

Nesse gráfico é possível observar que há uma relação positiva entre as variáveis representadas em grau maior no grupo das mulheres. Essa relação positiva se refere a um aumento diretamente proporcional entre o número de orientandos e o número de ocorréncias que levaram cada professora a buscar ajuda médica e/ou psicológica.

Quando se trata de queixas de mal-estares físicos e psíquicos, sua relação com o número de orientandos torna-se mais evidente entre as mulheres, enquanto para os homens essa relação não apresenta qualquer proporcionalidade, como mostra o Gráfico 6.

As atividades realizadas em contato direto com alunos —em particular aquelas que implicam atendimento individualizado— apresentam relação proporcional mais acentuada com as queixas de mal-estares, principalmente entre as professoras. Essa situação se repete quando se trata de supervisão de estagiários, como podemos verificar no Gráfico 7.

Maior frequéncia de sofrimento e adoecimento entre as mulheres tem sido identificada também em estudos realizados em universidades não brasileiras. Uma pesquisa realizada na Universidade Nacional de Córdoba aponta que a forte tendén-cia das mulheres ao adoecimento faz aumentar o consumo de medicamentos ainda em idade precoce (Giacone & Costa, 2004). Outro estudo, esse envolvendo 172 professores da Universidade Politécnica da Cataluña, mostra que a magnitude da jornada laboral tem maior repercussão na vida das professoras, pelo fato de elas valorizarem mais a vida familiar (Cladellas & Castelló, 2011).

Em artigo publicado anteriormente, tendo como base parte dos resultados da pesquisa que fundamenta este trabalho, Borsoi e Pereira (2011) já haviam apontado que as professoras tendem a apresentar mais queixas de sofrimento e adoecimento que os docentes do sexo masculino. Os autores defendem que uma das principais razões para essa ocorréncia é o fato de que as mulheres lidam com maior fre-quéncia com a auséncia de fronteiras entre o tempo dedicado ao trabalho e o tempo voltado para a vida familiar. Diferentemente dos docentes homens, as professoras tendem a experimentar a dupla jornada, muitas vezes num mesmo intervalo temporal.

O refinamento dos resultados da pesquisa, além de confirmar o que foi exposto no referido artigo, identifica atividades acadêmicas que parecem ter maior peso no desencadeamento de processos de sofrimento e de adoecimento entre as mulheres docentes: a elevada quantidade de orientandos e estagiários sob supervisão.

Cabe ressaltar, entretanto, que, embora os resultados expostos nos gráficos de dispersão apontem baixa intensidade na relação entre o trabalho excessivo —que se expressa na quantidade de orien-tandos e estagiários— e as queixas de mal-estares por parte dos docentes do sexo masculino, eles não significam que esses professores não tenham problemas de saúde relacionados ao trabalho que realizam. Os resultados apenas indicam que, nesse caso, os problemas aparecem de maneira difusa. Assim, tanto os professores que orientam poucos alunos como aqueles que orientam muitos apresentam situações semelhantes em termos de sofrimento e adoecimento. Isso fica evidente na medida em que a pesquisa aponta que 77.6% dos professores homens procuraram atendimento médico e/ou psicológico nos últimos dois anos com queixas similares às apresentadas pelas mulheres. Além disso, 41% deles informaram sofrer desconfortos físicos e psíquicos como cansaço, fadiga, estresse, insónia e dores no corpo, o que demonstra o real sofrimento entre docentes do sexo masculino.

Pelos resultados, notamos que as mulheres tendem a eleger —obviamente não de maneira intencional— algumas atividades da vida académica como as que mais exigem envolvimento, esforço, atenção: aquelas tarefas que implicam relação direta com os alunos. Provavelmente por isso, essas atividades aparecem na base de suas queixas de mal-estares e modos de adoecimento. Ao contrário das professoras, os docentes homens parecem tratar as diversas incumbéncias do seu trabalho de maneira semelhante. Os depoimentos de dois entrevistados podem lançar luz sobre essa questão. O primeiro, ao ser questionado sobre o que considera mais desgastante na atividade académica, responde:

Prazos e volume de trabalho. Prazos para dar conta de inúmeros pareceres, prazos para dar conta de processos seletivos de mestrado e doutorado, prazo de orientação de aluno — o prazo vai se esgotando e o cara tem que defender a dissertação ou tese —, participação em banca, que às vezes o prazo é exíguo para o trabalho. Ter que fazer uma leitura de uma tese em 15 dias, por exemplo. (Homem, 49 anos, Centro de Ciéncias Humanas e Naturais)

O outro, ao ser inquirido sobre o modo como lida com as condições de trabalho na universidade, emite a seguinte resposta:

Uma colega me perguntou se eu não queria assumir a coordenação do colegiado. Eu aceitei. Eu quero sair um pouco de laboratório, pesquisa... Então, para mim, tem sido extremamente gratificante, muito prazeroso. Ε diferente de estar numa pós-graduação, numa pesquisa. Vocé tem aqui um suporte muito grande da universidade. Tem gente para te dar assessoria, vocé tem técnicos, vocé lida com alunos. O aluno é muito melhor para lidar. As vezes, tem suas particularidades. Vocé consulta esses colegas da instância superior, que te orientam. Então tem sido muito prazeroso porque vocé vé resultado. Vocé é cobrado, mas vocé vé imediatamente o resultado. Acho que isso é motivador aqui para mim. Os resultados são imediatos. Então, tem sido muito bom. (Homem, 47 anos, Centro de Ciéncias Humanas e Naturais)

Para esse professor, importa não a tarefa a ser feita, mas o fato de que está experimentando algo novo, diferente do que fazia antes. A relação com os alunos é inerente a seu trabalho, então não há desconforto. O outro professor, por sua vez, prende--se ao tempo que tem para realizar cada tarefa, e não à natureza da tarefa em si mesma. Ε o volume de trabalho que não cabe em sua jornada regular que o incomoda. Ε isso que ele aponta como sendo desgastante e que, na sua avaliação, leva alguns de seus colegas de departamento ao adoecimento.

Os resultados empíricos analisados aqui apontam que a base do sofrimento e do adoecimento dos docentes parece estar, de fato, na pressão por produtividade, mas não necessariamente na pressão pela produção científica em termos de publicações. Esta última tende a ser percebida pelo docente como a atividade mais geradora de tensões porque ela aparece, em sua carga horária, como uma demanda que resulta em avaliação quantitativa que impacta, de maneira mais intensa, a própria carreira académica e o conceito do programa de pós-graduação no qual está inserido.

Muitas vezes, o docente não se dá conta de que, na avaliação final da sua produtividade individual e da de seu programa de pós-graduação, entram, como requisitos obrigatórios, não só o quantitativo de publicações, mas, também, o número de orien-tandos de mestrado e/ou doutorado, de iniciação científica e de monografia ou estágio, a quantidade de horas-aula ministradas tanto na pós-graduação quanto na graduação, o quantitativo de dissertações e teses finalizadas, o número de participações em bancas de defesa etc. E isso é decisivo para a aquisição dos conceitos avaliativos da Capes.

Ora, estudantes de graduação e, em particular, de mestrado ou doutorado, tém prazos rígidos para apresentarem seus trabalhos de conclusão de curso; os orientandos de iniciação científica precisam elaborar seus relatórios, também dentro de prazos regulares, para manter suas bolsas de estudos; as disciplinas tém de ser ministradas durante o semestre letivo em curso. Todas são atividades que o docente se obriga a priorizar porque envolvem compromisso direto com pessoas que podem ser penalizadas, caso tal compromisso não seja cumprido dentro dos parâmetros temporais estabelecidos. Ε provável que essa carga de responsabilidade seja a causa principal de casos de síndrome de burnout entre docentes, como informa a literatura já citada no início deste artigo9.

Em contraposição, as publicações de trabalhos envolvem outra modalidade de implicação pessoal e incumbéncias que podem ser adiadas até certo ponto, uma vez que o prejuízo é sentido, em primeiro lugar e em especial, pelo próprio docente. Daí que a produção dita científica pode estar em segundo plano na jornada laboral, muito embora necessária e sempre desejada como prioridade na mesma dimensão das demais atividades académicas.

Por fim, a discussão levada a cabo aqui nos permite considerar que é a diversidade de atividades —estas quase todas obrigatórias, delimitadas e tomadas como parâmetro de avaliação do desempenho académico individual e coletivo— que, de fato, tende a levar muitos professores ao sofrimento e ao adoecimento.

Considerações finais

Nosso objetivo principal foi indicar de que maneira aspectos do trabalho docente tém provocado sofrimento e/ou adoecimento entre professores de instituições públicas de ensino superior. O resultado da análise de informações quantitativas e qualitativas aponta que esse processo está relacionado à imensa demanda de atividades académicas que tem o docente, no fundamental à sobrecarga de ensino (aulas, orientações e supervisões de estudantes etc.), aliada à necessidade de pesquisar e publicar, sem, no entanto, conseguir redimensionar sua jornada de trabalho para incluir nela a possibilidade real de satisfazer tal necessidade de acordo com o próprio desejo.

O aprofundamento da análise das informações obtidas na pesquisa nos colocou diante de elementos que denotam a tendéncia de que há uma relação direta entre sofrimento/adoecimento e atividades realizadas em contato com estudantes, o que tende a corroborar o que vem sendo apresentado pela literatura que destaca a ocorréncia de casos de síndrome de burnout entre professores. Nossa pesquisa aponta que essa relação se apresenta de forma mais explícita entre as mulheres. Elas parecem sentir as atividades de orientação e supervisão como mais desgastantes, razão porque estas surgem como mais geradoras de sofrimento, e até de adoecimento. Quanto aos homens, eles tendem a não discriminar atividades que possam ser mais ou menos desgastantes ou motivos de tensão. Entretanto, também estão expostos a uma situação similar de sofrimento e adoecimento relacionados a aspectos do trabalho.

Contrariando, em parte, a percepção imediata dos próprios professores e os argumentos de autores que buscam defender que a intensa exigéncia de produção científica seja a causa principal de sofrimento entre docentes do ensino superior —de modo singular, entre pesquisadores—, nossa pesquisa aponta que são a quantidade e a diversidade das atividades académicas que sobrecarregam os docentes, invadindo, assim, seu cotidiano particular e inviabilizando o tempo para o descanso, o lazer e a vida familiar e social. Além disso, essa mesma sobrecarga impede que eles realizem o desejo de acompanhar a contento a formação de seus alunos e de pesquisar e publicar de acordo com seu próprio ritmo, e em consonância com demandas reais que a sociedade e o ambiente académico impõem.

Sendo assim, julgamos pertinente defender que o redimensionamento da dinâmica do trabalho académico requer a consideração de pesos semelhantes para essa diversidade de atividades; requer, de certo modo, o que Spink e Alves chamaram de "rebeldia competente". Nesse caso, consideramos que uma conduta questionadora da atual política universitária pode impactar não só a qualidade da produção académica —seja ela concretizada em pesquisa, seja em publicação, seja em formação de estudantes—, mas também a saúde e o bem-estar dos docentes.


Rodapé

1Neste artigo, entendemos adoecimento como um estado de comprometimento físico e/ou psíquico reconhecido por profis'sionais de saúde como uma afecção ou um transtorno que ne' cessita de tratamento, medicamentoso ou não. Quanto à noção de sofrimento, ela se refere a manifestações de desconforto e/ou a mal-estares físicos ou psíquicos que não são qualificados como patologias ou transtornos somáticos ou psíquicos. Claro está, no entanto, que há uma relação direta entre os processos de adoeci' mento e o sofrimento. Aqui, não tivemos a intenção de tratar esses fenómenos separadamente, por essa razão eles são mencionados quase sempre em conjunto.
2Tipos de adicionais salariais por tempo de serviço.
3Licença remunerada com duração de até três meses, a título de prêmio por assiduidade, após cada período de cinco anos ininterruptos de trabalho.
4A versão on-line do protocolo foi elaborada pelo engenheiro de computação Gustavo Becacici.
5Elaboramos dois outros artigos fundamentados em resultados obtidos por meio do protocolo de pesquisa aqui referido. Ver Borsoi e Pereira (2011) e Borsoi (2012).
6Insalubridade diz respeito a um conjunto de elementos específicos das condições de trabalho os quais, quando atuam no organismo do trabalhador, podem causar enfermidades reconhecidas como doenças relacionadas ao trabalho (Scopinho, 2003). A condição periculosa de trabalho é aquela que oferece risco objetivo de acidente laboral.
7As porcentagens apresentadas nos Gráficos 1, 2 e 3 são relativas ao N total de docentes que responderam a cada variável e foram calculadas individualmente.
8Como informamos anteriormente, a pesquisa dependeu da adesão dos professores, o que impossibilitou a construção de uma amostragem aleatória probabilística, que, obviamente, em termos estatísticos, seria mais representativa do universo investigado.
9E importante ressaltar que a pesquisa não investigou se há ocorrência ou não de síndrome de burnout. Por essa razão, apenas indicamos uma provável relação entre aspectos da situação de trabalho e esse modo de adoecimento.
10Instrumento elaborado por Izabel Cristina Ferreira Borsoi e testado com a colaboração de Flavilio Silva Pereira, originalmente adotado na pesquisa "Precarização do trabalho e produtividade: implicações no modo de vida e na saúde de docentes do ensino público superior", desenvolvida da Universidade Federal do Espírito Santo.


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ANEXO

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