INTRODUÇÃO
A alface (Lactuca sativa L.) se destaca como uma das olerícolas de maior importância econômica, sendo considerada a hortaliça folhosa mais importante na alimentação dos brasileiros (Silva et al., 2011). Esta cultura é muita atrativa aos horticultores porque possui ciclo curto e alta produtividade, a qual é viabilizada pela utilização de grandes quantidades de fertilizantes (Malavolta et al., 2002).
Nos últimos anos, a agricultura orgânica vem ganhando mais espaço no mercado, uma vez que as pessoas, além de se preocuparem com a qualidade nutricional dos alimentos, também estão levando em consideração a forma como estes são produzidos, princípio básico da sustentabilidade (Wier e Calverley, 2002). Dessa forma, os agricultores que praticam o cultivo orgânico, em que não é permitida a utilização de fertilizantes solúveis e agrotóxicos, necessitam utilizar outras técnicas de manejo, como adubação verde, pó de rocha, composto orgânico, controle biológico e inoculação com microrganismos benéficos, como as bactérias promotoras do crescimento vegetal (BPCV), para garantir boa produtividade de forma sustentável (Cola e Simão, 2012; Mariano et al., 2004). Segundo Miguel et al. (2010), no cultivo de alface orgânica, cerca de 50% dos custos destinam-se aos insumos relacionados à nutrição e fertilidade do solo.
As BPCV são pertencentes a diferentes espécies e que, por meio de mecanismos diversos, são capazes de solubilizar fosfato, atuar como antagônicas a espécies patogênicas e produzir hormônios vegetais, como as auxinas (ácido indol-3-acético, AIA), contribuindo para o crescimento das plantas (Moreira e Siqueira, 2006; Moreira et al., 2010).
De todos esses processos, a produção de ácido 3-indol acético (AIA) tem sido amplamente explorada pela pesquisa (Radwan et al., 2004; Moreira et al., 2010; Sabino et al., 2012; Cassán et al., 2014), devido à função deste hormônio na regulação do crescimento vegetal, podendo ser sintetizado em tecidos vegetais que apresentam alta taxa de crescimento, como nos meristemas apicais, folhas jovens, frutos e sementes em desenvolvimento (Taiz e Zeiger, 2004). De acordo com estes autores, na biossíntese do AIA, o aminoácido triptofano (Trp) constitui-se no principal precursor das rotas: indole-3-acetamida (IAM) e indole- 3-piruvato (IpyA). Além destas, a produção de AIA pode ocorrer por outra rota independente de Trp (Dobbelaere et al., 1999; Lambrecht et al., 2000).
O AIA produzido por estas bactérias pode aumentar o comprimento e o número de pêlos radiculares, aumentando a área de exploração das raízes e, portanto, maior absorção de água e nutrientes e tolerância a condições de baixa umidade do solo (Ryan et al., 2008; Moreira et al., 2010; Cassán et al., 2014), favorecendo assim o desenvolvimento vegetal, principalmente em plantas que possuem o sistema radicular superficial, como a alface (Filgueira, 2003).
Entretanto, o efeito da inoculação com estirpes produtoras de AIA nas plantas é variável, podendo contribuir ou não para o desenvolvimento vegetal (Khalid et al., 2004), necessitando portanto, de seleção de estirpes bacterianas produtoras de AIA para determinadas espécies vegetais. Com isso, este trabalho teve como objetivo avaliar a produção in vitro de AIA por bactérias diazotróficas cultivadas na presença ou ausência do Trp e o efeito da inoculação destas estirpes em sementes de alface (Lactuca sativa L.).
MATERIAL E MÉTODOS
Os experimentos foram conduzidos no Laboratório de Microbiologia Agrícola e no Setor de Olericultura da Universidade José do Rosário Vellano (UNIFENAS), localizada na cidade de Alfenas, na região sul de Minas Gerais, Brasil, com posição geográfica definida pelas coordenadas geográficas: 21º21’33” S e 45º54’42” W e 798 m de altitude. No primeiro experimento, foram utilizadas 19 estirpes bacterianas, sendo 18 pertencentes à coleção do Laboratório de Microbiologia Agrícola (UNIFENAS 100-01, 100-16, 100-21, 100-26, 100-28, 100-34, 100-39, 100-40, 100-52, 100-53, 100- 54, 100-79, 100-94, 100-150, 100-153, 100-167, 100- 185, 100-198), as quais foram isoladas em meios de cultura semissólidos e semi-seletivos (Dias, 2015), segundo metodologia descrita em Döbereiner et al (1995) (Tab. 1). Além destas, a estirpe Ab-V5, da espécie Azospirillum brasilense, cedida pela Embrapa Londrina, foi inserida nos testes como estirpe controle, devido à comprovada capacidade em produzir AIA (Pedrinho et al., 2010; Szilagyi-Zechhin et al., 2015).
Estas estirpes bacterianas foram analisadas quanto ao potencial de produzir AIA em meio Dygs, na ausência e presença (100 μg mL-1) de Trp, conforme metodologia descrita por Pedrinho et al. (2010). A concentração de AIA foi avaliada pelo método quantitativo colorimétrico (Gordon e Weber, 1951), durante a fase log de crescimento bacteriano, apresentando aproximadamente 108 UFC mL-1. A estimativa da quantificação do AIA foi realizada com o auxílio de curva padrão previamente obtida com o meio Dygs esterilizado e com as quantidades conhecidas de AIA. A leitura de absorbância foi realizada em espectrofotômetro no comprimento de onda de 535 nm. Esse experimento foi instalado em delineamento inteiramente casualizado (DIC) em esquema fatorial 19 × 2, sendo 19 estirpes bacterianas e presença ou ausência de Trp no meio de cultivo.
Nos segundo e terceiro experimentos, foram selecionadas seis estirpes utilizadas no primeiro experimento e produtoras de AIA para inoculação em sementes de alface da cultivar Regina 500. As estirpes bacterianas foram cultivadas em meio Dygs contendo (100 μg mL-1) ou não o aminoácido Trp. Como controle foi utilizado o meio Dygs sem inoculação contendo ou não o aminoácido Trp. Ambos os experimentos foram instalados em DIC, com esquema fatorial 8 × 2, sendo 7 estirpes bacterianas e um tratamento sem bactéria (controle) e presença ou ausência de Trp no meio de cultivo bacteriano. O Trp foi adicionado também no controle sem inoculação, visando identificar se somente com a presença deste aminoácido estimularia a germinação e o desenvolvimento das mudas de alface. Em ambos os experimentos foram utilizadas quatro repetições.
No segundo experimento foram utilizadas 20 sementes por gerbox. Para desinfestação das sementes e inoculação das estirpes bacterianas, adotou-se a metodologia utilizada por Schlindwein et al. (2008). O experimento foi conduzido por 7 d em temperatura média de 25ºC, em que foram avaliados a porcentagem de germinação e o comprimento das raízes.
O terceiro experimento foi realizado em bandejas de poliestireno 128 células (40 cm3 por célula), com substrato comercial (Tropstrato HT hortaliças®) à base de casca de pinus, turfa e vermiculita expandida, enriquecido com macro e micronutrientes. A inoculação com as estirpes bacterianas foi realizada nas sementes de alface, no momento do plantio (1 mL/semente). Esse experimento foi conduzido durante 15 d em casa de vegetação de estrutura metálica tipo arco, de 56 m2 e cobertura com filme de polietileno difusor de luz, espessura 150 micras. As variáveis avaliadas foram comprimento de raízes e peso da matéria seca da parte aérea.
Os dados foram submetidos a análise de variância (ANAVA) utilizando o programa estatístico Sisvar (Ferreira, 2011), sendo as médias comparadas pelo teste Scott-Knott a 5% de probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Observou-se que todas as estirpes produziram AIA independente ou não do Trp no meio de cultivo (Tabela 2), ocorrendo interação dos fatores. Entretanto, verificou-se que na presença deste aminoácido as estirpes UNIFENAS 100-16, 100-26, 100-39, 100-79, 100-94, 100-150, 100-153, 100-167, 100-198 e Ab-V5 produziram significativamente maior quantidade deste fito-hormônio.
Médias seguidas de letras distintas, maiúsculas na coluna e minúsculas na linha, diferem entre si pelo teste de Scott Knott a 5% de probabilidade.
A influência do Trp na maior produção de AIA por estirpes bacterianas também foi verificada por Baldoto et al. (2010). Essa influência pode ser explicada pelo fato do Trp ser o aminoácido precursor na biossíntese do AIA (Radwan et al., 2004; Taiz e Zeiger, 2004; Spaepen et al., 2007).
Em relação à quantidade de AIA produzida, foi observada alta variabilidade entre os isolados, sendo que os resultados variaram entre 3,99 a 46,97 μg mL-1 e 2,68 a 37,63 μg mL-1, nos meios contendo ou não Trp, respectivamente. Os valores de AIA obtidos estão de acordo com os encontrados em outros estudos, nos quais, observaram-se também alta variabilidade na capacidade de produzir este fito-hormônio pelas estirpes bacterianas (Baldoto et al., 2010; Chaves et al., 2015).
Observou-se que a estirpe UNIFENAS 100-153 foi a que produziu maior quantidade de AIA, independente da presença ou não de Trp, indicando maior versatilidade metabólica. Já a estirpe utilizada como controle, Ab-V5, os valores de AIA na presença de Trp estão de acordo com os encontrados por Pedrinho et al. (2010). Além destes autores, outros autores, como Moreira et al. (2010) e Radwan et al. (2004), relatam a capacidade do gênero Azospirillum em produzir AIA.
No teste realizado em gerbox, avaliando a porcentagem de germinação das sementes e comprimento radicular das plântulas de alface quando inoculadas com as estirpes bacterianas cultivadas na presença ou ausência de Trp, foi possível observar interação dos fatores somente para o comprimento radicular (Tab. 3).
Médias seguidas de letras distintas, maiúsculas na coluna e minúsculas na linha, diferem entre si pelo teste de Scott Knott a 5% de probabilidade.
A inoculação com as estirpes UNIFENAS 100-94, 100-150, 100-153, 100-167 e 100-198 proporcionou maior aumento na porcentagem de germinação das sementes de alface quando comprados ao tratamento controle (sem inoculação) e à inoculação com as estirpes UNIFENAS 100-185 e Ab-V5. Analisando os dados de produção de AIA (Tab. 3), observou-se que não foi possível estabelecer relação desta variável com a percentagem de germinação das sementes, uma vez que as estirpes UNIFENAS 100-94, 100-153 e Ab-V5 foram as maiores produtoras de AIA. No entanto, somente as duas primeiras estirpes promoveram maior porcentagem de germinação nas sementes de alface. Também, a estirpe UNIFENAS 100-167 produziu baixa quantidade de AIA, mas quando inoculadas nas sementes de alface, promoveu taxa de germinação semelhante às estirpes que produziram maior quantidade de AIA. Esses resultados dificultam a estimativa da quantidade de AIA benéfica à germinação das sementes, sugerindo que os resultados produzidos in vitro podem não refletir nas condições de cultivo, ou seja, in vivo.
Dessa forma, os resultados obtidos sugerem que outros compostos sintetizados por estas estirpes podem estar envolvidos no processo de germinação das sementes, como a produção de giberelinas, que atuam em processos como quebra da dormência, crescimento do embrião e emergência da plântala (Taiz e Zeiger, 2004). De acordo com Bastián et al. (1998) e Cassán et al. (2014), bactérias diazotróficas podem sintetizar giberelinas.
Schlindwein et al. (2008) observaram que a inoculação com estirpes de rizóbios produtoras de AIA pode contribuir para o aumento da porcentagem de germinação de sementes de alface. Entretanto, estes autores relatam que a alta produção de AIA por determinadas estirpes pode inibir a germinação de sementes. O aumento da germinação de sementes inoculadas com rizóbios produtores de AIA também foram relatados por Vargas et al. (2015), em sementes de arroz.
A inoculação com a maioria das estirpes promoveu aumento no crescimento radicular quando comparado ao tratamento controle, o que pode ser devido à função do AIA em estimular a atividade da bomba eletrogênica H+- ATPase da membrana plasmática, promovendo expansão celular (Hager et al., 1991; Sondegaard et al., 2004).
No entanto, observou-se que a presença de Trp no meio de cultivo bacteriano reduziu o crescimento das raízes de alface inoculadas com as estirpes UNIFENAS 100-150, 100-185, 100-198 e Ab-V5. Todas essas estirpes produzem maior quantidade de AIA quando cultivadas na presença do Trp (Tab. 4), sendo assim, as quantidades produzidas podem ter sido prejudiciais ao desenvolvimento radicular.
Médias seguidas de letras distintas, maiúsculas na coluna e minúsculas na linha, diferem entre si pelo teste de Scott Knott a 5% de probabilidade.
Em termos de comprimento radicular e matéria seca da parte aérea (MSPA) das mudas de alface, foi possível observar interação dos fatores (inoculação com estirpes bacterianas cultivadas ou não na presença do Trp) (Tab. 4).
A inoculação com as estirpes bacterianas cultivadas na ausência de Trp contribuíram para o aumento do comprimento radicular, quando comparadas ao tratamento sem inoculação. Somente os tratamentos inoculados com as estirpes UNIFENAS 100-150, 100-185 e 100-198 proporcionaram os mesmos resultados quando cultivadas na presença ou ausência do Trp. Para os demais, o cultivo em meio contendo Trp promoveu menor desenvolvimento radicular, o que pode estar associado à alta quantidade de AIA produzida, inibindo assim o desenvolvimento das raízes (Schlindwein et al., 2008).
Em relação aos valores de MSPA, observou-se a contribuição da inoculação bacteriana para o incremento desta variável, que, está diretamente relacionada à maior taxa fotossintética e, consequentemente, maior desenvolvimento das plantas (Taiz e Zeiger, 2004; Szilagyi-Zecchin et al., 2015). Analisando a influência do cultivo em meio contendo ou não Trp, os valores de MSPA apresentaram comportamento semelhante ao observado para o comprimento radicular, em que os maiores valores foram obtidos a partir dos tratamentos inoculados com estirpes cultivadas sem o Trp.
A inoculação com as estirpes UNIFENAS 100-94, 100- 167, 100-185 e Ab-V5, promoveu maiores valores de MSPA quando cultivadas sem o Trp. Todas essas estirpes produzem maior quantidade de AIA na presença deste aminoácido (Tab. 2). Esses dados concordam com os observados por Szilagyi-Zecchin et al (2015), em que testaram duas concentrações de inoculantes com a estirpe FZB42 (Bacillus amyloliquefaciens) em mudas de tomate e verificaram que altas doses do inoculante contendo Trp retardou o desenvolvimento da parte aérea. Segundo Patten e Glick (1996), as altas concentrações de AIA produzidas pelas báctérias podem provocar um desiquilíbrio hormonal nas plantas, inibindo assim o crescimento vegetal.
Os valores de MSPA inoculados com as estirpes UNIFENAS 100-150, 100-153 e 100-198 não estiveram relacionados com a presença ou ausência do triptofano, bem como o tratamento controle.
Ferreira et al. (2014) relatam sobre a influência da cultivar para o sucesso do estabelecimento da interação planta-bactéria. Estes autores testando seis cultivares de arroz verificaram que somente numa delas a interação com a estirpe bacteriana foi mais eficiente, promovendo maior desenvolvimento na parte aérea e sistema radicular.
Em ambos os experimentos, gerbox e substrato comercial, não foi observada influência da presença de Trp no meio sem inoculação, discordando dos resultados obtidos por Ramaih et al. (2003), em sementes de trigo.
Resultados promissores obtidos por meio da inoculação com bactérias produtoras de AIA foram observados em mudas de tomate (Szilagyi-Zechhin et al., 2015), plântulas de arroz (Sabino et al., 2012), no crescimento do abacaxizeiro durante a aclimatização (Baldoto et al., 2010) e em plântulas e mudas de alface (Schlindwein et al., 2008; Flores-Félix et al., 2013; López et al., 2014; Kozusny-Andreani e Andreani Junior, 2014).
Com isso, observou-se a contribuição da inoculação com bactérias produtoras de AIA para o desenvolvimento de mudas de alface, tornando-se uma alternativa sustentável na redução do tempo de produção de mudas e do sucesso de estabelecimento destas no campo.