Introdução
As mudanças relacionadas à saúde e bem-estar dos animais tornaram-se cada vez mais relevantes no mundo, principalmente quando questionadas pelo mercado consumidor, que cobra do manejo produtivo a garantia sanitária e a qualidade no paladar da carne (Silva et al., 2009).
Os animais com bom grau de bem-estar, bem manejados e com criação humanitária, apresentam-se saudáveis, confortáveis, nutridos, seguros, insetos de sofrimento ou sensações desagradáveis, desde o nascimento ao abate, resultando uma carne com características organolépticas de qualidade (Broom e Molento, 2004; Oliveira et al., 2008).
A exigência do consumidor visa uma cadeia de produção que cuide do animal, garantindo o bem-estar desde a desmama até o abate, se o manejo ocorrer de forma incorreta, fatores como genética de qualidade, alta produtividade e nutrição tornam-se ineficazes (Oliveira et al., 2008). Assim, consumidores conscientes exigem produtos diferenciados, que sigam as normas de criação com ética, desse modo, o bem-estar animal promoverá destaque no valor econômico aos sistemas produtivos (Molento, 2005). Portanto, é notório o crescente interesse da população pela qualidade e segurança dos alimentos fornecidos, associado a preocupação com a mão de obra, com o uso de insumos externos e a forma de manejo do sistema produtivo (Oliveira et al., 2008).
Assim, justifica-se esse estudo, pois os consumidores modernos se interessam cada vez mais por produtos com uma procedência transparente, que transmita maior grau satisfação, sabendo como os animais foram criados, alimentados e abatidos. Diante do exposto, o objetivo neste estudo é identificar a percepção do consumidor de produtos de origem animal sobre o bem-estar dos animais de produção, bem como sua disposição em adquirir esses produtos com preços diferenciados.
Material e métodos
Local e amostra
A pesquisa foi realizada no município de Santarém, Pará, através de um questionário padrão de caráter fechado contendo 10 (dez) perguntas objetivas, com resposta apenas de sim ou não. O estudo foi desenvolvido por meio da aplicação de questionário para 402 pessoas, em diferentes locais, como: feiras e praças públicas.
Aspectos considerados
Levando em consideração o gênero, faixa etária entre 18 e 30 anos, 30 e 40 anos, 40 e 50 anos; 50 e 60 anos, e acima de 60 anos, escolaridade - fundamental incompleto, fundamental, médio incompleto, médio, superior incompleto e superior, e renda familiar - entre 1 e 3 salários mínimos, 3 e 6; 6 e 9; 9 e 12, e superior a 12 salários mínimos.
Questionário
O questionário aplicado continha 10 perguntas relacionadas ao bem-estar dos animais de produção (Tabela 1).
Os entrevistados foram divididos em quatro grupos diferentes conforme sua renda, especificamente nas classes A, B, C e D (Tabela 2).
Descrição estatística
O cálculo amostral foi realizado com base na população do município de Santarém, Pará, de aproximadamente 305.000 habitantes, e foram respondidos 402 questionários, com um erro amostral de 4,9%.
Os dados foram tabulados e analisados em percentagem e com a utilização de planilha eletrônica no programa Microsoft Excel®2014. Além disso, realizou-se a análise estatística, por meio do teste não paramétrico do quiquadrado (X2), descrito por Levin (1987).
Para isto, agrupou-se as perguntas em duplas 1 e 2, 3 e 4, 5 e 6, 7 e 8, 9 e 10, em seguida utilizou-se o programa BioEstat® versão 5,3. A matriz de contingência adotada continha duas linhas e duas colunas (2x2), com grau de liberdade igual a 1. Considerou-se o nível de significância de 1%, com o valor crítico de 10,82. A hipótese do experimento foi considerada aceita quando apresentava valor igual ou superior a 10,82.
Resultados e discussão
Avaliando os entrevistados de modo geral, constatou-se que 71,65% eram mulheres e 28,35 homens, com idade entre 31 a 40 anos (45,02%), com ensino superior completo em 40,05%, possuindo renda familiar entre 3 e 6 salários mínimos (47,51%) (Tabela 3). Observou-se dominância das mulheres na maioria das classes socioeconômicas, B (85,57%), C (70,68%), D (66,29%), exceto na classe A, onde o total de homens foi superior (72,22%). Grande parte dos entrevistados se enquadra na classe C, levando em consideração a renda familiar. Resultados diferentes foram encontrados por Queiroz et al. (2014) que relataram a dominância da classe A, ou seja, com renda familiar superior a 12 salários mínimos, na cidade de Fortaleza, Ceará.
Classe A e B
A maioria dos entrevistados da classe A eram do sexo masculino (72,2%), com idade entre 41 e 50 anos (61,1%), e 66,6% dos indivíduos possuíam ensino superior completo, com a renda familiar totalizando 44,9% com salário variando entre 9 e 12 salários mínimos (Tabela 4). No entanto, os consumidores considerados como classe B, tem dominância das mulheres (85,6%), 33,6% tinham idade entre 31 e 40 anos, com a maioria dos entrevistados tendo ensino superior incompleto (61,5%), com renda familiar entre 6 e 9 salários (25,8%) (Tabela 5).
Todas as pessoas entrevistadas nessas classes sociais demonstraram ter conhecimento sobre o tema bem-estar animal, no entanto mais de 60% dos entrevistados não apresentaram conhecimento sobre o modo de criação dos animais de produção, Corroborando com o estudo de Hotzel e Filho (2004) que relatam o não conhecimento da população sobre os modos de criação ou abate dos animais de produção. Além disso, os consumidores não manifestaram preocupação com os métodos utilizados no decorrer da criação ou abate dos animais, fato esse evidenciado principalmente na B ao comparar com as demais classes (Figura 1 e 2).
Nota-se também que os consumidores da classe A possuem mais conhecimento sobre as leis que regem o bem-estar animal ao comparar com a classe B, e passariam a adquirir os produtos selados com a marca de bem-estar animal por agências reconhecidas, além do interesse de compra desses produtos em supermercados. Resultados semelhantes foram descritos por Barcellos (2004) e Francisco et al. (2007) que descrevem o consumidor cada vez mais exigente e com uma carga maior de conhecimento sobre os assuntos vinculados a sua saúde. No entanto, Velho et al. (2009) identificaram que cerca de 17% dos entrevistados não estavam dispostos a pagar a mais pela certificação, por entender que é obrigação do país de assegurar seus direitos e destacam o alto valor da carne como um empecilho. Em pesquisa realizada no Chile, Köbrich et al. (2001) constataram que consumidores que possuíam condição financeira elevada (75%) se mostram dispostos a pagar a mais por produtos oriundos segundo as normas de bem-estar animal.
Resultados similares foram evidenciados no estudo desenvolvido por Bonamigo e Molento. (2012) e Queiroz et al. (2014) que constataram o desconhecimento da maioria população sobre os sistemas de criação da produção animal. Com isso, notase que o desconhecimento é visto como um ponto negativo, pois para Raineri et al. (2012) um dos principais problemas é a desinformação que dificulta a compra de produtos qualificados e com selo de bem-estar animal. Para Hotzel e Machado Filho (2004) as informações fornecidas aos consumidores são repassadas de forma simples, além de estarem carregadas de sensações emocionais, dificultando a compreensão adequada por parte dos consumidores.
Entre os consumidores da classe A e B, grande parte não se preocupa em saber como é o modo de criação dos animais. Bonamigo et al. (2012) relataram resultados semelhantes, onde identificaram-se que a população não conhece as formas de criação dos animais, os autores ainda destacam que a informação auxiliaria na maximização do comércio e tomadas de decisões mais claras e consciente. No estado de Goiás, especificamente na cidade de Rio Verde, Schaly et al. (2010) realizaram a aplicação de 200 questionários e também evidenciaram o desconhecimento dos consumidores sobre os modos de criação em 49,01%. Pinheiro et al. (2008) também evidenciaram que maioria dos consumidores (63,78%) do estado de Roraima, na cidade de Boa vista, não apresentam conhecimento sobre a criação dos animais de produção. Pedrazzani et al. (2007) constataram que a maioria dos indivíduos entrevistados tem interesse em saber qual o método utilizado durante o abate dos animais.
Ambos os entrevistados de todas as classes A, B, e D relataram que os produtos de origem animal fazem parte da sua alimentação no dia-dia e disseram acreditar que a maioria dos animais são submetidos há algum tipo de sofrimento no decorrer da sua criação. Corroborando com o estudo de Queiroz et al. (2014), que descrevem as classes como detentores das hipótese de que os animais sofrem durante a criação, no entanto, o autor destaca que a classe A é a que menos acredita que os animais de produção passem por sofrimento, este resultado diverge do presente estudo.
Classe C e D
Os consumidores da classe C são constituídos em sua maioria por mulheres, totalizando 70,6%, sendo que 52,8% tinham idade entre 31 e 40 anos, com ensino superior completo (62,8%), e renda familiar entre 3 e 6 salários mínimos (47,5%) (Tabela 6). Os consumidores da classe D, tem dominância das mulheres (66,2%), 44,9% tinham idade entre 31 e 40 anos, a maioria dos entrevistados possuía ensino fundamental completo (77,5%), com renda familiar entre 1 e 3 salários (67,5%) (Tabela 7).
A maioria dos entrevistados da classe C e D acreditam que os produtos de origem animal fazem parte da sua dieta diária, conforme observado nas demais classes, no entanto, nota-se que os consumidores da classe D apresentaram maior índice de pessoas que não crêem neste dado, além disso, os consumidores das classes A, B, C e D já ouviram falar sobre o bem-estar animal, no entanto, os entrevistados da classe A e C demonstraram ter dialogado mais sobre o assunto. Para Astiz (2008) quando as empresas ou cadeias de produção passam a ouvir o consumidor, estas tendem a ter maiores vantagens ao comparar com as demais empresas, uma vez que, as empresas que ouvem a opinião do consumidor tendem a ter mais sucesso.
Os consumidores da classe C acham que os animais mantidos sobre as normas de bem-estar animal possam originar carne de boa qualidade, em contra partida os entrevistados da classe D não relacionam o bem-estar com a produção de uma carne de qualidade.
Grande parte dos consumidores de todas as classes dizem acreditar que os animais são submetidos a sofrimento no período de criação. Entretanto, entre os consumidores da classe A e B esta resposta ficou mais evidente ao comparar com a Classe C e D, onde 26,1% e 34,8%, respectivamente, dos entrevistados não crêem neste fato.
Ao analisar a aptidão dos consumidores sobre o conhecimento da lei de bem-estar animais, observa-se que todas as classes sabem que existem leis que protegem os animais. Porém é notório que grande parte dos consumidores da classe D (Figura 4) não tem conhecimento quanto a essa questão, sendo evidente a existência da lei para todos os consumidores da classe A.
Os consumidores das classes C e D não pagariam nenhum valor a mais para adquirir os produtos de origem animal que viessem com a garantia de bem-estar animal, e nem passariam a escolher produtos certificados pelo selo de bem-estar animal, bem como não se interessam pela compra do produto em supermercado, divergindo dos consumidos entrevistados na classe A e B. Resultados diferentes foram relatados por Francisco et al. (2007) no estado do Rio Grande do Sul em Porto Alegre, que descreveram boa aceitação dos entrevistados em relação ao selo de garantia, que proporcionaria redução do sofrimento dos animais. Velho et al. (2009) também evidenciaram que 68% dos consumidores pagariam a mais (10%) para ter uma carne de qualidade e animais bem cuidados. Schaly et al. (2010) constataram que 66,9% dos entrevistados estavam dispostas pagar até 3% a mais para ter uma carne oriunda de um sistema de criação animal que favorecessem o bem-estar animal. Para Souza et al. (2013) a ausência de maus tratos em decorrência dos produtos serem gerados por empresas com certificação de bem-estar animal poderia ter boa aceitação pelo mercado consumidor, isso se o público fosse dequadamente informado sobre os diferenças dos padrões de manejo no bem-estar dos animais de produção. É perceptível que os consumidores da classe D não apresentam tanto conhecimento sobre o tema bem-estar animal ao comparar com a classe A, B e C.
Avaliando as hipóteses do experimento, constatou-se que as perguntas 1 e 2; 3 e 4 foram aceitas em todas as classes A, B, C e D e nas questões 5 e 6 na classe C, pois ambas apresentaram valores superiores a 10,82 (Tabela 8), desse modo, nota-se que os consumidores não deram respostas aleatórias, uma vez que as variáveis são consideradas dependentes, logo, os indivíduos que davam respostas afirmativas em uma determinada pergunta, tendiam dar afirmativa, também, em outras questão. No entanto, nota-se que mesmo os consumidores sabendo que os produtos de origem animal fazem parte da sua dieta diária, estes não sabem a origem do produto que consomem. Esses resultados expressam que os consumidores não estão preocupados e não demonstraram ter informação sobre a carne que consomem. Segundo Kallio (2008) entre os produtores há um pensamento fixado, que diz respeito ao momento em que os consumidores realizam compras, pois os consumidores pensam mais na questão do preço ao comparar aos valores éticos.
Com relação às perguntas 7 e 8; 9 e 10 foram rejeitas em todas as classes A, B, C e D e nas questões 5 e 6 na classe A, B e D, uma vez que todos os valores foram inferiores a 10,82, desse modo, as frequências observadas não se distanciam das esperadas, assim essas perguntas são consideradas variais independentes e devem ser entendidas como ações ao acaso.
Conclusão
A maioria dos consumidores de produto de origem animal de Santarém, Pará, reconhece que esses produtos fazem parte da sua dieta diária e não possuem conhecimento sobre a temática bem-estar animal, bem como não estão dispostos a pagar mais pelo produto com selo de qualidade, e não demonstraram interesse e/ ou preocupação com o modo de criação ou abate dos animais.