Introdução
Em 2022, houve redução das mortes violentas intencionais (Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), 2022). Contudo, apesar dessa melhora, o Brasil ainda convive com altos índices de criminalidade e de violência extrema, pois, conforme apontado no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, o país tem apenas 2,7% da população mundial, mas um percentual de 20,4% dos homicídios de todo o planeta. Assim, a questão de políticas públicas voltadas à seguridade dos indivíduos permanece sendo um assunto relevante que precisa ser estudado e posto em debate.
Já com relação ao período analisado, 2017-2020, o Brasil alcançou seu ápice histórico em 2017, quando a taxa de mortes violentais intencionais (MVI) passou de 30 por 100 000 habitantes. Por sua vez, nos anos de 2018 e 2019, houve redução das MVI; porém, em 2020, houve crescimento de 4% quando comparado ao ano anterior (FBSP, 2021). Diante disso, questiona-se se ainda há esperança na segurança pública no Brasil.
Desse modo, torna-se oportuno verificar a eficiência dos gastos em segurança pública, pois este é um indicador necessário para que os gestores possam aplicar os recursos públicos da melhor forma possível, propiciando assim um maior benefício para a sociedade (Lucena et al., 2021; Schull et al., 2014). Além do mais, apesar do alto valor investido, nem sempre o retorno desses dispêndios é contemplado com a redução da violência e da criminalidade.
Alguns autores pesquisaram sobre a eficiência dos dispêndios na área de segurança pública através da análise envoltória de dados (DEA, sigla em inglês), tanto no âmbito municipal quanto estadual, a fim de verificar se o recurso está sendo bem alocado com relação às taxas de criminalidade (Flegl & Gress, 2023; Lucena et al., 2021; Monte & Leopoldino, 2020; Araújo et al., 2020; Schull et al., 2014; Arantes et al., 2012).
Quando se trata de criminalidade, vem à tona a segurança pública, que, segundo o artigo 144 da Constituição Federal (1988), é função do Estado, além de ser direito e responsabilidade de todos. De acordo com Schull et al. (2014), os governantes podem melhorar seus processos de tomada de decisão sobre os investimentos a serem feitos bem como os resultados daquilo já feito na administração pública através de ferramentas, tais como a contabilidade pública.
Ademais, o tema discutido se relaciona com a contabilidade ao admitir-se que esta, enquanto ferramenta, se torna a escrituração econômica da decisão política. Em outras palavras, é a responsável por prover não só os dados financeiros que externam as decisões como também a maneira que tais dados foram escriturados, pois, como apontado por Freitas (2015), a contabilidade contribui para a eficiência e a qualidade do gasto público em diversas áreas, por exemplo, transparência e prestação, avaliação e desempenho, sistema de custos e gestão de ativos e passivos.
Logo, é notória a atuação da contabilidade, principalmente no controle e no planejamento dos gastos públicos, concedendo aos gestores informações úteis, mais fidedignas e tempestivas (Freitas, 2015). Destarte, é por meio da contabilidade pública que as decisões acerca dos recursos orçamentários terão como foco os resultados, ou seja, não é somente quanto se gasta, mas também como o recurso é aplicado e qual o seu efeito (Rezende et al., 2010).
Tomando como base esse fator, este artigo tem como objetivo identificar, mediante DEA, a eficiência do gasto em segurança pública das unidades federativas (UF) do Brasil, tendo como contrapartida os índices de criminalidade. Logo, apresenta-se como pergunta de pesquisa: qual eficiência do gasto em segurança pública das UF do Brasil de 2017 a 2020?
Visto isso, surge a necessidade em verificar como as UF têm se portado no decorrer dos anos e como a despesa per capita com gasto em segurança pública interfere na eficiência ou não do maior número de acontecimentos criminosos, sendo aqui considerados estupros, homicídios dolosos, roubo e furtos de veículos, e tráficos de entorpecentes.
Adicionalmente, dada a escassez das políticas públicas no combate à criminalidade (Pinto & Coronel, 2015), a relevância e a justificativa deste estudo estão atreladas à situação em que o Brasil se encontra, no período analisado, com índices de criminalidade e violência elevados.
Portanto, espera-se que esta pesquisa contribua para a literatura e para o estado da arte acerca da temática, ao trazer um assunto atual, com dados pertinentes e retificados pelo FBSP em 2 de agosto de 2022. Além disso, que possa orientar os gestores públicos quanto aos resultados que suas escolhas trazem, devendo inclusive acrescer à literatura sobre segurança pública e seu viés financeiro, que apresenta demanda social e política tal como pode ser visualizado na sociedade como um todo.
Fundamentação teórica
A eficiência do gasto público é alvo de pesquisa em diversas áreas de estudo recentemente, tanto em saúde (Jung et al., 2023; Andonova & Trenovski, 2023; Viana & Boente, 2022; Lima & Bezerra, 2022; Oliveira et al., 2022) quanto educação (Andonova & Trenovski, 2023; Lima & Bezerra, 2022; Parente et al., 2021; Sousa et al., 2021; Bernardo et al., 2021), bem como na segurança.
Na área da saúde, por exemplo, Viana e Boente (2022) retratam a saúde dos indivíduos como responsabilidade dos gestores e que a definição das políticas públicas é definida com a intenção de alocar da melhor forma os gastos dessa área. Já com relação à educação, Parente et al. (2021) discorrem que, se a aplicação for realizada sem o devido planejamento dos recursos, poderá ter como efeito a perda de eficiência nos resultados e acarretar problemas de continuidade nas instituições educacionais.
Enquanto isso, versando sobre segurança, o artigo produzido por Musis et al. (2023) traz preocupações do ponto de vista da segurança pública no estado do Mato Grosso após a realização de entrevistas estruturadas com a população; no estudo, os autores detectaram os tópicos que precisam receber mais atenção, tais como: roubo de veículos, assalto ou roubo, violência sexual, tráfico de drogas, percepção de segurança ao caminhar de dia ou de noite, punição às transgressões, policiamento, entre outros.
Por sua vez, Ribeiro (2022) trata acerca dos resultados fiscais e da eficiência da gestão pública estadual, em que conclui que a junção de desempenho fiscal e resultados sociais pode trazer uma alocação ótima de recursos públicos que não venha a comprometer a situação fiscal e que traga reflexo nas atividades sociais, como saúde, educação e segurança pública.
Ao tratar sobre segurança pública e eficiência, o trabalho desenvolvido por Silva (2021) expôs uma conjuntura dos indicadores de criminalidade relacionados com o gasto em segurança pública nos estados brasileiros de 2010 a 2018, apresentando a teoria do crime para amparar as variáveis de criminalidade utilizadas no modelo que foram compostas de homicídios dolosos, latrocínios, estupros, roubo de veículos, armas apreendidas e tráfico de entorpecentes. Como principal resultado, pode-se identificar que os indicadores de criminalidade estão positivamente relacionados, de forma significativa, com a despesa em segurança pública e que as regiões geográficas não são estatisticamente significantes para determinar os gastos com segurança pública.
O estudo de Lucena et al. (2021) analisou a eficiência dos dispêndios em segurança pública nos municípios baianos no ano de 2018 através do cálculo de eficiência do DEA e encontrou como principal resultado que uma parcela majoritária da amostra dos municípios baianos que foram utilizados na pesquisa aplica de forma indevida os recursos, ou seja, a maioria dos municípios apresenta ineficiência de escala.
Ao analisar o grau de eficiência nos gastos per capita em segurança pública nos estados brasileiros, Costa et al. (2021) discutem sobre a inadequada utilização das receitas governamentais, pois, no período analisado, houve uma diminuição da eficiência das unidades estudadas, trazendo a importância da Lei de Responsabilidade Fiscal como questão a ser mais debatida.
O artigo realizado por Monte e Leopoldino (2020) analisou a eficiência dos gastos em segurança pública nos estados brasileiros e no Distrito Federal para o ano de 2017, através da metodologia do DEA, apresentando um nível de eficiência médio de 65.6% e tendo como outputs as variáveis de homicídios dolosos, latrocínios e estupros, apresentando apenas sete estados com eficiência máxima de escala.
Nessa mesma perspectiva, Araújo et al. (2020) identificaram os fatores que influenciam o desempenho dos gastos com segurança pública nos estados brasileiros, de 2011 a 2015, utilizando-se também da DEA, tendo a despesa como segurança pública como variável de entrada e como variáveis de saída os quantitativos de homicídios dolosos, latrocínios, crimes violentos letais intencionais e estupros. Após a realização do DEA, foi identificado que o melhor desempenho do país foi o da Paraíba e o pior no estado de Rondônia; nenhum estado teve eficiência máxima durante todo o período analisado.
Nesse contexto, Dantas et al. (2016) mensuraram o grau de eficiência na alocação dos recursos em segurança pública nos estados do Nordeste em 2013, através da metodologia do DEA, mostrando como resultado principal que os estados dessa região, em sua maioria, são ineficientes nos gastos em segurança pública.
Por sua vez, Schull et al. (2014) buscaram medir o grau de eficiência dos estados brasileiros na alocação dos gastos públicos na área da segurança, verificando a relação desses dispêndios com os índices de criminalidade por meio da DEA em 2012. Valendo salientar que os índices de criminalidade utilizados foram os quantitativos de homicídios dolosos, latrocínios, homicídios culposos de trânsito, tráfico de entorpecentes e estupros. Como principais resultados, tem-se que dos 23 estados analisados na pesquisa, praticamente a metade (12 estados) obteve o nível de eficiência máxima.
No panorama da análise municipal, Arantes et al. (2012) objetivaram analisar a eficiência dos municípios mineiros quanto à alocação dos gastos em segurança pública para 2017. Posto isso, utilizou-se a DEA para evidenciar a eficiência da amostra composta de 316 municípios em que apenas 18, ou seja, em torno de 5,6%, foram eficientes. Desse modo, torna-se preocupante a eficiência dos recursos utilizados para combater a criminalidade e a implementação de políticas públicas de prevenção.
Criminalidade esta que tem aumentado nos últimos anos e tem gerado problemas políticos, sociais e econômicos, resultando em uma maior desigualdade social (Ferreira et al., 2021), precisando verificar-se a eficiência desses dispêndios (Costa et al., 2021) para entender se as receitas estão sendo bem alocadas e se a quantia gasta reflete na diminuição da criminalidade.
Metodologia
Para atender o propósito deste trabalho, utilizou-se a DEA, que é um procedimento não paramétrico e determinante para avaliar a eficiência de um conjunto de unidades de decisão, isto é, decision making units (DMU), sendo uma das técnicas mais adotadas para mensurar a eficiência em diferentes contextos (Jung et al., 2023; Ligarda & Ñaccha, 2006).
A eficiência medida pela DEA utiliza programação matemática e linear que, através da análise das DMU, verifica quais unidades conseguem maximizar os inputs para a produção dos outputs (Jung et al., 2023; Ikram et al., 2023).
Para a aplicação da DEA, o primeiro passo foi definir as entradas (inputs) e as saídas (outputs) utilizadas com o intuito de verificar a melhor prática observada conforme os dados apresentados. Portanto, no modelo utilizado, que consiste em 27 DMU, representativas das UF do Brasil, foram identificadas uma entrada e quatro saídas.
O input foi a despesa per capita de gastos em segurança pública e, como outputs, tem-se homicídios dolosos, latrocínios, roubo e furtos de veículos, e tráfico de entorpecentes, em que todos os indicadores de criminalidade foram utilizados suas taxas por 100 000 habitantes para que os valores estejam padronizados em cada uma das DMU. As variáveis escolhidas foram amparadas pela literatura (Silva, 2021; Araújo et al., 2020; Schull et al., 2014), além da sua disponibilidade de dados através do FBSP (2020).
Ainda quanto às variáveis utilizadas de entrada e saída, identifica-se, no estado da arte da presente temática, que há consenso na utilização dos gastos com segurança pública como input e nos indicadores de criminalidade como outputs, assim como foi identificado pelo trabalho de Silva Almeida e Pitombeira Neto (2020).
Após essa etapa, foi escolhida a orientação BCC1 e o modelo input, reduzindo o recurso e mantendo constate os produtos. A orientação é importante, pois, para o cálculo da eficiência com orientação BCC, a DMU é comparada com as unidades que operam em uma escala semelhante umas com as outras, uma vez que pressupõe retornos variáveis de escala, tendo assim um maior número de DMU eficientes. Isso fica claro quando falamos que não dá para comparar um time de futebol da série A do campeonato brasileiro com um time de futebol da série D, por exemplo.
Na orientação do modelo BCC, em circunstâncias distintas, a produtividade é variável, sendo utilizado para calcular a eficiência técnica. Outrossim, no modelo BCC, quando uma unidade utiliza menos insumo ou produz mais produtos, passa a ser consideradas eficientes (Banker et al., 1984; Banker & Thrall, 1992).
Nota-se a importância da utilização dos estados mais o Distrito Federal para essa análise, pois, assim como mostrado na pesquisa de Viana e Boente (2022), eles são demograficamente maiores que os municípios, podendo ter uma visão mais global do fenômeno ocorrido.
Os dados foram extraídos dos Anuários Brasileiros de Segurança Pública, redigidos pelo FBSP, de 2017 a 2020. Para o processamento dos dados, utilizou-se o software estatístico R Studio. Esse período foi escolhido em função de ser os quatro últimos anos com dados disponíveis on-line e com as devidas retificações feitas pelo FBSP.
As variáveis aplicadas no modelo, extraídas dos relatórios do FBSP, estão descritas na Tabela 1.
Ademais, vale salientar que este artigo pressupõe que a injeção de recursos na segurança pública tende a diminuir os índices de criminalidade; posto isso, utilizou-se a inversão das taxas de criminalidade como indicado na equação (1); em seguida, o indicador final de cada um dos outputs na DEA.
Logo, identifica-se que a inversão do indicador é necessária no cálculo da DEA para a eficiência do gasto em segurança pública, pois, assim como aponta o estudo de Silva Almeida e Pitombeira Neto (2020), após o aumento do gasto em segurança pública, espera-se a diminuição da criminalidade.
Para mensurar a eficiência dos gastos em segurança pública das UF do Brasil, tem-se a equação (2).
A seguir, tem-se a análise e a discussão dos resultados. Inicia-se pela estatística descritiva e passa-se à análise da eficiência do gasto em segurança pública de cada UF do Brasil.
Resultados e discussão
Ao se observar, na tabela 2, a estatística descritiva, pode-se verificar que os dados se apresentam com baixo desvio-padrão em praticamente todas as métricas, enquanto na despesa com segurança pública per capita, é constatado o seu valor mais destoante, que pode ser percebido pelo desvio -padrão e pela diferença entre o seu valor máximo e mínimo, devido ao fato de que alguns estados investem mais em políticas públicas voltadas para a segurança do que outros.
A tabela 2 evidencia uma visão descritiva das variáveis, em que a amostra é composta de 108 observações, distribuídas em cinco variáveis (despesas com segurança pública, homicídios dolosos, latrocínios, roubo e furto de veículos, e tráfico de entorpecentes), tendo todas as variáveis em todos os estados para cada ano, sem ausência de informações para o período de 2017 a 2020 nos indicadores utilizados. Adicionalmente, observa-se que não há uma variação elevada entre os valores mínimos e máximos nos valores utilizados, apresentando de forma geral um desvio-padrão baixo.
De forma complementar, reitera-se que o FBSP faz retificações nos seus dados anualmente, sendo a última realizada em 2 de agosto de 2022, o que dá mais robustez aos dados, pois foram gerados de fontes oficiais de governo ou estado, que são as respectivas Secretarias de Segurança Pública.
Partindo para a discussão dos resultados com a literatura, entende-se que, assim como apontado por Silva (2021), os gastos em segurança pública são elevados, mas os índices de criminalidade continuaram crescendo nos últimos anos. Logo, questiona-se como estão sendo utilizados esses recursos e qual a eficiência deles na área da segurança.
O estudo de Silva (2021) ainda apresenta os indicadores de criminalidade relacionados ao desembolso com segurança pública nos estados brasileiros e que homicídios dolosos, latrocínios, estupros, roubo de veículos, armas apreendidas e tráfico de entorpecentes são relevantes para determinar os dispêndios na área de segurança pública. Portanto, foram esses indicadores de criminalidade que esta pesquisa buscou utilizar no período analisado de 2017 a 2020, embora o quantitativo de estupro e armas apreendidas não tenha sido utilizado porque não estava disponível pelo FBSP de todos os anos em todas as UF.
Como este trabalho se propôs a calcular e analisar a eficiência dos gastos com segurança pública nas UF brasileiras, a tabela 3 apresenta os valores de eficiência das 27 UF do Brasil de 2017 a 2020, realizados por meio da DEA.
Após o cálculo dos scores, foi possível identificar a eficiência de cada uma das UF de 2017 a 2020, tal como sua média nesse intervalo, como mostrado na tabela 3. Assim, conforme os resultados, apresenta-se que, durante esses quatro anos, apenas em três DMU contam com eficiência máxima de 100%: Piauí, Santa Catarina e São Paulo, porém isso não acarreta dizer que essas UF são locais totalmente tranquilos e com os menores indicadores de criminalidade, mas sim que, nesse período analisado, com relação aos índices de homicídios dolosos, latrocínios, roubo e furto de veículos, e tráfico de entorpecentes, a despesa com segurança pública teve a melhor relação almejada para a DEA confrontada com as demais UF.
Nesse contexto, entende-se que os achados podem eventualmente estar distorcidos em função de não notificação ou subnotificação de ocorrências, assim como é retratado no FBSP (2021).
Outrossim, os estados de Ceará, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Norte também obtiveram eficiência máxima em um ou mais anos de 2017 a 2020, sendo o ano de 2017 o que apontou mais UF com eficiência máxima dos gastos com segurança pública, totalizando nove UF, e o ano de 2020 o que apontou menos estados com eficiência máxima, apresentando apenas seis (Maranhão, Mato Grosso, Paraíba, Piauí, Santa Catarina e São Paulo).
Contudo, apesar de o estado de Mato Grosso, por exemplo, ter obtido eficiência máxima em dois anos, no momento analisado, a pesquisa retratada por Musis et al. (2023) salienta que a segurança pública está como um dos principais fatores pleiteados pela população e que esse tocante afeta as práticas sociais, bem como adiciona obstáculos ao crescimento econômico.
Vale salientar que os estados do Ceará, Minas Gerais e Rio Grande do Norte obtiveram eficiência máxima nos três primeiros anos do período analisado, mas, no último ano, apresentaram uma eficiência menor. É relevante também mencionar que os estados do Rio Grande do Sul e do Tocantins não obtiveram eficiência máxima em nenhum ano no período analisado, bem como a eficiência declinou de 2017 a 2020, tendo seu menor valor no último ano.
Além disso, a média global no espaço de tempo analisado se mostrou mediana (73.33%), o que revela que ainda tem muito a ser melhorado para se alcançar a eficiência máxima dos gastos com segurança pública no combate à criminalidade. Ao tratar do grau de eficiência nos gastos, Costa et al. (2021) retratam que a aplicação dos recursos será condição essencial para que os estados possam ser considerados eficientes nas implementações de políticas públicas. Logo, quando os dispêndios não são bem alocados, diminui-se a eficiência tanto na segurança pública quanto em qualquer outra área.
Como mostrado na tabela 3, para os anos de 2017 a 2020, os estados que obtiveram eficiência máxima foram Piauí, Santa Catarina e São Paulo, em todos os anos, mas, no estudo de Araújo et al. (2020), o estado que apresentou maior eficiência de 2011 a 2015 foi a Paraíba, seguido do Pará e do Distrito Federal; por sua vez, os estados de Santa Catarina e São Paulo apareceram somente nas posições 10º e 9º, respectivamente, além de o estado do Piauí ter sido excluído da amostra por não haver dados disponíveis entre 2011 e 2015 da variáveis utilizadas.
Desse modo, essa diferença entre os resultados desta pesquisa com o estudo de Araújo et al. (2020) pode ser explicada pelas variáveis utilizadas serem diferentes, haja vista que, neste estudo, utilizaram-se homicídios dolosos, latrocínios, roubo e furtos de veículos, e tráfico de entorpecentes, enquanto naquela pesquisa, os outputs utilizados foram homicídios dolosos, latrocínios, crimes violentos letais intencionais e estupros. Um outro fator que indica tal diferença é o período analisado, mas aponta-se, principalmente, a diferença das variáveis utilizadas.
O sucesso do estado de Santa Catarina ao ter eficiência técnica máxima pode ser devido ao fato de a região ter menores índices de criminalidade se comparado com a média dos demais estados (FBSP, 2020). Enquanto no estado São Paulo, a quantidade de crimes pode até ser maior, mas tem uma densidade populacional maior também. Então, como a despesa com segurança pública é per capita, através da aplicação da metodologia da DEA, observa-se eficiência máxima.
Ainda no que refere à tabela 3, percebe-se que o estado de Minas Gerais apresentou eficiência máxima em três anos (2017, 2018 e 2019), tendo uma média de 92.81%, estando, portanto, no estrato de grau de eficiência muito elevado, resultado este que é contrário ao apontado pela pesquisa de Arantes et al. (2012) que cerca de 87% da amostra se apresentou ineficiente ao nível inferior a 10%. Essa diferença deve-se, provavelmente, pelo fato de o artigo deles analisarem os municípios mineiros em 2007 e que nem todas as cidades foram representadas na amostra do estado mineiro.
Com relação à eficiência referente a 2017, tem-se como discussão de resultados o artigo publicado por Monte e Leopoldino (2020), em que é apontado um percentual de 65.6% de eficiências das UF do Brasil, em contraponto a um percentual de 76.61% desta pesquisa. Como estão sendo analisadas o mesmo ano, com a mesma modelagem estatística através do DEA, essa diferença deve-se pelas variáveis utilizadas como outputs serem diferentes em ambas as pesquisas, mas, ainda assim, nota-se que os valores, em média, são próximos.
Após isso, foi apurado o estrato de eficiência de cada uma das UF, conforme a tabela 4, em que, segundo Schull et al. (2014), o grau de eficiência medido pela DEA apresenta eficiência de 0 a 1, sendo representada a faixa de 0 a 0,25 como baixo grau de eficiência, de 0,26 a 0,74, médio grau de eficiência, de 0,75 a 0,99, alto grau de eficiência e 1,00 seria a eficiência máxima.
Todavia, nesta pesquisa, utilizou outro estrato de acordo com a tabela 4 em que o estrato de eficiência (E) menor que 0,25 significa baixo grau de eficiência, o estrato de eficiência entre 0,25 e 0,50 significa médio grau de eficiência, de 0,50 a 0,75, elevado grau de eficiência, de 0,75 a 0,99 é classificado como grau de eficiência muito elevado e o estrato de eficiência igual a 1,00 também representa a eficiência máxima.
Assim, após a apresentação da tabela 4, identifica-se que, em 2017 (primeiro ano da análise), por exemplo, não houve nenhuma UF com baixo grau de eficiência e que a maioria das UF brasileiras se comportou no estrato de médio grau de eficiência (oito no total) e eficiência máxima (nove no total). Por sua vez, no último ano analisado (2020), foi bem mais distribuído entre as faixas de eficiência em que também não houve nenhuma UF com baixo grau de eficiência, mas sete apresentaram médio grau de eficiência, seis se localizaram no estrato de elevado grau de eficiência, oito estiveram no estrato de grau de eficiência muito elevado e seis apresentaram eficiência máxima.
Constata-se, portanto, que praticamente metade das UF está nos estratos médios ou elevado de eficiência em que cinco estados (Acre, Roraima, Amapá, Tocantins e Rio de Janeiro) estão no estrato médio de eficiência, por sua vez oito estados (Amazonas, Rondônia, Mato Grosso, Goiás, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo e Rio Grande do Sul) estão no estrato elevado. Assim como a outra metade se encontra nos estratos muito elevado ou de eficiência máxima, em que as UF com estrato muito elevado são representadas por Pará, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Paraná, totalizando 11 UF, enquanto três estão no estrato de eficiência máxima (Piauí, São Paulo e Santa Catarina).
O estado de Roraima apresentou em todos os anos no período de 2017 a 2020 a menor eficiência técnica, se comparada as demais UF. Pode-se perceber que mesmo com o gasto de segurança pública per capita no estado de Roraima aumentando com o passar do período, não correspondeu de forma significativa na eficiência comparada a quantidade de homicídios dolosos, latrocínios, roubo e furtos de carros, e tráfico de entorpecentes, como mostrado na tabela 5.
No que se trata dos dados apresentados na tabela 5, percebe-se que, assim como os trabalhos elaborados por Lucena et al. (2021) e Silva (2021), as taxas de criminalidade não se delimitam somente as grandes regiões, havendo uma heterogeneidade entre os scores de eficiência das UF analisadas de 2017 a 2020, pois estados das cinco regiões se enquadram com grau elevado de eficiência, contrapondo a ideia de Beato Filho (1999), que diz que violência e criminalidade se concentram nos grandes centros urbanos.
Outro ponto de discussão sobre Roraima ter sido o estado com maior gasto em segurança pública no período de 2017 a 2020 e mesmo assim apresentado a menor eficiência técnica, pode ser pelos imigrantes venezuelanos no Brasil, pois, como apontou Carvalho (2020), os imigrantes da Venezuela cometeram diversos delitos em Roraima, totalizando em meados de 2019 mais de 6% da massa carcerária, o que representa 216 internos em regime de reclusão. Todavia, pesquisas precisam ser mais bem refinadas para que possa ser considerada tal afirmação.
Cabe ressaltar que, segundo o FBSP (2022), o estado de Roraima está classificado no grupo com menor qualidade das informações relacionadas à criminalidade, assim como Acre, Amapá, Amazonas e Rondônia, todos do Norte do Brasil.
Especificamente acerca de Roraima, o trabalho elaborado por Nogara e Wobeto (2019) expõe que a ampla imigração de venezuelanos para esse estado e a escassez de emprego e oportunidades acabam gerando conflitos entre os estrangeiros e a população local, tal como execução de atividades ilícitas. À vista disso, entende-se que essas questões podem levar à ineficiência dos gastos em segurança pública nessa localidade.
Ainda referente aos dados, apresenta-se como discussão o fato de que os estados do Nordeste se comportaram bem no período de 2017 a 2020, tendo o Piauí com eficiência máxima, Alagoas e Sergipe com eficiência elevada e os demais estados com eficiência muito elevada, resultado esse que contrapõe o apresentado por Dantas et al. (2016) que afirmam que os estados da Região Nordeste são, em maioria, ineficientes.
A análise dos estados do Nordeste apresentando um bom desempenho de eficiência técnica no período analisado, contrapondo Dantas et al. (2016), pode ser devido a melhores políticas públicas na área de segurança pública nos últimos anos, pois a pesquisa anterior extraiu dados da Região Nordeste de 2013. Todavia, não há na literatura indícios que demonstrem e apontem o sucesso do Piauí ou de outros estados da região quanto à eficiência em segurança pública, sendo identificada, portanto, uma lacuna de pesquisa.
Outrossim, destaca-se que 2020 (último ano de análise no presente estudo) foi um tanto atípico devido à pandemia da covid-19, o que, fortuitamente, pode ter afetado os indicadores de criminalidade utilizados (roubo e furto de veículos, tráfico de entorpecentes, latrocínio e homicídios dolosos). Contudo, apenas uma pesquisa mais aprofundada poderia estabelecer essa relação.
Por fim, percebe-se também que, assim como apontado por Lucena et al. (2021) e Araújo et al. (2020), não obrigatoriamente os maiores gastos realizados com segurança pública promoverão melhores níveis de eficiência, pois o que indicará a eficiência máxima pela DEA é a relação dos inputs com os outputs. Portanto, para uma UF ter uma melhor eficiência técnica, nesse caso, ela precisa utilizar de melhor forma os recursos no combate à criminalidade, isto é, gastar menos e ter um menor valor das variáveis de criminalidade nos anos estudados.
Conclusões
Considerando a escassez dos estudos que verificam a eficiência de todas as UF do Brasil com relação à despesa com segurança pública e à criminalidade, este estudo teve como objetivo identificar, mediante DEA, a eficiência do gasto em segurança pública das UF do Brasil de 2017 a 2020.
Os resultados indicaram que, em média, a situação do Brasil quanto à eficiência do gasto em segurança pública é razoável (em torno de 73%), mostrando que, apesar dos elevados índices de criminalidade e violência mostrados nos veículos de comunicação, ainda há esperança de dias melhores no tocante à área da segurança pública. Ademais, os resultados demonstram que houve apenas três estados -Piauí, Santa Catarina e São Paulo- com eficiência máxima, em todos os anos, no período analisado. Por sua vez, Roraima e Acre apresentaram a menor média de eficiência no mesmo período. Logo, a partir desses achados, os tomadores de decisão, no que tange à segurança pública de cada UF, podem entender qual o sucesso da eficiência no Piauí, Santa Catarina e São Paulo para tentarem replicar e melhorar os seus índices.
Quanto ao estrato de eficiência das DMU, a presente pesquisa propôs utilizar níveis intermediários para melhorar a acurácia da eficiência técnica que cada UF apresentou no período, tendo no último ano analisado 14 das 27 UF entre o grau de eficiência muito elevado e o de eficiência máxima.
Em linhas gerais, o artigo mostra que os índices de criminalidade têm diminuído, mas ainda são preocupantes e ainda se torna necessário que políticas públicas voltadas para a questão da segurança sejam mais bem refinadas para que as UF brasileiras possam atingir maior eficiência dos dispêndios nessa área e que os índices de criminalidade possam diminuir com o passar dos anos.
Com relação às contribuições desta pesquisa, pode-se citar os resultados atuais na eficiência do gasto em segurança pública nas UF do Brasil, tendo tanto o input quanto os outputs apresentados de forma respaldada pela literatura de acordo com a metodologia proposta, bem como a importância de se estudar uma área tão relevante como os gastos com segurança pública.
Como principal limitação da pesquisa, tem-se a dificuldade na coleta de dados da área de segurança pública no Brasil. Atualmente, o FBSP tem reunido os indicadores disponíveis nas Secretarias de Segurança Pública de cada uma das UF, mas nem sempre há dados disponíveis para todos os anos em todas as variáveis.
Além disso, propõe-se que pesquisas futuras possam estudar melhor a estruturação de tais investimentos, bem como dos indicadores de criminalidade a fim de se obter um melhor entendimento de como aumentar os resultados esperados e desejados pela população. Estudos futuros que busquem o entendimento das políticas públicas nos estados que têm maiores e menores eficiências em segurança pública, bem com uma análise da eficiência no período pré e pós-covid-19 podem contribuir para um entendimento mais robusto dessas temáticas 2 3.