INTRODUÇÃO
O transporte de crianças em ambulâncias terrestres é uma problemática ainda insuficientemente investigada em todo o mundo. A National Highway Traffic Safety Administration (NHTSA) refere que nos EUA, anualmente, 10% dos doentes transportados em ambulâncias são crianças e reconhece existirem poucos dados acerca de acidentes em ambulâncias que envolvam crianças, mas estima-se que ocorram cerca de 1000 acidentes por ano1. A falta de estudos, de informação específica sobre o número de acidentes com crianças, lesões associadas e dos mecanismos que as causaram é um fenómeno que trará consequências sociais a longo prazo2-3.
A ambulância apresenta um ambiente singular com problemas únicos e complexos, como por exemplo a proteção dos ocupantes transportados em diferentes posições4. Nos últimos anos, numerosos estudos têm identificado a existência de riscos claros no transporte em ambulâncias envolvendo a alta velocidade, a condução perigosa, acidentes nos cruzamentos e a falta de uso de cintos de segurança4-6, e demonstram o benefício do uso de sistemas de restrições para os ocupantes7. Contudo, mesmo com estes conhecimentos, faltam normas formais, requisitos e monitorização das ambulâncias8, assim como normas de segurança para os ocupantes8-9.
Uma criança sem limites de restrição, num acidente é suscetível de ficar gravemente ferida e de causar lesões a quem a acompanha10-12. Esta ausência de normas e protocolos dificulta o trabalho dos profissionais, podendo mesmo implicar um transporte inseguro1.
Na Norma Europeia EN 1789-1999 que especifica definições, requisitos, ensaios e equipamentos para ambulâncias não há qualquer referência a Sistemas de Retenção de Crianças (SRC)13, ao passo que nos EUA e Canadá existem desde 2009 recomendações de uso de SRC para os passageiros14. Neste contexto, a NHTSA procurou construir um consenso no desenvolvimento de recomendações de transporte seguro de crianças em ambulâncias e de práticas consistentes para serem adotadas pelos Serviços de Emergência Médica3.
Os enfermeiros são frequentemente chamados a acompanhar crianças em estado crítico, que precisam de cuidados durante uma transferência inter-hospitalar ou precisam de realizar exames auxiliares de diagnóstico noutros centros de atendimento15. Deste modo, a gestão da segurança da criança durante o transporte é um problema com desafios únicos e caraterísticas específicas pelo que proporcionar uma contenção eficaz é motivo de preocupação para todos os enfermeiros especialmente os que trabalham em Pediatria10. Neste sentido, os objetivos deste estudo foram os seguintes:
Conhecer as medidas de segurança utilizadas no transporte de crianças em ambulâncias terrestres por enfermeiros, bombeiros e tripulantes de ambulância;
Identificar o conhecimento que estes profissionais têm sobre as medidas de segurança ideais durante o transporte;
Descrever e avaliar a segurança do transporte, de acordo com as recomendações da NHTSA;
Verificar possíveis associações entre as práticas de transporte e as características sociodemográficas dos profissionais que o efetuam.
MATERIAIS E MÉTODOS
Desenvolveu-se um estudo quantitativo, descritivo e exploratório. A amostra é constituída aleatoriamente por enfermeiros, bombeiros/tripulantes de ambulâncias que transportam crianças em ambulâncias terrestres, da região de Aveiro - Portugal. A colheita de dados fez-se de Agosto a Setembro de 2014, por questionário autopreenchido, construído atendendo às recomendações de transporte seguro do NHTSA3, para quatro situações de transporte e cinco faixas etárias (RN; 1-12 meses; 1-3 anos; 4-7 anos; 8-12 anos). O profissional escolheu a opção de transporte correspondente à sua prática diária e à prática que considera ideal. Consideraram-se as seguintes possibilidades de transporte:
À resposta considerada ideal, segundo as recomendações da NHTSA, foi atribuída a cotação: 2, às respostas aceitáveis foi atribuída a cotação: 1, e às restantes possibilidades de transporte foi atribuída a cotação: 0. Os resultados foram calculados com base em pontuações médias.
Este estudo foi submetido a apreciação pelo Comité de Ética do Centro Hospitalar do Baixo Vouga, EPE. A colheita de dados foi autorizada por não ser violado nenhum princípio ético, sob parecer Nº 069638. Foram ainda obtidas autorizações das corporações de bombeiros e empresa de transporte de doentes assim como o consentimento informado, livre e esclarecido assinado por todos os participantes.
Para o tratamento estatístico dos dados utilizou-se o programa informático Statistical Package for Social Sciencies - SPSS (versão 22.0). As inferências estatísticas significativas respeitaram o nível de significância de p≤0.05.
Para os dados provenientes de questões abertas, procedeu-se à categorização e codificação das respostas (tipo escala nominal) de forma a serem trabalhados estatisticamente. A caraterização das variáveis foi efetuada recorrendo a análises descritivas e respetiva distribuição de frequências. Para o cálculo das medidas de tendência central, determinou-se a média aritmética e respetivo desvio padrão. Para determinar a distribuição dos dados realizaram-se testes de Normalidade (Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk) viabilizando o uso dos testes estatísticos (paramétricos ou não-paramétricos). Quanto às análises diferenciais: para o estudo de variáveis bivariadas utilizaram-se testes U (Mann-Whitney); para variáveis com 3 ou mais grupos independentes utilizaram-se testes de H (Kruskal-Wallis).
RESULTADOS
A amostra obtida é constituída por 135 sujeitos, sendo 51,1% do género feminino, 71,1% têm idade inferior a 40 anos, 56,3% têm como habilitações literárias o ensino superior e 60,7% têm filhos. Dos inquiridos, 53,3% são Enfermeiros (n = 72) e destes 56,9% trabalham em serviços de pediatria.
No transporte de uma criança que não está doente nem ferida mas que tem de acompanhar uma pessoa que precisa de cuidados, pois não pode ficar sozinha (Situação 1), a recomendação da NHTSA é a opção G: transporte noutro veículo que não a ambulância e com o SRC. Analisando os resultados obtidos neste estudo (Tabela 1) conclui-se que, em todas as faixas etárias consideradas, o transporte não é efetuado preferencialmente de acordo com a recomendação da NHTSA e que a maioria dos profissionais considera ser a opção ideal de transporte outras possibilidades diferentes da recomendada pela NHTSA.
A Figura 1 permite observar as pontuações médias obtidas para a prática dos profissionais e os seus conhecimentos sobre o transporte ideal das crianças, nas diferentes idades estudadas. Considerando as diretivas da NHTSA, os resultados mantêm-se abaixo do nível aceitável de segurança (M=1) e mais ainda das recomendações ideais (M=2). Verificam-se valores médios homogéneos na segurança do transporte até aos 4-7 anos, seguindo-se um decréscimo até aos 8-12 anos, o que sugere uma diminuição da segurança no transporte das crianças mais velhas e do conhecimento dos profissionais sobre as medidas de transporte seguro nessas idades.
No transporte de uma criança doente e/ou ferida mas cuja condição não requer monitorização e/ou intervenção contínua e/ou intensiva (Situação 2), a recomendação da NHTSA é transporte na maca com sistema de retenção adequado, englobando as opções J (Deitada com o SCR adequado às macas) e K (Sentada com o SRC em cima da maca e preso com os cintos de segurança). Os resultados deste estudo (Tabela 2) indicam que o transporte não é efetuado maioritariamente de acordo com as recomendações, sobretudo nas crianças mais velhas (Ex.: dos 8-12 anos apenas 11.1% do transporte é feito de acordo com as recomendações da NHTSA). Contudo, grande parte dos profissionais considera serem ideais as opções de transporte recomendadas, principalmente para crianças mais pequenas (Ex.: 52.6% e 51.1% dos profissionais escolhem as opções J e K para o transporte do RN e da criança dos 1 aos 12 meses, respetivamente).
Foram escrutinadas pontuações médias para a prática de transporte e para os conhecimentos dos profissionais sobre a prática ideal no transporte das crianças, nas diferentes idades estudadas, tendo como referencial as recomendações da NHTSA. Os resultados obtidos quer para as práticas de transporte quer para os conhecimentos dos profissionais estão sempre acima do nível aceitável de segurança (M=1), para todas as idades consideradas, mas abaixo das recomendações ideais (M=2).
Os valores apurados, tanto para a prática como para os conhecimentos dos profissionais, mantêm-se semelhantes até aos 4-7 anos, idade em que se verifica um ligeiro aumento da sua pontuação média (M da prática =1,15; M dos conhecimentos =1,37) decrescendo novamente os valores para a idade dos 8-12 anos (M da prática =1,02; M dos conhecimentos =1,24). Estes resultados sugerem uma maior segurança no transporte e mais conhecimentos dos profissionais acerca das medidas de transporte seguro para as crianças dos 4 aos 7 anos de idade. Verifica-se ainda que, em todos os grupos etários considerados, as pontuações médias dos conhecimentos dos profissionais atingem sempre valores superiores às pontuações médias das suas práticas.
Na Situação 3, referente ao transporte de uma criança que requer monitorização e/ou intervenção contínua e/ou intensiva, a recomendação ideal da NHTSA é transportar a criança na maca com um SRC adequado. Assim as opções ideais são J (Deitada com o SCR adequado às macas) e K (Sentada com o SRC em cima da maca e preso com os cintos de segurança). Analisando os resultados (Tabela 3), conclui-se que o transporte é efetuado de acordo com as recomendações da NHTSA por cerca de metade dos profissionais para o RN (51,9%), crianças com 1-12 meses e com 1-3 anos (49,6% e 45,2%, respetivamente) diminuindo estes valores para o transporte de crianças com idades superiores. Quanto aos conhecimentos dos profissionais, a maioria identifica a opção ideal de transporte seguro para as idades dos 0 aos 3 anos, diminuindo os valores para as idades subsequentes.
Efetuou-se a análise das pontuações médias para a prática de transporte dos profissionais e para os conhecimentos destes sobre a prática ideal no transporte das crianças, nas diferentes idades estudadas, tendo como referencial as recomendações da NHTSA. Os resultados obtidos referentes às práticas de transporte e conhecimentos dos profissionais mantêm-se acima do nível aceitável de segurança (M=1) mas ainda abaixo das recomendações ideais (M=2). Verifica-se alguma estabilidade nos valores médios de transporte seguro próximos de M=1,5 até os 1-3 anos (M da prática =1,29; M dos conhecimentos =1,59), seguindo-se um decréscimo progressivo nas faixas etárias seguintes para pontuações médias inferiores no grupo dos 8-12 anos (M da prática =1,11; M dos conhecimentos =1,33). Verifica-se ainda que, em todos os grupos etários considerados, as pontuações médias dos conhecimentos dos profissionais pontuam sempre com valores superiores às pontuações médias da sua prática.
Por fim, para uma criança que necessite de transporte como parte de um transporte múltiplo de doentes, como por exemplo RN com mãe ou várias crianças, etc. (Situação 4), a recomendação da NHTSA é transportar individualmente a criança em diferentes ambulâncias (opção B). Os resultados apresentados na Tabela 4 permitem concluir que 55,6% do transporte é efetuado de acordo com as recomendações (Opções B) e que a maioria dos profissionais (75,6%) reconhece ser essa a opção de transporte ideal.
Numa segunda etapa deste estudo, procurou-se verificar a existência de associações entre as práticas de transporte de crianças e as características sociodemográficas dos profissionais que executam esse transporte. Assim, em relação à variável Sexo (Tabela 5), tendo sido utilizado o teste de Mann-Whitney, verifica-se existirem diferenças estatísticas significativas na forma como homens e mulheres realizam o transporte de crianças nas Situações de transporte 1, 2 e 3. Nas Situações 1 e 2, as diferenças surgem nos RN (p=0.00), crianças com 1-12 meses (p=0.00) e 1-3 anos (p=0.00) enquanto na Situação 3 são observadas diferenças apenas para as duas últimas faixas etárias (p=00.3). Estas diferenças são todas no sentido de as mulheres realizarem o transporte de crianças com maior segurança do que os homens.
Relativamente às Habilitações literárias nas Situações de transporte 1, 2 e 3 verifica-se que, para todas as idades excetuando os 4 a 7 anos na Situação 3, e utilizando o teste de Kruskal-Wallis seguido de Mann-Whitney verifica-se a existência de diferenças estatisticamente significativas (de p=0.00 a p=0.04) na segurança do transporte consoante o nível de escolaridade dos profissionais. As diferenças sugerem que os profissionais com mais habilitações literárias (ensino superior), realizam o transporte de crianças com maior segurança que os restantes profissionais, com exceção da Situação 2, no grupo etário dos 4 aos 7 anos, em que o transporte realizado pelos profissionais com o ensino secundário, é o mais seguro.
Relativamente à variável Profissão, utilizando-se o teste de Mann-Whitney, observa-se que, na maioria das faixas etárias das Situações 1, 2 e 3 existem diferenças estatisticamente significativas na forma como as crianças são transportadas consoante a profissão dos inquiridos. O grupo dos Enfermeiros apresenta valores de ranking médio superiores ao grupo dos bombeiros/tripulantes (p=0.00 a p=0.05), sugerindo que o transporte de crianças realizado por estes profissionais é efetuado com maior segurança. Na Situação 4, não foram encontradas diferenças na forma como as crianças são transportadas em função da profissão dos inquiridos.
Procurou-se avaliar da existência de diferenças na segurança como o transporte de crianças é efetuado pelos Enfermeiros consoante o Serviço onde trabalham. Recorrendo ao teste de Mann-Whitney, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas, apenas para a Situação 2 no transporte de RN, crianças com 1-12 meses e com 1-3 anos de idade (p=0.00). Estas diferenças sugerem que os Enfermeiros da área de Pediatria transportam as crianças destas idades com maior segurança do que os Enfermeiros dos serviços de Urgência.
DISCUSSÃO
Os resultados evidenciam lacunas na segurança do transporte de crianças em ambulâncias terrestres, bem como défices nos conhecimentos dos profissionais que fazem esse transporte no que se refere às opções mais seguras a adotar nas diferentes situações de transporte analisadas.
Assim, nas Situações de transporte 1 e 2, as discrepâncias apuradas entre as práticas de transporte e as recomendações da NHTSA bem como a variedade de opções referidas pelos profissionais indicam uma reduzida segurança no transporte de crianças e sugerem o desconhecimento dos profissionais de como atuar corretamente nestas situações. Resultados semelhantes foram apurados noutro estudo em que 57,9% profissionais responderam de forma errada quanto às opções de transporte em ambulância de crianças que não necessitavam de cuidados médicos16.
Estes resultados podem relacionar-se com o facto da segurança do transporte de crianças em ambulâncias ser ainda insuficientemente investigado3,17-18, e por isso faltarem normas e recomendações que orientem os profissionais para o transporte seguro, bem como devido ao fato das normas existentes precisarem de ser mais desenvolvidas9. Por outro lado, e apesar do Health Resources and Services Administration e a NHTSA indicarem desde 1999, que as crianças nunca devem ser transportadas ao colo, verificou-se que, principalmente as crianças mais pequenas, são muitas vezes transportadas deste modo e que esta opção é considerada a ideal por muitos profissionais19.
Esta parece ser uma opção habitual pois também noutro estudo16, 23% dos profissionais referiram transportar as crianças ao colo dos pais se o seu estado de saúde for estável. Similarmente, noutro estudo onde são descritas as práticas de transporte de profissionais de emergência médica20, conclui-se que 14% permitiram que crianças estáveis fossem transportadas ao colo do acompanhante e nenhuma criança dos 0 aos 3 anos foi transportada corretamente.
Na Situação 3, apesar de ser observado um aumento na segurança do transporte e das respostas concordantes com as recomendações da NHTSA quanto ao transporte ideal, continua a ser expressivo o transporte incorreto de crianças. Nesta situação específica a própria condição de saúde já afetada leva a existência de riscos acrescidos de morbilidade e mortalidade por lesões traumáticas adicionais quando as crianças não são devidamente protegidas durante o transporte16.
A própria natureza do tipo de um transporte de emergência pode exigir alguns compromissos nas práticas seguras recomendadas18, contudo atendendo ao estado de saúde da criança, deve ser escolhido o posicionamento e o SRC mais adequado o que implica que os profissionais detenham esses conhecimentos. Neste estudo, e principalmente no que toca ao transporte de crianças até aos 3 anos de idade, cerca de 20% dos profissionais admitem desconhecer a opção de transporte mais adequada para crianças que requerem monitorização e/ou intervenção contínua e/ou intensiva, sendo estes resultados, embora ligeiramente melhores, semelhantes aos apurados noutra investigação16, em que 29,6% dos profissionais responderam saber “nada ou pouco” acerca de como transportar uma criança em estado crítico.
Relativamente à média das pontuações globais obtidas tanto para a prática como para o conhecimento dos profissionais acerca do transporte ideal, esta situa-se abaixo do nível médio (M=1) de segurança na Situação 1, no nível médio e ligeiramente acima deste na situação 2, e acima do nível médio na situação 3, contudo ainda abaixo das recomendações ideais (M=2) tal como é indicado pela NHTSA.
A análise destes resultados permite concluir que das 3 situações de transporte estudadas, aquelas em que a segurança da criança é mais comprometida e onde os conhecimentos dos profissionais são mais desajustados são a situação 1 e, num segundo plano, a situação 2. Na Situação 1, o facto de a criança não estar doente nem ferida e o alvo dos cuidados ser o adulto doente poderá concorrer para um parco investimento dos profissionais na segurança da criança. Já na situação 4, a maioria dos profissionais refere transportar as crianças de acordo com a recomendação da NHTSA, verificando-se pontuações elevadas da segurança tanto na prática como nos conhecimentos dos profissionais, pelo que esta situação de transporte é a que menos compromete a segurança da criança.
Refira-se ainda que os conhecimentos dos profissionais, em todas as situações estudadas, pontuam sempre com valores mais elevados do que os valores apurados referentes à prática. Na origem deste facto, poderá estar a falta de disponibilidade de sistemas de retenção de crianças apropriados que os profissionais sabem existir e reconhecem ser os mais adequados á situação específica de transporte proposta mas que não têm ao seu dispor nas ambulâncias, para utilizar na sua prática de transporte destas crianças.
Por fim, refira-se que nas Situações de transporte 1, 2 e 3, percebe-se uma certa continuidade e estabilidade nos valores médios da segurança do transporte nas crianças de menor idade, seguindo-se um decréscimo dos valores principalmente aos 8-12 anos, resultando na menor segurança do transporte das crianças mais velhas. Assim sendo, serão as crianças mais velhas as mais expostas aos riscos de transporte, descritos em vários estudos18, como estando associados à falta de restrições ou à forma errada de proteger as crianças durante o transporte em ambulâncias. De facto, a falta de medidas de segurança no transporte de crianças acrescida ao facto de as ambulâncias apresentarem baixos níveis de proteção dos ocupantes, aumenta o risco de lesões associadas ao transporte4,18, sendo a parte da célula sanitária da ambulância considerada em estudos epidemiológicos e biomecânicos o compartimento mais perigoso em termos de segurança dos ocupantes7,21-23.
Relativamente à segunda etapa deste estudo, as diferenças verificadas na segurança do transporte consoante o sexo dos inquiridos são todas no sentido de serem as mulheres a realizar o transporte de crianças com maior segurança do que os homens. Embora não tenham sido encontrados estudos que abordem a influência desta variável no transporte seguro em ambulâncias, existem alguns estudos relativamente ao transporte em veículos ligeiros que apresentam resultados semelhantes24-26. Estes resultados poderão se relacionar com o facto de, por exemplo, serem as mulheres a transportar preferencialmente as suas crianças para a escola24-25, provavelmente por terem um horário laboral com maior disponibilidade ou mesmo por culturalmente ainda ser a mãe que detêm maioritariamente o papel de cuidadora, cabendo o encargo de transportar os filhos de, e para a escola. Para além disso, as mulheres recebem formação na maternidade, acerca de como transportar em segurança o recém-nascido em veículos automóveis e, por isso, estão mais familiarizadas com normas de transporte seguro. Para além disso, e de acordo com o 7º relatório de segurança rodoviária do European Transport Safety Council (ETSC) de 2013, as mulheres são menos propensas a comportamentos de condução arriscados e têm atitudes mais positivas em relação às regras de trânsito e segurança27.
A formação académica é consensualmente entendida como estruturalmente importante para a aquisição de competências pessoais, sociais e profissionais que tenderão a influenciar e caraterizar futuras reflexões, decisões e comportamentos. Neste estudo constatou-se que os profissionais com mais habilitações literárias (ensino superior) realizam o transporte de crianças com maior segurança que os restantes profissionais. Estes resultados vão ao encontro de outros estudos onde se verificou uma associação estatisticamente significativa entre uma maior escolaridade e o transporte correcto num veículo ligeiro25,27. No entanto, constituir a variável “Habilitações Literárias” como preditiva da segurança de transporte carece de mais estudos por não se esclarecer se é o grau de licenciatura ou a área da licenciatura que possa condicionar as escolhas de transporte, atendendo a que dos 76 indivíduos da amostra com formação superior, 72 são licenciados em Enfermagem.
Relativamente à Profissão, os resultados apontam para que os enfermeiros transportem com maior segurança que os bombeiros/tripulantes de ambulâncias. Inicialmente poder-se-ia procurar justificar os resultados pela formação académica, no entanto esta temática não integra o currículo do curso de enfermagem. Por outro lado, pode não haver relação significativa entre o tipo de formação e os conhecimentos e comportamentos dos profissionais16. No entanto, e verificando-se que no grupo de bombeiros/tripulantes a maioria são voluntários, pressupunha-se que o trabalho diário, a experiência adquirida, e um maior investimento formativo pudesse sustentar uma maior consciência das formas mais seguras de transporte.
Perante a variável “Serviço dos enfermeiros”, as diferenças pontuais foram observadas apenas na Situação 2, sugerindo que os Enfermeiros da área de Pediatria transportam as crianças com maior segurança do que os Enfermeiros dos serviços de Urgência, sendo estes resultados concordantes com outras pesquisas onde concluíram que os profissionais especializados em transporte pediátrico relatam práticas mais seguras dos que os outros profissionais, ao demonstrarem conhecimentos dos métodos mais seguros de transporte e ao realizarem uma prática diária de utilização de SRC16.
As limitações deste estudo assentam na escassez de investigações nesta área que limitou a análise comparativa dos resultados e uma interpretação mais detalhada dos mesmos e na construção do instrumento de colheita de dados que fez-se sem a sua validação prévia para a população “enfermeiros e bombeiros/tripulantes de ambulâncias portugueses”. Estes factos impõem algumas limitações na interpretação e generalização dos resultados.
Apesar destas limitações, a investigação permite constatar quer a necessidade de regulamentação deste tipo de transporte quer o investimento na formação dos profissionais e definição de programas educativos que apoiem os profissionais para uma prática profissional mais segura. A melhoria das condições de transporte de crianças em ambulâncias deverá constituir-se um foco de atenção na prática do enfermeiro, no sentido de assegurar e promover a segurança infantil.
CONCLUSÕES
Apesar de ao longo dos últimos anos vários estudos terem demonstrado a existência de inúmeros riscos no transporte de crianças em ambulâncias terrestres, continua a haver escassos requisitos, diretrizes e regulamentos de segurança para otimizar a segurança deste transporte.
De acordo com os objetivos da investigação pode-se inferir que nas situações específicas de transporte estudadas, as crianças são transportadas com níveis de segurança próximos do nível aceitável tendo por base as recomendações da NHTSA, mas sempre abaixo do nível correspondente às recomendações ideais. Também em relação aos conhecimentos sobre as opções de transporte seguras, verifica-se uma linha de visão dos profissionais significativamente diferente da sua prática diária em 3 das 4 situações estudadas. De fato, os conhecimentos pontuam valores médios de segurança superiores aos da prática, mas mantêm-se, no entanto, para cada faixa etária e para cada situação definida, distante do nível ideal recomendado pela NHTSA. Verificou-se ainda que as variáveis sociodemográficas e profissionais são suscitáveis de influenciar as opções de transporte. Assim, mulheres, profissionais com formação académica superior e enfermeiros dos serviços de pediatria parecem transportar com mais segurança as crianças em ambulâncias.
Através destes dados torna-se claro a necessidade de formação/sensibilização junto das instituições de saúde sobre a importância do uso de SRC durante o transporte de crianças em ambulâncias e a necessidade dos profissionais terem à sua disposição SRC necessários e adequados (à idade e tamanho) para transportar com segurança todas as crianças. Os SRC são considerados altamente eficazes na prevenção de mortes e ferimentos graves provocados por acidentes de viação. Por tudo isto, considera-se essencial que estes sistemas sejam instalados em todas as categorias de veículos, incluindo as ambulâncias, de forma aumentar a segurança rodoviária e a diminuição da mortalidade dos passageiros e proporcionando ganhos substanciais noutros domínios, como por exemplo poupanças para os serviços de saúde.
A prevenção e a promoção da segurança nas crianças, apoiadas em práticas estudadas e bem fundamentadas, são sem dúvida, responsabilidades de todos os enfermeiros, especialmente dos que trabalham em pediatria, de forma a melhorar os cuidados prestados.
Neste contexto, a enfermagem não se pode limitar à técnica e às novas tecnologias para desenvolver a sua identidade, mas sim apostar simultaneamente na apropriação de conhecimentos, mudança de comportamentos e assumir o papel pedagógico que lhe é inerente. Este papel permitirá trabalhar em parceria com outros profissionais como os bombeiros/tripulantes de ambulâncias, para responder à complexidade das atuais necessidades em saúde. Assim, apostar na segurança das crianças transportadas em ambulâncias é promover ganhos em saúde, é melhorar a qualidade das intervenções, é aumentar o nível de conhecimento em saúde e em segurança dos profissionais de saúde e é obter uma maior responsabilização e ações sustentáveis.