A importância da gramática dos afetos na aprendizagem
Quando nos dedicamos à investigação dos afetos em contexto escolar é observável o consenso entre os teóricos do desenvolvimento e da aprendizagem sobre a indissociabilidade e a relevância dos aspetos afetivos e cognitivos no processo do conhecimento, não obstante a divergência quanto à maneira de interpretar as suas relações (Sánchez Rosas, 2013). Perante comportamentos e atitudes de manifestações emotivas, a carência de envolvimento da própria vida afetiva e, por vezes, do desconhecimento das formas de interpretação e de respostas ajustadas, coloca professores e alunos em ambientes nos quais estão presentes modelos de resposta hostil, desequilibrada e inoperante diante de conflitos interpessoais que, com frequência, são visíveis nas formas de convivência em contexto escolar, reflexos da sociedade envolvente.
Deste modo, o sistema educativo provoca stress na maioria da comunidade escolar, por se pautar pela transmissão de conteúdos que, frequentemente, são distantes dos interesses, expetativas e realidade dos alunos (Valente, 2019). Salienta-se que este tipo de educação enfraquece o desenvolvimento dos alunos, anula qualquer participação ativa dos mesmos, e converte os conteúdos programáticos em algo sem vida interior, sem emoção, o que diminui a participação e desempenho dos alunos (Barrantes-Elizondo, 2016), potenciando a desmotivação académica, revolta, impulsividade e indisciplina que se vivencia em muitas salas de aula.
Quem vive a escola portuguesa, facilmente se apercebe que este espaço privilegiado de conhecimento enferma, ainda, de uma visão dualista e dicotómica do indivíduo enquanto corpo/mente, razão/emoção. Embora se reconheça, cada vez mais e com maior intensidade, a necessidade de se adotar um modelo de afetividade nos processos que envolvem o ensino e a aprendizagem. Neste sentido, a recente legislação emanada sobre o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória no ensino em Portugal, estabelece a matriz de princípios, valores e áreas de competências a que deve obedecer o desenvolvimento do currículo. Das áreas de competências apresentadas salienta-se o desenvolvimento das competências socioemocionais. De realçar que estas competências deviam integrar uma disciplina obrigatória de educação emocional, e não permanecerem, unicamente, como competências transversais a ser desenvolvidas no currículo dos alunos.
A educação, enquanto processo privilegiado de metamorfose do aluno num ser humano cada vez mais completo e íntegro, vai-se estruturando na relação dialética entre o indivíduo, a cultura e a sociedade, tornando-se, assim, um terreno onde se cruza o percurso individual e a história coletiva. Como referem (Boavida e Amado, 2008), quando nos debruçamos sobre o estudo da educação temos de ter em consideração que nos confrontamos com a globalidade, pois o sujeito que se educa fá-lo em todas as suas dimensões em simultâneo e estas são apreendidas socialmente. Os autores referem, ainda, que a educação é uma espécie de composição híbrida de distintas realidades, globais, complexas, tecidas em conjunto e que, para serem compreensíveis, têm de ser observadas em contexto e à luz das infindáveis interações entre os seus protagonistas.
Tendo em consideração esta premissa, poder-se-á afirmar que a afetividade se reveste de uma importância fundamental na relação pedagógica e, concomitantemente, no processo de ensino e aprendizagem. Com esta constatação, é possível inferir que os aspetos afetivos e cognitivos são indissociáveis. Reforçando esta ideia e contrariando a tradição racionalista/cartesiana, (Damásio, 2011) refere que, quer na perspetiva fisiológica quer funcional, as emoções e as cognições não são entidades autónomas. Assim, o professor sendo o elo essencial que possibilita a formação integral do aluno deve ter presente, na sua praxis pedagógica, a questão do aspeto emotivo, e procurar refletir até que ponto está a construir uma ponte de afetos com os seus alunos. Esta ligação afetiva tem de ser alicerçada numa relação de proximidade em que possam ser criadas oportunidades para uma relação de cooperação, respeito, confiança, e sinceridade com o aluno. Por conseguinte, a escola poderá abrir caminhos para conhecer as barreiras que dificultam as diferentes relações interpessoais e possibilitar meios para as derrubar, potenciando uma sociedade civil mais emotiva e autorregulada.
Nesta sequência, é compreensível que sem uma visão abrangente das condições de aprendizagem, relativamente aos afetos, torna-se difícil nortear os alunos para os objetivos educativos ambicionados. Desta forma, para a promoção dos processos autorregulatórios na aprendizagem será, pois, indispensável interiorizar o conceito que “educar é uma ação de relação” (Teixeira, 2000, p. 112), e que a autorregulação de cada indivíduo implica a competência para a monitorização e ajustamento de cognições e afetos.
A autorregulação, por sua vez, quando considerada num contexto de aprendizagem, relaciona-se com uma metodologia que abarca a ativação e manutenção das cognições, comportamentos e afetos dos alunos, planeados e ciclicamente ajustados com a finalidade de alcançar as metas escolares (Paiva & Lourenço, 2015; Schunk, 1994; Zimmerman, 2000). Ao ser encarada desta forma, numa perspetiva mais centrada nos processos e tendo em consideração a importância dos afetos no controlo desses mesmos processos, a autorregulação da aprendizagem distancia-se de um traço particular ou de uma capacidade desenvolvida isoladamente.
Consequentemente, a autorregulação da aprendizagem é exposta como um procedimento que deverá ser utilizado pelos alunos para efetivar os ajustamentos nas estratégias, cognições, afetos e comportamentos de acordo com o seu desenvolvimento, para realizar as missões que lhes são apresentadas (Bandura, 1991; Zimmerman, 2000). Fica, assim, estabelecida a correlação existente entre os afetos e uma aprendizagem autorregulada com o objetivo de se atingir a mestria escolar.
Tendo como base o racional teórico de (Wallon, 2007) e (Vygotsky, 1998, 2007), é objetivo procurar demonstrar que o afeto constitui-se como uma das principais variáveis determinantes das relações que se estabelecem entre os processos autorregulatórios dos alunos e os conteúdos abordados em sala de aula.
A evolução histórica: visão dualista versus monista
Um dos grandes impulsionadores da adoção da teoria monista e do abandono progressivo, ao longo do tempo, da teoria dualista, foi Baruch de Espinosa (1632-1677), filósofo que, no decorrer do século XVII, ousou cumprir um papel capital no processo concetual entre estas duas teorias (Chauí, 2005; Damásio, 2003; Spinoza, 2011; Toassa, 2014). Na época, e como centro de discussão, Espinosa defendia que o corpo e a mente eram elementos de uma substância una, evocando que o corpo e a alma perfilhavam as mesmas leis, afastando, desta forma, a vigente hierarquia secular que colocava a alma como instância superior ao corpo. Pela primeira vez na história da filosofia, corpo e mente são ativos ou passivos juntos e por inteiro, em igualdade de circunstâncias e sem hierarquias entre eles. Nem o corpo comanda o espírito, nem o espírito comanda o corpo, como queria a tradição (Junior, 2009). O monismo espinosano adaptado à psicologia concreta da personalidade aponta uma orientação decisiva nas doutrinas que separam radicalmente afetos e necessidades de outras, consideradas superiores, como o amor ou a catarse estética, desprezando tanto os impactos mentais das primeiras quanto as implicações corporais das últimas. Os afetos, para Espinosa, expressam-se predominantemente no corpo ou na mente, mas essas dimensões nunca se isolam (Toassa, 2014).
Perante esta dualidade de teorias, uma das principais preocupações e desafios que qualquer investigação na área dos afetos enfrenta, é entender a razão pela qual esta confrontação de ideias e conceitos permaneceu (e de certa forma continua a permanecer) periférica nas abordagens de ensino e aprendizagem, conquanto não tenha sido negada a sua essencialidade pelas tradicionais teorias psicológicas. Esta questão só poderá ser entendida, parcialmente, pelo vínculo e predomínio secular da chamada conceção dualista, onde o ser humano era observado como um ser dividido entre a razão e a emoção, cujas origens vêm desde a Antiguidade, não esquecendo os conflitos conhecidos entre a fé e a razão, no período da Idade Média, onde esta problemática se tornou mais complexa e dúbia com o conhecido predomínio da fé sobre a razão.
Contudo, este conceito acaba por ganhar apoio, na modernidade, na tradicional dualidade cartesiana entre corpo e alma, onde o afeto, como parte constituinte da dimensão anímica, não poderia ser matéria de estudos científicos, embora tenha ocorrido uma crescente valorização do indivíduo como ser pensante, portador de uma consciência individual e de liberdade. Durante séculos, esta dualidade razão/emoção foi o pensamento dominante que, além de arrogar o dualismo, aclamou a razão como a dimensão superior e que melhor qualificava o homem, renegando a emoção e classificando-a como a face sombria e nebulosa da natureza humana e responsável de uma parte substancial dos seus infortúnios. Nesta perspetiva, a razão teria a função de controlar/dominar a emoção, pois só assim o homem não correria o risco de perder a razão.
Nesta sequência, principalmente a partir do século XIX, numa espiral histórica de contestação sobre as conceções dualistas e suportada no desenvolvimento da ciência e da pesquisa, em quase todas as áreas do conhecimento, criam-se condições para a estruturação de um modelo teórico mais adequado. Para contrapor este domínio racionalista surge, no final do século XIX, o Positivismo, de Augusto Comte (1789-1857), firmando-se como um contributo importante para ratificar que o conhecimento só é possível através da razão. Assim, o pensamento humano norteia-se, de uma forma natural, para uma perspetiva mais holística do indivíduo, a chamada conceção monista sobre a constituição humana. Neste novo registo, a afetividade e a cognição passam a ser interpretadas como dimensões indissociáveis e parte do mesmo processo, não sendo possível analisá-las separadamente, mantendo entre si íntimas relações. Apenas no século passado, com o surgimento de teorias filosóficas, sociológicas e psicológicas mais focalizadas nos aspetos culturais, históricos e sociais do processo que interpretam a condição humana, são criadas as bases para uma nova perceção sobre o indivíduo e, particularmente, das relações entre a razão e a emoção. Consequentemente, estava criada, deste modo, a inevitável mutação da conceção humana que foi alimentada durante mais de três séculos. Assim, contrapondo a máxima cartesiana “penso, logo existo”, defendida por Descartes, na obra publicada em 1637, O Discurso do Método, em que a razão/pensamento é interpretada como causa da existência, surge uma nova máxima do neurocientista António Damásio “existo e sinto, logo penso” (Damásio, 2011), apontando uma evidente inversão do domínio secular da razão sobre a emoção, prenunciando que esta é o alicerce da estrutura cognitiva do ser humano.
Neste seguimento, tendo como suporte a teoria psicológica, procurou-se ancorar esta reflexão em pressupostos teóricos focalizados em conceitos onde o processo de desenvolvimento humano seja explicado pelas relações que o indivíduo estabelece com a sua cultura, inserido no seu ambiente social. Ao fundear-se este espaço reflexivo em modelos teóricos como os de (Vygotsky, 1998) e (Wallon, 1994) é permitido, à luz da teoria psicológica, explicar os mecanismos pelos quais os processos naturais/filogenéticos, existentes no recém-nascido, se incorporam com os processos culturais e sociais para originar as funções complexas que exprimem o Homem adulto.
Uma reflexão prévia sobre os processos de autorregulação da aprendizagem
Pela relevância dada aos afetos nos processos que envolvem o estudo da autorregulação da aprendizagem, será importante assimilar, nem que seja numa perspetiva exploratória, em que consistem os processos autorregulatórios para uma aprendizagem eficaz. Ao observar-se a investigação produzida, nas últimas décadas, sob o tópico da aprendizagem autorregulada, podemos concluir que é um novo e importante constructo explicativo dos processos de aprendizagem, com implicações evidentes no sucesso escolar (Bandura, 2002; Lopes da Silva, Veiga Simão, & Sá, 2007; Meirav & Marina, 2014; Randi & Corno, 2000; Rosário, 2004; Rosário, Núñez, & González-Pienda, 2004; Rosário, Núñez, Valle, González-Pienda, & Lourenço, 2013; 1994; Zimmerman, 2000).
Exatamente pela sua abrangência, este conceito pode aglutinar quase todas as variáveis processuais da aprendizagem. Neste sentido urge clarificar, tentando compreender exatamente em que consiste a aprendizagem autorregulada? Quais as teorias, modelos, fases e dimensões que lhe estão associadas?
Não existe nenhuma definição direta sobre o constructo da autorregulação da aprendizagem. O processo de autorregulação do aluno supõe o domínio e gestão de um conjunto de fatores que se apresentam como os elementos essenciais a uma aprendizagem de elevada qualidade e, previsivelmente, do êxito escolar (Boekaerts & Corno, 2005). Para essa aprendizagem de sucesso concorrem fatores como: o estabelecimento de objetivos nos sucessivos momentos de aprendizagem; o envolvimento na tarefa; o planeamento e gestão apropriada do tempo; a aplicação de estratégias válidas; a criação de um ambiente produtivo de trabalho; o uso e aproveitamento eficaz dos recursos disponíveis; a monitorização das realizações; a previsão dos resultados das suas atividades escolares e, sempre que necessário, a procura de ajuda e cooperação.
Para (Schunk, 1994) um aluno é considerado autorregulador da aprendizagem quando na atitude perante o estudo controla as suas ações, cognições, intenções e afetos relativos às suas realizações comportamentais. Por seu lado, (Rosário, 2004) refere que a autorregulação da aprendizagem pode ser definida como “um processo ativo no qual os sujeitos estabelecem os objetivos que norteiam a sua aprendizagem tentando monitorizar, regular e controlar as suas cognições, motivação e comportamentos com o intuito de os alcançar” (p. 37). Significa, também, a aptidão dos alunos para desenvolverem o conhecimento, as competências estratégicas e as atitudes necessárias para incrementar e facilitar as futuras aprendizagens não só em contexto escolar, mas também nos contextos de vida adjacentes (Zimmerman, 2000).
O estudo da autorregulação ao concorrer para o entendimento dos processos de aprendizagem em sala de aula, indagando a sua dinâmica e os seus resultados, desempenha um papel de realce na perceção e na configuração de ambientes de aprendizagem considerados de excelência. Os conhecimentos alcançados nos diferentes âmbitos de aprendizagem podem, por sua vez, ser utilizados nos diversos contextos de trabalho, pois o aluno ao desenvolver a autorregulação no seu processo de aprendizagem desenvolve a capacidade de transferir saberes, mestrias e comportamentos para novas situações de aprendizagem. Estes são tributos importantes para a motivação e a aprendizagem dos alunos e manifestam envolvimentos indispensáveis para o processo de ensino e aprendizagem no espaço escolar.
No entender de (Schunk e Zimmerman, 1996), outro aspeto importante no processo de autorregulação é que este advém, principalmente, de dois fatores: o social e as experiências controladas pelo próprio indivíduo. Desta forma, o vínculo que este mecanismo autorregulatório cria com os processos sociais, como a modelagem, a orientação e ajuda dos outros, é estudado como um dos aspetos mais evidentes na expansão e desempenho da autorregulação da aprendizagem. Nesta linha de pensamento, a aptidão do aluno para decidir quando é conveniente desenvolver trabalho isoladamente, ou com outros, quando se torna necessário invocar a cooperação dos professores, dos colegas ou outras fontes de informação, é indicativa de uma capacidade para regular o seu ambiente de aprendizagem. Neste sentido, poder-se-á dizer que um dos aspetos mais evidente do aluno autorregulador na sua aprendizagem é a capacidade para pedir apoio quando vivencia obstáculos durante a aprendizagem ou se depara com dificuldades em atingir as metas escolares estabelecidas. A este respeito, (Schunk e Zimmerman, 1994) referem a procura de ajuda como sendo uma estratégia adaptativa, principalmente quando usada para superar dificuldades com o propósito de obter a mestria e autonomia das aprendizagens.
Assim, o incremento da autorregulação da aprendizagem é primordial para a promoção do êxito escolar do aluno. Os alunos autorregulados estão intelectualmente ativos no decurso da aprendizagem, não se comportando como simples recetáculos desprovidos de informação (Lourenço & Paiva, 2010), mantendo um controlo ao longo das suas aprendizagens a partir da determinação e realização dos seus propósitos escolares (Schunk, 1990). Torna-se possível admitir, deste modo, que todos os alunos, em algumas áreas disciplinares, possam desenvolver a aptidão para regularem a aprendizagem e o rendimento escolar. Esta flexibilidade permite melhorar e incentivar a competência autorregulatória dos alunos, utilizando um esquema de caráter interventor e sistemático moldado para ensinar estratégias e competências, fomentando a autoeficácia para a aprendizagem e o estabelecimento de objetivos escolares realistas (Schunk & Ertmer, 2000).
Contribuições dos afetos na mestria escolar
Como referido, esta reflexão pretende discutir a dimensão afetiva nas práticas pedagógicas desenvolvidas em sala de aula, para promover alunos emotivos. Assim, verifica-se que na praxis pedagógica existe uma relação de âmbito afetivo e, dependendo da forma como é desenvolvida, motiva impactos afetivos, positivos ou negativos, na relação que se estabelece entre os alunos e o professor e, consequentemente, com os diferentes conteúdos disciplinares envolvidos. Tais impactos têm expressão através de comportamentos e atitudes afetivas de aproximação ou de afastamento nas relações que se vão criando entre as variáveis referidas (aluno, professor, conteúdos escolares, sociedade).
Em meio educativo, e de forma crescente, o estudo das emoções, da afetividade e as suas implicações nas abordagens ao ensino, tem sido tema de eleição nas últimas duas décadas. Manifestamente, as emoções e os afetos sempre foram tema das grandes teorias psicológicas, embora a preocupação dessas variáveis e estudo estivesse mais voltada para a questão teórica em detrimento da necessária investigação científica.
Nos últimos anos é visível que as temáticas das emoções e afetividade passaram a integrar a agenda de preocupações e investigação na área da Educação (Amado, Freire, Carvalho, & André, 2009; Arantes & Aquino, 2003; Extremera, Pena, & Garrido, 2016; Fernández-Berrocal, Cabello, & Gutiérrez-Cobo, 2017; Franco, 2009; Horno, 2007; Leite, 2006; Mahoney, 1993; Mora, 2013; Ribeiro, 2010; Ribeiro & Jutras, 2006; Toassa, 2014; Vasconcelos, 2004). Sendo o apelo para a inclusão destes conteúdos no processo de ensino e aprendizagem evidente (Castillo, Fernández-Berrocal, & Brackett, 2013; Extremera & Fernández-Berrocal, 2004; Fernández-Berrocal & Checa, 2016; Fernández-Berrocal et al., 2017; Jesus, 2002; Rey, Extremera, & Pena, 2016; Steiner & Perry, 2000; Zumaeta, Fuster & Ocaña, 2018).
Da revisão de literatura, é possível inferir que, quando nos focamos nas relações em sala de aula, a dimensão afetiva extrapola os limites das relações epidérmicas e contactos face a face. As investigações indicam, de forma clara, que todas as decisões planeadas e desenvolvidas pelos professores produzem fortes impactos afetivos nos alunos. Este facto norteia o nosso olhar para as práticas pedagógicas envolvidas, especificamente, com as condições de ensino, empreendendo identificar e estudar as repercussões que as mesmas produzem nas relações que se estabelecem entre os alunos e os respetivos conteúdos abordados em sala de aula.
Assim, esta focalização da dimensão afetiva nos processos de ensino e aprendizagem terá como suporte de investigação os racionais teóricos de (Vygotsky, 1998) e (Wallon, 2007) que enfatizam as determinantes culturais, históricas e sociais da condução humana e consideram que, no Homem, as dimensões afetiva e cognitiva são inseparáveis.
Uma abordagem ao modelo teórico de Wallon
(Wallon, 2007) desenvolveu uma teoria sobre o processo de desenvolvimento humano focado no modo de relação entre quatro grandes núcleos funcionais: a afetividade, a cognição, o movimento e a pessoa. Para o autor, o mecanismo de aperfeiçoamento, que sobrevém através da interação continuada entre esses núcleos, só pode ser explicado pela relação lógica entre os processos biológicos/orgânicos e o ambiente social, isto é, o biológico e o social são indissociáveis, estando dialeticamente sempre relacionados. É visível um contributo significativo na compreensão do psiquismo humano, dirigindo a sua atenção aos indivíduos em princípio de vida, por ser nessas fases de vida possível ter acesso à génese dos processos psíquicos (Wallon, 2007).
Para o autor, emoção e afetividade são conceitos distintos. A emoção é a primitiva ligação que se cria entre o próprio e os indivíduos que constituem o ambiente, estruturando as manifestações iniciais de estados subjetivos, com fatores orgânicos. As emoções compõem-se na sua essencialidade em sistemas de comportamentos e atitudes que correspondem, per si, a uma situação muito específica, onde as atitudes e ações correspondentes se implicam mutuamente, ou seja, são manifestações de estados subjetivos, mas com componentes orgânicos (Wallon, 2007). Assim, na teoria walloniana, a emoção é o primeiro e mais forte vínculo que se estabelece entre o indivíduo e o ambiente onde está inserido. Apresentando três propriedades: (i) contagiosidade, as emoções contagiam; (ii) plasticidade, as emoções são refletidas no corpo, através de sinais; e (iii) regressividade, as emoções intervêm na dimensão racional.
Por sua vez, a afetividade é uma dimensão mais complexa, de estruturação mais tardia, abarcando as emoções e os sentimentos. Esta variável evolui à medida que o indivíduo se vai apropriando dos processos simbólicos da cultura, os quais vão facultar os moldes de representação da própria dimensão afetiva. Assim, poder-se-á dizer que as emoções se vão revestir de maior complexidade e teor cognitivo para, finalmente, criar a dimensão afetiva no indivíduo. Neste âmbito, emoção e cognição coexistem de forma continuada no processo de desenvolvimento, embora o autor reconheça que há períodos de predomínio alternado entre as duas funções. Como menciona (Mora, 2013) não é possível incrementar a inteligência na ausência de afetividade, e o contrário também é verdadeiro, pois ambas se constituem como uma unidade de contrários.
O sentimento inclui uma experiência subjetiva, representa o modo como cada indivíduo vivencia uma emoção, que surge primeiro, sendo o sentimento uma emoção tornada consciente, ou seja, “é através dos sentimentos, que são dirigidos para o interior e são privados, que as emoções, que são dirigidas para o exterior e públicas, iniciam o seu impacto na mente” (Damásio, 2013, p. 56). Nessa interpretação, enquanto as emoções são ações automáticas, constituindo mecanismos usuais para a sobrevivência, os sentimentos são sensações que surgem após o cérebro interpretar as emoções.
Para (Wallon, 1994) a origem da afetividade está nas emoções, pois ao partir das condições orgânicas de vida, a emoção tem uma importância e amplitude incomparáveis que não se limita apenas ao facto de preceder a vida de relação.
Nesta sequência e em contexto educativo, da revisão de literatura é possível observar que muitos autores têm defendido a essencialidade do afeto no ato de ensinar, inferindo-se que as relações existentes entre ensino e aprendizagem têm como ignição o afeto. Alguns trabalhos de investigação têm contribuído para a discussão da relevância da dimensão afetiva na estruturação psicológica do indivíduo (Horno, 2007; Tassoni, 2000; Zumaeta et al., 2018).
Uma perspetiva do modelo teórico de Vygotsky
Na teoria de (Vygotsky, 1998) é referido que o ser humano ao nascer com as suas funções primárias, de natureza filogenética, e ao ser inserido no ambiente cultural, vai adquirindo, de forma ordenada, as denominadas funções superiores, que caracterizam o indivíduo. O autor indicia a memorável divisão entre os afetos e a cognição, realçando-a como sendo um dos maiores problemas da teoria psicológica do passado. Lembra, ainda, que as emoções se desenvolvem do plano individual e biológico, para um plano superior e simbólico, de significações e sentidos, estruturados pela cultura. O compromisso de Vigotski passa, assim, em compor uma psicologia das emoções/afetos em que coubessem as múltiplas manifestações da vida emocional humana, vivenciais e comportamentais. Enuncia a extrema importância da filosofia de Espinosa nas ideias sobre a regulação dos afetos, bem como assinala algumas ideias inspiradas neste autor para a abordagem dos afetos no campo da apelidada psicologia concreta da personalidade (Toassa, 2014).
Segundo (Lane e Camargo, 1995), o modelo teórico de Vygotsky concorre para o estudo das emoções ao afirmar que as leis que conduzem o pensamento emocional diferenciam-se completamente daquelas a que está submetido o pensamento lógico discursivo, dado que no pensamento emocional as questões relativas ao processo cognitivo perdem a predominância, remetendo-se a uma intensidade menor dificultando o seu reconhecimento. Assim, o ato de aprender implica estar, sentir e relacionar-se com o outro que, por sua vez, é mediador da cultura e esta interação impulsiona novas construções sociais.
Partindo destes pressupostos, é relevante considerar a atuação do professor e as implicações da mediação empreendidas na aprendizagem dos alunos, pois é neste processo de interação social que se constrói a subjetividade, no qual o indivíduo, se apropria da cultura, alterando-se numa criativa, singular e de compartilhada construção. Para (Vygotsky, 2007) esta ideia de mediação constitui-se como um instrumento concetual muito apropriado para incentivar um pensamento psicológico, suportado na noção que as funções psíquicas humanas têm origem nos processos sociais, e estas são consideradas relações sociais interiorizadas.
Em contexto educativo os professores esclarecem a realidade aos alunos, integrando-os no mundo de cada um, para concretizar eficazmente a função que a escola tem. O aluno ao conhecer o seu papel na sociedade e sendo consciente da sua responsabilidade, torna-se crítico e participa da comunidade onde vive, transformando-a. Esta questão considera a construção das funções psicológicas superiores como resultado do desenvolvimento cultural e não do biológico, onde a perspetiva adotada para problematizar o desenvolvimento psicológico e, particularmente, o cognitivo, transita de uma influência social externa sobre o indivíduo para uma influência social interna, é o centro nevrálgico da pesquisa de (Vygotsky, 2007).
Verifica-se, assim, a importância da mediação no processo de aprendizagem do aluno onde os sistemas de símbolos produzidos na sociedade, na qual vivem, não são apenas simples auxiliadores da atividade psicológica, mas seus formadores. Desta forma, a aprendizagem significativa, na perspetiva teórica de (Vygotsky, 2007) fundamenta-se na atividade social, na prática externa partilhada, na ação como elemento inseparável da representação e vice-versa. Um significado é, assim, mais uma ação mediada e interiorizada.
Tendo em atenção estes pressupostos, é fundamental reassumir a conexão da mente com a sociedade, se pretendermos recuperar o sentido e não só o significado de conceitos em educação.
Uma aproximação dos modelos de Wallon e Vygotsky
Do exposto, é possível inferir uma aproximação das posições assumidas por Wallon e Vygotsky, nomeadamente, ambos adotam uma conceção desenvolvimentista sobre as manifestações da afetividade: inicialmente orgânicas, as emoções vão ficando mais complexas à medida que o indivíduo se desenvolve num meio cultural, passando a sua atuação para um universo simbólico, incrementando e tornando mais complexas as suas formas de manifestação, estruturando a dimensão afetiva, e assumindo o carácter social da afetividade, onde esta dimensão não tem uma índole natural, mas sim constituída na relação com o outro.
Suportados nos racionais teóricos de Vigotsky e Wallon, é apresentada por (Leite, 2012) uma síntese sobre a afetividade que se poderá perspetivar numa vertente educativa. Assim, o autor refere que a estruturação da cognição é um processo que se desenvolve a partir da relação que se cria entre o indivíduo e o objeto em questão. No decurso da relação, o indivíduo participa ativamente. Neste processo estão incluídas todas as situações em que o indivíduo se envolve com a sociedade, particularmente na escola, que tem como meta fundamental criar os caminhos de acesso ao conhecimento acumulado, considerado indispensável para a formação dos alunos enquanto cidadãos.
Tendo em consideração o descrito, toda a relação indivíduo-objeto é sempre mediada por agentes sociais, isto é, pais, professores, pares, etc. Como consequência, é possível inferir que a qualidade da mediação desenvolvida é um dos principais determinantes da relação que se celebrará entre o aluno e o objeto do conhecimento, abarcando, em simultâneo, as dimensões cognitiva e afetiva. Considerando o espaço micro de sala de aula, poder-se-á presumir que a qualidade das relações afetivas, que se criam entre alunos e conteúdos escolares provém, essencialmente, da praxis pedagógica desenvolvida, a qual produz um impacto afetivo no aluno, este pode facilitar movimentos de aproximação ou de afastamento, de âmbito afetivo e subjetivo, entre o aluno e o respetivo conteúdo de aprendizagem (Elijah, 2014; Mora, 2013).
Nesse sentido, todos os comportamentos e atitudes adotadas pelo professor, constituem-se, também, como um dos principais fatores que podem determinar o êxito ou fracasso no processo de apropriação do conhecimento realizado pelo aluno (Amado et al., 2009; Extremera et al., 2016; Fernández-Berrocal et al., 2017; Horno, 2007; Zumaeta et al., 2018). A visão mais atual nesse processo é a ratificação das relações que se criam entre indivíduo-objeto-mediador que também têm um forte cunho afetivo; ou seja, não se circunscrevem apenas à competência cognitiva, como era sustentado pelo pensamento dualista tradicional, mas a experiências e rotinas de aprendizagem que estimulam repercussões internas e subjetivas de essência basicamente afetiva.
Do exposto, espera-se que a escola, através das práticas desenvolvidas em sala de aula, consiga fomentar aprendizagens de sucesso, um processo em que o aluno se aproprie cognitiva e significativamente do conteúdo, mas que se caracterize, igualmente, por um vínculo de aproximação ao ato de aprendizagem, efetivamente marcado por impactos afetivamente positivos entre o aluno e os conteúdos abordados.
Na perspetiva dos afetos, (Leite, 2012) refere que essa constatação está relacionada a vivências de mediação marcadas por impactos afetivamente negativos, que produzem um movimento de afastamento entre o aluno e os conteúdos programáticos. Mais refere o autor que, um dos objetivos essenciais da investigação no âmbito da afetividade será dar continuidade à descrição e análise das práticas pedagógicas, desenvolvidas efetivamente no espaço micro de sala de aula, que apoiem, particularmente, o movimento de aproximação entre os alunos e os conteúdos escolares.
Conclusão
A sala de aula é um ambiente onde as emoções se expressam e poder-se-á supor que as experiências vivenciadas com os professores irão imprimir um sentido afetivo ao conhecimento, revelando a qualidade do objeto apropriado pelo aluno. Essa fusão experiencial constituirá a história de vida de cada aluno que atuará na configuração do significado desse conhecimento, em que participam em conjunto os aspetos cognitivos e afetivos no processo de aprendizagem.
Sobre o exposto, (Elijah, 2014) referindo-se à teoria cognitivista do desenvolvimento humano, refere que a aprendizagem é um processo ativo em que os indivíduos elaboram novos pensamentos ou conceitos suportados em conhecimentos passados e atuais, selecionando e modificando as informações, construindo hipóteses e decisões, baseando-se numa estrutura cognitiva para o fazer. Também (Mora, 2013) salienta a importância de não colocar excessivamente a tónica no campo cognitivo e dar maior ênfase aos resultados no campo emotivo.
Poder-se-á inferir que é necessária uma escola na qual os alunos se apropriem do conhecimento, que promovam aprendizagens significativas através das suas próprias experiências de vida e do conhecimento do mundo, respeitando as diferenças e norteando-se pela afetividade. Uma escola onde os alunos possam ser críticos, inquiridores e usufruir da riqueza que a humanidade acumulou nas diferentes áreas do saber. Uma escola onde, na máxima de (Damásio, 2011), cada indivíduo se possa rever como um ser humano que existe e sente, logo pensa e questiona.
Fechando o ciclo reflexivo iniciado na introdução, reafirma-se a importância de contrapor a máxima cartesiana “penso, logo existo”, defendida por Descartes, pela máxima de Damásio “existo e sinto, logo penso” (Damásio, 2011), indicando ser este o alicerce da estrutura cognitiva do aluno, uma clara inversão do domínio secular da razão sobre a emoção. Tendo em consideração a essencialidade da autorregulação da aprendizagem em contexto escolar, poder-se-á dizer que o afeto é uma dimensão essencial e fulcral na relação pedagógica, constituindo uma ferramenta imprescindível na e para a educação de uma sociedade futura mais emotiva. Como indicam (Zumaeta et al., 2018) a afetividade emerge no ensino, motivando boas relações pessoais, e incute sentido à aprendizagem, aos atos e vida dos alunos.
Grande parte da carga afetiva no espaço micro de sala de aula é percecionada através das relações entre professor e alunos, nomeadamente: olhares, posturas, conteúdos cognitivos, contactos, proximidade, tom de voz, formas de acolhimento, instruções, correções, comunicações verbais e não-verbais, entre outras. Estes comportamentos e atitudes são, per si, o âmago da trama de relações interpessoais que infligem um enorme impacto afetivo no aluno, positivo ou negativo, dependendo da forma como essas interações são vivenciadas.