A pesquisa de métodos mistos oferece poderosas ferramentas para investigação de sistemas e processos complexos em saúde, educação e ciências sociais. Estas áreas vêm utilizando, de forma crescente, complexos delineamentos de pesquisa de métodos mistos1. Este método engloba o procedimento completo de pesquisa, incluindo assunções filosóficas, questões de pesquisa, desenho, coleta, análise, integração e estruturas de apresentação dos dados e resultados2.
A natureza da questão de pesquisa direciona a escolha do método. Pesquisadores da área da saúde utilizam a metodologia quantitativa para responder e estudar questões de pesquisa sobre causalidade3, generalização e magnitude do efeito. A metodologia qualitativa é a escolha dos pesquisadores que buscam responder questões de pesquisa que exploram como ou porque um dado fenômeno ocorre, para desenvolver uma teoria ou para descrever sobre a subjetividade de uma experiência individual1.
As pesquisas de métodos mistos são delineadas considerando os pontos fortes de cada uma de ambas abordagens, quantitativa e qualitativa, e, por isso, consiste em uma inovação metodológica de uso crescente para abordar questões contemporâneas em serviços de saúde. Um indicativo do aumento no interesse neste método foi a publicação do primeiro guideline de melhores práticas em métodos mistos de pesquisa nas ciências da saúde, pelo National Institutes of Health. O guideline foi elaborado por pesquisadores e revisores de projetos de pesquisa financiados do Office of Behavioral and Social Sciences no National Institutes of Health4.
No decorrer dos anos surgiram várias definições de métodos mistos incorporando características do método, da filosofia, dos processos e dos projetos de pesquisa. Atualmente, os pesquisadores têm se detido na definição das características essenciais da pesquisa de métodos mistos, que estão descritas na literatura como5:
Em resposta às questões e hipóteses, há a coleta e análise de ambos dados, quantitativos e qualitativos;
Utilizam-se rigorosos procedimentos na condução da pesquisa quantitativa e qualitativa;
Há integração ou combinação dos achados oriundos dos resultados quantitativos e qualitativos;
Desenvolvem-se procedimentos nos quais ocorre a coleta, análise e integração dos dados: desenho de métodos mistos;
Reporta-se à teoria e princípios filosóficos relacionados a esses procedimentos.
Denota-se, portanto, que este método envolve a triangulação de dados quantitativos e qualitativos em um único projeto. Essas abordagens se complementam, na medida em que representam palavras e números, as duas linguagens fundamentais da comunicação humana. Entre as vantagens dos métodos mistos, menciona-se que os pesquisadores podem permitir a manifestação do melhor de cada um dos métodos, evitando as possíveis limitações de uma única abordagem. Esta orientação metodológica é indicada quando uma fonte de dados pode ser insuficiente para responder o problema de pesquisa ou quando os resultados precisam ser explicados e os achados exploratórios precisam ser generalizados5.
Argumenta-se, por vezes, que a abordagem quantitativa não é capaz de captar as especificidades no que tange ao entendimento do contexto onde o estudo é realizado. Ainda, os pesquisadores dessa linha estão na vanguarda e possíveis ou eventuais interpretações subjetivas são discutidas com muita raridade. A pesquisa qualitativa compensa essas fragilidades. No entanto, a pesquisa qualitativa é vista como deficiente devido às interpretações pessoais feitas pelo pesquisador, ao viés que se cria por causa disso, ao número pequeno de participantes e à dificuldade para generalizar os resultados. A pesquisa quantitativa, por sua vez, não tem essas fragilidades. Assim, a combinação de potencialidades de uma abordagem compensa os pontos fracos da outra. Dessa forma, a pesquisa de métodos mistos proporciona mais evidências para o estudo de um problema de pesquisa do que a utilização de uma das duas abordagens de maneira isolada.Ao lançar mão dos métodos mistos, os pesquisadores estão capacitados a usar todas as ferramentas disponíveis,ao invés de se limitarem à estratégias de coleta de dados comumente associadas à pesquisa quantitativa ou qualitativa5.
Em literatura específica atual5, estão descritos dez avanços (dos últimos 5 anos) na pesquisa de métodos mistos a serem incorporados pelos pesquisadores em seus projetos:
Incluir informações sobre as habilidades que os pesquisadores/equipe de pesquisa possuem em pesquisa qualitativa, quantitativa e de métodos mistos;
Criar objetivos do estudo para os componentes qualitativo, quantitativo e dos métodos mistos;
Escrever uma justificativa para o uso de métodos mistos;
Desenvolver/apresentar um desenho de métodos mistos para os procedimentos escolhidos;
Retratar esse desenho com um diagrama e/ou matriz de implementação;
Ser específico sobre o ponto de integração no desenho;
Criar tabelas com resultados das duas fases juntos para mostrar a integração e escrever inferências;
Selecionar um marco conceitual/modelo teórico para o projeto e alinhá-lo ao desenho;
Desenvolver/apresentar a validade (integridade da pesquisa) no desenho/projeto;
Criar múltiplas publicações oriundas do projeto de métodos mistos.
Quanto à perspectiva teórica que orienta a execução do projeto de pesquisa, é importante ressaltar que todos os pesquisadores são guiados por teorias ou estruturas norteadoras e postulam hipóteses em suas investigações que podem estar explícitas ou encontram-se implícitas e, neste caso, não estão citadas nos textos5. Para auto avaliar e checar sua própria proficiência e habilidades em pesquisa de métodos mistos os pesquisadores podem utilizar o instrumento6, que foi desenvolvido e testado para tal. Assim, é possível identificar os pontos fortes de cada pesquisador e as áreas que ainda podem ser desenvolvidas e ou aprimoradas. Pesquisadores que dominam uma das abordagens e que são oriundos de diferentes perspectivas epistemológicas, muitas vezes encontram-se trabalhando juntos formando uma equipe para a condução de pesquisas de métodos mistos. Para melhorar a dinâmica dessas equipes é necessário que seus membros desenvolvam a capacidade de articular sua própria filosofia, visões, valores e objetivos de pesquisa. Ainda, é importante facilitar interações grupais criando condições para que os valores possam ser compartilhados por meio de diálogo, definindo objetivos e desenvolvendo confiança. De forma sistemática, é muito importante otimizar os valores que promovem e dão suporte ao pluralismo dialético e a participação de stakeholders nas pesquisas7.
Um grande desafio para os pesquisadores que comumente trabalham com apenas uma das abordagens é a integração dos dados e dos resultados. Essa etapa eleva o método de pesquisa para um nível que não seria alcançado simplesmente colocando juntos os resultados de pesquisas separadas, qualitativas e quantitativas, conduzidas sem total atenção à integração. Esse desafio é descrito, qualitativamente, como a necessidade de se produzir um todo através da integração que é maior do que a soma das partes qualitativa e quantitativa, individualmente. Quantitativamente, os autores expressam essa ideia como 1 + 1 = 3. Ou seja, quantitativo + qualitativo = mais do que seus componentes individuais8-9.
A integração na pesquisa de métodos mistos pode ocorrer em três momentos distintos. No desenho do estudo a integração ocorre por meio de três projetos básicos - sequencial exploratório, sequencial explanatório e convergente - e através de quatro frameworks avançados - multi-estágio ou multifásico, intervenção, estudo de caso e participatório10.
A integração à níveldo método ocorre por meio de quatro abordagens: “conexão” dos dados, onde um banco de dados é ligado a outro através da amostragem;“construção”, onde um banco de dados informa a abordagem de coleta de dados do outro;“fusão”, onde os dados das duas bases são reunidos para a análise;“incorporação”, onde a coleta e análise de dados possui links em vários pontos10.
A integração durante a interpretação e apresentação dos resultados ocorre através de narração, transformação de dados e exibição conjunta, de acordo como o desenho metodológico escolhido para o projeto. Quando os pesquisadores integram os dados por meio de narração eles descrevem os achados qualitativos e quantitativos em um ou mais artigos. Existem três abordagens para realizar a integração dessa forma: a) escrever tanto os dados qualitativos quanto os quantitativos juntos pautando-se em uma base de tema ou conceito;b) apresentação de ambos tipos de dados em uma única publicação, mas em sessões separadas;c) publicação de achados em artigos separados, como pode ocorrer por exemplo nos projetos multifásico ou multi-estágio, onde pode ser realizada uma intervenção com Ensaio Clínico Randomizado (ECR) e entrevistas. Nesse exemplo, os autores publicaram um artigo com os achados das entrevistas11,e apenas mencionaram de forma breve o ECR1 2, que havia sido publicado anteriormente10.
A integração por meio de transformação dos dados acontece em duas fases. Na primeira fase, um tipo de dado dever ser convertido em outro tipo de dado (dados qualitativos para quantitativos ou dados quantitativos para qualitativos). Por exemplo, dados qualitativos podem ser transformados por meio de contagem numérica e variáveis utilizando a análise de conteúdo. Na segunda fase, os dados transformados são então integrados com os dados que não foram transformados10.
A integração dos resultados apresentada por exibição conjunta (joint displays)9, incluindo a teoria que guiou a pesquisa desde a sua concepção facilita a visualização e fornece insights sobre o processo analítico de interpretação, possibilitando uma forma única de representação ou comunicação que é melhor capturada visualmente do que por palavras isoladas. A adição das lentes teóricas para mostrar a integração nos joint displays é uma característica notável, considerada como um avanço nos métodos mistos9.
O ajuste da integração permite observar e descrever os resultados quantitativos e qualitativos de forma coerente, confirmando-os entre si e expandindo sua compreensão. A discordância pode ocorrer se os dados qualitativos e quantitativos são inconsistentes, incongruentes, se contradizem, demonstram conflito ou discrepâncias entre si.
A aplicação de princípios e práticas de integração pode ajudar os pesquisadores a alavancar os pontos fortes dos métodos mistos10. Encontra-se na literatura recomendações acerca de melhores práticas9:
Identificar os resultados quantitativos e qualitativos;
Ser consistente com o desenho empregado no método;
Ser consistente como a metodologia de integração;
Identificar inferências, meta-inferências e insights gerados.
Os métodos mistos oferecem um novo framework para pensar sobre pesquisa em serviços de saúde com potencial para gerar meta-inferências e insights únicos sobre fenômenos que se expressam de forma multifacetada, relacionados ao acesso, à qualidade e à prestação do cuidado em saúde de forma segura13. Quando as questões de pesquisa podem ser melhor respondidas por meio desse método, os pesquisadores precisam dedicar-se e fazer escolhas cuidadosas para realizar o processo de integração. A devida atenção à integração nos estágios de concepção e desenho do estudo, no método, na interpretação e apresentação dos resultados pode melhorar a qualidade das pesquisas de métodos mistos na área da saúde e gerar evidências rigorosas e importantes para melhorar os cuidados, os serviços, os sistemas e as políticas de saúde.