Introdução
A relação entre estrutura midiática, pertencimento racial e racismo tem sido pouco observada nas investigações acadêmicas e nos levantamentos realizados por organizações, que atuam no campo da democratização da comunicação (Cabral, 2015; Santos, 2004; Bolaño, 2004; Becerra e Mastrini, 2009, Lopes, 2014, RSF, 2017; Intervozes, 2015). Por outro lado, o debate sobre racismo e comunicação geralmente está focado na representação racial “na tela” (Borges e Melo, 2019; Borges e Borges, 2012; Conceição, 2005; Guaraná, 2018; Georgiou, 2020). Raras vezes se articula a ausência do tema racismo na programação, a escassa diversidade racial nos produtos midiáticos à característica da propriedade dos meios (Einsten, 2004; Kim, 2016; Lopes, Melo, 2020).
O racismo enquanto sistema de discriminação baseado na raça1 , que opera para inferiorizar determinado grupo social e naturalizar as desigualdades sociais, é central para entender o campo da comunicação. Ao estabelecer uma relação entre raça, estrutura de classes e sistema de estratificação social, Hasenbalg (1979) destaca raça como um fator socialmente relevante para o modo de alocação dos sujeitos na estrutura de classes e nas dimensões distributivas da estratificação social, tendo o racismo uma dimensão política e estrutural que opera como um sistema de opressão e dominação.
O racismo e suas práticas de exclusão política, econômica e processos de marginalização simbólica (Almeida, 2019; Santos, 2004; Van Dijk,1991) pode ser evidenciado sobretudo na configuração das leis que regem o setor e que se materializa na distribuição da propriedade midiática (Harrys, 1991). Nesta perspectiva, este artigo indaga: como o racismo reflete nas políticas de comunicação e na estruturação dos sistemas midiáticos do Brasil e Estados Unidos? O texto versa sobre articulação entre racismo, políticas de comunicação (para promover ou restringir a diversidade racial) e o reflexo delas na organização dos sistemas midiáticos dos dois países investigados. Para tanto, o texto estrutura-se em três seções. A primeira apresenta a metodologia adotada na pesquisa, a segunda traz a discussão sobre raça e desigualdade no controle da mídia e na seção final apresenta-se os resultados.
Metodologia
Neste trabalho adota-se como principal metodologia de pesquisa a análise documental de leis e relatórios para mapear o histórico da regulamentação da comunicação no que tange ao aspecto diversidade racial na proprieade midiática, especificamente de emissoras de rádio e televisão. Os documentos foram analisados por meio de uma leitura aprofundada para encontrar marcas do estímulo ou restrição à diversidade racial nos sistemas midiáticos. Nos Estados Unidos, país com longa tradição neste debate, o estudo destacou sobretudo o Kerner Report Commission (1968) e a legislação para instituir políticas de ação afirmativa no setor nos anos 1970 e 1980. A discussão é atualizada com publicações contemporâneas que dizem respeito ao retrocesso dessa política. A distância temporal entre os documentos investigados do Brasil e Estados Unidos, justifica-se pela ausência deles no contexto brasileiro, onde mais recentemente o tema aparece na agenda pública pautado pelo movimento social negro. Analisase, portanto os documentos resultantes das discussões para a implementação da diversidade racial na comunicação, que esteve em pauta na 1ª Conferência Nacional da Comunicação2 (2009) e no Estatuto da Igualdade Racial3 (2010).
Duas estratégias distintas foram adotadas para o diagnóstico da mídia negra nos dois países estudados. Nos Estados Unidos, o mapeamento foi baseado no Third Report on ownership of commercial broadcast stations produzido pela Federal Communications Commission (FCC) que traz informações detalhadas por raça, etnia e gênero. No Brasil, devido à ausência do quesito raça nos dados disponibilizados pela Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel) em relação a distribuição das concessões de rádio e televisão, o levantamento foi realizado por meio de uma pesquisa espontânea no Facebook com pesquisadores e militantes do movimento social negro que responderam a seguinte questão: onde você se informa sobre relações raciais? As 30 respostas recebidas contribuíram para mapear a mídia negra brasileira, além das consultas com membros do coletivo de jornalistas negros vinculados ao sindicato da categoria.
Entre as 10 mídias negras encontradas, cinco proprietários participaram da entrevista. Neste artigo, cito dois deles e um representante do movimento negro que participou da Confecom em 2010.
Raça e desigualdade no controle da mídia
A lógica adotada pelos Estados para se distribuir os recursos da comunicação (concessões, licenças e recursos publicitários) exclui e mantém certos privilégios, conforme enfatiza Harrys (1993, p. 1730): “a propriedade é uma construção legal pela qual os interesses privados são protegidos e mantidos. Ao criar direito de propriedade, a lei estabelece limites e reforça ou reordena os regimes de poder existentes”4 . Quem pode ser proprietário ou, no caso da comunicação, concessionário desse serviço? As regras criadas, como no caso dos Estados Unidos, excluíram uma parcela da população. Recorda Zook (2015) que quando o governo dos EUA “começou a distribuir nossas ondas de ar nos anos 1930, essas foram distribuídas exclusivamente para proprietários brancos, do sexo masculino”. Além disso, as normas para distribuição das concessões causaram segregação racial no setor, até a Segunda Guerra Mundial. “O país se recusara a conceder licenças de estação de rádio a afro-americanos e judeus americanos por causa de sua raça e religião (Honing, 2018, p. 47).” O órgão regulador, Federal Communications Commission (FCC), posteriormente, dificultava o acesso à transmissão, porque exigia, como requisitos, experiência em rádio ou televisão e capacidade financeira para manter a estação por, pelo menos, um ano sem anúncio publicitário.
Tanto a necessidade de recursos financeiros quanto a exigência de experiência se constituíram em obstáculos para o candidato à concessão oriundo de algum de grupo de minoria racial, como os negros. Primeiro, a exigência de conhecimento profissional em um setor que discriminava e raramente empregava afro-americanos, segundo, pois esses eram membros de grupos economicamente menos favorecido, portanto, como efatiza Robison (1979, p. 234), “é provável que as minorias não sejam apenas pobres demais para sustentar financiamentos [...], mas também sejam membros de comunidades incapazes de oferecer as mesmas possibilidades privadas de joint venture disponíveis para as classes mais abastadas”. Nos Estados Unidos, quando formalmente deixaram de existir regras raciais proibitivas de acesso às concessões, as imposições financeiras e experiência profissionaral requeridas formaram outra barreira para os grupos raciais menos capitalizados e discriminados no mercado de trabalho da comunicação.
Ao contrário dos Estados Unidos, no Brasil, não houve legislação que proibisse formalmente o acesso de negros à mídia, contudo isso não significou maior igualdade na distribuição das concessões. Nesse aspecto, o direito costumeiro (Hernández, 2017) é uma ferramenta útil para se compreender o cenário nacional por fazer menção “à aplicação de regras não escritas, mas aceitas pelo longo período de uso em vez de leis promulgadas e sancionadas [...] Enfoca as maneiras pelas quais as regras de exclusão racial foram mais do que convenções sociais, eram equivalentes ao direito” (Hernández, 2017, pp. 25-26).
A inexistência de leis restritivas aos negros não resultou em uma mídia racialmente mais diversa no Brasil, mas, ao contrário, em um sistema marcado pela ausência de negros como proprietários. Adicionam-se ainda a falta de transparência no processo de distribuição de outorgas e a relação promíscua entre o público e o privado, o que criou um sistema midiático controlado pela elite econômica e política. Segundo Santos (2006), esse processo pode ser denominando como “coronelismo eletrônico” e significa a posse das concessões públicas de rádio e televisão por parlamentares, que ainda participam das comissões legislativas que outorgam e regulam a comunicação no país. Ou seja, atuam na defesa dos próprios interesses.
Contribui para pensar o cenário brasileiro a concepção de direito costumeiro por revelar as sutilezas do racismo, no qual as regras de segregação não precisam necessariamente estarem escritas para excluir (Hernández, 2017). A autora ainda aponta a necessidade de se eximir os projetos raciais do Estado, por exemplo, a tentativa de ocultar o racismo, como se edificou no Brasil o mito de que o país vive em harmonia racial (Guimarães, 1999; Dos Santos, 2011; Gomes, 2017). Para descontruir essa narrativa, uma das estratégias do movimento social negro tem sido exigir o levantamento de informações pelo Estado sobre o quesito raça, conforme reivindicado, em 1995, pelo Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Racial, entregue ao presidente brasileiro à época, Fernando Henrique Cardoso. O documento solicitava a “inclusão do quesito cor em todo e qualquer sistema de informação sobre a população, cadastro do funcionalismo, usuários de serviços, internos em instituições públicas, empregados, desempregados, inativos e pensionistas [entre outros] (Santos, 2014, p. 132). A existência de uma base, base de dados sobre a população negra é fundamental para a formulação de políticas públicas específicas para todas as áreas de interesse da questão racial, considera o autor.
Apesar de o pleito de inclusão do quesito cor ter sido feito há quase três décadas, avanços foram observados na coleta dessa informação na área da saúde e na da educação, mas não no campo da comunicação, ainda é marcado pela inexistência de dados oficiais sobre a propriedade midiática e pertencimento racial. O contrário pode ser observado nos Estados Unidos, país no qual o relatório da Federal Communition Commissions (FCC), agência análoga à Agência Nacional de Telecomunições (Anatel), disponibiliza informações sobre raça, etnia e gênero, o que permite aprofundar as discussões naquela sociedade. A ausência do quesito raça é uma das formas de se negar a existência do racismo assim como dificultar que sejam reivindicadas políticas. Nessa perspectiva, aponta a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) que a implementação de políticas de promoção da igualdade racial “exige, no plano operacional, o enfrentamento de um problema básico: a (des)informação sobre cor tanto dos empregados ou funcionários de uma empresa ou órgão público, quanto dos usuários de serviços, públicos e privados” (Fenaj, 2004). No Brasil, muito recentemente, a coleta de dados sobre pertencimento racial vem sendo implantada pelos sistemas públicos de saúde e educação.5
O projeto do Estado brasileiro edificou um sistema midiático sem se atentar a qualquer dimensão da diversidade (racial ou de gênero), tendo o acesso aos recursos sido mediado pelas relações interpessoais e pelo capital social em um mercado restrito a determinados segmentos econômicos, políticos e religiosos (Silva, 2015). Os negros têm sido excluídos por possuírem menos recursos financeiros e capital político, situação agravada pela ausência de políticas para equilibrar o setor. A distribuição desigual dos recursos e a cegueira estatal em termos de considerar raça nas políticas públicas são criticadas por Mills (1999) como sendo um contrato racial tácito entre os brancos para manter a sua supremacia. “Esses fenômenos não são acidentais, mas prescritos pelos termos do contratato racial que requer uma certa agenda de cegueira para manter a política branca” (Mills, 1999, p. 19).
De modo a reduzir a desigualdade, “o Estado tem papel fundamental [...] para incluir esses grupos. Não só na redistribuição das concessões, via atenuação dos mecanismos burocráticos e econômicos, mas também ao prover condições para o desenvolvimento dessa propriedade” (Caribé, 2010). A redução das desigualdades e a introdução de alguma diversidade passam necessariamente por políticas públicas, “que valorizem a comunicação como direito humano e contribuam para deter a oligopolização da produção simbólica, a começar por mecanismos democráticos de regulação, de universalização de acessos” (Moraes, 2013, p. 49).
Na próxima seção, apresento as tentativas de se implementar alguma diversidade racial na comunicação no Brasil e uma síntese das políticas de ações afirmativas, que vigoraram nos Estados Unidos, nas décadas de 1970 e 1980.
Resultado e discussão
“Desejamos defender nossa própria causa. Por muito tempo outros falaram por nós. Da imprensa e do púlpito nós sofremos muito por ser incorretamente representados” (Freedom´s Journal, March 16th, 1827) . O fragmento acima; publicado pelo primeiro jornal negro dos Estados Unidos, em pleno regime escravagista; traz à tona a problemática do poder concentrado na imprensa branca de representar os negros e a necessidade de esse grupo racial ter os seus próprios meios de comunicação, o que ainda é um desafio tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil do século XXI.
A contrariedade dos negros com o tratamento recebido pela comunicação hegemônica é bastante antiga e serviu de estímulo para a criação dos seus próprios canais. A publicação de jornais negros ocorreu antes da abolição da escravatura, no Brasil (1888) e nos Estados Unidos (1865), demonstrando que a comunicação, historicamente, tem sido considerada por militantes e por intelectuais negros como um meio de resistência e luta contra as diversas formas opressões raciais, como os materiais e as simbólicas. Nesta seção, busco sistematizar as políticas de ações afirmativas no campo da comunicação nos EUA assim como o seu desaparecimento na década de 1990, além de trazer as reivindicações e tentativas de inclusão da temática diversidade racial nos debates da comunicação no Brasil.
Dois registros mais antigos de reivindicação do movimento negro brasileiro para se pautar diversidade racial na comunicação são encontrados na obra de Santos (2014). O primeiro deles do Movimento Negro Unificado (MNU), que, em 1982, tratava da necessidade de se garantir “a participação nos meios de comunicação estatais ou sob a influência do Estado, para a comunidade negra veicular seus valores culturais e humanos, sua auto-imagem, de forma a compensar as distorções de que é vítima nos meios de comunicação privados” (Hasenbalg, 1987). Na década posterior, o Programa de Superação do Racismo e da Desigualdade Racial reivindacava que fosse assegurada “a representação proporcional dos grupos étnicos/raciais nas campanhas de comunicação do governo e de entidades que com ele mantenham relações econômicas e políticas” (Santos, 2014, p. 133). As duas manifestações (1982 e de 1995) convergem quanto ao pleito de uma representação racial mais equânime, entretanto essa pauta recai unicamente sobre a mídia estatal, o que leva a inferir a dificuldade projetada sobre o campo privado de comunicação, fechado para qualquer diálogo em relação ao tema.
Nos anos mais recentes, dois textos merecem destaques: o Estatudo da Igualdade Racial e o documento com as propostas resultantes da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). O Estatuto da Igualdade Racial, estabelecido pela Lei nº 12.288 / 2010, teve a sua primeira versão apresentada em 2000 pelo senador Paulo Paim (Partido dos Trabalhadores-PT) e “previa 20 % das cotas para afro-brasileiros como atores e figurantes na programação da TV, filmes e propaganda (artigo 75), e para quaisquer contratos para a produção de filmes, programas ou outras peças publicitárias para a administração pública (artigo 76) ”(Dos Santos; Moreno; Bertúlio, 2016, p. 215).
A proposta de Paim foi modesta em relação à comunicação, uma vez que propunha a participação de apenas 20 % dos negros na programação como coadjuvantes e em anúncios publicitários, enquanto eles, na época, constituíam cerca de 50 % da população brasileira. Ainda que o índice apresentado fosse baixo em relação à realidade racial, o projeto poderia ter impactado positivamente a mídia hegemônica e ampliado o mercado de trabalho para modelos, atores e atrizes negros.
O senador também não previu qualquer medida no tocante à estrutura de mídia, algo como ação afirmativa para diversificar as propriedades. Mesmo que tenha sido uma proposta moderada, houve forte reação contrária, expressa na publicação de notícias em jornais e TVs. Lobbies também pressionaram os parlamentares para votar contra, como o da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) (Santos, Moreno, Bertúlio, 2010). Embora o governo do PT, partido do proponente, tivesse a maioria na Câmara dos Deputados, a lei foi aprovada sem cotas para os negros no mercado de trabalho, na educação e na mídia. Esse processo é útil para verificar como as elites não têm sensibilidade para a diversidade e tentam de muitas maneiras evitar medidas para introduzir alguma igualdade racial.
O segundo documento analisado é o caderno de propostas da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada em dezembro de 2009, com intuito de discutir e propor mudanças no setor. Esse foi um debate democrático, que envolveu 1,8 mil pessoas, sendo 40 % representantes de diferentes movimentos sociais, 40 % de organizações empresariais e 20 % do governo. Foram aprovadas 633 proposições na plenária final. Embora o resultado da conferência precisasse de leis e políticas públicas para de fato ser implementado, o documento tem o seu valor histórico por ter sido a primeira e única vez em que o país realizou um debate público sobre comunicação. Portanto, considero pertinente verificar como o tema diversidade racial (raça e racismo) foi contemplado no documento final da conferência.
Na sistematização das conferências regionais realizadas em todos os estados e no Distrito Federal, apareceram cerca de 20 preposições, que faziam referência à diversidade racial nos conteúdos midiáticos. Mencionavam a necessidade de o jornalismo diversificar suas fontes com a presença de negros e indígenas; de cotas para negros nos cursos de comunicação social; e da contratação de estudantes negros e indígenas como estagiários em empresas públicas e privadas do setor. Indicavam também para se assegurar o ingresso de profissionais negros nas empresas do ramo, a paridade racial e a de gênero na propaganda bem como a criação de uma política de comunicação de enfrentamento ao racismo (Confecom, 2009). Observa-se que as propostas focaram no conteúdo; na educação, com a inserção de jovens nos cursos de comunicação; e na ampliação do mercado de trabalho para profissionais de comunicação com pertencimento racial negro ou indígena. Porém, como se constata, a estrutura da comunicação não foi mencionada mais uma vez.
Entre as 633 propostas acolhidas pela plenária, é interessante observar que as palavras raça e negro praticamente desapareceram do documento final. Apenas uma fez menção especificamente aos negros, ao sugerir que o Estado precisa “estabelecer mecanismos, incluindo ações punitivas, para rádio e TV que publiquem conteúdo que desvalorize, humilhe ou estigmatize crianças e minorias historicamente discriminadas e marginalizadas (negros, LGBTs, africanos religiosos, mulheres, pessoas com deficiência, idosos, indígenas e outros)” (Confecom, 2009, p. 191). O assunto cotas raciais não foi endossado na conferência e a diversidade sobre o conteúdo ficou restrita à diversidade cultural e à regional da programação.
Na avaliação de um dos representantes do movimento negro na Confecom, Wilson Queiroga, o esvaziamento das proposições, que buscavam o combate ao racismo na área, ocorreu em função das várias prioridades para se debater a comunicação naquela que foi a primeira conferência do tipo realizada. Ele aponta que, diante dessas muitas prioridades, “o primeiro que se corta somos nós, os negros. Isso é consequência do racismo, que nos invisibiliza e não entende o combate ao racimo como prioridade, mesmo entre os companheiros de luta. Perdemos muito nesta discussão”.6
Enquanto, no Brasil, há um vácuo sobre diretrizes para contemplar a diversidade na mídia, os Estados Unidos vivenciam, depois da fase de cotas raciais nas redações e estímulo para diversidade na propriedade midiática, um retrocesso com a extinção de políticas do tipo. Irei me limitar à análise de dois documentos responsáveis pela introdução do tema na agenda estadunidense: o relatório da Kerner Commission (1968) e a política de diversidade da FCC (1970-1978). No entanto é importante destacar que antes, em 1947, foi publicado o relatório Commission on Freedom of the Press, conhecido como Hutchins Commission7 , que chamava atenção para a necessária pluralidade de ideais em sociedades democráticas.
Um dos documentos mais conhecidos é o da Kerner Commission (1968), nome dado ao relatório da Comissão Nacional de Consultora sobre Desordens Civis, liderada pelo governador democrata do Illinois, Otto Kerner. Instituída pelo presidente Lyndon B. Johnson (1963-1969), a comissão tinha o trabalho de identificar a origem da violência racial, que tomou conta das ruas do país, ilustrada em matéria do US News, que trazia o título “Problema racial: 109 cidades dos EUA enfretam violência em 1967”8 . Cabe observar que esse movimento tinha ocorrido após o fim da segregação racial, em 1954, e da assinatura da legislação dos Direitos Civil, em 1964, que tentava proibir qualquer disccriminação por raça, cor, religião ou nacionalidade, conferindo iguais oportunidades no mercado de trabalho, direito ao voto (1967), entre outros.
Embora aparentemente os afro-americanos tivessem conquistado formalmente direitos de igual tratamento, na prática, isso não acontecia. O documento produzido pela Kerner Commission apontou que os tumultos eram causados, em grande parte, devido às más condições de vida, do mercado de trabalho restrito para os negros e que tal situação era uma consequência do racismo. A partir do relatório, o governo “identificou explicitamente o racismo branco como a principal causa do distúrbio civil evidenciado em centenas de cidades dos EUA em que ocorreram tumultos […]. O presidente dos EUA introduziu poderosamente o racismo institucional no mainstream político” (Gooden, Myers Jr, 2019, p. 2). Acrescenta Burroughs que a Kerner Commission “afirmou que o racismo branco era a causa dos distúrbios. […] os negros viviam em guetos, alimentação e emprego inadequados e frequente brutalidade policial. O relatório revelou à América branca pela primeira vez que o racismo era/é sistêmico” (2018, p. 7).
No que concerne à mídia, os membros da comissão produziram um estudo avaliando a cobertura de jornais e TVs de 15 cidades, onde ocorreram os tumultos, além de realizarem entrevistas com os representantes dos veículos. O resultado apontou que “a mídia falhou em relatar adequadamente as causas e as conseqüências dos distúrbios civis e os problemas subjacentes às relações raciais “(Kerner Report, 1968, p. 201). O trabalho jornalístico fracassou, segundo o levantamento, porque a cobertura da imprensa contribuiu para a perpetuação da separação racial no país, associando negros à violência; valeu-se ainda do sensacionalismo nos relatos e distorções da realidade, mantendo, assim, as comunidades negras em guetos. Em outras palavras, os jornalistas não aprofundaram ou não quiseram ver e reportar a desigualdade racial e o racismo como motivações para a ocupação das ruas.
Ainda que o relatório aponte a mídia como colaboradora do racismo e da segregação racial, isso não pôde ser considerado novidade para o Estado por duas razões: 1) o próprio Estado contribuiu para a desigualdade racial na forma em que administrou a distribuição de concessões de emissoras de rádio e televisão. Membros da Ku Klux Kan tinham estações de rádio, enquanto licenças não eram concedidas a associações e universidades negras durante a luta pelos direitos civis; 2) várias denúncias foram feitas à FCC por instituições negras, como a National Association for the Advancement of Colored People (NAACP), sobre o tratamento discriminatório de programas veiculados pelas rádios e TVs do Sul sem qualquer ação tomada pelo órgão regulador (González, Torres, 2011).
Reportado o racismo midiático, a comissão ratificou a comunicação como sendo fundamental para remover obstáculos produzidos pela ignorância, confusão e deturpação da realidade. Esse cenário poderia ser alterado com a inclusão de negros no trabalho jornalístico. Na época, a indústria da informação empregava menos de 5 % de negros (Kerner Report, 1968). Interessante observar a relação direta feita pela comissão entre o conteúdo tendencioso, pouco sensível às comunidades negras e que enviesava a cobertura, e a ausência de diversidade racial nas redações. A partir dessa constatação, as principais sugestões focaram na necessidade de se treinar jornalistas negros e ter afro-americanos em várias posições. “Empregar um ou dois repórteres negros não é suficiente. Negros são necessários como repórteres, editores, comentaristas e que estejam em posições que tomem decisões dentro da empresa” (Kerner Report, 1968, p. 211).
As diretrizes apontadas pelo relatório, no entanto, não foram atendidas pelos proprietários da mídia espontaneamente, conforme apontam Gonzalez e Torres (2011):
Essa mudança não veio facilmente. Muitos radiodifusores e jornais somente concordaram em integrar negros e latinos em suas instituições depois de protestos, ações na justiça e ameaças de retirada da concessão. Entre 1971 e 1973, mais de 340 processos contra licenças foram arquivados em praticamente todas as grandes cidades da América. Pelo menos 49 organizações de advocacia foram fundadas em todo o país para reformar a política de comunicação no breve período entre 1967 e 1975 (p. 302).
As pressões sociais para aumentar a diversidade vieram de várias frentes. Internamente, os jornalistas contratados começaram a questionar as posições que ocupavam na empresa: “os funcionários começaram a pressionar por mudanças estruturais e de emprego nas redações tradicionais e na televisão aberta” (Sanders, 2015, p. 24). Enquanto o relatório da Kerner Commission focou no treinamento e na contratação de profissionais negros para melhorar a cobertura, na década de 1970, a FCC lançou uma política de diversificação mais ampla, que incluía a propriedade da radiodifusão, além do mercado de trabalho. Contudo a tentativa surgiu depois de décadas de discriminação pela agência reguladora (Zook, 2015; Honing, 2018; González, Torres, 2011; Sanders, 2015), o que resultou em um sistema midiático majoritariamente dominado por brancos do sexo masculino.
Sob pressão social, na década de 1970, começaram a ser instituídas políticas de ações afirmativas pela FCC de modo a se ampliar a empregabilidade de não brancos na comunicação. As licenças da radiodifusão não seriam concedidas a estações que praticassem discriminação racial na contratação de empregados. Posteriormente, o órgão regulador começou a exigir que as emissoras enviassem relatórios anuais informando sobre o recrutamento de minorias. A indicação da FCC era para que emissoras com cinco a dez funcionários contratassem, pelo menos, 50 % de mulheres e minorias. Índice, posteriormente, rebaixado para 25 % (Robinson, 1979; Sanders, 2015).
Outra medida foi a criação de fundos de financiamento a minorias para potenciais proprietários. No entanto continuava-se exigindo capital mínimo dos requerentes (Robinson, 1979). A política mais significativa para facilitar o acesso às licenças de rádio e televisão, a Minority Ownership of Broadcast Facilities (1978), consistia em oferecer incentivos econômicos para que os concessionários vendessem suas licenças para grupos minoritários. Em 1986, apenas 2,1 % das estações de rádio e TV operando nos Estados Unidos pertenciam a minorias raciais, o que correspondia a 209 emissoras de rádio e 38 de TV. “Esse percentual é bem menor do que a fração de pessoas pertencentes a grupos minoritários nos Estados Unidos, que é de cerca de 20 %. Quando o programa começou, menos de 1 % das emissoras comerciais eram contraladas por minorias (Wilde, 1990, p. 981).
A política de ação afirmativa resultou no significativo aumento de emissoras contraladas por não brancos. No levantamento sobre a mídia negra estadunidense, coletei informações da agência reguladora Federal Communication Commission (FCC), associações de proprietários de jornais e rádios públicas, entre outras. Cabe destacar que a FCC considerava diversidade nas licenças da radiodifusão quando mais de 50 % da propriedade fossem de mulheres, etnia (latino e hispânico) e grupo minoria racial (afro-americanos ou negros, asiáticos, American Indian ou Alaska Natives e Native Hawaiian ou Pacific Islanders).
O relatório 2017, com base em dados de 2015 (quadro 1), mostra que as políticas de ações afirmativas diversificaram a estrutura em um comparativo com quase 50 anos antes. Na década de 1970, minorias não tinham 1 % das emissoras comerciais. Já esse último documento mostra que 14,5 % das TVs e 14,6 % das rádios estavam licenciadas, em 2015, para os grupos que foram foco das políticas da agência reguladora. Entanto, apesar do crescimento, continua distante o equilíbrio entre a propriedade de brancos e a de não brancos.
Os números mostram que a propriedade feminina cresceu e alcançou 8,1 % do total de emissoras de rádio (446) e 7,4 % do de TVs (102). O grupo latino/hispânico também avançou para 4,5 % das TVs (62) e 3,2 % das FMs (228) em 2015. O contrário foi registrado no grupo raça (afro-americanos ou negros, asiáticos, American Indian ou Alaska Natives e Native Hawaiian ou Pacific Islanders) cuja posse de estações caiu entre os dois períodos analisados. Em 2015, grupo possuía licença de apenas 2,6 % das TVs (36) e 2,3 % das FMs (128).
Especificamente os negros e afro-americanos tinham 0,9 % (12) e 1,3 % (72), respectivamente, das emissoras de televisão e de rádio. Além da propriedade não ser significativa, ainda há o problema da relevância delas no mercado, conforme enfatiza Honig (2017, p. 45) “A maioria dessas estações são pequenas, e consequentemente equivalem a menos de 1 % do valor do ativo da indústria”. Esse volume é considerado extremamente baixo (Zook, 2015; AAPRC, 2019), longe dos 15 % de afro-americanos, que compõem a população do país.
A situação brasileira é ainda mais lastimável, onde não se tem registro de qualquer emissora de TV declaradamente negra. Como se observa no quadro 2, há uma diferença extrema entre os dois contextos analisados. O país com maioria negra conta com apenas dez portais de notícias e uma revista (quadro 3), enquanto os EUA, com 14 % de afro-americanos, possuem 12 emissoras de televisão, cem de rádio e 400 jornais e revistas.
País | População (milhões) | Negros na pop. ( %) | TV | Rádio | Revista | Jornal/Site |
Brasil | 210 | 54 | 0 | 0 | 01 | 10 |
EUA | 327 | 14 | 12 | 100 | 200 | 200 |
Fonte: autora baseada em dados da FCC, NNPA, Census, IBGE e Black News.
Nome | Ano | Site |
Afropress | 2007 | http://www.afropress.com |
Alma Preta | 2015 | https://almapreta.com |
Ceert - Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades* | 1995 | http://www.ceert.org.br |
Criola - Organização de Mulheres Negras* | 1992 | http://criola.org.br |
Correio Nagô | 2008 | correionago.com.br/ |
Geledés- Instituto da Mulher Negra* | 1988 | http://geledes.org.br |
Nação Z | http://www.nacaoz.com | |
Portal Áfricas | 2005 | http://www.africas.com.br |
Portal Soteropreta | 2016 | http://portalsoteropreta.com.br |
Site Mundo Negro | 2001 | https://mundonegro.inf.br/ |
Fonte: autora (2019) | *ONGs.
A mídia negra brasileira é formada por pequenas organizações criadas por pessoas com trajetórias vinculadas ao movimento social negro. A produção de notícias é feita por duas categorias distintas de organizações. A primeira delas identificada como “ONG-Mídia”: são instituições mais antigas, constituídas entre 1988 e 1995 como organizações não governamentais (ONGs). São elas o Centro de Estudos sobre Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), a Criola - Organização de Mulheres Negras e o Geledés - Instituto de Mulheres Negra. Essas são organização com uma agenda racial originada no movimento social, por isso são consideradas como “reconfigurações de movimentos negros. Em sua maioria, são dirigidas por mulheres com foco na questão de gênero “(Santos, 2014, p.211).
A segunda categoria é formada por pequenas empresas, que surgiram a partir do início deste século com a função específica de fazer comunicação de combate ao racismo. O que estou chamando de “mídia negra no Brasil” recebe também outras denominações, como afromídias ou mídias afro. Além dos sites, usam várias plataformas sociais para difundir informações, sendo a principal delas o Facebook. Embora não seja foco desta pesquisa, é relevante mencionar a Revista Raça Brasil, atualmente denominada Revista Raça, que foi criada em 1996 como a única publicação comercial direcionada ao leitor negro.
No Brasil, os brancos têm exclusividade racial na gestão midiática, conforme ratifica a pesquisa de Santos (2018). O autor recorda a única tentativa de criação de uma emissora negra no país, a TV da Gente, projeto do cantor e empresário José de Paula Neto, conhecido como Netinho, que tinha o intuito de valorizar a diversidade étnico-racial brasileira. “A TV da Gente iniciou sua programação no dia 20 de novembro de 2005, dia da Consciência Negra. [..] não atraiu anunciantes, sua produção foi reduzida a apenas dois programas e devido a problemas financeiros as atividades foram encerradas em fevereiro de 2007” (Santos, 2018, p. 155).
A experiência da TV da Gente serve para demonstrar que a conquista da concessão é apenas uma etapa para diversificar racialmente a mídia. Por isso é importante se falar em recursos da comunicação como uma categoria mais ampla, que envolve também a distribuição do bolo publicitário pelo Estado e por empresas. O manejo desses recursos tem discriminado as mídias negras, conforme enfatiza o diretor da Bleu Magazine, Dévon Johnson (2019): “não basta que marcas como Gucci, Boss, [...] ou Louis Vuitton coloquem um corpo negro em suas campanhas de marketing, se esses anúncios só aparecerem na Vogue, GQ, Esquire e Vanity Fair. A verdadeira diversidade significa [...] tratar igualmente os meios de comunicação negros”.
A crítica de Jonhson (2019) é ratificada no contexto brasileiro, uma vez que as poucas mídias negras enfrentam muita dificuldade de sobrevivência por falta de suporte financeiro, como frisa Andrade (2019, comunicação pessoal): “É bom destacar que empresas que produzem produtos de beleza da mulher negra, não investem em sites do movimento negro. As empresas não querem colocar suas marcas, aqui no Brasil, na mídia ligada a questão racial”. O entrevistado ainda comenta que os governos também não apoiam a mídia negra. “Os antigos ainda davam para conversar, mas nunca fizeram nada. Fora o governo do estado de São Paulo, que fez um projeto e bancou a mídia negra e ele foi um dos nossos patrocinadores até o ano de 2018” (idem).
O argumento de Andrade (2019) suscita um questionamento em especial: por que a rejeição de empresas em anunciar suas marcas e produtos em meios de comunicação que falam diretamente com o seu público de interesse? Isso não parece uma postura contrária às estratégias de marketing? Para discutir essas indagações, cabe levantar a relação mercado versus emancipação. Ao excluir a mídia negra do compartilhamento dos recursos publicitários, os anunciantes parecem olhar os negros apenas na sua face de consumo sem se importar com as opressões, as violências física e simbólicas decorrentes do racismo - práticas que são combatidas pela mídia negra. Querem apenas o consumidor sem associar a marca e o produto à luta por igualdade racial.
Merece ser observada a dificuldade de se criar, no caso do Brasil, e de se manter políticas de ação afirmativas, que introduzam maior diversidade na mídia. Nos EUA, essas ações começaram a ruir na década de 1980 com a eleição de Ronaldo Reagan (1981-1989) para a presidência, seguindo-se pela gestão de George W. Busch (1989- 1993). A situação se agravou, de acordo com González e Torres (2011, p.302), quando “o Partido Republicano obteve a maioria nas duas casas do Congresso em meados da década de 1990, os legisladores federais decidiram abolir o único programa da FCC que conseguira alcançar um aumento substancial na participação minoritária de estações de rádio e televisão”.
A investida contra as ações afirmativas atingiu também o mercado de trabalho. Em 1998, o Tribunal do Distrito de Columbia declarou como inconstitucionais as regras da Equal Employment Opportunity Commission (EEO). Com essa decisão, os radiodifusores ficaram livres da obrigação de apresentar relatórios anuais sobre a contratação de profissionais pertencentes a grupos minotirários. Segundo González e Torres (2011, p. 335), “quatro anos depois, a FCC substituiu suas regras de EEO por uma política neutra à raça. Isso exigiu que os radiodifusores somente publicassem as vagas ofertadas pela empresa”.
O cenário, que já não era favorável nas últimas décadas, tem se agravado com a maior concentração a partir das fusões econômicas, que ocorrem globalmente. Nos Estados Unidos, a desregulamentação com The Tecommunication Act de 1996 praticamente extirpou o entendimento de que a comunicação deve atender ao interesse público por meio do respeito às localidades e à diversidade. Como pontuam González e Torres (2011), em 1996, os cinco maiores grupos de rádio detinham 800 emissoras, número que foi ampliado para 1.300 em apenas dois anos. Ainda houve aumento do prazo das licenças de cinco e sete anos, respectivamente para TV e rádio, a oito anos para ambos. No contexto estadunidense e talvez em várias partes do mundo, a concentração dificulta que grupos minoritários acessem licenças para operar rádio ou televisão.
O frenesi de compra de mídia elevou o preço das estações individuais a níveis sem precedentes, sobrecarregou severamente a capacidade dos pequenos proprietários de competir por receitas publicitárias contra os novos conglomerados e praticamente impediu que pessoas de cor entrassem no setor. “Quando você aprova a legislação que permite que os peixes grandes devorem os peixinhos - e todos os afro-americanos estão no pequeno viveiro de peixes -, você corre o risco de não ter propriedade negra na virada do século”, falou a fundadora da Radio One, Cathy. Hughes, a maior emissora negra do país, na época (González, Torres, 2011, p. 336).
O problema levantado por Hughes, em entrevista a González e Torres (2011), pode ser observado no cenário estadunidense, onde grandes corporações do setor estão comprando tradicionais mídias negras, como The Griot, propriedade da NBC; The Root (Washington Post); a Essence (Time, Inc.) e BET - Black Entertainment Television (Viacom )”.9
Considerações finais
Este trabalho buscou mostrar a desigualdade racial presente nas estruturas dos sistemas midiáticos do Brasil e dos Estados Unidos e como o campo da comunicação pode contribuir para se pensar as relações raciais e o racismo. Destaquei que os mecanismos utilizados pelo Estado para restringir o acesso da população negra à estrutura da mídia, especialmente as concessões de rádio e televisão, foram bastante distintos nos dois países analisados. Nos EUA, existiu segregação racial, o que não permitia a negros se candidatar às outorgas, enquanto, no território brasileiro, não houve leis formais que bloquearam o ingresso, mas regras costumeiras; aquelas não escritas, porém mobilizadas para excluir determinados atores e beneficiar outros. Esse fato é percebido na lógica de distribuição dos recursos da comunicação, que tem, historicamente, beneficiado aqueles com maior capital social, político e econômico.
Baseado na presença da mídia negra nos dois países, é possível sustentar que as políticas de ação afirmativa para empregar profissionais negros e promover maior diversidade racial na estrutura do sistema midiático refletem, ainda hoje, um cenário mais plural nos EUA se comparado ao brasileiro. É relevante destacar a resistência, em ambos os contextos, de se introduzir e manter políticas de promoção da igualdade racial na mídia. No Brasil, o tema tem sido interditado ou eliminado dos debates públicos, a exemplo do que ocorreu na Confecom e em quais propostas de cotas foram retiradas dos documentos finais. Chama atenção que as demandas por maior igualdade na mídia brasileira recaem sobretudo sobre o setor a comunicação pública, o que indica parecer o setor privado intocável e uma descrença na sua regulamentação, que deveria ser promovida pelo Estado.