Introdução
A época contemporânea, também conhecida como pós-moderna, é marcada por inúmeras transformações sociais e econômicas. Essas transformações acarretaram novos arranjos de contingências sociais e, consequentemente, possibilitaram a emergência de uma nova noção de indivíduo. A partir da Idade Moderna, as relações sociais passaram a seguir códigos de ética e de conduta que estabeleceram padrões de comportamentos esperados pela sociedade. Assim, o indivíduo passou a lidar com novas exigências sociais que requerem uma cuidadosa auto-observação para o controle das suas ações (Nico, Leonardi, & Zeggio, 2016).
Concomitantemente a essas transformações, ocorreu o avanço da tecnologia, que possibilitou acesso rápido e fácil a todos os tipos de informações e relações virtuais com qualquer pessoa, em qualquer lugar. Todo esse cenário fez com que a noção de tempo fosse acelerada e os indivíduos passassem a ter que lidar com variados estímulos simultaneamente (Nico, Leonardi, & Zeggio, 2016). A consequência disso é que, para atuar nesse contexto, as pessoas passaram a necessitar de um amplo repertório comportamental que permita responder a diversos estímulos concorrentes, em um curto período, de maneira a alcançar resultados socialmente esperados.
Essa busca pelo equilíbrio entre todas as demandas da vida atual pode ser facilitada pelo fenômeno do autogerenciamento. Pesquisas têm demonstrado os efeitos do autogerenciamento em diferentes contextos da vida dos indivíduos. Nas organizações de trabalho, por exemplo, em que os trabalhadores têm sido cada vez mais requeridos a atuar de forma autônoma em locais e horários flexíveis, sem supervisão direta de seus líderes, o treinamento em autogerenciamento tem promovido maior engajamento no trabalho (Breevaart, Bakker, & Demerouti, 2014) e maior probabilidade de que os trabalhadores alcancem o desempenho esperado (Frayne & Geringer, 2000).
No contexto de saúde, treinamentos em autogerenciamento compreendem a aquisição ou aperfeiçoamento de habilidades dos pacientes para solucionar problemas nos âmbitos biológico, social e afetivo (Nascimento, de Gutierrez, & De Domenico, 2010) e têm promovido alívio de sintomas da doença (Nolte, Elsworth, Sinclair, & Osborne, 2007), gerenciamento de estressores psicossociais (Edward, Cook, & Giandinoto, 2015), desenvolvimento de hábitos mais saudáveis como prática de atividade física e redução de dores ou de sintomas da doença (Lorig & Holman, 2003). No contexto educacional, por sua vez, o autogerenciamento promove redução de comportamentos inadequados (e.g., hiperatividade), aumento de comportamentos adequados (e.g., completar tarefas escolares, prestar atenção à aula) (Gureasko-Moore, DuPaul, & White, 2007), desenvolvimento de habilidades sociais (e.g., aceitar feedback do professor, seguir instruções) (Peterson, Young, Salzberg, West, & Hill, 2006). Além disso, parece estar associado a uma melhora geral na qualidade da educação e ao aumento da efetividade das escolas (Cheng & Cheung, 2003), uma vez que promove aprendizagem autônoma e contínua, em um ambiente em constante mudança.
Apesar da variedade de estudos sobre autogerenciamento e da existência de pesquisas empíricas que objetivaram demonstrar os efeitos do desenvolvimento desse tipo de repertório sobre diferentes âmbitos da vida do indivíduo, aspectos distintos têm sido considerados na investigação desse fenômeno. Isso implica pouca visibilidade sobre as variáveis envolvidas no processo de autogerenciamento, assim como na seleção e manipulação de diferentes variáveis para investigar e/ou intervir sobre ele. Examinar as definições sobre autogerenciamento que são apresentadas em estudos de diferentes áreas de conhecimento pode ser um ponto de partida para aumentar tal visibilidade.
Ao analisar estudos na área da Psicologia, é possível observar que o termo autogerenciamento é comumente associado à carreira (Oliveira et al., 2009; Oliveira & Gomes, 2014) ou à noção de autorregulação e autoeficácia, muito utilizadas na abordagem cognitivista (Bandura, 2012; Karoly, 1999). O termo também é comumente aplicado na Administração, referindo-se à autogestão da carreira (Ferreira & Andrade, 2014; Loureiro, Taveira, & Faria, 2013) ou referindo-se à autogestão de equipes e empreendedorismo (Barker, 1993; Kirkman & Rosen, 1999).
Na área da Saúde, por sua vez, o termo do inglês “self-management” é comumente empregado em programas de promoção à saúde para pacientes na condição de cronicidade, sendo traduzido como autogerenciamento na versão em língua portuguesa do relatório mundial da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2012) sobre cuidados inovadores para condições crônicas. No entanto, nessa mesma área de estudo, o termo na língua inglesa também é associado a automonitoramento, autocuidado, autoajuda e suporte social (Nascimento et al., 2010).
Na Educação, a partir de um estudo de revisão de literatura envolvendo duas décadas de intervenções em autogerenciamento (1988-2008) para promoção de comportamentos em sala de aula, foram identificadas 16 diferentes configurações de intervenções (Briesch & Chafouleas, 2009). Apenas quatro componentes foram comuns aos 30 estudos analisados (seleção de comportamento-alvo, definição do comportamento-alvo, observação do comportamento-alvo e registro do comportamento-alvo). Contudo, não houve uma concordância em relação aos outros componentes do autogerenciamento, principalmente os que envolvem administração de reforços e avaliação das intervenções.
Da mesma forma, nas obras de Skinner é possível encontrar uma variabilidade de contextos nos quais o termo é utilizado. A primeira vez que Skinner utiliza a terminologia “self-management” é em um artigo intitulado “The Design of Cultures” (1961). Nele, o autor explica que uma cultura que torna os organismos sensíveis às consequências em longo prazo, é embasada em referenciais ou filosofias que descrevem as relações entre as respostas e tais tipos de consequências. Essas declarações funcionam como prescrições para ações efetivas promovendo, assim, o autogerenciamento efetivo. Nesse caso, Skinner relaciona o autogerenciamento com a descrição prévia das consequências de longo prazo do comportamento.
Em 1963, em um artigo publicado pela revista Science, chamado “Behaviorism at Fifty”, ao discorrer sobre eventos privados, (Skinner, 1963) utiliza a expressão “techniques of self-management”. Como exemplo de uma das técnicas, o autor cita a utilização de dispositivos mnemônicos como uma forma de fortalecer o comportamento de ver na ausência da coisa vista. No mesmo artigo, o autor afirma que “certos comportamentos envolvidos em autogerenciamento, como a revisão de uma história de punição, podem alterar o comportamento, mas eles fazem isso introduzindo outras variáveis, em vez de mudar uma dada relação” (p. 957). Essa afirmação possibilita a compreensão de autogerenciamento como uma classe de comportamentos que modifica outros comportamentos por meio da introdução de outras variáveis. Cabe ressaltar aqui que esta definição se assemelha àquela que (Skinner, 1953/2003) usa em “Ciência e comportamento Humano” para explicar o autocontrole, destacando que, diante de consequências conflitivas, em que uma resposta produz tanto reforço positivo quanto negativo (estímulos aversivos), o homem pode controlar seu próprio comportamento por meio da manipulação de variáveis das quais o seu próprio comportamento é função, indicando que há uma aproximação na definição desses dois termos.
Vale destacar que nos dois artigos de (Skinner, 1961/1963), o conceito de autogerenciamento é utilizado apenas de forma secundária para discutir temas diversos. Somente em 1968 Skinner utiliza o termo de forma mais aprofundada, quando publica seu livro The Technology of Teaching. Neste, Skinner introduz a noção de “Intellectual Self-management” ou Autogerenciamento Intelectual, como sendo um processo no qual “algumas partes do comportamento alteram e melhoram a efetividade de outras partes” (p. 114). Por efetividade, Skinner se refere à alta probabilidade de o comportamento ser reforçado, isto é, uma resposta efetiva é aquela que possui grande chance de ser reforçada no contexto no qual foi emitida. Então, o autogerenciamento intelectual ocorre quando, diante de uma situação na qual há baixa probabilidade de a resposta ser reforçada, comportamo-nos de maneira a aumentar a chance de reforçamento. Ao fazê-lo, tecnicamente falando, executamos uma resposta “preliminar” (precorrente) que muda o ambiente, de forma tal que o comportamento “consumatório” ocorra.
Novamente é possível observar uma semelhança dessa definição com um conceito apresentado por (Skinner, 1953/2003) em “Ciência e comportamento Humano”, mas agora referente à resolução de problemas. Skinner afirma que “a solução de problema é simplesmente uma resposta que altera a situação de forma que a resposta com grande probabilidade de emissão possa ser emitida” (p. 271). Essa similaridade aponta que o autor também assemelha a noção de autogerenciamento à resolução de problemas, indicando ausência de uma definição clara para o fenômeno.
Em 1971, no livro Beyond Freedom and Dignity, Skinner cita o autogerenciamento como sendo um tipo especial de resolução de problemas e volta a igualar o conceito com autocontrole: “O autocontrole ou autogerenciamento é um tipo especial de resolução de problemas que, à semelhança do autoconhecimento, levanta todas as questões relacionadas com a privacidade” (tradução livre, p. 190). A partir da década de 1980, a utilização do termo “self-management” nos escritos de Skinner passou a ser mais frequente, principalmente em seus artigos. Em 1983, no Congresso Anual da Associação Americana de Psicologia, o autor apresentou um artigo chamado “Intellectual Self-Management in Old Age” que, devido ao grande sucesso, mais tarde se tornou um livro intitulado Enjoy old age: A program of self-management (Skinner & Vaughan, 1983). Nessas obras, Skinner apresenta autogerenciamento como um conjunto de técnicas de autocontrole e descreve técnicas pessoais para ter mais qualidade de vida e produtividade durante a terceira idade.
De acordo com a análise de (Nico, 2001), o termo autogerenciamento, nos escritos de Skinner, é apresentado sozinho ou acompanhado dos adjetivos “ético” ou “intelectual”. Segundo a autora, na maioria dos casos em que “autogerenciamento” foi empregado para referir-se ao autocontrole, o termo veio acompanhado do adjetivo “ético”, referindo-se às consequências éticas que compõem o conflito que leva ao autocontrole. Já o “autogerenciamento intelectual” foi utilizado para abordar o comportamento de resolução de problemas. Contudo, nas situações em que o termo é empregado sem adjetivos, é possível encontrar relações com os comportamentos de autocontrole e resolução de problemas, e também fazendo alusão ao comportamento de pensar como parte da resolução de problemas (Nico, 2001; Skinner, 1987/1989). Tais usos do termo autogerenciamento suscitam algumas reflexões: que relações há entre autocontrole, resolução de problemas e autogerenciamento? Haveria comportamentos comuns ao autocontrole e à resolução de problemas que caracterizariam o autogerenciamento? Poderiam eles ser considerados repertórios que funcionariam como pré-requisitos para que o indivíduo se autogerencie?
A revisão de literatura sobre autogerenciamento, tanto em Skinner quanto em diferentes áreas de conhecimento, demonstra que ainda há uma imprecisão na definição desse fenômeno e nas classes de comportamentos que o constituem. Que variáveis estão sendo investigadas nos estudos sobre autogerenciamento? Treinamentos em autogerenciamento têm objetivado desenvolver que tipos de comportamentos? Será que os pesquisadores estão sob controle do mesmo tipo de fenômeno ao nomeá-lo dessa forma? Essas e outras questões podem ser suscitadas a partir dessa imprecisão na definição e indicam a relevância de sistematizar melhor tal conceito. Portanto, este estudo teve como objetivo sistematizar o conceito de autogerenciamento a partir das diferentes áreas do conhecimento e, com base nisso, propor uma definição do fenômeno sob uma perspectiva analítico-comportamental. Para a sua realização, não foram considerados aspectos que envolvem autogestão de equipes, organizações ou grupos sociais, tendo sido considerado somente o autogerenciar no aspecto individual, ou seja, no qual o indivíduo gerencia o seu próprio comportamento.
Método
Seleção do material
Para a seleção dos estudos, foi realizada uma busca bibliográfica em seis bases de dados nacionais e internacionais (SCIELO, CAPES, PSYCNET, PEPSIC, GOOGLE ACADEMICS e JOBM) com o objetivo de identificar literatura relacionada ao conceito de autogerenciamento em diferentes áreas do conhecimento. O periódico Journal of Organizational Behavior Management (JOBM) foi incluído na busca por se tratar de um periódico específico da Análise do Comportamento aplicada às organizações, e por isso, possível fonte de artigos referentes a técnicas de autogerenciamento na intervenção analítico-comportamental. As outras bases de dados já incluem periódicos da Análise do Comportamento. Foram utilizados os descritores: “Autogerenciamento”; “Autogestão”; “Autogoverno”; “Autogerenciar”; “Self Management”; “Self Manager”; “Self management concept” e “Self management personnel” em diferentes combinações e sem restrições de período.
Os critérios de inclusão estabelecidos foram: (a) que fossem artigos científicos (teóricos ou empíricos), (b) estudos que continham termos referentes a autogerenciamento no título, resumo ou palavras-chaves, (c) estudos relacionados ao conceito de autogerenciamento e (d) estudos relacionados a autogerenciamento de algum aspecto individual. Foram excluídos: (a) trabalhos em idiomas diferentes de português, inglês ou espanhol, (b) teses, dissertações e livros, (c) artigos relacionados a autogerenciamento coletivo ou de equipes; gestão social e de comunidades; grupos autogestionários; economia solidária; automonitoramento ou autocuidado de doenças específicas; gestão coletiva; gestão corporativa; engajamento em tratamentos ou atividades físicas específicas; associativismo e gestão participativa.
Instrumentos
Foram utilizados três protocolos em formato de tabelas feitas no Excel. O Protocolo 1 foi utilizado na etapa de seleção dos artigos e continha informações sobre as referências bibliográficas: autor e ano de publicação, título, periódico, base de dados, objetivo do estudo, tipo de pesquisa, inclusão ou exclusão, motivo de exclusão. O Protocolo 2 foi utilizado para registro dos trechos pertinentes aos objetivos do estudo e continha informações referentes a: número de referência do texto, ano e autor, tipo de pesquisa, página do artigo, conceitos e comportamentos. Por fim, o Protocolo 3 continha as mesmas colunas do Protocolo 2, menos a página do artigo, sendo utilizado para organizar as informações sobre conceito e comportamentos em listas para que pudessem ser categorizadas.
Procedimento
A sistematização do conceito de autogerenciamento iniciou-se pela realização da busca bibliográfica para a seleção dos artigos em diferentes áreas do conhecimento. Dentre os 1581 artigos encontrados nas bases de dados, 76 foram incluídos, a partir da leitura dos resumos, por atingirem os critérios e destes, 54 foram recuperados para leitura na íntegra e organizados conforme dados apresentados na Tabela 1.
Após a leitura na íntegra, foram excluídos mais 23 artigos que não cumpriram os critérios estabelecidos, restando 31 para análise (Tabela 2). Para a organização dos artigos selecionados, foi utilizado o software Mendeley Desktop 1.19.2(, uma ferramenta gratuita que permite a gestão de referências bibliográficas. Esse programa também permitiu anotações e destaques de trechos importantes para as fases posteriores.
A partir da leitura inicial dos textos selecionados, foram elaboradas as seguintes categorias a priori para orientar a coleta de informações: (a) Definição do conceito de autogerenciamento (trechos que continham aspectos relacionados à definição e descrição do fenômeno) e (b) Comportamentos relacionados ao autogerenciamento (trechos que faziam referências ao fazer do indivíduo que se autogerencia). Os trechos que continham informações referentes a essas categorias foram transcritos para o Protocolo 2.
Após a transcrição, os trechos foram organizados em itens, nas colunas do Protocolo 3, conforme as categorias às quais pertenciam. Os trechos referentes à definição do conceito de autogerenciamento foram transcritos na íntegra e listados. Os trechos referentes a comportamentos relacionados a autogerenciamento foram organizados em lista, por unidade de comportamento, isto é, cada trecho que continha um verbo e um complemento foi considerado um item da lista. Nos casos de trechos que continham mais de um verbo para o mesmo complemento, as informações foram organizadas em mais itens, conforme o número de unidades de comportamento que estavam indicando (um verbo + um complemento). Termos substantivados que indicavam ações do sujeito foram transformados em verbos no infinitivo e organizados na lista. Por exemplo, o trecho “Observação e registro do próprio comportamento” (Art. 6, p. 107) indica dois verbos substantivados mais um complemento e, por isso, foram listados como: “observar o próprio comportamento” e “registrar o próprio comportamento”.
A partir das listas de comportamentos e de definições de conceitos de autogerenciamento, foi realizada a etapa de categorização dos dados. O procedimento utilizado foi baseado na análise de conteúdo, a qual “consiste em desmontar a estrutura e os elementos desse conteúdo para esclarecer suas diferentes características e extrair sua significação” (Laville & Dionne, 1999, p. 214). Para a categorização dos dados referentes às definições de conceito, os itens da lista de definições de conceitos foram agrupados conforme semelhança de conteúdo, formando categorias de conceito. Por exemplo, os trechos “Implicação do indivíduo no processo de obtenção de êxito e realização de seus planos” (Art.1, p. 679) e “Estratégias para gerenciar a si e seus requisitos de tarefa” (Art. 10, p. 363) foram incluídos na categoria “Elaboração e realização de planos para obtenção de resultados”, pois seus conteúdos referem-se a etapas a serem desenvolvidas pelo indivíduo na busca por resultados.
Para a categorização dos comportamentos referentes a autogerenciamento, os itens relativos aos comportamentos foram agrupados conforme as definições desses comportamentos para a Análise do Comportamento (e.g., Autocontrole, Tomada de decisão). Itens que se referiam a classes de comportamentos de natureza semelhante foram colocados na mesma categoria. Em casos de conceitos ou linguagens que não eram próprios da Análise do Comportamento, buscou-se outras teorias para a definição do conceito e, então, os itens foram categorizados como, por exemplo, a “autorregulação e autoeficácia”, provenientes da teoria cognitivista. Cabe destacar que a compreensão desses conceitos foi feita sob a ótica monista da Análise do Comportamento. Sendo assim, toda vez que alguém afirma que o indivíduo “agiu”, “controlou” ou “gerenciou” o próprio comportamento, está fazendo referência à manipulação de contingências e de variáveis das quais o próprio comportamento é função, ou seja, está afirmando que o indivíduo está atuando no ambiente em que se comporta.
Os dados resultantes do procedimento foram tabulados e comparados em relação a áreas de estudos e período de publicação. As áreas foram nomeadas com base nas grandes áreas de conhecimento estabelecidas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), identificadas a partir da avaliação do escopo e dos critérios de cada periódico de publicação dos artigos. Os dados referentes à definição do conceito foram apresentados em tabela, com suas referidas subcategorias e exemplos de trechos analisados. Os dados relativos às classes gerais de comportamentos foram organizados em uma lista de subcategorias, contendo quantidade absoluta e relativa de estudos encontrados, assim como as áreas de conhecimento a que se referiam. Como um dos objetivos do trabalho foi propor uma interpretação analítico-comportamental do autogerenciamento, os artigos específicos da Análise do Comportamento foram analisados separadamente dos artigos das outras áreas da Psicologia.
Resultados e Discussão
Ao analisar as áreas de conhecimento nas quais o conceito de autogerenciamento é investigado, foi possível perceber que a área com maior quantidade de estudos analisados foi a Psicologia, com mais de 65% do total de artigos (Psicologia no geral, sem considerar os estudos analítico-comportamentais, N=13; Análise do Comportamento, N=7). Além disso, 22,5% (N=7) dos estudos são da área de Administração; 6,5% (N=2) da área de Educação, sendo este mesmo percentual de 6,5% (N=2) para a área da Saúde. Apesar de terem sido identificadas pesquisas em variadas áreas de conhecimento, especialmente ligadas às Ciências Humanas, os dados sugerem que autogerenciamento, como um fenômeno estudado de forma individual, parece ser de especial interesse para as áreas de Psicologia e Administração, talvez pelo foco em promover, no indivíduo, desenvolvimento de habilidades que melhorem o desempenho em contextos escolares, de trabalho e saúde, por exemplo.
Em relação ao período de publicação, foi possível observar que os artigos analisados são de 1974 a 2016, havendo um crescimento na quantidade de publicações ao longo dos anos. O período de 2010-2016 foi aquele com maior quantidade de publicações (N=9), seguido de 2000-2009 (N=8), de 1990-1999 (N=6), de 1980-1989 (N=5) e, por fim, do período de 1974-1979 (N=3).
Contudo, o aumento crescente de interesse quanto a esse fenômeno, a partir dos estudos selecionados para análise, não foi observado na Educação, cujos dois artigos encontrados restringem-se à década de 1980, e na Análise do Comportamento, em que somente um artigo é posterior aos anos 2000. No que diz respeito à Análise do Comportamento, foi a partir da década de 1980 que Skinner passou a utilizar o termo “self-management” mais frequentemente em seus escritos. Pouco tempo depois, na década de 1990, surgiram vários estudos analítico-comportamentais aplicados, com intervenções baseadas em técnicas de autogerenciamento, nomeados na época de “self-management treatment package” (pacote de tratamento de autogerenciamento). Esses estudos eram voltados principalmente a indivíduos com disfunções severas ou comportamentos estereotipados (Christian & Poling, 1997; Fritz, Iwata, Rolider, Camp, & Neidert, 2012; Koegel & Koegel, 1990), indicando que, nessa época, o autogerenciamento era compreendido na Análise do Comportamento como um conjunto de técnicas para modelagem e manutenção de comportamentos selecionados (Art. 29).
A partir dos anos 2000, houve uma diminuição na quantidade de publicações referentes ao tema na Análise do Comportamento e o único artigo selecionado desse período trata de um estudo de caso de um programa de treinamento de autogerenciamento para colaboradores de uma organização de médio porte (Art. 11). No entanto, nesse mesmo período, foi possível observar um aumento na quantidade de publicações referentes a autogerenciamento nas outras áreas de conhecimento, principalmente na Administração e Psicologia, relacionadas ao ambiente organizacional e de carreira profissional, o que indica que o fenômeno passou a ser aplicado a esses contextos (e.g., Art. 4; Art. 10; Art. 17).
No que se refere à definição do conceito de autogerenciamento, foi possível identificar uma grande variedade de definições em diferentes áreas do conhecimento e, até mesmo, definições distintas dentro da mesma área. A Tabela 3 contém as categorias de definição do conceito de autogerenciamento em relação aos trechos selecionados e às áreas de estudo.
Enquanto, em alguns estudos, há ênfase no autogerenciamento como um fenômeno que envolve habilidades de resolução de problemas (e.g., Art. 11 e Art. 16; Art. 22), em outros, a ênfase recai sobre o manejo de variáveis para a mudança do próprio comportamento (e.g., Art. 2; Art. 5; Art. 6) ou à realização de planos e obtenção de resultados (e.g., Art. 1; Art. 19; Art. 30). Há ainda estudos que assemelham o conceito de autogerenciamento a outros conceitos, como autocontrole e autorregulação (e.g., Art. 8; Art. 21; Art. 13). Essa variedade de definições observadas nos dados mostra que o termo autogerenciamento é utilizado em diferentes situações, indicando se tratar de fenômeno bastante diverso. Além disso, no que diz respeito às áreas de conhecimento, somente as categorias de definições de conceito “Conciliar diferentes atividades da vida humana” e “Manejo das variáveis relacionadas à própria vida profissional” foram identificadas em apenas uma área (Saúde e Administração, respectivamente). Quanto às demais categorias, todas foram observadas em pelo menos duas áreas distintas e, apesar de em alguns casos referirem-se a apenas um trabalho, sugerem que a definição do conceito de autogerenciamento é diversa e que o fenômeno ocorre em diferentes contextos da vida do indivíduo.
Também foram identificadas diferentes categorias para a mesma área de conhecimento, como por exemplo, na Psicologia (incluindo-se a Análise do Comportamento), em que foram encontradas definições de conceitos referentes a: manejo de variáveis para mudança do próprio comportamento; aplicação de técnicas de autocontrole; autorregulação; elaboração e realização de planos para obtenção de resultados; manejo das variáveis relacionadas à própria saúde e outros. Além disso, uma mesma categoria pôde ser identificada em diferentes áreas de conhecimento, como em “elaboração e realização de planos para obtenção de resultados”, identificados em estudos da Psicologia, Administração e Educação (Art. 1; Art. 3; Art. 10; Art. 19 & Art. 30). Esses resultados indicam que trabalhos de uma mesma área têm caracterizado o fenômeno de formas distintas, o que sinaliza que os pesquisadores parecem estar sob controle de diferentes características do fenômeno ao fazer uso do conceito de autogerenciamento. Além disso, áreas distintas estão se referindo a aspectos de um mesmo fenômeno em contextos distintos, ou seja, parece haver características comuns do fenômeno que controlam o uso do conceito, independente do contexto em que ele ocorre.
Foi possível observar também que categorias diferentes de definições de conceitos foram identificadas em um mesmo estudo, o que aponta a complexidade do fenômeno de autogerenciamento. Por exemplo, no Art. 3, foi possível identificar duas categorias diferentes: manejo de variáveis para mudança do próprio comportamento e elaboração e realização de planos para obtenção de resultados. No Art. 19, foi possível identificar definições de conceitos relacionadas a cinco categorias: manejo de variáveis para mudança do próprio comportamento; autorregulação; elaboração e realização de planos para obtenção de resultados; manejo das variáveis relacionadas à própria vida profissional e outros. Dessa forma, é possível identificar que nos estudos há destaques para diferentes comportamentos que parecem estar inter-relacionados (e.g., manejo de variáveis para mudanças no próprio comportamento, definição de objetivos e planejamento para alcance desses). Contudo, como não há uma definição sistematizada do conceito, ora é dada ênfase a uma etapa desse processo, ora a outra.
Apesar de as definições dos conceitos apresentarem ênfases diferentes, é possível encontrar algumas similaridades, entre elas: todas as categorias de conceitos referem-se a comportamentos emitidos pelo próprio sujeito e que têm consequências para ele mesmo (e.g., Gerenciar comportamentos encobertos; Gerenciar o tempo; Resolver problemas e Manejar o ambiente). Todos esses comportamentos envolvem a interação do organismo com o ambiente, a qual produz mudanças no próprio comportamento. Sendo assim, as similaridades nas ênfases das definições dos conceitos indicam que as categorias dizem respeito a processos de um mesmo fenômeno e, portanto, reforça a ideia de que se trata de um processo comportamental complexo, já que consiste em vários componentes mais simples (Catania, 1999).
Além disso, o exame das definições apresentadas possibilita identificar dois aspectos que parecem definidores de autogerenciamento: (1) a elaboração de planos para obtenção de determinados resultados; (2) o manejo de variáveis relativas ao próprio comportamento. Neste caso, as variáveis podem estar relacionadas a diferentes tipos de contexto (e.g., condições de saúde, vida profissional) e o manejo ocorrer de diferentes formas (e.g., meio do processo de resolução de problemas ou de aplicação de técnicas de autocontrole).
No que diz respeito a comportamentos referentes a autogerenciamento, foi possível identificar 26 categorias, variando desde autocontrolar, automonitorar, autorreforçar, até utilizar recursos, gerenciar o tempo e gerenciar a própria vida (Tabela 4).
Nota: N= número de artigos em que a categoria aparece; AC= Análise do comportamento; ADM= Administração; EDU= Educação; PSICO= Psicologia.
Das 26 classes gerais de comportamentos identificadas, 12 foram encontradas em pelo menos nove artigos (aproximadamente 30%) e nas diferentes áreas de estudo, indicando que pode haver alguns comportamentos básicos que caracterizam o autogerenciamento. Vale destacar ainda que a classe geral “Autocontrolar” foi mencionada em mais da metade dos estudos analisados (51,6%) e as classes “Automonitorar”, “Autorreforçar” e “Autoavaliar” também foram identificadas em mais de 40% desses estudos (Art.2, Art. 3, Art.5, Art. 6, Art. 7, Art. 8, Art.9, Art.10, Art.11, Art.12, Art.14, Art.16, Art.18, Art.19, Art.21, Art.23, Art.26, Art.28, Art.29, Art. 31). Por outro lado, as classes gerais “Gerenciar a própria vida” (Art. 16, Art. 20, Art.22), “Gerenciar o tempo” (Art. 8, Art.20) e “Comprometer-se” (Art. 8, Art.31) foram identificadas em menos de 10% dos artigos.
Nota-se que “Gerenciar a própria vida” é uma classe de comportamentos bastante abrangente e que, em alguns contextos, pode ser considerada como sinônimo de autogerenciamento, ainda que mais imprecisa. Já a classe “Comprometer-se” é pouco operacionalizada, pois não especifica os tipos de interações que o sujeito necessita estabelecer com o meio para que ocorra o comprometimento. Em relação à classe “Gerenciar o tempo”, chama a atenção o fato de ter sido tão pouco mencionada, já que o estudo de (MichelatoYoshiy e Kienen, 2018) mostrou que os comportamentos que fazem parte do gerenciamento do tempo são semelhantes aos comportamentos que constituem o autogerenciamento, como por exemplo, as classes gerais que envolvem autocontrole, autoconhecimento, tomada de decisão, resolução de problemas, planejamento e organização.
O exame das categorias referentes a classes de comportamentos corrobora os dois aspectos identificados como importantes na definição de autogerenciamento. O primeiro deles, de que o autogerenciamento parece constituir-se de classes de comportamentos referentes à interação do sujeito com variáveis relacionadas a ele mesmo, como por exemplo “Autoavaliar” (Art. 2, Art. 3, Art. 6, Art. 7, Art. 9, Art. 10, Art. 12, Art. 16, Art. 18, Art. 19, Art. 21, Art. 23, Art. 29, Art. 31) , “Autodesenvolver” ( Art. 1, Art. 3, Art.7, Art. 9, Art. 16, Art.17, Art. 18, Art. 19, Art.20, Art. 24, Art.25, Art. 31), “Autoconhecer” (Art. 3, Art.7, Art.9, Art.17, Art.19, Art.25, Art.29, Art.31) e “Autocontrolar” (Art. 1, Art. 4, Art.5, Art.6, Art.7, Art.8, Art.14, Art.16, Art.18, Art.19, Art.20, Art.21, Art.22, Art.23, Art.26, Art.29). O segundo, de que também abrange classes de comportamentos relativas a planejamento como “Definir Objetivos” (Art.3, Art.6, Art.7, Art.8, Art.10, Art.11, Art.17, Art.19, Art.28, Art.31), “Executar os planejamentos” (Art. 3, Art.7, Art.10, Art.11, Art.16, Art.17, Art.20, Art.24, Art.31) e “Organizar-se” (Art. 1, Art. 4, Art. 10, Art. 20).
Além disso, as classes de comportamentos referentes a autogerenciamento envolvem manejo de variáveis de diferentes contextos da vida do indivíduo: profissional (e.g. Art. 31), da saúde (e.g. Art. 22) ou de qualquer variável ambiental que influencie a aquisição de repertório comportamental por parte do sujeito (e.g. Art. 6). Esses dados mostram, novamente, a diversidade e complexidade do autogerenciamento, e sinalizam que não é possível separar a “vida profissional” da “vida pessoal”, visto que as variáveis que controlam o comportamento do sujeito estão presentes nos diferentes contextos. Indicam também que é necessária uma análise nos diferentes âmbitos da vida humana para que o autogerenciamento ocorra, quer seja para melhorar sua interação “profissional” ou “pessoal com o mundo”. Por exemplo, o estudo de (Luiz, 2008) apontou que a classe geral “Projetar a vida profissional” não se restringe apenas ao exame de aspectos da vida profissional, mas também envolve componentes da vida pessoal do indivíduo, como valores e metas pessoais, influência da família, variáveis sociais e aspectos físicos. Além disso, tal estudo também identificou classes de comportamentos semelhantes às identificadas no autogerenciamento, como autoconhecimento, tomada de decisão, resolução de problemas e planejamento (Luiz, 2008).
O exame das categorias de classes gerais de comportamentos possibilita identificar que o autogerenciamento parece ser constituído por uma série de comportamentos complexos, como autocontrole, autoconhecimento, resolução de problemas e planejamento. A classe geral “Autocontrolar”, além de ter sido identificada em mais de 50% dos estudos, foi também identificada nas cinco áreas de estudo analisadas, o que indica que essa parece ser uma classe de comportamentos relevante para o autogerenciamento, independente da área de conhecimento considerada (Art. 1, Art. 4, Art.5, Art.6, Art.7, Art.8, Art.14, Art.16, Art.18, Art.19, Art.20, Art.21, Art.22, Art.23, Art.26, Art.29).
O autocontrole é comumente associado a agentes internos que controlam as ações humanas, como emoções, pensamentos, valores pessoais e desejos (Nico, 2001). Contudo, ele pode ser compreendido como um processo que envolve uma situação de conflito entre as possíveis consequências do comportamento e a manipulação de variáveis ambientais diante dessa situação, de modo a alterar a probabilidade de uma determinada resposta (Skinner, 1953/2003). Esse fenômeno engloba processos comportamentais na relação entre a “resposta controladora” e “resposta controlada”. No entanto, para que o indivíduo seja capaz de manipular as variáveis que controlam o seu comportamento é necessário, primeiro, descrevê-las. Isto é, o autoconhecimento, categoria identificada em oito dos estudos analisados, é uma condição necessária para o autocontrole (Nico, 2001).
Para a Análise do Comportamento, o autoconhecimento está relacionado com a capacidade do sujeito de descrever as contingências do seu próprio comportamento e tem origem social, já que está relacionado diretamente ao relato verbal de experiências. Apenas a vivência da experiência não garante o autoconhecimento, pois nem sempre o sujeito fica sob controle das contingências vigentes na situação. É necessário observar, manter registros do que aconteceu para então, examinar as razões para a ocorrência do comportamento (Skinner, 1974/1982). Logo, o autoconhecimento caracteriza-se por ser, também, um comportamento complexo constituído por vários outros comportamentos. Além disso, a bibliografia analisada neste estudo sinaliza que o autoconhecimento é base para outros comportamentos, como por exemplo, tomar decisões relacionadas à própria carreira (Fontenelle, 2007; Oliveira & Gomes, 2014), discriminar entre comportamentos adequados e inadequados (Stahmer & Schreibman, 1992) e avaliar o próprio problema (Uhl-Bien & Graen, 1998). Todos esses comportamentos são relevantes para a vida do indivíduo e parecem ser pré-condição para que o indivíduo seja capaz de planejar mudanças sobre os próprios comportamentos. Por isso, é possível afirmar que o autoconhecimento é um comportamento importante no processo de autogerenciamento.
No que diz respeito à resolução de problemas, esse processo ocorre quando, diante de uma situação-problema, o indivíduo emite uma resposta que altera a situação de maneira que a resposta de “solução” (que possivelmente produzirá o reforço) seja emitida (Skinner, 2003/1953). Esse comportamento diferencia-se do autocontrole, que ocorre quando o indivíduo não é capaz de identificar a resposta que produz um determinado reforçador, ou seja, consegue identificar o reforço, mas não a resposta (Nico, 2001). (Lorig e Homan, 2003) destacam que a resolução de problemas envolve desenvolver habilidades básicas que não se restringem à solução de um problema em específico, mas a: definir problemas, gerar possibilidades de solução, implementar soluções e avaliar resultados em relação a quaisquer tipos de problemas. Essa parece ser uma forma de operacionalizar o que Skinner destaca acerca do processo de resolução de problemas, podendo tais habilidades básicas serem compreendidas como comportamentos pré-requisitos a serem desenvolvidos para que o indivíduo se torne capaz de resolver problemas.
Os resultados apresentados neste estudo sugerem que não é possível reduzir o autogerenciamento à simples aplicação de técnicas de autocontrole e nem mesmo igualar os dois termos, uma vez que os dados indicam que o autogerenciamento parece ser composto por uma série de comportamentos que não se limitam ao autocontrole, como por exemplo, resolver problemas (Art.10, Art.11, Art.16, Art.19, Art.20, Art.22, Art.27), definir objetivos (Art.3, Art.6, Art.7, Art.8, Art.10, Art.11, Art.17, Art.19, Art.28, Art.31), tomar decisão (Art. 4, Art.10, Art.15, Art.16, Art.17, Art.22, Art.25, Art.27, Art.31) e criar rede de relacionamentos (Art.7, Art.16, Art.17, Art.20, Art.23). Autogerenciamento parece ser um fenômeno mais amplo e que envolve comportamentos pré-requisitos em seu processo, dentre os quais o autocontrole poderia ser considerado um deles. Ou seja, o repertório de autocontrole é necessário, mas não suficiente, para que o indivíduo se auto gerencie.
O exame feito até aqui, apesar de produzir mais visibilidade acerca das características do autogerenciamento, suscita outras questões importantes: quais as relações entre essas categorias gerais de classes de comportamentos? Haveria graus de complexidade distintos entre essas classes de comportamentos, de modo que algumas poderiam ser consideradas pré-requisitos para o desenvolvimento de outras? E ainda, haveria classes de comportamentos com graus de complexidade semelhantes, sendo as relações entre elas mais características de uma cadeia comportamental (Catania, 1999), em que as consequências de uma classe de comportamentos são antecedentes para a ocorrência da classe de comportamentos seguinte?
No que diz respeito a relações de pré-requisito entre comportamentos, é importante destacar que classes de comportamentos podem ser concebidas como mais complexas ou menos complexas, dependendo do sistema comportamental do qual fazem parte em determinado momento (Kienen, 2008). Esse parece ser o caso de classes de comportamentos tais como autorregistrar e auto-observar. A fim de identificar relações de pré-requisito entre classes de comportamentos, é possível aplicar um procedimento denominado decomposição de comportamentos complexos (Botomé,1991/2011c). Tal procedimento, em sua forma mais simplificada, consiste em perguntar “o que o aprendiz precisa ser capaz de fazer para (...)?”, sendo as reticências preenchidas com cada um dos comportamentos examinados. No caso de comportamentos relativos a automonitoramento, seria possível perguntar “O que o indivíduo precisa ser capaz de fazer para se automonitorar?” Se algumas possíveis respostas a essa pergunta forem “observar seu próprio comportamento” e “efetuar registros desse”, então autorregistrar e auto-observar poderiam ser consideradas classes de comportamentos pré-requisitos (menos complexas) constituintes do automonitorar. O mesmo exame poderia ser feito para outras classes de comportamentos, tais como planejar e definir objetivos, e assim sucessivamente.
Além de relações de pré-requisito entre classes de comportamentos, os dados da Tabela 4 sugerem haver, também, possíveis relações de encadeamento entre algumas dessas classes, o que configuraria, de uma perspectiva analítico-comportamental, “cadeias comportamentais”. Uma cadeia comportamental ocorre quando “as respostas durante um estímulo são seguidas por outros estímulos que reforçam aquelas respostas e estabelecem a ocasião para as próximas respostas” (Catania, 1999, p. 389). Talvez seja o caso das classes gerais autoconhecer, definir objetivos, autocontrolar e automonitorar. O comportamento de autoconhecer parece produzir, como consequência, um conhecimento mais preciso, por parte do próprio indivíduo, a respeito de suas limitações, potencialidades, habilidades etc. Isso, por sua vez, seria condição para que ele pudesse, com base em tal conhecimento, definir objetivos para si mesmo. O que, por sua vez, criaria condições para que ele definisse planos de intervenção sobre o próprio comportamento, com base no conhecimento sobre si, e assim sucessivamente.
Uma área de pesquisa que pode trazer contribuições para aprofundar esse tipo de investigação, e que é derivada da Análise Experimental do Comportamento, é a Programação de Condições de Desenvolvimento de Comportamentos (PCDC), tradicionalmente conhecida como Programação de Ensino (Kienen, Kubo, & Botomé, 2013). Avanços teóricos e metodológicos dessa área têm promovido o desenvolvimento de tecnologia não apenas para planejamento de contingências de ensino, mas também para descobrir e caracterizar classes de comportamentos constituintes de uma variedade de classes mais gerais (e.g., criatividade, senso crítico, gestão do tempo, orientação profissional etc.), que ocorrem nos mais variados contextos (e.g., saúde, educação, clínica, trabalho etc.) (Nale, 1998; Kienen et al., 2013). Prosseguir o exame das classes de comportamentos identificadas neste estudo, no sentido de identificar comportamentos pré-requisitos constituintes do autogerenciamento, bem como de identificar a existência de possíveis cadeias comportamentais entre essas, a partir de tal tecnologia, pode trazer avanços significativos para a compreensão do fenômeno autogerenciamento. Diversos estudos com uso dessa tecnologia têm sido feitos, produzindo resultados promissores (e.g., Bordignon-Luiz & Botomé, 2017; Nascimento & Gusso, 2017; Souza & Kubo, 2009).
A identificação de aspectos comuns para a definição de autogerenciamento, bem como de categorias gerais de classes de comportamentos constituintes desse fenômeno, ainda que não possibilitem responder a todas essas questões, parecem ser um avanço nessa direção.
Os resultados até aqui produzidos possibilitam identificar que autogerenciamento é um processo comportamental complexo, constituído por diversas classes de comportamentos em que umas parecem ser pré-requisitos de outras. Para definir esse fenômeno de acordo com os pressupostos da Análise do Comportamento, são necessárias mais algumas considerações: (a) para que o autogerenciamento ocorra, é necessário que o indivíduo tenha estabelecido previamente objetivos para si mesmo e que, a partir deles, planeje e manipule as variáveis para alcançá-los; (b) envolve a descrição e manipulação das variáveis das quais o comportamento é função; (c) autogerenciamento ocorre quando o indivíduo se comporta de maneira a aumentar a probabilidade de reforço do próprio comportamento subsequente; (d) envolve técnicas de autocontrole e manipulação de contingências para aumentar a probabilidade de ocorrência do comportamento-alvo.
Em síntese, gerenciar os próprios comportamentos envolve um repertório amplo de comportamentos complexos relacionados a estabelecimento de objetivos para a vida pessoal e a carreira, planejamento das atividades diárias, autocontrole para o cumprimento das atividades estabelecidas, tomada de decisão para a priorização de atividades importantes e relevantes para a própria vida, resolução de problemas do dia a dia e manipulação de variáveis ambientais para aumentar a probabilidade da efetividade do comportamento. Tudo isso implica em uma melhor compreensão do fenômeno para que seja possível o desenvolvimento de estratégias e ferramentas que auxiliem as pessoas a gerenciar suas atividades pessoais e/ou profissionais, de forma a possibilitar maior produtividade e qualidade de vida.
O presente estudo demonstrou que o uso do conceito de autogerenciamento na literatura envolve diferentes tipos de comportamentos, apresentando a importância de definir e caracterizar esse processo de forma clara. Ter clareza de quais classes comportamentais fazem parte desse processo é imprescindível para possibilitar uma compreensão e intervenção mais precisa sobre este fenômeno, viabilizando assim, que os indivíduos possam aumentar a probabilidade de exercer algum controle sobre seu próprio comportamento de forma a solucionar problemas, atingir objetivos e gerenciar as atividades pessoais e profissionais de maneira equilibrada. Além disso, possibilita a elaboração e planejamento de programas de ensino e de intervenção baseados em autogerenciamento de forma efetiva.
Este estudo limitou-se à análise de estudos cujo foco foi o autogerenciamento na perspectiva individual, porém, o fenômeno pode ocorrer em contexto de grupos e equipes. Assim, considerando a relevância desse repertório para a vida das pessoas, compreende-se a necessidade de que, a partir da sistematização do conceito de autogerenciamento, novas pesquisas sejam realizadas para ampliar o entendimento desse fenômeno, como por exemplo: investigar as diferenças entre o autogerenciamento individual e de grupos; investigar o autogerenciamento em contextos específicos; e desenvolver instrumentos e tecnologias para ensino do autogerenciamento.