INTRODUÇÃO
O Brasil vivencia um fenômeno conhecido como transição epidemiológica, cujaja característica é a mudança nas causas de mortalidade e morbidade associadas às transformações demográficas sociais e econômicas. Nessa conjuntura, as doenças crônicas não transmissíveis, dentre elas, o câncer, aparecem como uma das doenças responsáveis pela modificação do perfil de adoecimento da população brasileira; e apesar dos avanços em pesquisas e novas modalidades terapêuticas existentes, é considerada a segunda maior causa de mortalidade no país1–2.
Câncer é definido como uma doença genética caracterizada pelo crescimento e divisão celular desordenados e, por isso, chamado de tumor maligno, que, por usa vez, pode invadir tecidos e órgãos adjacentes e/ou distantes, denominados de metástases3.
A estimativa de câncer para o Brasil, para o biênio 2016-2017, aponta a ocorrência de cerca de 600 mil casos novos de câncer; destes, 180 mil novos casos, aproximadamente, serão câncer de pele não melanoma. O perfil epidemiológico revela que os cânceres mais frequentes, exceto o de pele não melanoma, serão o câncer de próstata (61 mil) em homens e mama (58 mil) em mulheres. Já os tipos de câncer mais frequentes em homens serão próstata (28,6%), pulmão (8,1%), intestino (7,8%), estômago (6,0%) e cavidade oral (5,2%) e em mulheres, os cânceres de mama (28,1%), intestino (8,6%), colo do útero (7,9%), pulmão (5,3%) e estômago (3,7%) figurarão entre os principais. Embora haja limitações, acredita-se que as estimativas sejam capazes de descrever padrões atuais de incidência de câncer, possibilitando o dimensionamento da magnitude e do impacto dessa doença no Brasil. Para estes mesmos anos, na região Nordeste, estima-se que ocorram 47.520 casos novos de neoplasia em homens e 51.540 em mulheres4.
As feridas tumorais malignas também denominadas lesões oncológicas, neoplásicas ou fungóides (quando apresentam aspecto de cogumelo ou couve-flor) são formadas pela infiltração das células malignas do tumor nas estruturas da pele, levando consequentemente à quebra da sua integridade, com posterior formação de uma ferida evolutivamente exofítica, decorrente da proliferação celular descontrolada que o processo de oncogênese provoca5.
A prevalência dessas lesões, independente da localização anatômica, não é bem documentada, mas se estima a partir de estudos internacionais que 5 a 10% dos pacientes com câncer desenvolvem feridas tumorais malignas6–7. Estudo realizado na Suíça, no período de seis meses, verificou que a prevalência de lesões tumorais malignas em pacientes com câncer metastático foi de 6,6%8. No Brasil, dois estudos quantitativos recentes abordaram dados sobre o acometimento de pessoas com neoplasias malignas, trazendo assim novas informações que evidenciam o perfil, características e tratamento dessas lesões9–10.
As feridas tumorais malignas que acometem a pele constituem mais um agravo na vida do paciente oncológico, pois, progressivamente, desfiguram o corpo e tornam-se friáveis, dolorosas, exsudativas e liberam odor fétido11–13. Ao mesmo tempo, essas lesões podem levar ao desenvolvimento de complicações tais como infecções superficiais e/ou sistêmicas, fistulas e infestação de larvas; outrossim, essas feridas afligem também as dimensões psíquicas, sociais e espirituais do paciente, as quais podem interferir nas relações interpessoais com a equipe médica, com os próprios familiares e até mesmo o social6–7;14–20.
O tratamento das feridas tumorais malignas é complexo, pois exige avaliação de etiologia oncológica, características e estadiamento da lesão, estado físico, emocional, social e espiritual do paciente, bem como produtos e coberturas específicos para o controle dos sinais e sintomas. Diante disso, faz-se necessário, que o enfermeiro, que habitualmente é responsável pela realização de curativos, tenha competência e habilidade para identificar, avaliar e tratar as feridas tumorais malignas, proporcionando uma assistência integral ao paciente e sua família21–26. Por isso, a assistência à pessoa com ferida tumoral maligna requer que do enfermeiro conhecimento específico. Um dos caminhos metodológicos que pode embasar a implementação dessa assistência pode ter como base os quatro padrões de conhecimento propostos por Carper, a saber: o empírico, o estético, o ético e o pessoal, que estão inseridos em teorias que norteiam o cuidado de Enfermagem27.
Foram selecionadas habilidades para um domínio de conhecimento teórico - o saber - e um de conhecimento prático - o fazer - com que foi possível elaborar uma escala cujo objetivo é de verificar, na concepção dos enfermeiros responsáveis pelas pessoas com feridas tumorais malignas, a existência das dimensões teóricas e práticas. Na Enfermagem, o domínio pode ser compreendido como o âmbito de sua área, ou seja, a abrangência de seu conhecimento, que é um domínio pessoal, uma apropriação e compreensão do saber por uma pessoa, nesse caso, o enfermeiro, que, durante sua formação, desenvolve o saber que (um conhecimento explícito), e em sua prática diária, o saber como (um conhecimento prático). Hipoteticamente, ambos são interdependentes e fazem parte de um conjunto mais amplo da Enfermagem, que inclui aspectos éticos e pessoais percebidos durante a implementação do cuidado28.
A inquietação em realizar este estudo surgiu mediante visitas técnicas em um hospital filantrópico que atende pacientes com doença oncológica avançada onde foi possível verificar fragilidades no domínio teórico e prático dos enfermeiros que eram responsáveis pela avaliação e tratamento dessas feridas.
Com base nesse caminhar, lançou-se a seguinte questão norteadora da pesquisa: qual o conhecimento e prática de enfermeiros no cuidado ao paciente com ferida tumoral maligna? Nesse sentido, o objetivo geral deste estudo foi investigar o conhecimento e prática de enfermeiros no cuidado a pacientes com feridas tumorais malignas.
Esta pesquisa contribuirá na ampliação da produção científica relacionada à temática, disseminando o conhecimento entre os profissionais sobre a existência do manual do INCA e propor, a partir dos dados coletados, um protocolo específico para o cuidado a pacientes com feridas tumorais malignas para a instituição lócus da pesquisa.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa descritiva de caráter quantitativa, realizada em um hospital filantrópico no município de Campina Grande, Paraíba, Brasil. A população definida para o estudo foi de 26 enfermeiros assistenciais (número de enfermeiros que exercem atividades laborais na instituição lócus da pesquisa). Para selecionar a amostra, utilizou-se os seguintes critérios de inclusão: enfermeiros assistenciais, que realizassem curativos em pacientes com feridas neoplásicas e que tivessem, pelo menos seis meses de experiência na área e que estivessem exercendo suas atividades laborais no dia da coleta. E como critérios de exclusão: enfermeiros que não estivessem afastados no momento da coleta dos dados (licença saúde, férias, licença maternidade ou afastado para capacitação). Nesse sentido, participaram do estudo, 22 enfermeiros da referida instituição de saúde. A amostra foi não probabilística, pois considerou-se o sujeito que, consultado no local da unidade hospitalar dispusera em colaborar, respondendo o questionário a ele apresentado pelo responsável da pesquisa.
Para coleta de dados foi elaborado um questionário estruturado, contendo duas seções: a primeira se destinou aos aspectos sociodemográficos e profissionais dos sujeitos da pesquisa, que teve como objetivo fazer uma breve caracterização dos participantes deste estudo; neste continha informações sobre o sexo, idade, estado civil, tempo de formação acadêmica e tempo de experiência na área de oncologia e pós-graduação. Na segunda parte do questionário foi elaborado um instrumento contendo questões acerca dos cuidados a pacientes com feridas tumorais malignas, norteadas pelo manual do Ministério da Saúde e Instituto Nacional do Câncer sobre tratamento e controle de feridas tumorais – MS/INCA (2011)24, a saber:
Avaliação da ferida tumoral maligna e das necessidades do paciente: trata-se de um instrumento composto por 17 itens relacionados a avaliação da área da lesão (por exemplo, localização, tamanho, estadiamento dentre outros), no qual o respondente indicou, respectivamente, a sua resposta enfatizando o seu saber e fazer acerca da avaliação da lesão e do paciente que apresentava feridas; para isso, ele indicou a sua resposta, referente ao saber, numa escala de três pontos (1 = não sei, 2 = sei em parte e 3 = sei). Em relação ao fazer, o mesmo sujeito s suas respostas numa escala binomial (por exemplo, 1 = sim e 2 = não).
Cuidados básicos com a ferida tumoral maligna : trata-se de um instrumento composto por nove itens relacionados aos cuidados básicos (por exemplo, calçar luvas estéreis para proceder com o curativo do leito da lesão, retirar gazes aderidas ao leito da ferida com irrigação abundante utilizando solução salina dentre outros), no qual o respondente indicou, respectivamente, a sua resposta enfatizando o seu saber e fazer relacionados aos cuidados básicos com o paciente que apresentava feridas; para isso, ele indicou a sua resposta, referente ao saber, numa escala de três pontos (1 = não sei, 2 = sei em parte e 3 = sei). Em relação ao fazer, o mesmo sujeito assinalou as suas respostas numa escala binomial (por exemplo, 1 = sim e 2 = não).
Registro das ações de enfermagem: este instrumento é composto por cinco subitens. Em todos eles, o respondente indicou, respectivamente, a sua resposta enfatizando o seu saber e fazer do registro das informações acerca da avaliação e tratamento do paciente que apresentava feridas; para isso, ele indicou a sua resposta, referente ao saber, numa escala de três pontos (1 = não sei, 2 = sei em parte e 3 = sei). Em relação ao fazer, o mesmo sujeito assinalou as suas respostas numa escala binomial (por exemplo, 1 = sim e 2 = não).
A coleta foi realizada durante o período de maio a junho de 2016 e para a análise dos dados utilizou-se a estatística descritiva (média, desvio padrão e frequências em percentagens) e, para isso, utilizou-se o programa Statistical Package for the Social Sciences 22.0 (SPSS-22).
No que se refere às considerações éticas, a presente pesquisa foi norteada pelo Código de Ética dos Enfermeiros - Resolução n° 311/2007 do Conselho Federal de Enfermagem, como também pelas Diretrizes e Normas Regulamentadoras para Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, no cenário brasileiro, contemplados pela Resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) / Ministério da Saúde (MS) que dispõe sobre pesquisas com seres humanos.
Os enfermeiros foram convidados pessoalmente por três pesquisadores do estudo e, buscando-se atender às normas que regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos, foram informados quanto aos objetivos, procedimentos de coleta e análise de dados, garantia de sigilo, direito ao anonimato, acesso irrestrito aos questionários e liberdade em participar ou não da pesquisa. Não havendo dúvidas, cada participante firmou sua assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, recebendo uma cópia do mesmo.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Hospital Universitário Alcides Carneiro, com parecer n° 1.321.296 e CAAE n° 50354615.8.0000.5182.
RESULTADOS
Participaram do estudo, 22 enfermeiros da referida instituição de saúde, os quais, 91% eram do sexo feminino, 68% casados, com idade variando de 24 a 62 anos (Media = 36,6, dp = 9,31), 32% tinham cinco anos de formação acadêmica, no que se refere a experiência na área de oncologia, 54% afirmaram ter de um a dois anos, 14% de 3 a 4 anos e de 5 a 10 anos 32%, 55 tinha pós-graduação lato sensu.
A partir da coleta e formatação do banco de dados dessa pesquisa, realizou-se uma análise de frequência, a qual teve como objetivo avaliar a distribuição das respostas dos sujeitos nos referidos instrumentos sobre o cuidado com o paciente que apresentava ferida tumoral maligna. Desta forma, visando uma melhor compreensão para o leitor, os resultados serão apresentados por duas seções: a do saber e a do fazer das avaliações específicas destacadas no instrumento, isto é, apresentar-se-á inicialmente, o saber e o fazer da avaliação da ferida tumoral maligna e das necessidades do paciente descritos na Tabela 1 logo a seguir, as Tabelas 2 e 3, que tratam dos cuidados básicos realizados na ferida tumoral maligna e registros das ações de enfermagem, respectivamente.
Você avalia a ferida tumoral maligna e as necessidades do paciente | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Quanto você sabe | Quanto você faz | |||||||||
Não sei | Sei em parte | Sei | Sim | Não | ||||||
F | % | F | % | F | % | F | % | F | % | |
1. Localização | 1 | 4 | 7 | 32 | 14 | 64 | 11 | 55 | 10 | 45 |
2. Tamanho | 3 | 14 | 10 | 45 | 9 | 41 | 8 | 36 | 13 | 64 |
3. Estadiamento | 3 | 14 | 11 | 50 | 8 | 36 | 6 | 27 | 16 | 73 |
4. Área de envolvimento | 1 | 4 | 10 | 46 | 11 | 50 | 9 | 41 | 13 | 59 |
5. Cor | 1 | 5 | 7 | 32 | 14 | 64 | 10 | 45 | 12 | 55 |
6. Extensão | 1 | 5 | 6 | 27 | 15 | 68 | 01 | 45 | 12 | 55 |
7. Odor | 1 | 5 | 2 | 9 | 19 | 86 | 13 | 59 | 9 | 41 |
8. Exsudato | 2 | 9 | 3 | 4 | 17 | 77 | 12 | 56 | 10 | 44 |
9. Sangramento | 1 | 5 | 2 | 9 | 19 | 86 | 12 | 56 | 10 | 44 |
10. Dor | 1 | 5 | 2 | 9 | 19 | 86 | 13 | 59 | 9 | 41 |
11. Prurido | 1 | 5 | 5 | 23 | 15 | 72 | 10 | 44 | 12 | 56 |
12. Descamação | 3 | 14 | 7 | 32 | 12 | 54 | 9 | 41 | 13 | 59 |
13. Sinais de infecção | 2 | 9 | 6 | 27 | 14 | 64 | 11 | 50 | 11 | 50 |
14. Acometimento ou invasão de órgãos ou sistemas | 5 | 23 | 7 | 32 | 10 | 45 | 7 | 32 | 15 | 68 |
15. Progressão ou mudança da ferida | 5 | 23 | 4 | 18 | 12 | 59 | 7 | 32 | 15 | 68 |
16. Produtos necessários/apropriados para a ferida | 4 | 18 | 9 | 42 | 9 | 40 | 5 | 23 | 17 | 77 |
17. Identificar as necessidades educacionais do paciente ou cuidador quanto aos cuidados com a ferida após a alta | 3 | 14 | 7 | 32 | 10 | 54 | 10 | 44 | 12 | 56 |
TOTAL | 22 | 100 | 22 | 100 | 22 | 100 | 22 | 100 | 22 | 100 |
Fonte: Dados da pesquisa, 2016
Cuidados básicos realizados com a ferida tumoral maligna que você realiza com a ferida neoplásica | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Quanto você sabe | Quanto você faz | |||||||||
Não sei | Sei em parte | Sei | Sim | Não | ||||||
F | % | F | % | F | % | F | % | F | % | |
1. Calçar luvas estéreis para proceder com o curativo do leito da lesão | 1 | 5 | 1 | 5 | 20 | 90 | 17 | 77 | 5 | 23 |
2. Retirar gazes aderidas ao leito da ferida com irrigação abundante utilizando solução salina | 1 | 4 | 3 | 14 | 18 | 82 | 13 | 59 | 9 | 41 |
3. Irrigar o leito da ferida com solução salina em jato, com seringa 20 mL/agulha 40 × 12 cm | 2 | 9 | 9 | 41 | 11 | 50 | 11 | 50 | 11 | 50 |
4. Limpar a ferida para a remoção superficial de bactérias e debris | 2 | 9 | 7 | 32 | 13 | 59 | 12 | 55 | 10 | 45 |
5. Empregar técnica asséptica | 1 | 5 | 4 | 18 | 17 | 77 | 14 | 64 | 8 | 36 |
6. Utilizar curativos absortivos | 3 | 14 | 6 | 27 | 13 | 59 | 13 | 59 | 9 | 41 |
7. Manter úmido o leito da ferida | 3 | 14 | 4 | 18 | 15 | 68 | 14 | 64 | 8 | 36 |
8. Eliminar espaço morto (preenchê-lo com curativo) | 2 | 9 | 4 | 18 | 16 | 73 | 14 | 64 | 8 | 36 |
9. Promover os curativos simétricos de acordo com a aparência do paciente | 3 | 14 | 7 | 32 | 21 | 54 | 14 | 64 | 8 | 36 |
10. Proteger o curativo com saco plástico durante o banho de aspersão e abrí-lo para troca somente no leito (evitando a dispersão de exsudato e microorganismos no ambiente). | 4 | 18 | 10 | 46 | 7 | 34 | 9 | 41 | 5 | |
TOTAL | 22 | 100 | 22 | 100 | 22 | 100 | 22 | 100 | 22 | 100 |
Fonte: Dados da pesquisa, 2016
Registro das ações de enfermagem que você realiza acerca do paciente e da ferida tumoral maligna | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Quanto você sabe | Quanto você faz | |||||||||
Não sei | Sei em parte | Sei | Sim | Não | ||||||
F | % | F | % | F | % | F | % | F | % | |
1. Documentar a valiação da ferida e do paciente | 7 | 32 | 7 | 32 | 8 | 36 | 7 | 32 | 15 | 68 |
2. Documentar todas as intervenções realizadas | 4 | 18 | 1 | 5 | 17 | 77 | 15 | 68 | 7 | 32 |
3. Documentar educação realizada ao paciente e/ou família, sinalizando os pontos de dificuldades de entendimento e habilidade | 3 | 14 | 3 | 14 | 16 | 72 | 16 | 73 | 6 | 27 |
4. Documentar os resultados obtidos | 5 | 23 | 6 | 27 | 11 | 50 | 7 | 32 | 15 | 68 |
TOTAL | 22 | 100 | 22 | 100 | 22 | 100 | 22 | 100 | 22 | 100 |
Fonte: Dados da pesquisa, 2016.
Na Tabela 1, no que concerne à seção do saber, é possível observar que a maioria dos itens, os respondentes afirmaram que ‘sabiam’ avaliar a ferida tumoral maligna e as necessidades do paciente nos itens: localização, área de envolvimento, cor, extensão, odor, exsudato, sangramento, dor, prurido, descamação, sinais de infecção, acometimento ou invasão de órgãos ou sistemas, progressão ou mudança da ferida e identificar as necessidades educacionais do paciente ou cuidador quanto aos cuidados com a ferida após a alta; por outro lado, nos itens tamanho, estadiamento e produtos necessários/apropriados para a ferida, os respondentes indicaram que ‘sabiam avaliar, em parte’, os seguintes itens.
No que se refere à seção do fazer, a maioria dos sujeitos responderam que ‘não faziam’ a avaliação da ferida e das necessidades do paciente nos itens: tamanho, estadiamento, área de envolvimento, cor, extensão, prurido, descamação, sinais de infecção, acometimento ou invasão de órgãos ou sistemas, progressão da ferida, produtos necessário/apropriados para a ferida, identificar as necessidades educacionais do paciente ou cuidador quantos aos cuidados com a ferida após a alta e cinco mencionaram que ‘faziam’ a avaliação da ferida nos itens: localização, odor, exsudato, sangramento, dor e sinais de infecção. Nesta seção vale destacar que, de todo o instrumento, no item, ‘sinais de infecção’, o resultado foi muito igualitário, resultando para o estudo uma reflexão dúbia a respeito da frequência.
Na Tabela 2, em relação à seção do saber os entrevistados afirmaram ‘conhecer’ os cuidados em relação ao manejo da lesão oncológica em relação aos itens: calçar luvas estéreis para proceder com o curativo, retirar gazes anteriores com irrigação abundante utilizando solução salina, irrigar o leito da ferida com solução salina em jato com seringa 20 mL/agulha 40 × 12 cm, limpar a ferida para a remoção superficial de bactérias e debris, empregar técnica asséptica (proceder com a limpeza do meio menos contaminado para o mais contaminado), conter/absorver exsudato, manter úmido o leito da ferida, eliminar espaço morto (preenchê-lo com curativo) e promover os curativos simétricos com a aparência do paciente; em um item os respondentes relataram que ‘sabiam avaliar, em parte’, o item: proteger o curativo com saco plástico durante o banho de aspersão e abri-lo para troca somente no leito (evitando a dispersão de exsudato e micro-organismos no ambiente).
No que se refere à seção do fazer, a maioria dos enfermeiros responderam que ‘faziam’ os cuidados básicos em relação ao manejo da lesão oncológica em relação aos itens: calçar luvas estéreis para proceder com o curativo, retirar gazes anteriores com irrigação abundante utilizando solução salina, limpar a ferida para a remoção superficial de bactérias e debris, empregar técnica asséptica (proceder com a limpeza do meio menos contaminado para o mais contaminado), conter/absorver exsudato, manter úmido o leito da ferida, eliminar espaço morto (preenchê-lo com curativo) e promover os curativos simétricos com a aparência do paciente e treze mencionaram que não faziam o cuidado básico a ferida neoplásica no item: proteger o curativo com saco plástico durante o banho de aspersão e abri-lo para troca somente no leito (evitando a dispersão de exsudato e microorganismos no ambiente).
Nesta seção vale destacar que, no item “Irrigar o leito da ferida com solução salina em jato com seringa 20 mL/agulha 40 × 12 cm”, o resultado foi igualitário, o que determina uma ambiguidade em relação à frequência.
Na Tabela 3, no que concerne à seção do saber, é possível observar que todos os enfermeiros responderam que ‘sabiam’ realizar os registros das ações realizadas ao paciente e a ferida tumoral maligna nos itens: documentar avaliação da ferida e do paciente, documentar todas as intervenções realizadas, documentar educação realizada ao paciente e/ou família, sinalizando os pontos de dificuldades de entendimento e habilidade e documentar os resultados obtidos.
No que se refere à seção do fazer, metade dos enfermeiros respondeu que ‘não’ documentavam avaliação da ferida e do paciente e nem registravam os resultados obtidos, contudo, a outra metade respondeu que documentavam todas as intervenções realizadas e documentavam a educação realizada ao paciente e/ou família, sinalizando os pontos de dificuldades de entendimento e habilidade.
DISCUSSÃO
Na área específica da atenção à pessoa com feridas, é imprescindível que profissionais da saúde, entre eles o enfermeiro, desenvolva, o conhecimento científico (o saber), as habilidades (o saber fazer), o componente ético e relacional (o saber estar e ser) e a curiosidade científica (o saber aprender)29.
Considerando tais resultados, pode-se destacar que em relação ao saber, a maioria dos profissionais informou ‘saber’ avaliar a ferida, cuidar basicamente da lesão e registrar as ações de enfermagem que foram realizadas destacando, desta forma, que utilizam o conhecimento baseado nos princípios científicos na prática assistencial.
No que se concerne à seção fazer, a maioria dos enfermeiros responderam que ‘não’ realizavam avaliação da lesão e do paciente; que ‘realizavam’ cuidados básicos e metade dos participantes (50%) responderam que ‘registravam’ as ações de enfermagem. Desta maneira, percebe-se uma incoerência com a seção anterior, a que se refere ao saber, uma vez que a maioria dos profissionais informou ‘saber avaliar, cuidar e registrar’ os cuidados pertinentes ao paciente com ferida tumoral maligna.
Mediante esses resultados, observa-se que cuidado de enfermagem se configura como uma ação complexa, em que o saber e o fazer partem de uma dialogicidade inseparável e integrante para que o profissional dessa área possa compreender e atuar em diversas situações clínicas30.
No exercício da profissão, os enfermeiros se norteiam por duas dimensões fundamentais que envolvem o processo de cuidar em enfermagem: a do saber e a do fazer. É diante dessas práxis, que se percebe que o saber é um dos elementos que o enfermeiro utiliza em suas atividades laborais, e que possibilita o fazer na perspectiva da ação por meio da competência, habilidade, persistência, paciência e disponibilidade para agir consciente e intuitivamente. Com base nesse entendimento, o saber aqui apresentado, se reporta a um saber amplo, que envolve, além do resgate do conhecimento científico, a experiência no raciocínio clínico do enfermeiro em prol de um cuidado autêntico em que se valorizem as necessidades individuais de cada pessoa31.
Ademais, ao cuidar de uma pessoa, o enfermeiro adquire experiência pessoal, profissional e vivencial e aperfeiçoa o saber e o fazer. Na assistência à pessoa com ferida tumoral maligna, o aprendizado cognitivo desenvolve-se a cada vez que o enfermeiro atende a uma pessoa com lesão de diferentes características, de modo a fazer inferências com o que foi aprendido na academia. Além disso, esse aprendizado é consolidado em cada exame físico, anamnese, avaliação da lesão, escolha da cobertura e a necessidade de retirá-la sem causar danos à pessoa que está sendo cuidada30.
Já o aprendizado psicomotor, é desenvolvido por meio da mensuração da extensão, comprimento e abaulamento da lesão, da limpeza da ferida com solução salina, no preenchimento de espaços mortos existentes na lesão com produtos, substâncias ou coberturas específicas, na realização de curativos simétricos de forma que o tamanho e o formato sejam proporcionais à lesão, a fim de evitar que ferida fique muito aparente e afete a autoimagem do paciente.
Assim, o conhecimento sobre todos esses domínios auxilia o enfermeiro a prestar uma assistência resolutiva, direcionada às necessidades de cada paciente, e em que o principal aspecto envolvido nessa assistência coesa é o raciocínio clínico do enfermeiro, um processo sistematizado e dinâmico que envolve funções mentais e norteia a tomada de decisões no cuidado à pessoa com ferida tumoral maligna. Esse processo requer uma capacidade cognitiva, conhecimento clínico, experiência e intuição para integrar toda a situação32.
Dentre as atividades que podem desenvolver o raciocínio clínico está a educação com esses profissionais, incluindo abordagens de ensino que favoreçam a criatividade, as descobertas e os questionamentos, incluindo atividades em pequenos grupos e simulações33, além da própria vivência. Nesses exercícios, a prática consolida o conhecimento teórico, porque o fazer leva à compreensão da complexidade e singularidade do saber no cuidar, que conduz o enfermeiro a refletir sobre a própria ação e a incorporar novos saberes, re(criar) seu modo de cuidar e se converter em um investigador, no próprio contexto prático30.
Esse conhecimento particular se reconstrói a cada encontro, a cada cuidado e vai se enriquecendo numa racionalidade prático-reflexiva em cada momento de interação, em espiral, conduzindo a novas interpretações, acrescentando, a cada solução encontrada, o conhecimento específico de enfermagem, razão por que é diferenciado e único para cada um que o vivencia. Diferentemente, o conhecimento público é oriundo de estudos científicos que estão publicados e documentados e é resultado de um saber criado, acumulado e aperfeiçoado na prática34.
Urge mencionar que a abordagem à pessoa com ferida tumoral maligna, como um saber autêntico e científico, deve remeter a uma reflexão para a ação, que envolve desde a ação de um simples curativo à reflexão de avaliação da pessoa e escolha de uma modalidade terapêutica mais adequada. Desse modo, outros estudos seriam necessários, na instituição lócus da pesquisa, com o objetivo de avaliar outros padrões do conhecimento além dos especificados no presente estudo, contemplando, principalmente, aqueles propostos por Carper27, pois, de acordo com essa autora, existem padrões estéticos e éticos do conhecimento, que são passíveis de investigação por meio de estudos observacionais, durante a práxis assistencial.
Vale salientar que os padrões de conhecimento estabelecidos no estudo em tela são pedras basilares para a autonomia do enfermeiro na prática assistencial. Nesse sentido, há de se pensar, urgentemente, na necessidade do processo de formação de Especialização em Enfermagem Oncológica dos enfermeiros participantes da pesquisa, com vistas ao aperfeiçoamento do saber e do fazer35, uma vez que essas dimensões apesar de parecerem distintas, coadunam para uma única ação - o cuidado com o ser humano, que envolve toda a complexidade da ciência e ação.
Por fim, vale ressaltar, que as limitações do estudo fora a realização em um só cenário e uma amostra exígua, entretanto, o estudo conseguiu revelar fragilidades do conhecimento dos participantes da pesquisa e lacunas na prática assistencial; o que leva a (re)pensar em mudanças nas práticas envolvendo educação em saúde, uma vez que o aprimoramento técnico-científico do profissional é uma das condições imprescindíveis para a consolidação, reconhecimento e desenvolvimento de uma assistência efetiva e digna para pacientes sem possibilidades terapêuticas de cura36; bem como refletir sobre as dificuldades do processo de trabalho que os participantes da pesquisa vivenciam diante da evolução do contexto sociopolítico e econômico no qual a instituição lócus da pesquisa se encontra, de forma a encontrar possibilidades e estratégias que possam promover transformações necessárias para a melhoria da assistência de enfermagem às pessoas com doença oncológica avançada37.
CONCLUSÕES
Os resultados evidenciaram que os enfermeiros apresentam limitações no conhecimento e fragilidades práticas para avaliar as especificidades da lesão e do paciente, indicação de cobertura, tipo de curativo a serem utilizados no controle de sinais e sintomas dessas lesões. Provavelmente, as limitações no conhecimento estejam relacionadas à ausência de educação permanente no serviço de saúde e educação continuada em áreas afins, tais como Dermatologia, Estomaterapia, Cuidados Paliativos dentre outros; já as fragilidades práticas, certamente, podem estar relacionadas à carga de trabalho excessiva devido às atividades gerenciais; mal planejamento do dimensionamento de pessoal, falta de insumos e de materiais para a avaliação de feridas, assim como produtos, substâncias e coberturas escassos no serviço de saúde.
Nesse sentido, os resultados desse estudo assinalam a necessidade de educação permanente no serviço de saúde, lócus da pesquisa, a fim de treinar a equipe de enfermagem para o acompanhamento de pacientes com lesões tumorais malignas, bem como a estruturação de unidade de cuidados paliativos com recursos humanos e materiais necessários, criação e implantação de protocolos assistenciais que norteiem a prática de métodos avaliativos e terapêuticos no cuidado a pessoas com feridas tumorais malignas, familiares e cuidadores.
Este estudo apresenta algumas limitações, dentre elas, a amostra exígua e a realização apenas em uma instituição, contudo, os objetivos foram respondidos. Por esse motivo, o estudo precisa ser replicado, após refinamento do instrumento, com amostra maior e em outras instituições de saúde, para que se tenha um panorama de como o conhecimento e a prática do cuidado a pacientes com feridas tumorais malignas está sendo realizado.
Outra limitação do estudo está relacionada à discussão dos resultados, no que se refere à escassez de dados comparativos com outras pesquisas. Nesse sentido, vale ressaltar que os estudos publicados em âmbito nacional e internacional acerca da temática em tela apresentam, geralmente, delineamento bibliográfico, o que contribui para níveis de evidência baixos, inviabilizando a comparação, considerada condição sine qua non para confirmar ou refutar as hipóteses da pesquisa em tela.
Embora se reconheça as limitações do estudo, considera-se fundamental tomar os resultados como forma de reflexão sobre a importância da educação em saúde no processo de formação de enfermeiros. Para tanto, a educação necessita ser também integral e interdisciplinar, com bases em referenciais críticos-reflexivos, permitindo a aquisição de competências e habilidades que garantam um agir voltado para a pessoa com ferida neoplásica na sua subjetividade.