Introdução
A infância e a adolescência são fases do desenvolvimento das pessoas consideradas com maior vulnerabilidade, tanto pelas ciências da saúde e médicas, como por normativas internacionais, a exemplo da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH) (Unesco 2006). O Relatório do Comitê Internacional de Bioética da Unesco (International Bioethics Committee of Unesco - IBC) (Unesco 2013), em seu Artigo 8° "Respeito pela vulnerabilidade humana e pela integridade pessoal", corrobora a importância do cuidado a essas faixas etárias, com vulnerabilidade especial, devido aos componentes da exposição e da capacidade adaptativa, o que as torna adicionalmente vulneráveis.
Segundo ten Have (2016), a ideia de vulnerabilidade especial está particularmente relacionada às desigualdades nas relações humanas. No contexto da infância e da adolescência, em especial aquelas em situação de sofrimento psíquico, essas desigualdades estão relacionadas à necessidade da proteção da família e do Estado, incluindo-se os serviços de assistência à educação e à saúde e à garantia das condições de desenvolvimento, devido a sua condição de pessoa em desenvolvimento.
A vulnerabilidade também é discutida por diferentes autores das ciências sociais e políticas, tendo em vista a sua relevância na compreensão dos fenômenos que impactam na capacidade de resposta e enfrentamento por parte das pessoas e da sociedade. No Brasil, o conceito de vulnerabilidade ganhou destaque na discussão dos aspectos relacionados à epidemia do Vírus da Imunodeficiência Humana, HIV/aids, sendo ampliado para outras condições de adoecimento com vistas a ofertar melhor compreensão da complexidade das condições relacionadas ao processo saúde-doença.
Nesse sentido, segundo Ayres et al. (2003), tal conceito compreende três componentes inter-relacionados: (a) vulnerabilidade individual - com o objetivo de identificar os fatores físicos, mentais ou comportamentais por meio de avaliações de risco e/ou de outras abordagens; (b) vulnerabilidade social - analisa as dimensões da cultura, religião, moral, política, economia e os fatores institucionais, os quais podem determinar os meios de exposição a doenças e/ou agravos; e (c) vulnerabilidade programática - examina as formas pelas quais as políticas públicas, os programas e os serviços interferem nas situações sociais e individuais das pessoas.
A vulnerabilidade remete a uma provocação sobre a responsabilidade das ações dos governos e das políticas públicas, como parte integrante dos determinantes do processo saúde e doença. Nesse sentido, o conceito de vulnerabilidade foi ampliado para a discussão da bioética no contexto da saúde pública, devido à importância da discussão dos problemas morais no campo sanitário, entre eles o problema da injustiça social e de seus efeitos sobre a saúde e a qualidade de vida de pessoas e populações humanas (Schramm 2017). Portanto, no contexto da bioética latino-americana, o conceito de vulnerabilidade está fortemente relacionado à dimensão social (Cunha e Garrafa 2016).
Kottow (2004) descreve que a vulnerabilidade básica é intrínseca à existência humana, sendo que alguns indivíduos são afetados por circunstâncias desfavoráveis, como a pobreza, a falta de educação, as dificuldades geográficas, as condições crônicas e endêmicas, a falta de acesso às instituições públicas, ou outras fatalidades, as quais denomina de suscetibilidade à vulnerabilidade ou vulneração. Para esse autor, a vulneração favorece a impotência e a perda da capacidade de superação dessa condição, impedindo o desenvolvimento das pessoas. Essa distinção conceitual é importante para a promoção de ações adicionais e diferenciadas de proteção do Estado para a garantia de condições de reparação, restauração e tratamento (Kottow 2003; Kottow 2004).
No bojo da discussão dessas dimensões da vulnerabilidade, ressalta-se a contribuição de Nascimento e Martorell (2013) quanto à incorporação do conceito da interseccionalidade de vulnerabilidades na leitura bioética para fortalecer a busca pela justiça social, ao lado dos mais vulneráveis na sociedade, apontando à importância da compreensão dos aspectos políticos que mantêm os processos de exclusão e desigualdades sociais no Brasil.
Nessa direção, faz-se necessária a discussão da intersecção dos diferentes fatores de opressão nos quais estão inseridas as crianças e adolescentes em sofrimento psíquico, entre eles: as limitações condicionadas pelas barreiras no acesso aos serviços de saúde de atenção primária e especializados, o que impacta negativamente na saúde mental devido à falta de oportunidades de tratamento para o restabelecimento de condições adequadas às atividades diárias; o estigma relacionado ao sofrimento psíquico, que favorece os processos de exclusão e discriminação das pessoas em diferentes contextos sociais, a fragilidade do modelo de atenção à saúde mental no cuidado a essa população; e o sofrimento da família no cuidado à criança e ao adolescente diante das dificuldades de inserção social e da falta de apoio do Estado. Outros fatores presentes na discussão sobre interseccionalidade que afetam à saúde mental de crianças e adolescentes incluem as categorias de gênero e raça, também considerados como marcadores sociais de desigualdade.
Nesse cenário, destaca-se a expressão teórica da bioética brasileira, denominada de Bioética da Intervenção (BI) (Garrafa e Rocha 2018), que fundamenta epistemologicamente a politização da produção intelectual, assumindo uma leitura crítica da história, do contexto socioeconômico e das relações de poder. A BI traz como marco fundamental a reflexão sobre as múltiplas formas de vulnerabilidade social como vetores de conflitos éticos, incorporando a perspectiva dos direitos humanos e, dessa forma, contribuindo para a discussão política e social em diversas realidades, entre elas o acesso desigual aos recursos de saúde, pobreza e marginalização, tendo em vista as grandes desigualdades sociais e econômicas do contexto brasileiro (Garrafa e Rocha 2018).
Diante desses aspectos e na busca de propostas de soluções para os problemas persistentes para a constituição de uma ética aplicada e comprometida com as pessoas mais vulneráveis, este estudo de abordagem descritiva exploratória, na modalidade reflexiva qualitativa, de modo a refletir sobre a interseccionalidade de vulnerabilidades de crianças e adolescentes em sofrimento psíquico, buscando a politização dessa discussão à luz da Bioética de Intervenção, em duas de suas categorias analíticas, a emancipação e a libertação, em face dos princípios da garantia da equidade e justiça social. Com isso, a partir de revisão bibliográfica não sistemática, buscou-se numa abordagem interdisciplinar, com pesquisa científica e documental nas bases de dados da Scielo, PUBMED, LILACS e, ainda, de documentos normativos e legislações que orientam as políticas de atenção à saúde mental infanto-juvenil.
Política Nacional de Saúde Mental e o sofrimento psíquico de crianças e adolescentes
Em 2013, o Comitê Internacional de Bioética da Unesco (IBC, por sua sigla em inglês) destacou os determinantes das vulnerabilidades especiais, incluindo a responsabilidade particular às pessoas com deficiências especiais e limitações impostas pelas etapas da vida humana (Unesco, 2013). Desse universo, destacamos como objeto de discussão neste estudo a infância e a adolescência. ten Have (2016) ressalta que a ideia de vulnerabilidade especial está particularmente relacionada à desigualdade nas relações humanas, e enfatiza os componentes da exposição e da capacidade adaptativa, sendo as pessoas adicionalmente vulneráveis, nesse contexto, quando estão em condições ameaçadoras e arriscadas e quando não têm capacidades adequadas de enfrentamento.
Polancyzk et al. (2015) retratam a magnitude do adoecimento mental de crianças e adolescentes no Brasil e no mundo e evidenciam uma estimativa de 13,4 % de prevalência global de transtornos mentais nessa faixa etária, sendo os mais comuns os Transtornos Ansiosos (6,5 %), Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) (3,4 %), Transtorno Opositor Desafiante (TOD) (3,6 %) e Transtornos Depressivos (2,6 %). Esses autores ressaltam a importância do conhecimento sobre a taxa de prevalência global para estimar o planejamento das ações de saúde a essa população, bem como a alocação de recursos humanos e financeiros.
Em contraponto a essa abordagem de sofrimento mental ou transtornos mentais graves e persistentes, o Ministério da Saúde destaca que "o sofrimento psíquico não é reservado àqueles que receberam algum diagnóstico específico, mas sim algo presente na vida de todos, que adquirirá manifestações particulares a cada um, e nenhum cuidado será possível se não procurarmos entender como se dão as causas do sofrimento em cada situação e para cada pessoa, singularmente (Brasil 2013, 14).
Nesse sentido, evidenciamos que os estudos estritos sobre a incidência e prevalência de transtornos apresentam limites para maior compreensão da dimensão dos processos de exclusão e desigualdades sociais vivenciados pelas crianças e adolescentes em sofrimento psíquico e seus familiares. Por outro lado, verificam-se estudos que destacam que o contexto de cuidado diante das manifestações de sofrimento e dificuldades de crianças e adolescentes está permeado de um processo que envolve a normatização de comportamentos, passível de medicalização da infância e adolescência, com críticas ao papel da medicina como agente de normalização dos desvios e problemas de comportamento na infância. Brzozowski e Caponi (2013 210) definem desvio de comportamento "como qualquer conduta que destoe do que é socialmente desejável, mas que nem sempre representa uma entidade nosológica".
Desviat (2018) também ressalta que, nos contextos em que as crianças e os adolescentes são considerados fora dos padrões subjetivos de convivência e sociais de comportamento, a medicação passa a ser considerada a solução rápida e sem implicações familiares, educativas e sociais, reduzindo a complexidade da vida psíquica do adolescente. Portanto, a medicalização generalizada da sociedade transforma muitas diferenças humanas em patologias, em que qualquer diferença pode ser considerada uma forma de patologia, um distúrbio diagnosticável e sujeito a intervenção médica (Desviat 2018).
Diante desse aspecto de normatização de comportamentos, há o reforço da manutenção da lógica de cuidado centrada no modelo tradicional biomédico, pelo controle social dos comportamentos humanos e pelas relações de poder da sociedade e da medicina. Ao mesmo tempo, verifica-se a tendência na busca por causas e soluções de problemas nos indivíduos, em vez das intervenções coletivas ou sociais, excluindo o papel da sociedade e isentando o Estado das suas responsabilidades (Brzozowski e Caponi 2013; Conrad 2007). Portanto, esse modelo de cuidado constitui um fator de vulneração para a população infantojuvenil, uma vez que o cuidado é centrado na psicopatologização, controle e disciplinarização dos corpos, estabelecendo causas, sintomas e tratamento para todos os aspectos relacionados à vida e às relações sociais.
Ressalta-se que, na mudança do paradigma do modelo biomédico para o modelo psicossocial proposto por meio da publicação da Lei n°. 10 216, de 2001, também conhecida como a Lei da Reforma Psiquiátrica, sobressaem como objeto de cuidado a existência e o sofrimento da pessoa, considerados um campo transdisciplinar com diversidades de intervenção e ações intersetoriais, no qual há múltiplos profissionais e atores no cuidado (Brasil 2001). Esse arcabouço teórico assistencial vem sustentado pela publicação das Portarias n° 336, de 19 de fevereiro de 2002, e n° 3 088, de 23 de dezembro de 2011, ambas do Ministério da Saúde (Brasil 2002).
Encontra-se descrito na Portaria n° 336, a criação de um serviço voltado especialmente para o atendimento a crianças e adolescentes, denominado Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi), um serviço de base territorial e comunitário (Brasil 2002), visando o desenvolvimento de ações de cuidado psicossocial e ações intersetoriais necessárias, com destaque para as áreas de assistência social, educação e justiça (Couto e Delgado 2015).
O modelo psicossocial proposto para o CAPSi parte da compreensão da pessoa em sua complexidade, buscando assegurar seus direitos e rompendo com o isolamento, a exclusão e a estigmatização a que ela está submetida, quando a única possibilidade de enfrentamento é aquela ofertada pelo modelo psiquiátrico tradicional (Couto e Delgado 2015). Dessa forma, o modelo psicossocial visa à efetivação de práticas transformadoras no campo da saúde mental, a partir do entendimento de que é possível construir novas formas de se enfrentar o sofrimento psíquico, centrando-se nas pessoas que sofrem e naquelas que integram o seu convívio, sejam elas familiares, sejam integrantes de sua rede social (Brasil 2002).
A Portaria n° 3 088, de 2011, no caminho para o fortalecimento da Política Nacional de Saúde Mental, instituiu a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e propôs a organização dos serviços de saúde de forma integrada, articulada e efetiva, por meio da ampliação e diversificação das ações e equipamentos de saúde, com a garantia do acesso universal, ofertando cuidado integral com qualidade e com assistência multiprofissional (Brasil 2011).
A RAPS objetiva ampliar o acesso à atenção psicossocial, garantir a articulação de pontos de atenção à saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), e implementar o cuidado em saúde integral, com diferentes graus de complexidade, favorecendo maior integração social, autonomia, protagonismo e participação dos seus usuários (Brasil 2011).
Cabe ressaltar duas tendências no cuidado à criança e ao adolescente na RAPS. A primeira busca a desconstrução do saber psiquiátrico tradicional, ampliando o olhar para a pessoa e o sofrimento psíquico, apostando em ações humanizadoras na perspectiva de reabilitação psicossocial e da redução do estigma e do preconceito (Gama, Onocko-Campo e Ferrer 2014). Trata-se de um caminho compatível com o modelo psicossocial segundo os eixos norteadores da Reforma Psiquiátrica e da Lei n° 10 216/2001. A segunda tendência mantém uma postura classificatória, normatizadora e biologizante, que reforça a medicação como única forma de tratamento, conforme o modelo biomédico (Gama, Campos e Ferrer 2014).
Evidencia-se a importância da reflexão sobre as consequências do modelo biomédico, tendo em vista que ele não permite o enfrentamento adequado das vulnerabilidades da população infantojuvenil, e, também, das possíveis implicações de manifestação de agravos e da cronificação do adoecimento mental e sofrimento psíquico ao longo da vida adulta.
Nesse sentido, as dificuldades presentes nos contextos de práticas de assistência à saúde mental de crianças e adolescentes, decorrentes do contexto político da implantação e implementação das ações da Política Nacional de Saúde Mental, apontam para a vulnerabilidade programática definida por Ayres et al. (2003 126) quanto ao modo de produzir saúde, no qual "a vulnerabilidade de cada indivíduo está diretamente relacionada ao modo como os serviços de saúde e demais serviços sociais estão organizados".
Entre outros aspectos da Política Nacional de Saúde Mental, apontam-se as alterações advindas da publicação da Resolução n° 32, de 14 de dezembro de 2017, do Ministério da Saúde (Brasil, 2017a), que aprova a criação de dispositivos ambulatoriais com equipe multiprofissional e a criação da modalidade de Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas do tipo IV (CAPS AD IV), incluindo o atendimento de crianças e adolescentes, e, ainda, da Portaria n° 3 588, de 21 de dezembro de 2017, também do Ministério da Saúde (Brasil, 2017b), que prevê o financiamento e o aumento do número dos Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs). Essas legislações têm recebido críticas de importantes atores da reforma psiquiátrica e militantes na busca pela garantia da dignidade humana e das liberdades fundamentais, que apontam retrocessos e uma clara orientação na contramão da Lei 10 216/2001 (Cruz, Gonçalves e Delgado 2020; Abrasco 2017) e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Brasil 1990).
Na busca da compreensão desses aspectos da vulneração programática e social, fatores que ampliam a vulnerabilidade das pessoas assistidas na rede de assistência à saúde pública, Junges, Barbiani e Zoboli (2018 950) descrevem que "a vulnerabilidade social dos usuários dos serviços junta-se à vulnerabilidade programática da rede de saúde, o que causa a vulneração de quem está envolvido no cuidado". Para esses autores, a vulnerabilidade pode ser evidenciada pela fragmentação e descontinuidade no tratamento e pela falta de motivação para o cuidado. Esses autores também apontam que a denominação "vulneração programática" como categoria explicativa expressa os problemas éticos relacionados ao campo da atenção primária à saúde, como as questões de gestão, de longitudinalidade, de prática em equipe, de perfil para atenção primária ou de sigilo e privacidade.
Desigualdades sociais e o sofrimento psíquico
Gama, Campos e Ferrer (2014) reforçam a importância da discussão da relação saúde mental e vulnerabilidade social, trazendo à luz reflexões e contextualizações sobre o tema, para que não seja reproduzida uma lógica simplista que associa loucura e pobreza, mas para indicar caminhos visando às boas práticas no cuidado à saúde mental. Para esses autores, a vulnerabilidade social pode ser compreendida como um fenômeno determinado pela estrutura do cotidiano das pessoas e das comunidades, os quais interferem na autodeterminação dos indivíduos, levando a um aumento da exposição a riscos produzidos pela exclusão social, causada ou exacerbada pela pobreza, desigualdades de renda, piores condições sociais, dificuldade de acesso à saúde e educação, entre outros (Unesco 2013).
Diante das inúmeras desigualdades e iniquidades presentes nos diversos contextos brasileiros, Rocha (2004) ressalta que há reconhecimento social da criança e maior atenção à infância, mas não uma garantia do direito à infância. Seu raciocínio tem amparo no fato de que os inúmeros aspectos relacionados à vulnerabilidade social impõem diferentes condições à garantia dos direitos, resultando na existência de diferentes infâncias, em face das diversas formas de se experimentar essa fase da vida e que estão intrinsicamente relacionadas às oportunidades oferecidas pelas condições dos contextos sociais, culturais e políticos em que a criança está inserida.
Cini, Rosaneli e Sganzerla (2017) afirmam que a falta de assistência à saúde é um problema associado à pobreza e à desigualdade, pois essas pessoas possuem prejuízo no acesso aos serviços em razão da dependência das políticas do Estado, que não garantem o seu direito. Esses são aspectos que impõem um caminho com muitas barreiras a quem já possui oportunidades reduzidas nos seus diversos contextos sociais e familiares. A privação no acesso aos direitos de saúde pelas famílias em extrema pobreza agrava a exclusão social, a segregação espacial e os determinantes sociais da saúde nesses territórios desassistidos (França, Modena e Confalonieri 2016).
A fragilidade da assistência no campo da saúde mental exacerba ainda mais a vulnerabilidade a que as pessoas estão expostas, pois o sofrimento psíquico produz impactos financeiros e sociais às famílias. Estudos ressaltam as dificuldades das famílias no cuidado diário à criança e ao adolescente em sofrimento psíquico, incluindo as dificuldades de se lidar com alguns comportamentos, como a agressividade e a violência no ambiente doméstico e escolar, o que gera muitos conflitos, cobranças, estigma e culpabilização dos responsáveis (França, Modena e Confalonieri 2016; Vicente, Marcon e Higgarashi 2016). Esses estudos evidenciam que a falta de apoio de outras pessoas no cuidado, incluindo a participação dos profissionais da educação e saúde, aumenta a sobrecarga emocional e física e dificulta o enfrentamento adequado às demandas da criança e do adolescente.
As questões de gênero relacionadas ao cuidado à criança e ao adolescente em sofrimento psíquico merecem destaque, posto que os estudos realizados no âmbito dos serviços de saúde mental apontam a mulher como principal cuidadora. Farias et al. (2014) ressaltam que, entre os fatores que evidenciam a maior sobrecarga de familiares de crianças e adolescentes atendidos em um CAPSi, está o cuidado relacionado à mulher. Suas análises do perfil dos cuidadores indicam que a maioria são mulheres de baixa condição socioeconômica, não exerciam nenhuma atividade remunerada e não contavam com ajuda de outras pessoas para o cuidado dos filhos, o que gerava prejuízos em sua qualidade de vida, entre eles o desgaste mental e físico, as restrições ou o abandono das atividades profissionais e sociais.
Reis et al. (2016) apontam como aspectos relacionados à sobrecarga dos familiares as atividades de assistência da vida cotidiana do paciente, a supervisão dos comportamentos problemáticos e as preocupações com a segurança e o futuro. Esses autores também destacam a preocupação com a sobrevivência do familiar em sofrimento psíquico, tendo em vista que, mesmo recebendo o benefício social, a maioria dos pacientes necessita de apoio financeiro dos familiares, o que gera insegurança para o futuro do paciente devido à queda ou perda da capacidade produtiva e laboral e, ao mesmo tempo, onera a família nesse cuidado, diante da deficiência dos recursos disponibilizados pelo Estado para a adequada inserção social e comunitária.
Tomasi et al. (2010) apontam que os maiores níveis de sobrecarga estão relacionados ao cuidado das mães, à frequência diária do cuidado do paciente e ao alto grau de dependência dos pacientes. Kantorski et al. (2019) destacam a importância da incorporação do gênero como marcador social para a compreensão da saúde das mulheres, e apontam como resultados no seu estudo que há diferenças importantes entre homens e mulheres no cuidado das pessoas em sofrimento mental nos serviços de saúde mental, entre elas o sentimento de sobrecarga, a avaliação ruim da qualidade de vida e a insatisfação com as relações familiares, de forma mais prevalente entre as mulheres.
A condição do filho com sofrimento mental, com prejuízos no desenvolvimento escolar e social, aponta para uma situação de maior vulnerabilidade e dificuldade de superação das dificuldades dessas mulheres no cuidado, tendo em vista a dificuldade de acesso à saúde, a baixa resolutividade das ações - centradas no cuidado médico e na medicalização, e a culpabilização das mulheres pelas dificuldades dos filhos e pelo contexto de violência e opressão em que vivem (Gomes e Santos 2016; Cini, Rosaneli e Sganzerla 2017).
Portanto, o fato de ser mulher já estabelece uma condição de extrema desigualdade em nossa sociedade. Ao interseccionar a pobreza a essa condição, verificam-se inúmeras iniquidades sociais que mantêm ciclos de violência e de falta de oportunidades ao longo de suas vidas. Entretanto, o que os estudos retratam ao descrever o perfil das famílias atendidas em serviços de saúde mental é a ausência do homem e a centralidade do cuidado na figura da mulher nesses espaços de cuidado (Muylaert, Delfini e Reis 2015; Eloia et al. 2018).
Muylaert, Delfini e Reis (2015) apontam que, entre os pacientes em que é responsável pelo cuidado, a mulher é também responsável pela renda da família, e nas famílias em que o homem não é o provedor ele também não participa do cuidado dos filhos nos serviços de saúde mental, reforçando a condição de desigualdade que marca as relações de gênero em nossa sociedade.
Entretanto, as questões de gênero também precisam ser interseccionadas com as questões relacionadas a raça, tendo em vista que, segundo Nascimento e Martorell (2013, 427), a "vulnerabilidade articulada pela pobreza, gênero e raça amplifica o impacto sobre as mulheres negras". Entre as mulheres vítimas de homicídios, o número de negras é maior do que entre as brancas e, elas são também as maiores vítimas de violência doméstica e sexual (Carneiro 2011; Carneiro 2017; Engel 2020).
As mulheres negras estão em desvantagem em relação às mulheres brancas quanto ao acesso ao ensino, especialmente, o ensino universitário, demandando um esforço adicional para superar o preconceito e a discriminação (Queiroz e Santos 2016) e, ainda, a outras opressões relacionadas ao acesso ao mercado de trabalho (Carneiro 2011; Bambirra e Lisboa 2019; Carrijo e Martins 2020).
Nesse sentido, o exercício pleno da maternidade da mulher negra parte de um ponto de muito mais resistência social e vulnerabilidade em relação à mulher branca, dadas as complexidades de opressão historicamente construídas que envolvem a mulheridade negra (Biroli e Miguel 2015).
Zanello e Silva (2012) reforçam a importância da visibilidade da categoria gênero, nos estudos, como fator determinante e/ou condicionante ao adoecimento. Os autores apontam a prevalência de mulheres, negras e domésticas, como usuárias de serviços de hospitais psiquiátricos, o que reforça a importância da intersecção de gênero, raça e classe social.
Ressaltam-se os inúmeros casos de violência à mulher apenas pela condição de ser mulher, pela condição de submissão ao homem, pelo não reconhecimento dos seus direitos como pessoa e pela negação da potência feminina diante da sua força de trabalho e produção de conhecimento. Tais casos estão presentes na reprodução de violências em diferentes espaços privados e públicos que afrontam e desqualificam à mulher, especialmente, a mulher negra (Davis 2016).
Diante desses aspectos, ressalta-se a importância da discussão das questões de gênero e raça na construção de políticas públicas, tendo em vista que a mulher se apresenta como a principal cuidadora e envolvida em todos os aspectos relacionados ao tratamento dos filhos. Essa invisibilidade do papel da mulher, em especial da mulher negra, como principal cuidadora aponta para as desigualdades das relações sociais que mantêm esse lugar de cuidado associado à figura feminina.
O aspecto da moralidade relacionada ao sofrimento psíquico
Segundo Ayres et al. (2003), a vulnerabilidade social também inclui a discussão dos aspectos relacionados à moral e à cultura, visando à identificação dos fatores que aumentam a vulnerabilidade de determinada população. Dentre dos aspectos já citados, relacionados ao assujeitamento às condutas normatizadoras da sociedade e do processo de medicalização da infância e adolescência, ressalta-se o papel da discriminação e exclusão relacionado ao estigma sobre o adoecimento psíquico e ao não reconhecimento das diferenças e pluralidades do comportamento humano.
Portanto, a discussão sobre a moralidade relacionada ao adoecimento mental é fundamental, especialmente na infância e adolescência, considerando-se a necessidade de produção de normas como uma dimensão de modelo ideal e moral de grupos hegemônicos. Em razão desse aspecto, é importante discutir o conceito de estigma, visando compreender como esse processo é construído, devido ao acréscimo dessa condição de estigmatizado que torna aquela população ainda mais vulnerável.
Link e Phelan (2001) ressaltam que as pessoas distinguem e rotulam diferenças humanas, mantidas por crenças culturais dominantes que ligam pessoas rotuladas a estereótipos negativos. As pessoas rotuladas são colocadas em categorias distintas a fim de se estabelecer critérios de separação entre "nós" - grupos hegemônicos - e "eles" - grupos minoritários e/ou excluídos; as pessoas rotuladas experimentam a perda de status social e discriminação, que levam a resultados desiguais e perda de oportunidades. Diante desses aspectos, os autores afirmam que o estigma é totalmente dependente do poder social, econômico e político, sendo estes, portanto, essenciais para a produção e manutenção social do estigma. Entretanto, o estigma é frequentemente negligenciado, pois ao se pensar em doença mental é comum manter-se a atenção nos atributos que mantêm o rótulo, negligenciando-se as diferenças de poder entre as pessoas do grupo hegemônico.
Portanto, o estigma envolve um rótulo que vincula uma pessoa a um conjunto de características negativas, que estabelece um estereótipo e resulta em desvantagens em vários contextos da vida, como o acesso a emprego e o estabelecimento de relações sociais, especialmente pelas pessoas com adoecimento mental (Link e Phelan 2001). O estigma também resulta em medo e/ou demora pela procura por ajuda em serviços de saúde, mantendo sintomas e perdas relacionados à ausência de cuidado (Saporito e Teachman 2011; Clement et al. 2015). Esses aspectos apontam para o fato de que o estigma, segundo Magno et al. (2019), produz discriminação em diferentes níveis - estrutural, individual e interpessoal, resultando em elementos estruturantes da vulnerabilidade. Dessa forma, os autores ressaltam que o estigma e a discriminação estão relacionados de diversas maneiras às vulnerabilidades individual, social e programática.
Na busca de compreender como os valores morais organizam as relações sociais, os bioeticistas Sanches, Mannes e Cunha (2018) afirmam que as dimensões do conceito de vulnerabilidade, entre as quais a social, a individual e a programática, embora discutidas na literatura, prescindem de uma compreensão dos processos morais hegemônicos. Esses autores estabeleceram uma nova dimensão, denominada de "vulnerabilidade moral", por considerarem que determinados problemas não estão necessariamente relacionados a condições socioeconômicas, mas estão essencialmente associados a uma dimensão excludente e/ou estigmatizante da moralidade. Eles consideram que a vulnerabilidade moral atinge pessoas e grupos que não correspondem à moralidade esperada e geram repercussões negativas, como a exclusão. Essa dimensão pode ser exemplificada pela situação de violência e discriminação vivenciada pelas mulheres, relacionadas às questões de gênero, homofobia e racismo.
Dessa forma, segundo Sanches, Mannes e Cunha (2019, 45), "a vulnerabilidade moral surge do processo cultural, que marca a construção de nossa visão de mundo e escala de valores". Nesse sentido, crianças e adolescentes em sofrimento psíquico podem ser consideradas pessoas moralmente vulneráveis e estão mais expostas a situações de constrangimento e da violação dos direitos humanos, o que resulta na manutenção dos processos de sofrimento psíquico e de exclusão social.
Interseccionalidade, vulnerabilidades e a bioética de intervenção
O conceito de interseccionalidade tem sido discutido por diversos autores, com o objetivo de compreender as múltiplas dimensões de desigualdades e do desenvolvimento de maneiras de resistir e desafiar as várias formas de opressão (Crenshaw 1991; Grzanka 2018). Assim, a interseccionalidade é uma concepção de um problema que tenta captar tanto as consequências estruturais como as dinâmicas de interação entre dois ou mais eixos de subordinação, nos quais tais sistemas se sobrepõem e se cruzam frequentemente, criando intersecções complexas (Crenshaw 1991), como já citado neste estudo. Entre essas intersecções, podemos citar as pessoas em situação de desigualdade social e que apresentam sofrimento mental na infância e na adolescência, em uma sociedade que reproduz sistemas de opressão e estabelecem desvantagens que não podem ser compreendidas de forma fragmentada.
Nesse contexto, compreende-se que a leitura da interseccionalidade pode ampliar a discussão e proporcionar o entendimento dos múltiplos aspectos envolvidos, que aumentam ou mantêm os processos de vulneração, exclusão e desigualdades sociais de crianças e adolescentes em sofrimento psíquico. Nesses processos, a BI se apresenta como referencial teórico bioético para buscar caminhos que apontem intervenções necessárias à garantia de direitos e à justiça social. À vista dessas questões, Nascimento e Martorell (2013, 426) ressaltam que em "lugares como a América Latina e o continente africano, a compreensão do modo como a vulnerabilidade socioeconómica acontece é superficial ou provavelmente faseada, se não tivermos em pauta a discussão sobre as relações raciais e as relações de gênero, entre várias outras".
Garrafa, Cunha e Manchola (2018) discutem a importância da BI na defesa do sistema público de saúde e das ações do Estado em prol da população mais vulnerável, e enfatizam a compreensão do acesso à saúde como um direito humano inalienável sob a responsabilidade do Estado, ideia que se contrapõe à compreensão da saúde como mais um bem de consumo disponibilizado pelos interesses do mercado. Nesse sentido, percebe-se a importância da discussão ética sobre o acesso à saúde da população infantojuvenil em sofrimento psíquico e suas famílias, diante da interseccionalidade dessas vulnerabilidades.
Ressalta-se que as condições de adoecimento mental grave e persistente exigem do Estado ações intersetoriais efetivas e resolutivas, que possam garantir o cuidado à saúde como um direito humano e a condição de inserção social e de trabalho, visando à efetivação de direitos previstos na constituição e normativas internacionais. Dessa forma, a saúde como um direito estabelece uma condição que não pode ser mercantilizada, sendo o Estado o principal responsável pela sua garantia.
É importante também ressaltar a influência da lógica de mercados sobre a concepção de saúde e de tratamento em saúde, especialmente sobre o adoecimento mental, pois, diante do discurso da ciência e das evidências científicas, desqualificam-se o saber popular e o tratamento de base comunitária e enfatiza-se o discurso da valorização da medicação como proposta eficiente e comprovada de tratamento, o que garante o enriquecimento das grandes indústrias farmacêuticas e demais campos da medicina (Desviat 2018).
Nesse sentido, destaca-se o papel da politização dos conflitos morais apontados pela BI, abordando de forma crítica a necessidade de se analisar e indicar soluções para as diferentes formas de exclusão às quais estão submetidas as pessoas e populações mais vulneráveis. As categorias conceituais estabelecidas no referencial teórico da BI articulam-se como uma possibilidade de discussão epistemológica para a construção de propostas à redução das vulnerabilidades dessa população, visando à garantia da equidade em saúde, dignidade humana, direitos humanos e liberdades fundamentais. Entre as categorias conceituais, discutiremos a libertação e a emancipação, a partir da pedagogia política de Paulo Freire e das discussões do cientista Amartya Sen (Garrafa 2005).
Sobre a categoria conceitual denominada de libertação, Garrafa (2005) destaca que os sujeitos sociais também são atores políticos e capazes de transformar a condição em que vivem. Segundo Garrafa (2005, 7), a "ideia de libertação implica mais do que o simples reconhecimento da existência do poder (...) aponta para o lócus onde se instalam a força, capaz de obrigar à sujeição, e a fragilidade". De acordo com esse entendimento, os sujeitos sociais também são atores políticos e capazes de transformar a condição em que vivem. Portanto, a utilização dessa categoria na BI visa conduzir a questões de discussões e lutas políticas para garantir a liberdade e possibilitar maior visibilidade à luta das pessoas que buscam alcançar a inclusão social, abrangendo o contexto de saúde e de qualidade de vida.
Sendo assim, as famílias de crianças e adolescentes precisam ser fortalecidas nesse processo, a fim de se garantir as condições de proteção dessas pessoas em situação de maior vulnerabilidade, para que seus filhos alcancem suas potencialidades na vida adulta. Freire (2013) ressalta o papel da educação como instrumento libertador, o que reforça a importância da articulação dos setores saúde e educação, tendo em vista que a escola é um ambiente privilegiado para o desenvolvimento de crianças e adolescentes e possui recursos significativos para a produção de saúde, autonomia e emancipação (Brasil 2005). A proposta de politização da bioética a partir da inclusão das discussões da pedagogia política de Paulo Freire ressalta o compromisso com a liberdade, agregado ao respeito pela alteridade, visando à garantia da dignidade humana, à indignação contra as injustiças e à busca pela justiça social (Santos, Shimizu e Garrafa 2014).
O conceito de emancipação inclui o status de liberdade e independência, sendo ressaltado por Garrafa e Manchola-Castillo (2017, 24-25) que "somente é emancipado aquele que logrou suprimir sua dependência, que alcançou o domínio sobre si próprio e pode garantir não somente a sobrevivência, mas, principalmente, suas livres escolhas frente aos meios de alcançar essa sobrevivência". Nesse sentido, a garantia de acesso à saúde e demais dispositivos da rede de cuidado à infância e à adolescência, em contexto de práticas que reconheçam as suas subjetividades e necessidades, pode promover a melhor condição de agência na vida adulta, favorecendo a condição de emancipado (Santos, Shimizu e Garrafa 2014).
À vista dessas considerações, mostra -se fundamental a adoção de um posicionamento político e ético que possa minimizar ou suprimir as condições de exclusão em que as pessoas em adoecimento psíquico grave e persistente vivenciam ao longo de suas vidas nos diferentes contextos sociais, tendo em vista que a condição de emancipação também inclui a inserção no mercado de trabalho e o reconhecimento da pessoa em sofrimento como sujeito de direitos e escolhas.
Em face da intersecção das vulnerabilidades que resultam no processo de exclusão vivenciado pelas pessoas em adoecimento psíquico na vida adulta, repercutindo em danos pessoais e sociais, que incluem a manutenção dos processos de exclusão social e o aumento do sofrimento decorrente da percepção de incapacidade e desvalorização do seu potencial produtivo, torna-se fundamental repensar a condição dos serviços que constituem a RAPS no contexto da Reforma Psiquiátrica, a fim de se superar a representação de incapacidade da pessoa em sofrimento nos moldes do antigo modelo asilar (Jorge e Bezerra 2004; Vechi e Chirosi 2017).
Considerações finais
Este estudo reflete sobre a interseccionalidade de diferentes vulnerabilidades de crianças e adolescentes em sofrimento psíquico, como eixos que se acumulam e produzem sistemas de opressão e exclusão. Nesse sentido, a BI apresenta-se como uma possibilidade de discussão desses conflitos morais, visando a apontar estratégias que possam fortalecer o protagonismo dessa população e suas famílias, em face das desigualdades de acesso à saúde, da discriminação e da estigmatização, relacionadas ao adoecimento psíquico, e do modelo de atenção à saúde mental.
Diante desses aspectos, o fortalecimento do modelo psicossocial de base comunitária e intersetorial, em ações cidadãs e inclusivas, apresentam-se como essenciais para o cuidado que possibilite a conquista de autonomia e empoderamento de crianças e adolescentes e de suas famílias Para tanto, ter como perspectiva, na infância, a inclusão da escola como parceira no cuidado, não apenas identificando sintomas e encaminhando às instituições de saúde, mas participando de forma articulada da proposta de cuidado de crianças e adolescências em sofrimento psíquico. Entre outras estratégias, propõe-se o fortalecimento das ações dos CAPSi, com a integração, o acolhimento e a escuta da família e diversas ofertas de cuidado na modalidade de grupos e ou de intervenções em saúde que diminuam a sobrecarga emocional da família cuidadora e a articulação com demais dispositivos da rede de apoio e suporte intersetorial.
Dessa forma, as ações das instituições que fazem parte da rede de cuidado às crianças e adolescentes devem estar comprometidas com o rompimento da lógica de isolamento e exclusão, fortalecimento da cidadania, protagonismo e corresponsabilidade.
As discussões sobre as desigualdades relacionadas a gênero e raça são escassas na literatura no que se refere ao conhecimento da população infantojuvenil e suas famílias, o que indica a necessidade de se garantir a visibilidade desse marcador de opressão, a fim de subsidiar as discussões e as ações políticas destinadas à garantia da equidade e do cuidado à saúde.
Considerando as inúmeras situações de vulnerabilidade a que essas famílias estão sujeitas, torna-se necessária e urgente a proteção do Estado, com desenvolvimento de ações resolutivas e capazes de oferecer o suporte às famílias e assegurar o acesso à saúde, educação, recursos comunitários e a capacitação para o trabalho, bem como os benefícios sociais necessários e protetivos ao suporte aos mais vulneráveis, para que possam romper com os inúmeros ciclos de exclusão vivenciados ao longo de suas vidas. Objetivando a manutenção da garantia do direito à autonomia e às liberdades fundamentais previstas na Lei n° 10 216, de 2001, é também imprescindível o enfrentamento imediato dos retrocessos ao cuidado às pessoas em sofrimento psíquico advindo das novas legislações de 2017, instituídas na contramão da atenção psicossocial.
Dessa forma, as categorias conceituais da BI, como a emancipação e a libertação, devem ser aprofundadas como perspectivas para que essas crianças, adolescentes e suas famílias possam alcançar o seu potencial de desenvolvimento e o direito à vida com dignidade.