1. Introdução
A erosão hídrica é um fenômeno natural decorrente da interação do solo e das chuvas, porém, tal interação é intensificada por fatores como o manejo inadequado desse solo e a remoção da cobertura vegetal. Segundo Spatti Junior (2011), estes fatores propiciam a produção excessiva de sedimentos gerando a eutrofização e o assoreamento de corpos d'água.
Tais fenômenos diminuem ou eliminam a vazão das fontes, alteram o comportamento de escoamento na calha dos canais fluviais além de diminuírem a vida útil de reservatórios. De acordo com Silva et al. (1995), as gotas da chuva em solos desprotegidos levam ao adensamento natural do mesmo, acarretando no selamento superficial, reduzindo a capacidade de infiltração da água.
A evolução desta panorâmica é crítica pois podem surgir ravinas e voçorocas tornando o solo improdutivo se medidas corretivas não forem adotadas nos estágios iniciais da erosão. Outros problemas importantes que podem ser favorecidos pela erosão hídrica é a inundação em períodos chuvosos e escassez de água em período de estiagem.
O estudo desse tema é importante pois é fundamental tomar conhecimento antecipado do potencial processo erosivo do solo de uma determinada área para que assim, seja possível tomar medidas mitigatórias.
Equação Universal de Perdas de Solo - EUPS (WISCHMEIER; SMITH, 1978) é um modelo experienciado para estimar a perda média anual de solo por erosão laminar, considerando seis fatores independentes: A = R.K.(L.S).C.P. Em que: A = perda média anual de solo por unidade de área (ton/ha. ano); R = erosividade da chuva; K = erodibilidade do solo; L = comprimento da vertente; S = declividade da vertente; C = uso e manejo do solo e P = práticas conservacionistas.
Wischmeier & Smith (1978) apontam a equação como importante instrumento de investigação sobre o processo erosivo pois, com base nas características e propriedades dos fatores ambientais responsáveis pelas perdas de solos, permite-se a divisão da paisagem em níveis de instabilidade, possibilitando ações mais efetivas de planejamento ambiental e otimização dos recursos naturais.
De acordo com Silveira et al (2014), a aplicação da tecnologia de Sistema de Informação Geográfica (SIG) facilita a maneira de como o uso do solo pode ser monitorado. Existe na atualidade, vários SIG disponibilizados gratuitamente na rede que têm se apresentado como excelente ferramenta na execução de projetos como este aqui proposto.
Ante o exposto, o desenvolvimento deste trabalho teve como objetivo mapear e analisar qualitativamente a susceptibilidade erosiva do solo da Bacia Hidrográfica do córrego Curral de Arame, aplicando para tanto, a Equação Universal de perda do Solo - EUPS com auxilio de geotecnologias gratuitas.
2. Materiais e Métodos
A área onde foi aplicado o estudo refere-se à Bacia Hidrográfica do Córrego Curral de Arame (Figura 1). Se encontra nas coordenadas geográficas nas nascentes 22212'09"S por 54253'26"O e na foz 22223'16"S por 54249'07"O (SCIAMARELLI et al., 2009). A região acaba de ser inserida na ampliação do perímetro urbano de Dourados/MS, já sendo alvo de loteamentos de alto padrão.
Com o objetivo de estimar a erosão hídrica laminar utilizou-se o modelo digital de superfície - MDS SRTM (Shuttle Radar Topograph Mission) (USGS, 2000), que possui 30 m de resolução espacial e a imagens do satélite Landsat 8, órbita-ponto 224/75, com data de passagem de 04/08/2019, com 30 m de pixel, obtida através do sítio Earth Explorer. Foi adquirida ainda a carta topográfica oficial de Dourados, escala 1:100.000, produzida pela Divisão de Serviço Geográfico do Exército Brasileiro (DSG).
Também se utilizaram arquivos vetoriais (pontos, linhas e linhas fechadas), em formato shapefile (Esri, 1997) da carta de solos (1:250.000) do Estado de Mato Grosso do Sul, obtido do Instituto do Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (IMASUL).
O trabalho foi realizado no software livre e gratuito QGIS 3.4.0 (QGIS DEVELOPMENT TEAM, 2019), e dividido em cinco etapas:
2.1 Delimitação da Bacia Hidrográfica Curral de Arame
A delimitação automática, para o MDE SRTM, foi realizada através da aplicação do pacote de algoritmos GRASS, instalado no QGIS 3.4.0 (2019). Por meio deste, elabora-se os segmentos de fluxo, direções de drenagem bem como, a área de influência da Bacia Hidrográfica pelo ponto exutório, possibilitando o cálculo de área e perimetro do local.
2.2 Obtenção do Fator Topográfico (LS)
Após inserção do SRTM (Usgs, 2000) no software QGIS 3.4.0 utilizou-se a ferramenta r.watershed e Slope lenght and steepness (LS) factor for USLE.
2.3 Obtenção do Mapa de Uso da Terra e Cobertura Vegetal - Fatores (C e P)
Os fatores C e P devem ser analisados em conjunto quando se pretende avaliar a perda de solo por erosão, portanto, obteve-se um único mapa com esses fatores integrados. Foi realizada visita a campo para levantamento de pontos de controle través do GPS Garmin, os quais foram utilizados para treinar o classificador do software QGIS 3.4.0 (2019). Com a classificação destes pontos, o software classificou as outras áreas da imagem, levando em conta a semelhança destas com a dos pontos de controle.
Primeiramente fez-se a fusão das bandas da imagem com a ferramenta "mosaico", em miscelânea, com as bandas 8-4-3-2 e após e após, aplicou-se a composição cor verdadeira RGB (Red, green, blue): 4-3-2. Utilizou-se o plugin Dzetsaka que realiza a classificação semi-automática supervisionada da imagem. Os valores do fator CP adotados foram os sugeridos por Oliveira (2012), sendo eles:
Classes | Fator CP |
Áreas artificiais | 0 |
Solo Desnudo | 1 |
Corpos hídricos e áreas úmidas | 0 |
Florestas e áreas seminaturais | 0,0007 |
Áreas agrícolas | 0,25 |
FONTE: ADAPTADA DE OLIVEIRA (2012)
Por fim, utilizou-se o plugin Multiedit, obtendo-se o fator CP, conforme imagem 4.
2.4 Obtenção do Mapa de Erosividade da Chuva - Fator R
O Fator R da EUPS, representa a erosividade da chuva e do escoamento superficial associado, sendo a erosividade determinada pelo índice EI 30 de cada chuva. De acordo com Mazurana et al., este índice representa o produto da energia cinética total da chuva (E, MJ ha-1 pela intensidade máxima da chuva com base em um período de 30 minutos contínuo de chuva (I30, mm h-1).
Para a área de estudo, o fator R foi alcançado por meio do recorte da carta de erosividade da chuva do Estado de Mato Grosso do Sul, criada por Oliveira et al (2012). Para a elaboração da mesma, os autores utilizaram dados de três estações pluviométricas dos Municípios de Campo Grande, Dourados e Coxim, junto com os dados de precipitação de 109 estações pluviométricas do Estado de Mato Grosso do Sul disponíveis no Sistema de Informações Hidrológicas da Agência Nacional de Águas (HidroWeb).
O recorte da carta, apresentado na Figura 5, foi obtido com a ferramenta "recortar raster pela camada de máscara" em "extrair", do Qgis 3.4.0.
2.5. Obtenção do Mapa de Erodibilidade do Solo - Fator K
O mapa do fator de erodibilidade do solo (K) foi elaborado utilizando-se Mapa de Solos de Mato Grosso do Sul, na escala 1:250.000, fornecido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em formato shapefile (ESRI, 1997), que foi recortado de acordo com o limite da Bacia Hidrográfica do Córrego Curral de Arame.
A nomenclatura da classificação do solo foi atualizada de acordo com o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (EMBRAPA, 2013) e o valor de K atribuído foi o mesmo proposto por Paranhos Filho (2000), sendo Latossolo Vermelho com valor de K de 0,012 (ton.ha.h.ha-1.MJ-1.mm-1) para a região do estudo.
Posteriormente, rasterizou-se o arquivo shapefile, com a ferramenta "converter vetor para raster" em "converter" do Qgis 3.4.0, para posterior utilização na equação EUPS.
2.6 Carta de Estimativa de Perda Anual de Solo - Fator A
A partir da ferramenta "calculadora Raster", disponível no Qgis 3.4.0 (2019) efetuou-se a integração de todos os fatores que compõem a EUPS, elaborando assim a carta da Estimativa de Perda Anual de Solo para a Bacia Hidrográfica do Córrego Curral de Arame, Fator A.
Onde: A = perda média anual de solo por unidade de área (ton/ha. ano); R = erosividade da
chuva; K = erodibilidade do solo; L = comprimento da vertente; S = declividade da vertente; C
= uso e manejo do solo e P = práticas conservacionistas.
Esses valores foram divididos em 5 classes, conforme Tabela 2.
Classes | Perda de Solo (t /ha.ano) |
Nula a moderada | < =15 |
Média | 15 a 50 |
Média a forte | 50 a 120 |
Forte | 120 a 200 |
Muito Forte | > 200 |
FONTE: ADAPTADA DE CARVALHO (2008).
3. Resultados
3.1 Delimitação da Bacia Hidrográfica Curral de Arame
O MDE gerado, bem como os segmentos de fluxos do córrego, a área e perímetro da bacia hidrográfica estão apresentados na Figura 2. Obteve-se como resultado uma área de influência de 139 km2 e perímetro de 73 Km.
De acordo com Santos et. al. (2019), analisadas as características morfométricas da Bacia Hidrográfica do Córrego Curral de Arame, verifica-se que a mesma indica probabilidade de ocorrências de cheias de baixa a mediana, uma vez que o coeficiente de compacidade e o índice de circularidade indicam que a bacia possui forma mais alongada e esguia indicando assim que a Bacia apresenta baixa tendencia a inundação.
3.2 Fator LS
A carta que representa o Potencial Topográfico de Erosão Hídrica Laminar, fator LS, possui valores variando de 0 a 2.5, com predominio de valores entre zero e um (Figura 3), na área de estudo. Valores baixos para este fator indicam menores taxas de escoamento superficial, consequentemente, desfavorece a erosão hídrica laminar. Verifica-se que os maiores valores foram encontrados nas proximidades do curso d'água, destacando assim a importância da preservação da mata ciliar.
A Bacia Hidrográfica não apresenta relevo acentuado, portanto, esperava-se um Fator LS com valores baixos. Entretanto, apenas este fator isolado não é indicativo de que não está ocorrendo Erosão Hídrica na área de estudo. Deve-se analisar os demais fatores em conjunto.
3.3. Fator CP
A carta do fator CP (Figura 4), indica que os valores variam de 0 a 1, sendo o valor zero representativo de corpos d'água, áreas úmidas e artificiais, o valor 0,0007 associado a áreas de cobertura vegetal mais densa, o valor 0,25 correspondente a áreas com pouca ou nenhuma presença de cobertura vegetal representada por áreas cultiváveis, pastagens e áreas urbanas, e por fim o valor 1 que corresponde a solo exposto.
A presença de cobertura vegetal, e sua densidade, tem influência diretamente no processo erosivo. Quanto maior a densidade de cobertura vegetal, menor a perda de solo por erosão, pois ela promove proteção e estabilidade a sua superfície, garantindo menor suscetibilidade à erosão pelas partículas de solo. Áreas com solo exposto ou com vegetação mais rala, tendem a sofrer mais com erosão do que áreas mais densamente cobertas por conta da ausência de proteção diante da energia potencial e energia cinética da água proveniente de chuvas. A Bacia Hidrográfica já apresenta pontos de solo exposto, sem proteção vegetal e estes são preocupantes, principalmente os localizados próximos ao curso d'água, podendo agravar problemas como assoreamento do mesmo. Maior parte da Bacia Hidrográfica se destina a agricultura, como se observa na Figura 4, portanto requer especial atenção, visto que se a atividade for desenvolvida sem praticas conservacionistas, aumenta a perda de solo.
3.4. Fator R
Toda a Bacia Hidrográfica apresenta índices de erosividade ente 6600 a 6700 MJ.mm/ ha.h por ano, indicando assim, segundo Santos (2008) classe média (5000<R<7000), que leva a valores de perda de solo médios e com grau de risco à erosão médio.
3.5. Fator K
A erodibilidade é um fator intrínseco de cada classe de solo e representa maior ou menos suscetibilidade á erosão hídrica. Observa-se pela Figura 6 que a área da Bacia Hidrográfica é composta pela classe Latossolo Vermelhos, de acordo com o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (EMBRAPA, 2013). Tais solos, são profundos, bem desenvolvidos e menos suscetíveis a erosão e apresenta fator K de 0,012. Entretando, devido serem bastante utilizados em atividades agropastoris, deve-se tomar cuidados no seu manejo, observando ainda a declividade pois estes fatores estão relacionados á erosão.
3.6 Fator A
Através da álgebra de mapas obteve-se o mapa de perda do solo em toneladas por hectare ano - Fator A (Figura 7). Os valores para a estimativa da perda anual de solo para o local em estudo, vvvariaram entre 0 e 389 toneladas por hectare ao ano.
Após a obtenção do mapa, usou-se o algoritmo r.report para gerar o relatório de área para cada classe, conforme Tabela 3.
Perda de Solo | Porcentagem |
---|---|
Nula a moderada | 59,0 |
Média | 37,0 |
Média a forte | 3,0 |
Forte | 0,5 |
Muito Forte | 0,3 |
TOTAL | 99,8 |
FONTE: PRÓPRIA.
Observa-se que quase 60% da área da Bacia Hidrográfica tem uma estimativa de perda de solo anual de nula a a moderada, ou seja, menor que 15 toneladas por hectare.ano. Apenas 0,3% uma estimativa muito forte, entretanto, 37% da área da Bacia Hidrográfica teve uma estimativa de perda de solo média (15 a 50 t/ha.ano), requerendo atenção e práticas conservacionistas pra que a situação não se agrave. Estudo realizado por Zolin (2018), para a Bacia Hidrográfica do Córrego Laranja Doce, em Dourados - MS, área proxima a região deste estudo, constatou que 66,3% da mesma possui erosão anual nula ou média.
Considerando que os modelos matemáticos de previsão da erosão na bacia, em ambos os trabalhos, foram realizados utilizando dados ambientais de média resolução espacial, os valores estimados de perda de solo não devem ser tomados como absolutos. Porém, a EUPS aliada a geotecnologia gratuita, permite identificar as áreas mais problemática concernentes à perda de solo proveniente da ocupação atual, permitindo assim uma indicação mais acurada dos pontos mais sensiveis para direcionamento de trabalhos à campo.
Apesar da Bacia apresentar suscetibilidade erosiva, em sua maioria, de nula a moderada, recentemente a região foi inserida no perímetro urbano de Dourados e vem sendo alvo de loteamentos. Pode-se verificar que parte dos loteamentos em execução têm avançado sobre áreas onde a susceptibilidade é de média a muito forte em alguns pontos (Figura 8). Sob este aspecto, presente trabalho pode ser utilizado como uma das ferramentas norteadoras de planejamento e zoneamento, a custos reduzidos.
Comunidades com menor poder aquisitivo, tendem a ocupar áreas de menor custo de aquisição, sendo estas, em geral, as áreas mais sensiveis do ponto de vista da segurança ambiental à ocorrências de desabamentos, inundações e incêndios (SANTOS CARVALHO & GALVÃO, 2006). Por tal, a ocupação de áreas de risco forte a muito forte devem ser preconizados de estudos de engenharia detalhados, para definição da viabilidade de implementação dos loteamentos urbanos, a fim de se evitar futuros transtornos à população e danos ao meio ambiente.
4. Discussão
Através dos fatores que compõem a EUPS, observou-se que a maior influencia sobre os valores de estimativa das perdas de solo para a bacia Hidrográfica em estudo, foi o fator CP- Uso e Manejo e Práticas Conservacionistas), dado que a região não apresenta declividades expressivas. Observa-se que as menores estimativas de perda de solo têm correlação com áreas de florestas, ao passo que as maiores estimativas encontram-se nas áreas de solo exposto, sem ou com reduzida cobertura vegetal. Tal fato requer atenção pois, tais áreas problemáticas se encontram próximas ao curso d'água, e muitas vezes em áreas de mata ciliar. Outro fato que requer atenção é que a área da Bacia vem sendo alvo de loteamentos urbanos. A importância do uso de ferramentas de planejamento ambiental, como a carta de susceptibilidade erosiva, mesmo que qualitativa, são fator potencial à definição de áreas de especial interesse ambiental, com vistas a preservação dos recursos naturais, em especial, os recursos hídricos, e no norteamento das politicas públicas de uso e ocupação do solo de uma região.