INTRODUÇÃO
O câncer de próstata (CaP) é considerado o segundo tipo mais comum em homens, com maior frequência de diagnóstico em 87 países, sendo a quinta maior causa de morte por câncer. Estima-se que aproximadamente um milhão de homens em todo o mundo foram diagnosticados com CaP em 2012, correspondendo a 15% dos cânceres em homens, dos quais cerca de 70% dos casos ocorreram nas regiões mais desenvolvidas1.
No Brasil, o CaP é o mais incidente em todas as regiões do país, com estimativa para 2016/2017 de cerca de 61 mil casos. Os estados brasileiros que apresentam maiores números de casos novos são Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná2.
Os fatores de risco identificados para a doença estão relacionados à idade, sendo 62% dos casos novos em homens acima dos 65 anos, à hereditariedade, em aproximadamente 25% dos indivíduos com histórico familiar de CaP e à etnia, sendo 1,6 vezes mais comum em negros comparados aos brancos2–3.
A associação dos resultados do exame de toque retal e da dosagem do antígeno prostático específico (PSA) no sangue podem indicar a existência da doença. No entanto, é por meio do estudo histopatológico do tecido obtido pela biópsia da próstata que se obtém a confirmação do diagnóstico3–5.
O tratamento para homens diagnosticados deve ser individualizado, levando em consideração a idade, a expectativa de vida, as comoborbidades, o estadiamento do tumor, os tratamentos disponíveis e os efeitos colaterais de cada tratamento na qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS)4,6. Entre as modalidades terapêuticas disponíveis, estão a radioterapia e hormonioterapia, que podem ser utilizadas isoladamente ou em combinação, podendo causar efeitos colaterais, como problemas específicos nas funções intestinal, urinária, sexual, hormonal, além de fadiga, depressão, alteração no peso, dentre outros3–5.
Com o aumento da detecção precoce do CaP e das altas taxas de sobrevivência dos pacientes, a avaliação da QVRS vem oferecendo uma contribuição cada vez mais significativa para o seu atendimento, podendo ser medida objetivamente por instrumentos auto-aplicados e para comparar os efeitos de diferentes tratamentos sobre as funções essenciais6.
Independentemente do instrumento utilizado, a avaliação da QVRS geralmente parte da premissa de que os vários procedimentos clínicos e cirúrgicos utilizados para o tratamento da doença resultam em implicações negativas na vida dos pacientes7, com repercussão nas dimensões emocionais, físicas, espirituais, sociais e econômicas8. Inúmeras pesquisas, geralmente internacionais, têm sido desenvolvidas na tentativa de se obter o conhecimento dos fatores que alteram a QVRS, quer nos domínios físico, psicológico e social, resultantes de um ou mais tipos de tratamento da doença7.
Considerando tais aspectos e a relevância do assunto, este estudo objetivou avaliar a QVRS de pacientes com CaP em tratamento de hormonioterapia e radioterapia.
MATERIAIS E MÉTODOS
Estudo descritivo, transversal, desenvolvido em um Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON), de uma cidade do interior do estado de São Paulo. Os dados foram coletados no período de fevereiro a dezembro de 2015.
A população foi composta por 412 pacientes diagnosticados com CaP em tratamento de hormonioterapia ou radioterapia, de forma isolada. Desse total, foi constituída uma amostra por conveniência de 213 pacientes, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: maiores de 18 anos; em tratamento de hormonioterapia há pelo menos seis meses e de radioterapia a partir da décima quinta sessão e que concordaram em participar do estudo assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Os demais foram excluídos por terem encerrado o tratamento no período da coleta de dados; não apresentarem condições cognitivas para compreender e responder as questões do instrumento de coleta de dados; não aceitarem participar do estudo; não terem devolvido o instrumento auto aplicado dentro do prazo estipulado; não terem sido localizados e, finalmente, por óbito durante o período do estudo.
Os dados foram obtidos por meio de dois instrumentos: um roteiro de entrevista, para caracterização sociodemográfica (idade, cor da pele, estado civil, escolaridade, ocupação) e clínica (o que levou ao diagnóstico inicial, histórico familiar e estadiamento clínico do câncer) e o questionário Expanded Prostate Cancer Index Composite (EPIC)7. Esta ferramenta de avaliação dos efeitos do tratamento na QVRS de pacientes com CaP, foi desenvolvida por pesquisadores do Departamento de Urologia da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, sendo sensível aos efeitos específicos das terapias de radiação, braquiterapia, terapia hormonal, prostatectomia radical e aos efeitos progressivos do câncer na QVRS, podendo ser utilizada sozinha ou combinada com outro instrumento. O instrumento inclui 32 itens relacionadas a quatro domínios: função urinária (7 itens); hábitos intestinais (9 itens); função sexual (9 itens) e função hormonal (7 itens), levando em consideração apenas as últimas quatro semanas. As opções de resposta para cada item formam uma escala Likert, que são transformados linearmente para uma escala de 0-100, com maior pontuação representando melhor QVRS7. O EPIC foi traduzido para o português e validado no contexto brasileiro9.
Os dados do roteiro de entrevista foram coletados após esclarecimentos sobre a pesquisa e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), durante os retornos dos pacientes ao hospital, de forma individual e em local privativo, em atendimento à Resolução n° 466, de 12 de dezembro de 201210. Ao término deste procedimento, cada participante recebia um envelope contendo o questionário EPIC, sendo esclarecidos sobre o seu preenchimento e a devolução no próximo retorno. Para os que não entregavam no primeiro retorno, o prazo era prorrogado para o próximo. Os que não respeitaram esse último prazo foram excluídos do estudo.
Os dados obtidos da aplicação dos dois instrumentos foram digitados em banco de dados previamente elaborado no programa Microsoft Excel 2010, validados por dupla digitação e importados para o aplicativo Statistical Package for Social Sciences (SPSS, versão 15.0), para processamento e análise. Os do roteiro de entrevista foram submetidos à análise descritiva e apresentados por meio de frequências absoluta e relativa. Os escores do EPIC, foram descritos por meio de média, mediana e desvio-padrão de cada domínio. Vale ressaltar que antes da análise dos dados do EPIC foi testada a confiabilidade do instrumento por meio do teste de consistência interna alfa de Cronbach34. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde o estudo foi realizado, sob a CAAE n° 36664214.7.0000.5438.
RESULTADOS
Dos 412 pacientes iniciais foi constituída uma amostra por conveniência de 213 pacientes, dos quais 164 estavam em terapia hormonal de LH-RH agonista, há pelo menos seis meses, e 49 em radioterapia conformacional 3D, a partir da décima quinta sessão. Os demais foram excluídos por terem encerrado o tratamento no período da coleta de dados (68); não apresentarem condições cognitivas para compreender e responder as questões do instrumento de coleta de dados (47); não aceitarem participar do estudo (13); não terem devolvido o instrumento auto aplicado dentro do prazo estipulado (31); não terem sido localizados (35) e, finalmente, por óbito (5).
Os resultados da Tabela 1, demonstraram que a idade variou entre 43 e 96 anos, com média de 74,4 anos e desvio-padrão de 8,58, com maior frequência 144 (67,3%), nas faixas etárias de 70 a 89 anos; 135 (63,4%) eram brancos; 166 (77,9%) casados; 169 (79,3%) com primeiro grau completo e segundo grau incompleto e 167 (78,4%) aposentados.
Características sociodemográficas | Hormonioterapia | Radioterapia | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | |
Idade | ||||||
43 a 49 anos | 2 | 1,2 | – | – | 2 | 0,9 |
50 a 59 anos | 12 | 7,3 | 2 | 4,0 | 14 | 6,6 |
60 a 69 anos | 36 | 21,9 | 11 | 22,4 | 47 | 22,1 |
70 a 79 anos | 61 | 37,1 | 12 | 24,4 | 73 | 34,3 |
80 a 89 anos | 50 | 30,4 | 21 | 42,8 | 71 | 33,3 |
> 90 anos | 3 | 1,8 | 3 | 6,1 | 6 | 2,8 |
Cor | ||||||
Branca | 106 | 64,4 | 29 | 59,2 | 135 | 63,4 |
Parda | 31 | 18,9 | 14 | 28,6 | 45 | 21,1 |
Negra | 27 | 16,5 | 6 | 12,2 | 33 | 15,5 |
Estado civil | ||||||
Casado | 126 | 76,8 | 40 | 81,6 | 166 | 77,9 |
Solteiro/Viúvo/Divorciado | 38 | 23,2 | 9 | 18,4 | 47 | 22,0 |
Escolaridade | ||||||
Analfabeto/ 1o grau incompleto | 17 | 10,4 | 9 | 18,4 | 26 | 12,2 |
1o grau completo/ 2o grau incompleto | 130 | 79,3 | 39 | 79,6 | 169 | 79,3 |
2° grau completo/superior (in) completo | 17 | 10,4 | 1 | 2,0 | 18 | 8,4 |
Ocupação | ||||||
Aposentado | 129 | 78,7 | 38 | 77,6 | 167 | 78,4 |
Ativo/Afastado | 35 | 21,3 | 11 | 22,4 | 46 | 21,6 |
Total | 164 | 100,0 | 49 | 100,0 | 213 | 100,0 |
Pelos resultados da avaliação clínica (Tabela 2), as justificativas mais frequentes que levaram ao diagnóstico foram os resultados do exame de PSA e a manifestação de sinais e sintomas na função urinária, com 77 (36,2%) e 62 (29,1%), respectivamente e os exames para confirmação do diagnóstico da doença foram realizados, em sua maioria, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Pelos dados do histórico de câncer na família, observou-se que a maioria, 124 (58,2%), referiu que não ou não sabe, ainda que 11 (5,1%) relataram ter parentes de primeiro grau com a doença. O estadiamento clínico inicial do tumor, apresentado segundo a classificação da American Joint Committee on Cancer (AJCC)11, através dos resultados da extensão do tumor nódulo metástase (TNM), PSA e escore de Gleason, foi categorizado e agrupado por estádios (I, IIA, IIB, III, IV), com base nos resultados dos exames iniciais. Observou-se que o estadiamento II (A e B) foi predominante em 124 (58,2%) participantes.
Dados clínicos | Hormonioterapia | Radioterapia | Total | |||
---|---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | N | % | |
Diagnóstico inicial | ||||||
PSA alterado | 60 | 36,6 | 17 | 34,7 | 77 | 36,2 |
PSA e toque retal alterados | 25 | 15,2 | 2 | 4,1 | 27 | 12,6 |
Alteração na função urinária | 35 | 21,3 | 2 7 | 55,1 | 62 | 29,1 |
Outros exames | 44 | 26,8 | 3 | 6,1 | 47 | 22,1 |
Local do diagnóstico | ||||||
Ambulatório de Especialidade Médica | 53 | 32,3 | 17 | 34,7 | 70 | 32,9 |
Unidade Básica de Saúde | 46 | 28,0 | 9 | 18,4 | 55 | 25,8 |
Consultórios/Convênios | 38 | 23,2 | 16 | 32,7 | 54 | 25,4 |
Outros hospitais | 27 | 16,5 | 7 | 14,3 | 34 | 16,0 |
Histórico familiar | ||||||
Não ou não sabe | 102 | 62,2 | 22 | 44,9 | 124 | 58,2 |
Parentes de 1° e 2° grau | 46 | 28,0 | 20 | 40,8 | 66 | 31,0 |
Parente de 2° grau | 10 | 6,1 | 2 | 4,1 | 12 | 5,6 |
Parente de 1° grau com câncer de próstata | 6 | 3,7 | 5 | 10,2 | 11 | 5,2 |
Estadiamento clínico | ||||||
I | 11 | 6,7 | 3 | 6, 1 | 14 | 6,6 |
II A / II B | 93 | 56,7 | 31 | 63,2 | 124 | 58,2 |
III | 31 | 18,9 | 7 | 14,3 | 38 | 17,8 |
IV | 29 | 17,7 | 8 | 16,3 | 37 | 17,4 |
Total | 164 | 100,0 | 49 | 100,0 | 213 | 100,0 |
Para testar a consistência interna das escalas do questionário EPIC, aplicou-se o teste alfa de Cronbach, com resultados significativos para função urinária (0,71), intestinal (0,76), sexual (0,87), hormonal (0,70) e escore total de (0,79), demonstrando que o instrumento é confiável para amostra.
A Tabela 3, apresenta a média, mediana e desvio-padrão da QVRS relatada pelos participantes em cada um dos domínios do instrumento EPIC, segregada pelos tratamentos de hormonioterapia e radioterapia. Observa-se que as menores médias dos escores foram no domínio da função sexual indicando baixa QVRS dos participantes, para ambos os tratamentos.
Variáveis | Tratamento | N | Média | Mediana | Desvio Padrão |
---|---|---|---|---|---|
Função urinária | Hormonioterapia | 164 | 76,14 | 77,08 | 17,15 |
Radioterapia | 49 | 73,33 | 76,42 | 14,70 | |
Total | 213 | 75,50 | 77,08 | 16,63 | |
Hábitos intestinais | Hormonioterapia | 164 | 84,17 | 87,50 | 13,96 |
Radioterapia | 49 | 82,91 | 85,71 | 14,47 | |
Total | 213 | 83,88 | 87,50 | 14,05 | |
Função sexual | Hormonioterapia | 164 | 10,60 | 5,77 | 13,70 |
Radioterapia | 49 | 14,72 | 8,31 | 16,44 | |
Total | 213 | 11,55 | 5,77 | 14,44 | |
Função hormonal | Hormonioterapia | 164 | 74,88 | 76,14 | 17,39 |
Radioterapia | 49 | 75,03 | 72,73 | 16,47 | |
Total | 213 | 74,91 | 75,00 | 17,14 | |
Escore total | Hormonioterapia | 164 | 61,07 | 61,58 | 9,23 |
Radioterapia | 49 | 61,15 | 61,16 | 9,04 | |
Total | 213 | 61,08 | 61,50 | 9,16 |
Considerando que a função sexual foi a mais afetada entre os participantes, indicando baixa QVRS durante o tratamento, as respostas partilhadas pela maioria podem possibilitar melhor entendimento da situação. Assim, em relação ao nível de desejo sexual, capacidade de ter ereção e orgasmo, 143 (67,1%), 145 (68,0%) e 154 (72, 3%), respectivamente, assinalaram a alternativa muito deficiente a nula. Sobre a qualidade habitual e a frequência das ereções, 155 (72,7%) confirmaram nenhuma qualidade e 161 (75,5%) manifestaram que nunca tiveram ereção quando queriam ter uma. Quanto à frequência de acordar de manhã ou à noite com uma ereção, 183 (85,9%) mencionaram nenhuma vez e quando questionados sobre a frequência de qualquer atividade sexual e de relações sexuais, 179 (84,0%) e 186 (87,3%) relataram nenhuma vez. A avaliação da capacidade de desempenho sexual foi considerada muito pobre por 149 (69,9%). Com referência a quão problemático foi o nível de desejo sexual, capacidade de ter ereção, orgasmo e função sexual ou falta de função sexual 140 (65,7%), 146 (68,5%), 143 (67,1%) e 165 (77,4%) respectivamente, declararam terem sido muito problemáticos.
Quanto ao domínio urinário, 113 (53,0%) participantes relataram que deixou escapar urina mais de uma vez ao dia a cerca de uma vez por semana; em relação a quão problemático foi acordar para urinar, a necessidade frequente de urinar durante o dia e a sua função urinária, 136 (63,8%), 132 (62,0%) e 110 (51,6), respectivamente, referiram muito pouco problemático a muito problemático.
Sobre os aspectos abordados no domínio intestinal, 97 (45,6%) participantes mencionaram que a frequência de urgência em evacuar (sentiu que precisava eliminar as fezes, mas não ocorreu) variou de mais de uma vez ao dia a cerca de uma vez por semana, sendo que 93 (43,7%) e 85 (40,0%) consideraram que a frequência de evacuações soltas ou líquidas e de evacuações dolorosas, aconteceu raramente a sempre.
Quanto ao último domínio, hormonal, 117 (55,0%), 110 (51,6%) e 105 (49,2%) declararam que a frequência de ondas de calor, sentir-se deprimido e com falta de energia, ocorreu de mais de uma vez ao dia a cerca de uma vez por semana. Em relação a quão problemático foram as ondas de calor, o fato de sentir-se deprimido e com falta de energia, 112 (52,5%), 123 (57,7%) e 107 (50,2%), referiram de muito pouco problemático a muito problemático.
DISCUSSÃO
O diagnóstico do CaP geralmente é feito em homens com 65 anos ou mais e menos de 1% com idade abaixo de 50 anos2–3, indicando que a idade é um fator de risco relevante. A faixa etária da amostra estudada demonstrou que 99,0% estavam com idade de 50 a mais de 90 anos, com média de 74,4 anos.
Outro fator de risco indicativo para o CaP é o fato de que a doença é mais comum em homens negros do que em brancos2. Neste estudo, houve predominância de brancos (63,4%), dado também identificado em estudo onde a maioria da amostra foi de homens brancos (72,0%)12.
O estado civil mais prevalente entre os participantes foi o de casado (77,9%). Estudo realizado na China, com o objetivo de determinar os fatores que interferem na QVRS de pacientes com CaP, demonstrou que os casados (86,2%) manifestaram melhores resultados nos domínios relacionados a saúde, relações sociais, além da satisfação sexual, concluindo que o estado civil é um importante determinante na QVRS de homens com a doença13.
Em relação à escolaridade e ocupação, obtevese maior porcentagem de homens com baixa escolaridade (79,3%) e aposentados (78,4%), ratificando os resultados de estudo também realizado com homens com CaP que encontrou (82,0%) e (86,0%), respectivamente12.
O diagnóstico inicial da doença para 48,8% dos participantes foi definido por exames de rotina, seja pela alteração nos resultados individuais de PSA e toque retal ou pela associação dos dois.
No Brasil, a exemplo de outros países, não se recomenda a execução de programas de rastreamento para o CaP, mas preconiza-se a detecção precoce e o monitoramento das ações de controle da doença. Os homens que buscam de forma espontânea a realização dos exames de toque retal e PSA devem ser esclarecidos pelos médicos sobre os riscos e benefícios associados a esta prática14–15. Tanto os exames para detecção precoce e tratamento para o CaP são assegurados pelo SUS, por meio da Lei n° 13.04515, e da Lei n° 12.73216.
Embora o número de participantes com casos de CaP na família tenha sido de 5,1%, não diminui a importância de se considerar o histórico familiar como um importante fator de risco, pois homens que tiveram parentes de primeiro grau diagnosticados, apresentam um aumento de duas a três vezes no risco de desenvolver esse tipo de câncer2.
Pelos resultados do estudo, a maioria dos participantes foi diagnosticada inicialmente com estágio clínico II A/B (58,2%), ratificando os resultados de um estudo realizado com 1.500 homens em tratamento17. O aquedado estadiamento especifica as condições do tumor, sua localização, disseminação e se está acometendo outros órgãos, auxiliando na definição do tratamento a ser instituído e na previsão do prognóstico3,5.
O tratamento instituído para 76,9% dos participantes, no momento da coleta de dados, foi a terapia hormonal de LH-RH agonista e para 23,0%, a radioterapia conformacional 3D. As decisões terapêuticas para o CaP são influenciadas pelos prováveis efeitos na QVRS dos indivíduos6, característica mais importante a ser considerada quando da definição do tratamento para o CaP, em função dos excelentes resultados de sobrevida18. Com uma probabilidade elevada de sobrevivência após o tratamento, a QVRS, tornou-se uma preocupação tanto para os homens, como para os profissionais de saúde19.
Ao avaliar a QVRS relatada pelos participantes, nos domínios intestinal, urinário, sexual e hormonal, a média total do escore da função sexual (11,55) foi menor que as dos outros domínios, indicando baixa QVRS no referido domínio.
Esses achados corroboram com estudo realizado18, com homens em tratamento hormonal, onde os autores relataram que o domínio sexual foi significativamente afetado, com efeitos sobre a disfunção erétil e libido. Os autores concluíram que a QVRS é significativamente afetada dentro de 12 meses do início da terapia hormonal e ressaltaram que o adequado tratamento para a disfunção erétil pode melhorar a QVRS de homens submetidos ao tratamento. Outro estudo realizado com homens em tratamento radioterápico20, demonstrou que 81% dos entrevistados relataram problemas moderados a graves na função sexual, 19% problemas moderados a grave na função urinária e 17% problemas moderados a grave na função intestinal.
Pelas respostas apresentadas nas questões relacionadas ao domínio sexual dos integrantes do estudo, pode-se observar que a QVRS foi afetada, sobressaindo as respostas: nenhuma qualidade nas ereções, não ter ereções quando queria ter uma, não ter ereções ao acordar à noite ou de manhã, não ter qualquer tipo de atividade sexual e não ter nenhuma relação sexual.
Tanto a terapia hormonal como a radioterapia podem causar algum tipo de efeito na função sexual, com significativa repercussão na QVRS para muitos homens17−20. A disfunção sexual é um dos efeitos mais associados ao tratamento para o CaP, classificando-se como a principal preocupação para alguns homens, que consideram que os efeitos da disfunção erétil vão além da capacidade de ter relações sexuais, diminuindo o senso de masculinidade e afetando negativamente a capacidade de sentir-se emocionalmente bem19.
A disfunção erétil é a persistente incapacidade de atingir e manter uma ereção satisfatória para relações sexuais. Ela é cada vez mais comum com o avanço da idade e mais acentuada em homens que recebem o tratamento para o CaP21. Outros fatores que podem contribuir para a diminuição da função sexual além do tratamento e da idade, são as comorbidades como diabetes, doenças cardiovasculares e a função sexual pré- tratamento (por exemplo, disfunção erétil pré-existente)22.
A disfunção erétil está associada a quedas significativas na QVRS e tem efeitos negativos sobre o ajustamento psicológico. Cerca de metade de todos os pacientes irão tentar algum tipo de tratamento para a disfunção erétil em algum momento depois de submetidos ao tratamento para o CaP. Esses tratamentos incluem fosfodiesterase tipo 5, injeções intracavernosa, dispositivo de ereções por vácuo e o implante peniano20–22.
O tratamento da disfunção erétil pode ser desafiador e, em geral, há uma falta de evidência para apoiar uma opção de tratamento em relação a outra. A avaliação abrangente da disfunção erétil, combinada com a compreensão das melhores práticas de tratamento, eficácia e efeitos colaterais, é defendida como uma forma de auxiliar o paciente a recuperar a função sexual e a melhorar a qualidade de vida para si e seu parceiro23.
Nos resultados dos domínios urinário, intestinal e hormonal, as respostas sobre às questões sobre quão problemático foi acordar para urinar, necessidade frequente de urinar durante o dia, frequência de urgência em evacuar, de sentir ondas de calor, de sentir-se deprimido e com falta de energia variaram de muito pouco problemático a muito problemático.
Embora na amostra estudada os domínios urinário, intestinal e hormonal não tenham tido alto impacto na QVRS dos participantes, em ambos os tratamentos, a literatura3–5, considera que esses tratamentos podem causar efeitos colaterais em algum momento durante ou após o tratamento, reforçando a necessidade e a importância de se atentar para os benefícios que a avaliação da QVRS poderá trazer ao paciente, familiares e profissionais que prestam assistência aos indivíduos acometidos pela doença.
Num estudo prospectivo, realizado com a utilização do EPIC, com o objetivo de comparar as alterações na QVRS de 362 homens tratados com radioterapia de intensidade modulada e conformada, os resultados mostraram que aqueles com ereções firmes para relações sexuais antes do tratamento perderam essa capacidade em 35% após a radioterapia de intensidade modulada e 68% após a radioterapia conformada24.
Um estudo no Japão, com o uso do referido instrumento (EPIC) e com o objetivo de avaliar prospectivamente as mudanças longitudinais na qualidade de vida após a radioterapia, concluiu que as funções urinárias e hormonais não foram afetadas pelo tratamento, mas a intestinal e o funcionamento sexual diminuíram25.
Já no estudo realizado na Flórida, com 262 pacientes com idade limite de 60 anos, os escores da função sexual sofreram uma queda média de 12,6% ao longo de dois anos após o tratamento. Os autores concluíram que os homens jovens submetidos à radioterapia para tratamento definitivo de CaP têm excelentes resultados no que diz respeito à disfunção erétil, incontinência urinária e outros parâmetros da QVRS durante os primeiros dois anos após o tratamento26.
Autores de outros estudos20,24–25, ao avaliarem pacientes prospectivamente, consideraram que mesmo havendo declínio na QVRS durante o tratamento, os efeitos negativos foram limitados e principalmente temporários. Esses achados foram confirmados por outro estudo27, com o objetivo de avaliar a QVRS de pacientes com CaP antes, durante e após o tratamento com radioterapia e de comparar com a qualidade de vida de uma população normal. Os autores consideraram que a radioterapia não leva à deterioração clinicamente significativa da QVRS no primeiro ano após o tratamento.
Schover28, relata em seu estudo sobre a função sexual de pacientes em tratamento de hormonioterapia, que como o CaP se torna mais comum com a idade, pelo menos um terço dos homens têm problemas sexuais no momento do diagnóstico e que os tratamentos aumentam muito a prevalência de disfunção sexual, que inclui perda de desejo, disfunção erétil e alterações no orgasmo. Os homens tratados com terapia hormonal têm as piores taxas de disfunção sexual, mas apesar da alta taxa de problemas sexuais, um pequeno grupo permanece sexualmente ativo e é capaz de ter ereções confiáveis.
Essas características apresentam similaridades com outros estudos29–30, nos quais os autores relatam que a maioria dos pacientes com CaP submetidos à hormonioterapia experimentará disfunção sexual, com variabilidade no seu grau. Os aspectos psicossociais do funcionamento sexual devem ser considerados, pois os efeitos adversos da hormonioterapia sobre os resultados sexuais são angustiantes, altamente prevalentes e podem ter impacto psicológico significativo tanto para o paciente como para seus parceiros.
Em estudo de revisão sobre os efeitos psicológicos da hormonioterapia em pacientes com CaP, os autores consideraram que os pacientes experimentaram múltiplos efeitos adversos físicos e psicológicos, que incluíam sintomas depressivos e comprometimento cognitivo31. O estudo de Chung et al32, que investigou a relação entre a hormonioterapia e o risco de ser posteriormente diagnosticado com transtorno depressivo, durante três anos, apresentou evidências de associação entre a hormonioterapia e o diagnóstico do transtorno. Autores de outro estudo, realizado com pacientes com câncer de um forma geral, apresentaram que o diagnóstico do câncer e a adesão ao tratamento afetaram as dimensões da qualidade de vida, atingindo especificamente as dimensões do bem estar psicológico, sendo os sintomas de ansiedade e depressão os mais afetados33.
Essas constatações fortalecem a convicção da importância do estudo, que poderá trazer uma contribuição para a realidade estudada, oferecendo dados ainda não avaliados, e subsídios para o planejamento da assistência local, mesmo diante de algumas dificuldades referentes à localização de prontuários e participantes, o que resultou em perda de alguns sujeitos aptos a participarem; à falta de informações nos prontuários, como o estadiamento atual do tumor e o valor do PSA, bem como o histórico de tratamentos anteriores e cirurgias e à resistência de alguns profissionais no repasse de informações referentes aos pacientes, como data de retorno e dias das consultas, dificultando o contato e localização dos mesmos para o procedimento de coleta de dados e retardando o tempo destinado para sua obtenção.
CONCLUSÕES
Os resultados do estudo ressaltam a importância e a necessidade de pesquisas para avaliação da QVRS de pacientes com CaP, o segundo tipo de câncer mais comum entre homens. O instrumento utilizado para a coleta dos dados (EPIC) mostrou-se útil na investigação das funções urinária, intestinal, hormonal e sexual, o que possibilitou identificar os sinais e sintomas que mais alteraram a QVRS dos homens durante o tratamento em hormonioterapia e radioterapia. Sua utilização na prática clínica pode contribuir para o planejamento da assistência prestada, visando a estabelecer medidas preventivas, terapêuticas e outras ações voltadas para melhor assistência e QVRS dos pacientes.
Ainda que os resultados tenham sido obtidos e analisados pela primeira vez no hospital do estudo, oferecem subsídios para o conhecimento da realidade local e corroboram com os achados de outros estudos realizados em locais e realidades diferentes. Recomenda-se a realização de novas pesquisas com amostras maiores e delineamentos que envolvam avaliações prospectivas dos tratamentos instituídos, de modo a facilitar a escolha de medidas terapêuticas menos impactantes e a oferecer subsídios para o planejamento, a execução e a identificação dos efeitos das diferentes modalidades terapêuticas e suas consequências na vida dos pacientes.