INTRODUÇÃO
Na contemporaneidade discussões sobre segurança do paciente têm aumentado, gradativamente, no meio científico e assistencial, em virtude dos eventos adversos nas instituições hospitalares1. As infecções hospitalares são causas de morte em pacientes hospitalizados, suas taxas representam cerca de 15% dos pacientes no Brasil e 10% nos Estados Unidos da América e Europa2. Neste sentido, como as mãos constituem-se na principal ferramenta de trabalho dos profissionais que desempenham atividades nos serviços de saúde, a segurança do paciente depende diretamente da adesão aos protocolos de higienização das mãos (HM)3.
O enfrentamento da problemática das infecções hospitalares, sua prevenção, tratamento e controle são considerados desafio para as instituições, profissionais de saúde e autoridades governamentais, por estarem entre as principais causas de morbidade, mortalidade, aumento do tempo de internação e custos hospitalares4–5. Nesse contexto, a segurança do paciente é reconhecida como uma questão global e o tema HM tem sido tratado como uma das prioridades que contribuem para a redução das infecções hospitalares5.
Iniciativas têm sido desenvolvidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como a Campanha intitulada “Uma Assistência limpa é uma Assistência Segura”, criada em 2004, identificada como o primeiro desafio a ser superado para promover a segurança do paciente. No Brasil, por meio da Aliança em 2007, foram criadas políticas de saúde, a fim de melhorar os indicadores no que tange à diminuição de danos na assistência à saúde6.
A HM é um procedimento individual, simples e eficaz na prevenção e controle de infecções ocasionadas por mãos contaminadas durante o período de assistência prestada ao paciente5 Embora esta ação esteja consolidada, na literatura científica, como uma importante medida para o controle de infecção hospitalar, as mãos dos profissionais de saúde continuam sendo a principal e mais frequente fonte de contaminação e disseminação de micro-organismos. Mas isto envolve aspectos individuais do grupo e da instituição, o que merece uma mudança da cultura de segurança do paciente6.
Essa prática é recomendada diariamente para os profissionais de saúde, em especial, a equipe de enfermagem, que tem o contato direto com o paciente, pois a assistência exige atender às necessidades humanas básicas do ser humano7, sendo fundamental a HM, nos cinco momentos: antes e após do contato com o paciente; antes da realização de procedimento asséptico; após a exposição a fluidos corporais; e/ou após contato com as áreas próximas ao paciente6.
Estudos sobre HM no âmbito hospitalar têm sido desenvolvidos mundialmente em unidades de terapia intensiva (UTIs)8–11 justificados pelo risco maior a que o paciente está exposto de adquirir infecções, devido à sua condição clínica e exposição aos fatores de risco, necessitando de monitorização e suporte contínuos de suas funções vitais. Cabe salientar que, ao serem internados, os pacientes podem estar infectados com micro-organismos, bem como quando submetidos a procedimentos invasivos.
Reconhecendo consequências da inadequada HM da equipe de enfermagem e, a partir dos estudos explorados em bases de dados da literatura nacional e internacional, é possível apontar as UTIs como cenário prevalente de coleta de dados. Para tanto, identificou-se lacuna acerca do conhecimento em relação à HM de profissionais da enfermagem que atuam em unidades de internação hospitalar clínicas e cirúrgicas, justificando a realização deste estudo, que tem por objetivo geral identificar o conhecimento das equipes de enfermagem que atuam em unidades de internação clínica médica e cirúrgica, a respeito da higienização das mãos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Estudo transversal de natureza quantitativa, desenvolvido em três unidades de clínica médica e cirúrgica de um hospital privado de porte III, do Estado do Rio Grande do Sul (RS), Brasil, com abrangência de 72 leitos nestas unidades. Nos meses da coleta de dados, atuavam na unidade A 28 profissionais da enfermagem, na unidade B, 35 e na unidade C, 49 profissionais.
Os critérios de inclusão para participar do estudo foram: ser enfermeiro ou técnico de enfermagem, trabalhar pelo menos três meses naquele setor, com carga horária semanal de 36 h ou mais. Foram excluídos os profissionais de enfermagem que encontravam-se em licença de saúde ou qualquer outro afastamento durante a coleta de dados.
Após aplicar os critérios de inclusão e exclusão, foram excluídos 11 profissionais. Seis por estarem em licença-maternidade, dois, em licença de saúde, dois por mudança de setor, um por participar da equipe de pesquisa. Obtiveram-se 101 profissionais elegíveis. Destes, nove não aceitaram participar da pesquisa.
A coleta de dados foi realizada no período de setembro a novembro de 2015, por acadêmicos de enfermagem previamente capacitados. Como instrumento de pesquisa utilizou-se o Teste de Conhecimento a respeito da higienização das mãos para profissionais da saúde, validado pela OMS5. O instrumento é um questionário autoaplicável, composto por 26 questões de múltipla escolha, com perguntas que avaliam o conhecimento técnico e científico sobre os aspectos da HM, durante a assistência. Dessas, 12 são questões de caracterização sociodemográfica e laboral, que compreende: data, idade, sexo, unidade e tempo de atuação na instituição, grau de instrução (enfermeiro, técnico/auxiliar de enfermagem), realização de horas extras, jornada dupla, turno de trabalho, natureza do hospital. Para avaliar o conhecimento em relação à HM há 14 questões de múltipla escolha.
A inserção e análise descritiva dos dados foram realizadas no programa PASW Statistics® (Predictive Analytics Software, da SPSS Inc., Chicago - USA) 18.0 for Windows.
A abordagem dos profissionais ocorreu na unidade de internação e, quando do aceite para participar do estudo, estes eram convidados a se dirigirem a uma sala reservada para garantir a privacidade. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em duas vias, antes de iniciar a entrevista, conforme preconiza a resolução que regulamenta pesquisa com seres humanos. Estudo aprovado pelo Comitê de Etica em Pesquisa (CEP) da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI) sob o Parecer Consubstanciado número 1.209.075 de 1° de setembro de 2015.
RESULTADOS
Participaram 92 profissionais de enfermagem, o que corresponde a uma taxa de resposta de 82%. Destes, 10 (10,9%) eram enfermeiros e 82 (89,1%), técnicos de enfermagem. Prevaleceram mulheres 90 (97,8%), com idade entre 20 e 40 anos. O tempo de atuação da maioria foi de um a três anos na instituição, com 34 (37%). Não possuíam outro emprego 74 (80,4%), 33 (35,9%) trabalhavam no turno da noite e 25 (27,2%) realizavam horas extras, conforme evidenciado na Tabela 1.
Variável | N | % | |
---|---|---|---|
Sexo | Feminino | 90 | 97,8 |
Masculino | 02 | 2,2 | |
Idade | 20-30 | 40 | 43,5 |
31-40 | 31 | 33,7 | |
41-50 | 15 | 16,3 | |
51 e mais | 02 | 2,2 | |
Escolaridade | Ensino médio | 82 | 89,1 |
Graduado | 06 | 6,5 | |
Especialista | 04 | 4,3 | |
Cargo | Enfermeiro | 10 | 10,9 |
Téc. de Enfermagem | 82 | 89,1 | |
Possui outro emprego | Sim | 18 | 19,4 |
Não | 74 | 80,4 | |
Tempo atuação na empresa* | Menos de 1 ano | 19 | 20,7 |
1 a 3 anos | 34 | 37 | |
3 anos a 5 anos | 11 | 12 | |
Mais de 5 anos | 27 | 29,3 | |
Turno de trabalho | Manhã | 30 | 32,6 |
Tarde | 25 | 27,2 | |
Noite | 33 | 35,9 | |
Troca folga | 04 | 4,3 | |
Total | 92 | 100 |
*Um profissional não respondeu.
Na Tabela 2 é exposto o conhecimento dos participantes sobre as formas de transmissão cruzada.
Variável | N(%) | ||
---|---|---|---|
Rota de transmissão | Mãos não higienizadas | 89(96,7) | |
Compartilhar objetos | 03(3,3) | ||
Fonte de micro-organismos mais frequentes | Micro-organismos presentes no paciente ou nas proximidades | 43(46,7) | |
Micro-organismos no ambiente hospitalar | 48(52,2) | ||
Itens associados à possibilidade de colonização das mãos | Uso de joias | Sim | 90(97,8) |
Não | 02(2,2) | ||
Pele danificada | Sim | 75(81,5) | |
Não | 17(18,5) | ||
Unhas artifìciais | Sim | 86(93,5) | |
Não | 06(6,5) | ||
Uso de creme para as mãos* | Sim | 23(25) | |
Não | 68(74) |
*Na questão referente ao uso regular de creme para as mãos um profissional não respondeu.
Na Tabela 3, apresenta-se o conhecimento dos participantes da pesquisa sobre os meios de contaminação das mãos.
Variável | Opção de resposta | N | % | |
---|---|---|---|---|
Meios de contaminação das mãos | Roupa de cama | Sim | 75 | 81,5 |
Não | 17 | 18,5 | ||
Maçaneta da porta | Sim | 92 | 100 | |
Pele intacta de outro paciente | Sim | 74 | 80,4 | |
Não | 18 | 19,6 | ||
Pele intacta do próprio paciente | Sim | 58 | 63 | |
Não | 34 | 37 | ||
Prontuário do paciente | Sim | 70 | 76,1 | |
Não | 22 | 23,9 | ||
Paredes do quarto do paciente | Sim | 75 | 81,5 | |
Não | 17 | 18,5 | ||
Mesa de cabeceira de outro paciente | Sim | 82 | 89,1 | |
Não | 10 | 10,9 |
Na presente pesquisa questionou-se o tempo mínimo necessário para a preparação alcoólica destruir os micro-organismos nas mãos, e evidenciou-se pelas respostas que uma parcela dos entrevistados desconhecia o tempo adequado. Os resultados encontrados foram: 32,6% dos participantes referiram o tempo de 3 segundos; 28,3%, tempo de 10 segundos; 20 segundos corresponderam a 17,4%; e 1 minuto, ao total de 21,7%.
Quanto à disponibilidade da preparação alcoólica para o uso, 100% dos participantes, afirmaram ter disponível. Ainda responderam satisfatoriamente que recebiam treinamento e que conheciam os cinco momentos da HM.
Referente à preparação alcoólica, os participantes do estudo referiram que deve cobrir todas as superficies das mãos (com 96,7%), e as mãos devem estar secas (75%), não se deve secar. Em relação às ações que evitam a infecção do profissional da saúde, higienizar as mãos imediatamente após o contato com o paciente (96,7%) e para 94,6% higienizar as mãos imediatamente após contato com fluidos corporais foram as respostas prevalentes.
DISCUSSÃO
Quanto à caracterização dos entrevistados prevaleceu o sexo feminino. Dado que vem ao encontro de pesquisa brasileira sobre o perfil dos profissionais de enfermagem realizada pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), que identificou que 87,24% a nível nacional e 87,64% a nível estadual são do sexo feminino12. Em várias culturas está presente essa característica dos cuidados com os doentes, em virtude de ser uma extensão do trabalho da mulher. Sublinha-se que mulheres enfrentam melhor o estresse, por verbalizarem os problemas e sentimentos do dia a dia13.
Ao caracterizar o nível de escolaridade predominaram profissionais de ensino médio. Esta maior concentração de técnicos de enfermagem justifica-se pela organização da enfermagem brasileira. É esperado que os técnicos de enfermagem desenvolvam atividades de menor complexidade. Estes dados convergem com os resultados da pesquisa desenvolvida nos 27 Conselhos Regionais de Enfermagem (Coren) no Brasil, em 2010, a qual identificou a existência de 84,89% técnicos de enfermagem a nível estadual e 79,98% a nível nacional12.
Neste estudo, ainda predominaram profissionais de enfermagem adultos jovens. Destaca-se que esta faixa etária é considerada mais produtiva e a satisfação do trabalho está diretamente ligada com o gostar do que se faz, reconhecimento pelo trabalho realizado, qualidade dos serviços prestados e relacionamento no trabalho13.
Em relação à dupla jornada de trabalho, 19,6% relataram possuir outro emprego, fato que pode estar relacionado à baixa remuneração e situação econômica desfavorável14. Desse modo, o profissional fica exposto a altos níveis de estresse, maiores probabilidades de erros, sintomas físicos e biológicos, bem como a risco de acidentes de trabalho14.
Em relação ao conhecimento dos participantes do estudo acerca da higienização das mãos, eles reconheceram que é a principal forma de transmissão de micro-organismos. O controle de infecções deve ser encarado de forma a garantir uma assistência de qualidade, por meio da educação e treinamento dos profissionais15.
Ainda, é importante que os profissionais conheçam a técnica adequada de HM, incluindo o tempo e os momentos para sua realização. Constatou-se, neste estudo, que os participantes conheciam os cinco momentos da higienização, o que vem ao encontro de outro estudo16. A OMS indica como padrão ouro para a HM a utilização de soluções alcoólicas, reconhecendo-a pela sua eficácia, baixa exigência em infraestrutura, pouco tempo para aplicação e boa tolerância da pele17.
Nessa perspectiva, preconiza-se que o tempo mínimo para a HM com preparação alcoólica seja de 20 a 30 segundos, no intuito de reduzir a carga microbiana. A solução alcoólica deve ser substituída por água e sabonete líquido quando as mãos estiverem visivelmente sujas5 6. Ainda, é importante ressaltar que as preparações alcoólicas devem estar disponíveis e acessíveis aos profissionais.
Em relação à rota de transmissão cruzada, os respondentes, em seu maior percentual, afirmaram que as mãos são a principal via. Estudo realizado com profissionais da saúde vem de encontro, na medida em que, destaca que 27% desconheciam a principal rota de transmissão de infecção10. No que se refere ao uso de adornos e pele danificada, 90% e 75% respectivamente concordaram que o uso deve ser evitado, o que vem ao encontro do preconizado pela Portaria 485 do Ministério do Trabalho e Emprego em sua norma regular n° 3218.
Ao questionar quanto ao conhecimento dos participantes do estudo em relação às superficies que podem contaminar as mãos dos profissionais e têm potencial de transmitir infecção, 100% afirmaram que o contato com a maçaneta da porta constitui-se em uma forma de contaminação das mãos; com 89,1% para a mesa de cabeceira de outro paciente; e com 81,5% para a roupa de cama do paciente e as paredes do quarto do paciente.
Nessa perspectiva, é importante desenvolver ações que visem fomentar continuamente o conhecimento e a prática da HM, por meio de ações de educação continuada. Isto ainda é importante na perspectiva de instrumentalizar o trabalhado de saúde, no sentido de evitar o adoecimento por exposição a riscos biológicos19. As taxas de adesão à HM nos serviços de saúde é baixa, a taxa geral tem sido em torno de 40%, com variação de 5% a 81 %20, para tanto ações educativas são necessárias e muito válidas20.
Elas proporcionam aprendizado e atualização dos profissionais, constituindo-se de grande valia para a instituição, profissionais e pacientes. E a HM é uma prática diária na assistência de enfermagem, entretanto, suscita abordagem científica para que seja realizada de maneira adequada. Nessa medida, é importante desenvolver ações educativas continuadas e que sejam discutidos tanto os aspectos teóricos como a prática.
O estudo apresenta limitações, por ser um estudo que mensura o conhecimento da HM por meio do autorrelato, fator que pode superestimar as taxas de adesão em relação à coleta por observação, ou seja, perguntas respondidas corretamente podem ou não ser sinônimo de boas práticas na assistência ao paciente.
CONCLUSÕES
Os resultados permitiram identificar que os participantes do estudo detinham um nível de conhecimento satisfatório acerca da temática. Isto foi evidenciado pelo conhecimento quando reconheceram as mãos como principal rota de transmissão e o uso de joias e pele danificada como potencialidades na colonização. Ainda, quando questionados quanto aos meios de contaminação, elegeram a maçaneta da porta, roupa de cama do paciente, paredes do quarto, mesa de cabeceira e prontuário. Entretanto, alguns aspectos necessitam ser fortalecidos, pois, em relação ao tempo mínimo de fricção da preparação alcoólica e à principal fonte de micro-organismos, os resultados foram negativos, o que impacta de maneira a propagar infecção cruzada no âmbito hospitalar.
A partir desses dados, observa-se a necessidade de reforçar o incentivo à HM e promover a educação desses profissionais acerca do tema, a fim de suprir as principais lacunas no conhecimento e ampliar a discussão sobre este aspecto. Essa sensibilização pode acontecer de forma prática ou teórica. Monitorar a adesão desses profissionais colabora para avaliar a efetividade da capacitação oferecida, como também lacunas existentes. Dessa forma, a educação continuada dos profissionais tem valia na qualidade da assistência ofertada ao paciente, que sofre com os erros cometidos por profissionais não preparados.
Recomenda-se ainda a continuidade de novos estudos nas instituições relacionados à HM para um melhor detalhamento e um olhar focado nas diferentes áreas e com abrangência da equipe multiprofissional, pois o estudo apresenta limitações por avaliar somente a equipe de enfermagem.