Ciberbullying
O ciberbullying é uma realidade cada vez mais presente na vida atual, sendo transversal a todas as idades. É um problema complexo e multifatorial que pode surgir a qualquer hora, em qualquer espaço, de forma perseverante (Ang, 2015; Bortman et al., 2018; Ordem dos Psicólogos Portugueses [OPP], 2020). O ciberbullying é um comportamento agressivo cada vez mais frequente que integra o uso da tecnologia como meio para assediar, ameaçar, prejudicar, humilhar e intimidar ou excluir alguém socialmente, de forma repetitiva e intencional (Ang, 2015; OPP , 2020), realizado por um grupo ou indivíduo (Kowalski et al., 2018). Enviar mensagens malévolas, fazer um post ofendendo alguém, criar uma página fraudulenta em relação a alguém, divulgar boatos sobre uma pessoa, publicar uma imagem ou um vídeo desrespeitoso nas redes sociais, tudo isto são exemplos de ciberbullying (OPP, 2020).
Com o surgimento da Internet e outras tecnologias, o ciberbullying é uma preocupação universal crescente, porque pode perturbar o desenvolvimento e bem-estar nos adolescentes e nos jovens adultos causando vários problemas psicológicos e comportamentais, tanto para os agressores como para as vítimas (Peled, 2019; Wang et al., 2019). Contudo, a forma que a tecnologia toma e os propósitos para os quais ela é usada variam dependendo da idade e trazem inúmeras consequências positivas e negativas dependendo da maneira como se utiliza. A adolescência, sendo um período de transição com crescimento e desafios, pode promover o envolvimento no ciberbullying (Ang, 2015; Kowalski et al., 2018; Singh et al., 2020). São os adolescentes com, aproximadamente, 14 anos de idade que indicam ter maiores níveis de prática de ciberbullying. A vitimização ocorre predominantemente entre os 12 e os 14 anos de idade (Campbell et al., 2013; Tokunaga, 2010). Outras investigações referem que nos primeiros anos da adolescência a percentagem de jovens vitimizados pelo ciberbullying é mais elevada (Buelga et al., 2010), em comparação com outros estudos que o apontam mais para o fim da adolescência (Jung et al., 2014). No que se refere às vítimas de ciberbullying, estas são alvo de uma multiplicidade de brincadeiras maléficas que vão se tornando atos de violência que ultrapassam os limites de respeito, ameaçando a segurança física e psicológica (Bortman et al., 2018).
Os adolescentes e os jovens adultos são consumidores e produtores diários da Internet, isto sugere que as horas despendidas na Internet se correlacionam com os comportamentos de ciberbullying (Aricak et al., 2008). Isto é, um maior uso da Internet promove expressivamente a probabilidade de episódios de comportamentos de ciberbullying (Juvonen & Gross, 2008). São especialmente aqueles que são utilizadores de sites, redes sociais, que não estão preocupados com a privacidade pessoal, normalmente são pessoas muito vulneráveis, tem problemas psicossociais e têm mais facilidade em se envolver no ciberbullying (Ang, 2015), o que cria novos desafios em relação à proteção do adolescente (Chen et al., 2018; Echavarria et al., 2017; Peled, 2019). A cibervitimização relaciona-se, assim, com o tempo despendido da Internet, no qual as vítimas de ciberbullying tendem a envolverse mais facilmente em comportamentos on-line que poderão ser arriscados e aumentam os fatores de risco para o ciberbullying (Álvarez-García et al., 2015; Lee et al., 2017; Shapka et al., 2018).
Ciberbullying e Ideação suicida
As práticas de ciberbullying são problemas comuns em quase todo o mundo e podem levar o adolescente à ideação suicida, isto é, colocar um fim à sua própria vida devido à sua exposição a agressões (Bortman et al., 2018; Molina et al., 2018). No estudo de Bortman et al. (2018) verificou-se que o suicídio entre os adolescentes e jovens adultos é um problema de saúde pública, que necessita uma especial atenção. Os motivos que levam à ideação suicida entre os adolescentes e jovens adultos parecem estar correlacionados com os problemas com as figuras parentais, colegas, amigos e namorados (Breda & Guerra, 2019). No estudo de Chang et al. (2019) verificou-se que 11.9 % dos adolescentes e jovens adultos relataram ter sofrido de ciberbullying nos últimos 12 meses e destes 21.8 % relataram ter ideações suicidas no último ano. Verificou-se, então, que o ciberbullying estava positivamente associado à ideação suicida ou comportamento suicida. No estudo de Molina et al. (2018) verificou-se que os adolescentes com 14 anos de idade eram mais propensos a experimentar comportamentos de bullying e ciberbullying do que adolescentes com 16 anos ou mais, sendo que não se verificaram diferenças de idade em relação à ideação suicida.
O fenómeno das redes sociais aumentou, causando diversas dificuldades na saúde mental dos jovens (Echavarría et al., 2017). Também o bullying ou ciberbullying parecem ser fatores de risco da ideação suicida (Bortman et al., 2018) e do desenvolvimento de distúrbios psicológicos, como a ansiedade ou a depressão, tendo sido ponderados nas situações limite, como casos de suicídio. No entanto, a depressão e a ideação suicida estão relacionadas com as interações cibernéticas, como por exemplo, mensagens, e-mails, conversas por meio das redes sociais (OPP, 2020) sugerindo que a depressão pode levar a uma decisão de suicídio como solução para o problema do ciberbullying (Peled, 2019). Os adolescentes e jovens adultos que passaram tanto pela vitimização por bullying quanto a vitimização por ciberbullying são mais propensos a experimentar ideação suicida (Baiden & Tadeo, 2020). Estudos referem que a vitimização do ciberbullying está associada à baixa autoestima e diminuição da mesma (Patchin & Hinduja, 2010), sintomatologia depressiva (Klomek et al., 2019), o que, por sua vez, aumenta significativamente o risco de ideação suicida (Horwitz et al., 2017). Quanto mais tempo despendido na Internet, por sua vez, há uma maior exposição a fatores de risco ou informações sobre suicídio e automutilação, o que pode estar associado a níveis mais altos de ideação suicida e depressão (Daine et al., 2013). Assim, ter uma saúde mental positiva reduz a associação entre ciberbullying e a ideação ou comportamento suicida, ou seja, modera a relação entre pensamentos suicidas e tentativas de suicídio (Brailovskaia et al., 2018). A saúde mental positiva está intimamente ligada a outros fatores de proteção, como satisfação com a vida, o suporte social, a felicidade subjetiva e a autoeficácia (Brailovskaia et al., 2019). Pode-se falar em fatores de risco e em fatores de proteção aos quais o sujeito está exposto. Quando os fatores de risco são mais acentuados do que os de proteção, o sujeito tende a pensar na morte como solução para as suas adversidades. Já no que se refere aos fatores de proteção, ressalta-se que os adolescentes e jovens adultos tendem a procurar a família ou os amigos para conversar sendo que os que não procuraram essa base de apoio cometeram mais suicídio (Abreu & Souza, 2017).
A vitimização por ciberbullying é um fator de risco que traz problemas de comportamento suicida nos adolescentes e jovens adultos (Chang et al., 2019). No ciberbullying, o anonimato "protege" o agressor, isto é, fortalece o agressor da sensação de impunidade que não teria coragem de fazer a agressão pessoalmente. Quem pratica o ciberbullying, geralmente não tem capacidade de avaliar a dimensão da sua atitude e das consequências que pode trazer para o que está a ser vítima (Bortman et al., 2018). Podemos verificar no estudo de Abreu e Souza (2017) que 25 % das vítimas de ciberbullying não procuram ajuda, e ao não fazerem existe a possibilidade de prejuízos extremos e irreversíveis, como suicídio e homicídios. De realçar que suicídio é a terceira causa de morte na adolescência (Barbosa et al., 2016).
Comunicação parento-filial
Um componente importante na relação pais-filhos é a comunicação e esta parece influenciar o comportamento dos mais novos (Offrey & Rinaldi, 2017), na medida em que, a forma como os pais e os filhos comunicam, é crucial em vários processos, nomeadamente na definição de papéis, de limites, de estratégias de disciplina e na forma de relacionar (Lee & Wong, 2009). A comunicação pode ser definida, segundo alguns autores, como a capacidade de os membros da família trocarem os seus sentimentos e desejos uns com os outros, de forma a atender às necessidades de cada um de forma positiva (Barnes & Olson, 1985; Guilamo-Ramos et al., 2006). Assim, uma comunicação positiva, fluente e aberta, com troca de pontos de vista clara, com respeito e empatia entre pais e filhos reforça a coesão familiar, reduz o conflito e beneficia a adaptação psicossocial dos membros da família (Solecki et al., 2014). Doueck et al. (1987) e Eckstein (2004) referem que, dado o processo de autonomia e independência que caracteriza o desenvolvimento dos adolescentes e jovens adultos, quanto maior a idade, menos comunicação aberta com as figuras parentais. Os problemas de comunicação familiar podem surgir devido ao facto de as vítimas cibernéticas evitarem compartilhar as experiências de ciberbullying com seus pais, por pensarem que os pais não podem pôr um fim ao problema e têm medo que isso leve a consequências adicionais mais graves (Ortega-Barón et al., 2019). O contexto familiar desempenha um papel importante no comportamento das vítimas de ciberbullying. Quando percebem um clima familiar negativo têm, por sua vez, uma comunicação menos aberta com as figuras parentais (Buelga et al., 2017). Um ambiente familiar deteriorado pode tornar-se um fator de risco para a vitimiza-ção ou perpetração de ciberbullying, enquanto um ambiente familiar favorável diminui essa probabilidade (Martínez-Monteagudo et al., 2019).
O tempo despendido na Internet parece não ter qualquer impacto na comunicação entre os adolescentes, jovens adultos e os seus pais, notando-se que as novas tecnologias de informação e comunicação não influenciam a comunicação e a interação com a família. Por outro lado, a presença da Internet tem um grande impacto na forma como a família comunica e interage, o que sugere que os adolescentes e jovens adultos parecem estar cientes das horas excessivas na Internet e do consequente efeito negativo que o modo como utilizam esse tempo tem na comunicação e interação com a família, particularmente com os pais (Martinho & Pires, 2017). Apesar do gradual envolvimento dos pais nas atividades e interações com os filhos, as mães tendem a manter um papel de destaque na comunicação parento-filial (Patrick et al., 2005). Especificamente, a metacomunicação parece facilitar a confiança e a abertura na comunicação verbal e não-verbal entre os filhos e a mãe, facilitando uma monitorização mais eficaz sobre o cotidiano dos adolescentes (Bumpus & Hill, 2008).
Assim as dificuldades de comunicação entre pais-filhos podem levar ao uso não saudável da Internet e podem aumentar o risco de sofrer viti-mização por ciberbullying (Larrañaga et al., 2016). O uso problemático da Internet pelos adolescentes poderá estar relacionado com a falta de apoio familiar em termos de supervisão e monitorização das atividades (Kim et al., 2019). Por outro lado, ter um melhor apoio familiar e proteção parental geralmente correlaciona-se com menor número de incidências de ciberbullying e vitimização. O funcionamento familiar saudável e os relacionamentos entre os membros da família são essenciais para reduzir as atividades delinquentes, como o ciberbullying e outras formas de vitimização (Chen et al., 2018). Portanto, além dos mais novos, também é importante envolver os pais em programas de prevenção do ciberbullying no contexto escolar (Buelga et al., 2017).
Assim, o presente estudo visa: (1) analisar em que medida a vitimização por ciberbullying, a ideação suicida e a comunicação parento-filial variam em função de variáveis sociodemográficas (idade e o número de horas de utilização da Internet); (2) verificar se existe uma associação entre a cibervitimi-zação, a ideação suicida e a comunicação entre pais e filhos; e (3) explorar o efeito preditor da ideação suicida e da comunicação parento-filial no envolvimento em comportamentos de cibervitimização.
Método
Participantes
O presente estudo contou com uma participação de 401 adolescentes e jovens adultos, dos quais 323 pertencem ao sexo feminino (80.5 %) e 78 ao sexo masculino (19.5 %), com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos (M=19.13; dP=1.95).
No que se refere ao ano de escolaridade, 190 (47.4 %) frequentavam o ensino secundário e 211 (52.6 %) frequentavam o ensino superior, sendo que destes 177 (44.1 %) frequentavam a licenciatura e 34 (8.5 %) o mestrado. Em relação aos dias, horas e finalidades da utilização da Internet, 98.5 % dos participantes usa a Internet no seu cotidiano e 70.3 % utiliza-a mais de 3 horas diárias.
Instrumentos
Para a coleta dos dados foi utilizado um questionário sociodemográfico, com o intuito de obter informações sobre os dados pessoais dos participantes como a idade, sexo, ano de escolaridade. Foram solicitadas informações sobre a utilização da Internet ("Quantos dias por semana costumas utilizar a Internet?/ Quantas horas por dia costumas utilizar a Internet?/ Para que fins utilizas a Internet?"). O Cybervictimization Questionnaire (CYVIC) foi traduzido e encontra-se em fase de validação para a população portuguesa por Fernandes e Relva (2019) a partir da versão original de Álvarez-García et al. (2017). Este instrumento foi utilizado com o intuito de avaliar até que ponto os adolescentes são vítimas de agressão por meio de mensagens ou da Internet. Trata-se de um questionário de autorrelato composto por 19 itens, cada um dos quais apresenta uma agressão sofrida por meio do celular ou da Internet. Os participantes devem assinalar a frequência com que foram vítimas de cada uma destas situações nos últimos três meses, numa escala do tipo Likert de 4 pontos em que 1 corresponde a "nunca" e 4 "sempre" (Álvarez-García et al., 2017). No presente estudo, usou-se a pontuação total de vitimização cibernética que foi obtida através da soma dos 19 itens (mínimo 19 e máximo 76), sendo que pontuações elevadas indicam altos níveis de cibervitimização. Em relação ao nível da consistência interna o alfa de Cronbach encontrado foi .79, o que revela uma medida adequada (Álvarez-García et al., 2019). Para a presente amostra o alfa de Cronbach foi de .87, o que revela uma boa consistência interna. A análise fatorial confirmatória confirma o ajustamento dos valores, sendo X2(13)=38.173; p=.000; Ratio=2.936; CFI=.98; GFI=.98; RMR=.002 e RMSEA=.07.
O Questionário de Ideação Suicida (Qis), adaptado para a população portuguesa por Ferreira e Castela (1999) do Suicide Ideation Questionnaire desenvolvido por Reynolds (1988), teve como principal objetivo avaliar a ocorrência e gravidade dos pensamentos e cognições suicidas dos adolescentes e jovens adultos. Este instrumento unidimensional é composto por 30 itens ("Pensei que seria melhor não estar vivo"), sendo que para cada item são disponibilizadas sete alternativas de resposta numa escala tipo Likert, oscilando entre 0 "nunca tive este pensamento" até 6 "quase todos os dias", podendo o resultado oscilar entre 0 a 180 pontos. A presença de pontuações elevadas neste questionário poderá corresponder a uma maior frequência de pensamentos suicidas (Ferreira & Castela, 1999). Em relação ao nível da consistência interna o alfa de Cronbach encontrado foi de .96 (Ferreira & Castela, 1999). Para a presente amostra o alfa de Cronbach foi de .98, o que revela uma boa consistência interna. As análises fatoriais confirmatórias demonstram índices de ajustamento adequados para o modelo sendo X2(30)= 160.982; p=.000; Ratio=5.366; CFI=.98; GFI=.93; RMR=.027 e RMSEA=.10.
A Escala de Avaliação da Comunicação na Parentalidade (COMPA), foi desenvolvida em Portugal, por Portugal e Alberto (2014). Esta escala tem como objetivo avaliar as perceções dos filhos em relação à comunicação com os seus pais. A escala é respondida numa escala de Likert em que 1 corresponde a "nunca" e 5 corresponde a "sempre". A COMPA é constituída por duas partes, uma referente à comunicação estabelecida com a mãe e outra relativa à comunicação estabelecida com o pai. A sua aplicação consiste em pedir aos participantes, que assinalem em cada item, numa escala de 1 a 5, qual a percepção que tinham sobre a comunicação estabelecida com as figuras parentais.
Com o aparecimento da pandemia por COVID-19 foi solicitada uma nova autorização para a utilização em idades mais avançadas, a participantes com idade igual ou superior a 18 anos.
Em relação à estrutura da Escala de Avaliação da Comunicação na Parentalidade-versão adolescentes, a mesma é composta por cinco subescalas nomeadamente: a disponibilidade parental para a comunicação (fator 1) diz respeito à perceção de escuta atenta/ativa dos pais em relação aos filhos e é constituída por 14 itens ("Eu e o/a meu/minha pai/mãe procuramos a melhor maneira para resolver os nossos problemas"). A confiança /partilha comunicacional de filhos para progenitores (fator 2) refere-se à capacidade do filho em adotar uma postura aberta e honesta e ser responsivo e é constituída por 7 itens ("Sinto-me bem com as conversas que tenho com o/a meu/minha pai/mãe"). A expressão do afeto e apoio emocional (fator 3) é constituída por 5 itens ("Gosto de dar beijos e de abraçar o/a meu/minha pai/mãe") e reporta-se à ligação afetiva entre filhos e pais que permita a partilha e discussão de preocupações e sentimentos pessoais. A metacomunicação (fator 4) é constituída por 9 itens ("Costumo respeitar e estar de acordo com as regras que o/a meu/minha pai/mãe me dá") e avalia a capacidade dos filhos para estabelecerem uma comunicação aberta e clara com os seus pais. O padrão comunicacional negativo (fator 5) reporta-se aos comportamentos comunicacionais que promovem estilos inadequados de relacionamentos e é constituída por 4 itens ("Tenho dificuldade em acreditar no que o/a meu/minha pai/mãe me diz") (Portugal & Alberto, 2014).
Quanto às propriedades psicométricas, os valores do coeficiente de alfa de Cronbach para as subescalas são aceitáveis para fins de investigação (fator 1: .87; fator 2: .87; fator 3: .84; fator 4: .81; fator 5: .65) (Portugal & Alberto, 2014). Os valores disponibilizados resultam da soma das pontuações por subescala e pela divisão do valor obtido pelo total de itens de cada subescala permitindo, assim, a comparação dos resultados entre subescalas independentemente do número de itens que as compõem, sendo que apenas o último fator indica uma pior comunicação quanto maior for a pontuação (Portugal & Alberto, 2014). Para a presente amostra, o valor de alfa de Cronbach global tanto para o pai quanto para a mãe foi de .97, o que indica uma boa consistência interna. Os valores do coeficiente de alfa de Cronbach para as subescalas do pai são aceitáveis para fins de investigação (fator 1: .97; fator 2: .94; fator 3: .91; fator 4: .92; fator 5: .67). Os valores do coeficiente de alfa de Cronbach para as subescalas da mãe são aceitáveis para fins de investigação (fator 1: .96; fator 2: .93; fator 3: .89; fator 4: .90; fator 5: .71).
Considerando a análise fatorial confirmatória, o ajustamento dos valores foi confirmado, sendo X2(75)=297.557; p=.000; Ratio=3.967; CFI=.97; GFI=.91; RMR=.032 e RMSEA=.09 para as subescalas referentes ao pai, e de X2(79)= 289.017; p=.000; Ratio=3.658; CFI=.97; GFI=.91; RMR=.025 e RMSEA=.08 para as subescalas referentes à mãe.
Procedimentos
Inicialmente, a presente investigação foi submetida à comissão de ética da universidade, obtendo parecer favorável quanto à sua realização. Em seguida, foi solicitada a autorização ao diretor pedagógico da escola, a quem foi explicado os objetivos do estudo, os procedimentos de aplicação dos instrumentos e o seu público-alvo, garantindo os procedimentos éticos convencionais, nomeadamente, o anonimato, a confidencialidade das respostas e a voluntariedade na participação, assegurando-se que, a cada momento, o indivíduo poderia cessar a sua participação sem consequências. Os participantes deveriam preencher a declaração de consentimento informado e, para alunos menores de 18 anos, o consentimento informado seria endereçado e preenchido pelos pais.
Contudo, não foi possível dar continuidade ao processo, tendo em conta a situação de pandemia coviD-19 que determinou o encerramento das atividades dos estabelecimentos de ensino em março de 2020. Assim sendo, foi necessário recorrer a adaptações e, novamente, foi solicitado um novo parecer à comissão de ética da universidade relativamente a uma possível alteração no método utilizado para a coleta de dados. De igual modo, também foi solicitado uma nova autorização aos autores das escalas para a utilização das mesmas em idades mais avançadas, a participantes com idade igual ou superior a 18 anos. Desta forma, a escola foi novamente contatada para que pudessem ser explicadas as alterações que foram feitas a fim de perturbar o menos possível as atividades letivas que se mantinham presenciais. Assim, foi proposto à escola que divulgassem o link de acesso ao questionário pelos alunos do ensino secundário, sendo mantidas todas as questões éticas anteriormente referidas. Porém, não obtendo mais colaboração e celeridade com a escola, optou-se por divulgar a investigação aos estudantes universitários. A participação foi voluntária e anônima, tendo sido os protocolos respondidos pelos participantes de forma individual, com uma duração de cerca de 20 minutos.
Análise de dados
Numa fase inicial procedeu-se à codificação do protocolo, uma vez que foi elaborado de forma on-line, através da plataforma Limesurvey procedeu-se primeiramente à exportação da base de dados para o Microsoft Office Excel. Em seguida, procedeu-se à importação dos dados para o programa estatístico spss (Statistical Package for Social Science), versão 26.
Posteriormente, verificou-se a normalidade dos dados, segundo Marôco (2014) enuncia que em amostras (superiores a 30) a distribuição da média amostral segue uma distribuição normal. Após terem sido assegurados os pressupostos de normalidade, procedeu-se às análises estatísticas. Posteriormente, realizaram-se as análises estatísticas descritivas referentes à amostra em estudo, envolvendo o cálculo de frequências, médias e desvio-padrão. Realizaram-se, ainda, análises diferenciais uni e multivariadas (ANOVAS e MANOVAS), com nível de significância de 5 % (p < .05), de modo a avaliar as diferenças significativas entre as variáveis sociodemográficas e os instrumentos. Na sequência efetuaram-se análises correlacionais através do r de Pearson com o objetivo de medir o grau de correlação linear entre as variáveis em estudo.
Por último, realizou-se ainda uma regressão múltipla hierárquica, com o intuito de explorar o efeito preditor da ideação suicida e da comunicação parento-filial no envolvimento em comportamentos de cibervitimização.
Resultados
Análise diferencial da cibervitimização, da ideação suicida e da comunicação parento-filial em função da idade
Os limites cronológicos da adolescência são definidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) entre os 10 e 19 anos. A partir dessa idade, são considerados jovens adultos (Eisenstein, 2005). Perante esta definição e de forma a facilitar a interpretação dos resultados em função da idade, dividiu-se a idade em dois grupos (Grupo 1 = 15 aos - 19 anos; Grupo 2 = 20 aos - 24 anos). Considerando a ciber-vitimização os resultados apontam para a presença de diferenças significativas entre os grupos de idade F(1.399)= 4.84, p=.028, rp 2 =.012. O grupo dos 15 aos 19 anos revela uma média ligeiramente superior (M=22.81; DF =4.61) quando comparado com o grupo dos 20 aos 24 anos (M=21.79; DF=3.96). No que diz respeito à ideação suicida os resultados não apontam diferenças estatisticamente significativas entre os grupos de idade (p=.055).
Em relação à comunicação parental, não foram encontradas diferenças significativas para a comunicação com o pai (disponibilidade para se comunicar com os filhos, confiança/partilha, expressão do afeto e apoio emocional, metacomunicação e padrão comunicacional negativo) e os grupos de idade (p=.074), o mesmo acontece para a comunicação com a mãe (disponibilidade para se comunicar com os filhos, confiança/partilha, expressão do afeto e apoio emocional, metacomunicação e padrão comunicacional negativo) e os grupos de idade (p=.091).
Análise diferencial da cibervitimização, da ideação suicida e da comunicação parento-filial em função das horas de utilização da Internet
Segundo Almeida (2014) o tempo médio de acesso à Internet é de 3 horas e 39 minutos por dia. Assim, importa referir que se procedeu à sua categorização em dois níveis: aqueles que usam a Internet menos de três horas e aqueles que a usam mais de três horas (Nível 1= menos de 3 horas por dia; Nível 2= mais de 3 horas por dia) (Berribili & Mill, 2018). Considerando a ciber-vitimização, os resultados apontam diferenças significativas em relação às horas de utilização de Internet F(1.399)=3.91, p=.049, rp2=.010. O nível mais de 3 horas por dia revela uma média ligeiramente superior (M=22.74; DF=4.70) quando comparado com o nível menos de 3 horas por dia (M=21.79; DF=3.60).
No que tange à ideação suicida, os resultados apontam para a presença de diferenças estatisticamente significativas em relação às horas de utilização da Internet F(1.399)=11.58, p=.001, rp2=.028. O nível mais de 3 horas por dia revela uma média superior (M=32.60; DF=34.28) quando comparado com o nível menos de 3 horas por dia (M=20.53; DF=27.53).
Considerando a comunicação parental, não foram encontradas diferenças significativas para a comunicação com o pai (disponibilidade para se comunicar com os filhos, confiança/partilha, expressão do afeto e apoio emocional, metacomunicação e padrão comunicacional negativo) em relação às horas de utilização da Internet (p=.190). Conforme é possível verificar, apenas foram encontradas diferenças significativas na comunicação com a mãe (confiança/partilha, metacomunicação) em relação às horas de utilização da Internet F(5.395)=2.50, p=.030, X de Wilks= .97, sendo que o valor de eta sugere um efeito pequeno (rp2=.031). Na dimensão confiança/partilha F(1.399)= 7.00, p=.008, np2=.017, verifica-se uma média ligeiramente superior no nível menos de 3 horas diárias (M=3.87; DF=.87) comparativamente ao nível mais de 3 horas (M=3.59; DF=.98). Na dimensão metacomunicação F(1.399)=5.67, p=.018, rp2=.014, verifica-se uma média ligeiramente superior no nível menos de 3 horas diárias (M=3.88; DF=.79) comparativamente ao nível mais de 3 horas (M=3.68; DF=.77). Os resultados descritos anteriormente encontram-se reportados na Tabela 1.
Pessoa | Variable | Horas de utilização da Internet | M ± DP |
---|---|---|---|
JOVEM | Cibervitimização | 1- Menos de 3 2- Mais de 3 | 21.79±3.60 22.74±4.70 |
Ideação suicida | 1- Menos de 3 2- Mais de 3 | 20.53±27.53 32.60±34.28 | |
COMPA | |||
PAI | Disponibilidade parental | 1- Menos de 3 2- Mais de 3 | 3.47±1.08 3.29±1.15 |
Confiança/Partilha | 1- Menos de 3 2- Mais de 3 | 2.74±1.05 2.50±1.06 | |
Expressão do afeto e apoio emocional | 1- Menos de 3 2- Mais de 3 | 3.43±1.15 3.24±1.19 | |
Metacomunicação | 1- Menos de 3 2- Mais de 3 | 3.28±.91 3.06±1.00 | |
Padrão comunicacional negativo | 1- Menos de 3 2- Mais de 3 | 2.42±.79 2.58±.81 | |
MÃE | Disponibilidade parental | 1- Menos de 3 2- Mais de 3 | 4.10±.83 3.94±.86 |
Confiança/Partilha | 1- Menos de 3 2- Mais de 3 | 3.87±.87 3.59±.98 | |
Expressão do afeto e apoio emocional | 1- Menos de 3 2- Mais de 3 | 4.14±.91 4.04±.92 | |
Metacomunicação | 1- Menos de 3 2- Mais de 3 | 3.88±.79 3.68±.77 | |
Padrão comunicacional negativo | 1- Menos de 3 2- Mais de 3 | 2.35±.81 2.45±.75 |
Nota. M= Média; DF= Desvio padrão.
Associação entre a cibervitimização, a ideação suicida e a comunicação parento-filial
Através da realização de uma correlação de Pearson, verificou-se que a cibervitimização apresenta uma associação significativa moderada positiva com a ideação suicida (r= 399;p≤.01). No que concerne às associações entre a cibervitimização e as dimensões da comunicação parento-filial, os resultados sugerem a presença de associação significativa positiva, ainda que tendo efeitos não muito grandes para o padrão comunicacional negativo do pai (r=. 133; p≤.01), o mesmo acontece para o padrão comunicacional negativo da mãe (r=. 148; p≤.01). Para a disponibilidade da mãe para se comunicar com os filhos, verificou-se uma associação significativa negativa, não tendo um efeito grande (r=-. 120; p≤.05).
Considerando as associações entre a ideação suicida e as dimensões da comunicação parento-filial do pai, os resultados sugerem a presença de associações estatisticamente significativas negativas, com efeitos pequenos a moderados. Concretamente é possível verificar para a disponibilidade para se comunicar com os filhos (r=-. 311; p≤.01), confiança/partilha (r=-. 251; p≤.01), expressão de afeto e apoio emocional (r=-.238; p≤.01), metacomunicação (r=-. 304; p≤.01), à exceção do padrão comunicacional negativo com efeito pequeno e positivo (r=.270; p≤.01). Em relação às associações entre a ideação suicida e as dimensões da comunicação parento-filial da mãe, os resultados sugerem a presença de associações estatisticamente significativas negativas, com efeitos pequenos a moderados. É possível verificar para a disponibilidade para se comunicar com os filhos (r=-.331; p≤.01), confiança/partilha (r=-. 261; p≤.01), expressão de afeto e apoio emocional (r=-.274; p≤.01), metacomunicação (r=-. 340; p≤.01), à exceção do padrão comunicacional negativo com efeito pequeno e positivo (r=.205; p≤.01).
Papel preditor da ocorrência de ideação suicida e da comunicação parento-filial no envolvimento em comportamentos de cibervitimização
No que diz respeito à cibervitimização, o bloco 1 explica 15.9 % da variância total (R2=.159), contribui individualmente com 15.9 % da variância do modelo (R2 change=.159) e apresenta um contributo significativo F(1.399)=75.67; p=.000. O bloco 2 explica 18 % da variância total (R2=.180), contribui individualmente com 2.1 % da variância do modelo (R 2 change=.021) e apresenta um contributo significativo F(6.394)=14.44; p=.000. O bloco 3 explica 19.4 % da variância total (R2=.194), contribui individualmente com 1.4 % da variância do modelo (R 2 change=.014) e apresenta um contributo significativo F(11.389)=8.51; p=.000.
A partir da análise individual do contributo de cada uma das variáveis independentes dos blocos, verifica-se que duas variáveis apresentam contribuição significativa (p≤ .05) enquanto preditor de cibervitimização: a ideação suicida (β=.407; p=.000) prediz positivamente para a variável dependente e a disponibilidade parental para se comunicar (mãe) (β =-.303; p=.030) prediz negativamente para a variável dependente. As restantes dimensões constituintes do modelo não revelaram significância estatística. Os resultados descritos anteriormente encontram-se reportados na tabela 2.
Nota. B, SE e β para um nível de significância de p< .05. Os valores significativos estão grafados em negrito.
Bloco 1- Ideação suicida; Bloco 2- Dimensões da comunicação parento-filial em relação ao pai; Bloco 3- Dimensões da comunicação parento-filial em relação à mãe.
Discussão
O presente estudo teve como objetivo geral explorar as diferenças de vitimização de ciber-bullying, da ideação suicida e da comunicação parento-filial em função de variáveis sociodemo-gráficas (idade e o número de horas de utilização da Internet). Procurou-se também perceber se a cibervitimização, a ideação suicida e a comunicação parento-filial se associavam entre si e, por fim, analisar o papel preditor da ocorrência de ideação suicida e da comunicação parento-filial no envolvimento em comportamentos de cibervitimização.
Face aos resultados, verificou-se que, no que tange à idade existiam diferenças significativas na cibervitimização, sendo os participantes com idade entre os 15 e os 19 anos as vítimas em maior proporção. Com base na investigação de Tokunaga (2010) o autor concluiu que a vitimização ocorre predominantemente entre os 12 e os 14 anos de idade. Jones et al. (2013) constataram que as vítimas de "assédio na Internet" teriam predominantemente entre os 13 e os 15 anos de idade. No estudo de Molina et al. (2018), verificou-se que os adolescentes com 14 anos eram mais propensos a experimentar comportamentos de bullying e ciberbullying do que adolescentes com 16 anos ou mais. Outras investigações encontraram uma percentagem maior de jovens vitimizados por ciberbullying nos primeiros anos da entrada na adolescência (Buelga et al., 2010), em comparação com outros que o fazem mais tarde (Jung et al., 2014). Uma pesquisa realizada por Orte (2006) revelou que, numa amostra de 770 adolescentes com idades dos 11 aos 19 anos, 20 % dos adolescentes sofreram algum comportamento de ciberbullying. No presente estudo, embora a idade dos 15 aos 19 anos sejam as vítimas em maior proporção, a média entre os grupos de idade não é significativa quando comparada com a idade dos 20 aos 24 anos, o que sugere que os comportamentos de cibervitimização poderão ocorrer tanto em idades mais novas como em idades mais avançadas, ou seja, poderão ocorrer dos 15 aos 19 anos como também na idade dos 20 aos 24 anos.
Na presente amostra, no que se refere à idade, não foram encontradas diferenças significativas em relação à ideação suicida. O mesmo se verificou num estudo realizado por Molina et al. (2018) no qual não foi encontrada nenhuma diferença significativa da idade em relação à ideação suicida. No entanto, os dados não são consistentes. Os resultados de outras investigações revelam que parece existir com uma maior frequência pensamentos ou comportamentos associados à morte no final da adolescência (Cruz et al., 2015). A literatura refere, ainda, que os motivos que levam à ideação suicida entre os adolescentes e jovens adultos parecem estar relacionados com os problemas com os pais, os amigos, entre outros (Breda & Guerra, 2019), e do desenvolvimento de distúrbios psicológicos, como a ansiedade ou a depressão, tendo sido ponderados nas situações limite, como casos de suicídio (OPP, 2020).
A literatura refere que a idade está associada aos problemas de comunicação com as figuras parentais, no sentido em que quanto maior a idade, menos comunicação com os pais dadas as características próprias da adolescência. Isto é, face ao processo de autonomia e independência que caracteriza o desenvolvimento dos jovens, quanto maior a idade, menos comunicação aberta quer com a mãe quer com o pai (Doueck et al., 1987; Eckstein, 2004). No entanto, no presente estudo, ao nível da comunicação entre pais e filhos (tanto com o pai como com a mãe), não foram encontradas diferenças em função da idade.
Em relação ao número de horas de utilização da Internet os resultados do presente estudo sugerem que os adolescentes passam mais de três horas diárias na Internet. Em um estudo sobre ciberbullying, Aricak et al. (2008), comprovam que o número de horas despendidas na Internet se correlaciona com os comportamentos de cibervitimização. Os adolescentes são internautas e consumidores diários da Internet. Outro estudo de Juvonen e Gross (2008) evidenciou que o maior uso da Internet promove, expressivamente, a probabilidade de episódios de comportamentos de cibervitimização. Os resultados destes estudos corroboram os aqui apresentados, visto que se verificou existir uma relação entre a cibervitimização e as horas despendidas pelos inquiridos. Isto sugere que os adolescentes que utilizam a Internet com insegurança e com grande frequência têm uma maior probabilidade de se tornarem vítimas de ciberbullying. A ocorrência de cibervitimização parece assim estar correlacionada com o tempo despendido na Internet, no qual as vítimas se envolvem facilmente em comportamentos on-line que poderão ser arriscados e atuam como fatores de risco para o ciberbullying (Álvarez-García et al., 2015; Lee et al., 2017; Shapka et al., 2018).
Verificou-se, também, diferenças para a ideação suicida em relação ao número de horas de utilização da Internet, apontando que os adolescentes que passam mais de três horas diárias na Internet tendem a apresentar maior risco de ideação suicida. Tal como se verifica na literatura, quanto mais tempo despendido na Internet há uma maior exposição a fatores de risco ou informações sobre suicídio e automutilação, o que pode estar associado a níveis mais altos de ideação suicida e depressão (Daine et al., 2013). Isto sugere que prevenir os efeitos graves do ciberbullying na qualidade de vida dos adolescentes e, especificamente, no risco de suicídio, é vital, dado que estes passam cada vez mais tempo no mundo digital (Peng et al., 2019).
A literatura denota que, apesar do gradual envolvimento da figura paterna nas atividades e interações com os filhos, as mães tendem a manter um papel de destaque na comunicação parento-filial (Patrick et al., 2005). Assim sendo, verifica-se diferença na comunicação com a mãe no que diz respeito ao número de horas de utilização da Internet, nomeadamente na confiança/partilha e na metacomunicação. Os jovens quando passam menos tempo na Internet sentem uma maior confiança/ partilha quando tem a capacidade de ter uma postura aberta e honesta pela figura parental. O mesmo se verifica para a metacomunicação quando estabelecem uma comunicação aberta e clara com os seus pais, promovendo um estilo comunicacional livre de equívocos (Portugal & Alberto, 2014). No estudo de Bumpus e Hill (2008) verifica-se que existe uma conexão positiva entre a confiança/ partilha no que se refere a situações problemáticas por parte dos filhos, sendo uma comunicação caracterizada pela precisão e clareza, pela interação, uma comunicação que clarifica não só os conteúdos como também a relação. A metacomu-nicação parece facilitar a confiança e a abertura na comunicação verbal e não-verbal entre os filhos e a mãe, facilitando uma monitoração mais eficaz sobre o cotidiano dos adolescentes.
Considerando a associação entre as variáveis em estudo, verificou-se que a cibervitimização apresenta uma associação positiva com a ideação suicida. Isto indica que quando a cibervitimização aumenta, a ideação suicida também aumenta, podendo o contrário também ocorrer. Tal como se comprova no estudo de Chang et al. (2019) no qual se verificou que o comportamento de cibervitimização estava positivamente associado à ideação suicida ou comportamento suicida. O ciberbullying parece ser um agente determinante da ideação suicida (Bortman et al., 2018).
No que concerne às associações entre a ci-bervitimização e as dimensões da comunicação parento-filial os resultados sugerem a presença de associação positiva para o padrão comunicacional negativo do pai, o mesmo acontece para o padrão comunicacional negativo da mãe. Um ambiente pautado pela boa comunicação familiar pode diminuir a vitimização por ciberbullying (Lõsel & Farrington, 2012). Em relação à disponibilidade da mãe para se comunicar com os filhos, verificou-se uma associação negativa com a cibervitimização. Isto é, quando a escuta ativa/atenta (disponibilidade) por parte da mãe diminui, por sua vez, aumentam os comportamentos de ciberbullying. Uma revisão da literatura recente demostrou que existe uma associação negativa entre o afeto dos pais e a propensão para a vitimização por ciberbullying. Isto sugere que as relações quando se tornam positivas entre pais e filhos podem prevenir os comportamentos de ciberassédio moral (Elsaesser et al., 2017).
Em relação às associações entre a ideação suicida e as dimensões da comunicação parento-filial (tanto do pai como da mãe), os resultados sugerem a presença de associações negativas. Concretamente é possível verificar para a disponibilidade para se comunicar com os filhos, confiança/partilha, expressão de afeto e apoio emocional, metacomunicação, à exceção do padrão comunicacional negativo que se correlaciona positivamente com a ideação suicida. Isto sugere que quando a escuta ativa/atenta, a confiança e partilha, a ligação afetiva e apoio emocional, a comunicação aberta e clara entre os pais e os filhos diminuem, por sua vez, aumenta a ideação suicida, à exceção do padrão comunicativo negativo que quando aumenta, por sua vez aumenta a ideação suicida. O mesmo se verifica com a comunicação parento-filial da mãe. No estudo de Mark et al. (2013), refere-se que uma boa comunicação entre pais e filhos é um recurso significativo para diminuir a ideação suicida entre adolescentes. Também Lai-Kwok e Shek (2010) verificaram que a ideação suicida estava negativamente correlacionada com a comunicação pais-filhos, sendo que a comunicação mãe-filho tinha uma associação mais forte com a ideação suicida nos jovens adultos, quando comparada com a comunicação pai-filho.
Em resposta aos últimos objetivos desta investigação, analisámos o papel preditor na ocorrência de ideação suicida e a comunicação parento-filial no envolvimento em comportamentos de ciberbullying. Na presente amostra foi possível verificar que a ideação suicida prediz positivamente os comportamentos de cibervitimização, o que indica que quanto mais ideação suicida mais envolvimento no ciberbullying. A literatura refere que a ideação suicida pode contribuir para a vitimiza-ção por bullying e ciberbullying. A vitimização por bullying ou ciberbullying e a ideação suicida podem contribuir para a identificação precoce de adolescentes que podem estar em risco de suicídio (Baiden et al., 2019; Baiden & Tadeo, 2020). A disponibilidade da mãe para se comunicar com os filhos também parece predizer negativamente a cibervitimização. Isto sugere que quanto mais a mãe se mostra disponível para se comunicar menor a probabilidade de ocorrer o envolvimento em ciberbullying. O contexto familiar desempenha, assim, um papel importante no comportamento de ciberbullying e, principalmente, nas vítimas de ciberbullying, sendo que quando estas últimas percebem um clima familiar negativo demonstram ter, por sua vez, uma comunicação menos aberta com as figuras parentais (Buelga et al., 2017). O funcionamento familiar saudável e os relacionamentos entre os membros da família são, desta forma, essenciais para reduzir as atividades delinquentes, como o ciberbullying e outras formas de vitimização (Chen et al., 2018).
Implicações práticas, limitações e propostas para estudos futuros
A principal implicação deste trabalho centra-se na produção de um maior conhecimento, pretendendo chamar a atenção para temas pouco abordados e que, assim, poderá ser útil aos profissionais que trabalham com as famílias ou com os jovens. Em primeiro lugar, este estudo contribui para a pouca literatura que existe no nosso país acerca do ciberbullying, bem como desta variável em associação com outras variáveis. A investigação permitiu compreender a importância da relação entre o ciberbullying, a ideação suicida e a comunicação entre pais e filhos numa amostra de adolescentes e jovens adultos portugueses, podendo estas variáveis contribuir como fatores de risco para o ciberbullying ou mesmo para o suicídio (Peled, 2019). Os comportamentos de ciberbullying podem vir a ser um fator de risco para o desenvolvimento ajustado dos adolescentes. Com o aumento da utilização da Internet, jovens estão cada vez mais conectados ao mundo virtual e passam muitas horas na Internet o que pode levar ao envolvimento do ciberbullying, tanto como vítima tanto como agressor (OPP, 2020). É importante também estudar o fenómeno da ideação suicida e da comunicação entre os pais e filhos de um modo mais aprofundado, contribuindo assim para o delineamento de intervenções direcionadas, por um lado, para trabalhar o evitamento de pensamentos suicidas e, por outro, para a melhoria de comunicação entre os pais e os filhos (Buelga et al., 2017). Este estudo salientou a importância das relações sociais e, especialmente, do envolvimento em atividades de caráter social como forma de proteção, possivelmente através do desenvolvimento de competências psicossociais, podendo funcionar como fator protetor contra a cibervitimização. Para além disto, os adolescentes parecem ter uma maior probabilidade de serem vítimas de ciberbullying do que os jovens adultos (Abreu & Souza, 2017).
Esta conclusão deverá alertar para a necessidade de que mais trabalhos sejam feitos nas escolas em coordenação com todos os intervenientes que poderão ter um papel no combate a este fenómeno, nomeadamente as próprias escolas, mas também as famílias, pares e /ou outras instituições que possam oferecer atividades extracurriculares que permitam aos jovens sentirem-se envolvidos e integrados na sociedade, pois, tal como foi possível perceber, a rede social pode ser um fator com um peso considerável na proteção e, especialmente, na prevenção dos riscos on-line.
O nosso estudo apresenta algumas limitações, em primeiro lugar, o facto de a amostra não ser representativa da população portuguesa, e também, porque os participantes eram adolescentes e jovens universitários, o que corresponde a duas fases de desenvolvimento com características distintas. Em segundo lugar, o número de indivíduos por sexo não ser homogêneo, visto que a maioria dos participantes é do sexo feminino, sendo apenas, 78 indivíduos do sexo masculino. Para além disto, o protocolo, constituído apenas por questionários de autorrelato, não é portanto, uma medida que reflete a realidade dos factos. Adicionalmente, trata-se de um protocolo de tamanho extenso, podendo ter levado à fadiga dos participantes, comprometendo o preenchimento do mesmo com respostas reais. Por último, a época em que foi realizada a coleta de dados, durante a pandemia provocada pelo COVID-19, também pode ter sido um limitante, que pode ter influenciado as variáveis em estudo.
Com esta investigação e com os objetivos propostos, espera-se contribuir com novos dados acerca do ciberbullying. Espera-se que as escolas possam incluir estratégias pedagógicas com o propósito de contribuir para uma maior prevenção deste tipo de problemática. Assim, é importante continuar a estudar o ciberbullying e divulgar os resultados junto da comunidade escolar, mas também na sociedade em geral, de modo que todos possam contribuir para diminuir os efeitos adversos e perversos do mesmo. Futuramente, esperamos que este estudo possa incentivar novas investigações, de preferência longitudinais, que permitam conhecer melhor a realidade portuguesa e assim traçar os caminhos de intervenção mais adequados. Deste modo, no futuro deverão ser criadas iniciativas preventivas e interventivas de forma a orientar e informar os adolescentes e os jovens adultos, mas não só estudantes. Futuramente, deverão também ser tidos em conta os jovens pertencentes à população geral, atendendo a que não são apenas os estudantes que utilizam as novas tecnologias. Por outro lado, esta sensibilização para um tema como o ciberbullying (por exemplo, incorporando este tema nos projetos de prevenção e intervenção do bullying escolar que já é desenvolvido na maioria das escolas portuguesas) poderá e deverá iniciar-se no contexto escolar, de forma a que os adolescentes se desenvolvam tendo acesso a informações que lhes serão pertinentes para as relações interpessoais futuras. A sensibilização deverá ainda incidir nos "espectadores" (bystanders), expondo-se os passos e a importância que estes intervenientes podem ter, tanto no contexto acadêmico como na comunidade. É urgente que este problema de saúde pública seja multidisciplinarmente identificado e combatido ao mesmo ritmo com que a tecnologia se entrosa na vida dos jovens.