INTRODUÇÃO
Os óbitos maternos mundiais ocorrem anualmente em aproximadamente 529.000 mulheres, sendo 99% desse número em países subdesenvolvidos, representando as desigualdades sociais e a diferença na atenção da saúde materna entre pobres e ricos1.
De acordo com o quinto Objetivo de Desenvolvimento do Milênio das Organizações das Nações Unidas, a hipertensão arterial continua sendo a principal causa de mortalidade materna, mas vem reduzindo suas taxas ao longo dos anos2. A causa etiológica da hipertensão na gestação é desconhecida e acomete entre 10 e 22% das gestantes, caracterizando-se pela elevação da pressão arterial, que se manifesta somente durante a gravidez3.
A classificação das doenças hipertensivas na gestação, segundo o Ministério da Saúde são: hipertensão crônica, pré-eclâmpsia, eclâmpsia, pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão crônica e hipertensão gestacional4.
O diagnóstico da hipertensão gestacional acontece pela primeira vez durante a gestação, sem presença de proteinúria; a pré-eclâmpsia é diagnosticada após a 20ª semana de gestação e apresenta proteinúria; a hipertensão crônica é diagnosticada antes da gestação ou até a 20ª semana de gestação ou até o puerpério, se a pressão arterial permanecer elevada; a eclâmpsia é a presença de convulsão e/ou coma em gestantes que apresentam pré-eclâmpsia ou hipertensão arterial gestacional; e a pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão crônica é a presença de proteinúria após a 20ª semana de gestação, em gestante portadora de hipertensão crônica, ou com uma elevação da proteinúria em mulheres cujo aumento foi observado previamente, ou gestantes que apresentavam níveis normais de pressão arterial mas que elevou-se repentinamente, ou com sintomas e exames que indicam a préeclâmpsia5.
A prevalência de mortalidade materna em gestantes com síndrome hipertensiva gestacional é de 60 a 86%, e a fetal pode atingir de 56 a 75%3. Dentre as complicações maternas mais frequentes e relevantes estão o deslocamento prematuro da placenta, a coagulopatia e a síndrome HELLP. Dentre as neonatais mais frequentes pode-se observar a prematuridade, a restrição de crescimento fetal e morte perinatal5.
Em um estudo realizado no Paraná, após a avaliação de cada óbito materno em decorrência das síndromes hipertensivas gestacionais, os autores concluíram que a maioria dos casos poderiam ter sido evitados com diagnóstico precoce, busca de gestantes com risco gestacional e tratamento adequado em serviço hospitalar especializado6.
No que concerne o envolvimento de profissionais da saúde no acompanhamento das síndromes hipertensivas gestacionais, um estudo teve como objetivo analisar a assistência de enfermeiros às gestantes com esta patologia, em hospital de baixo risco obstétrico. Este estudo apontou que a assistência dos profissionais enfermeiros é de suma importância no cuidado de gestantes com síndromes hipertensivas, e que, quando aliada a uma equipe de outros profissionais, possibilita um trabalho dinâmico e resolutivo. Além disso, o estudo observou que fatores não institucionais, como as lacunas no acompanhamento pré-natal, podem dificultar o cuidado da paciente com síndrome hipertensiva gestacional que chega à maternidade7.
Uma atenção do pré-natal ao puerpério qualificada é componente essencial e indispensável para a redução da morbimortalidade materno-fetal, com a presença de profissionais habilitados e treinados na assistência ao parto, infraestrutura adequada e tratamento assertivo e eficaz8.
O objetivo deste trabalho foi estimar a prevalência de síndromes hipertensivas gestacionais e descrever os fatores de risco maternos e fetais dessas complicações, em mulheres que realizaram o parto em um hospital no sul do Brasil.
MATERIAIS E MÉTODOS
O presente estudo trata-se de uma metodologia quantitativa e delineamento transversal histórico, desenvolvido no Hospital Tacchini, no município de Bento Gonçalves, Brasil. O início da coleta de dados se deu após a devida aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Tacchini de Bento Gonçalves, com parecer n° 1.753.621 e CAAE n° 57150416.9.0000.5305, tendo a pesquisadora assinado o Termo de Compromisso de Utilização de Dados.
O cálculo do tamanho da amostra foi realizado no programa WinPEPI (Programs for Epidemiologists for Windows) versão 11.43, baseado em um estudo intitulado “Prevalência da doença hipertensiva específica da gestação em hospital público de São Paulo”9. Para um nível de confiança de 95%, uma prevalência de síndrome hipertensiva gestacional estimada em 4%, margem de erro de 2% e uma população estimada em 1845 gestantes que realizaram o parto no ano de 2015 no Hospital Tacchini, obteve-se um total mínimo de 459 indivíduos para compor a amostra.
Para a seleção da amostra foi determinado intervalo de amostragem, que supõe que a população é homogênea em relação à variável de interesse, mas que consiste em retirar elementos da população a intervalos regulares, até compor o total da amostra.
A lista das gestantes que realizaram o parto no ano de 2015 foi fornecida pelo setor da tecnologia da informação do hospital. O intervalo de amostragem foi obtido dividindo-se o total de sujeitos da população (n=1845) pelo número de sujeitos que compuseram a amostra (n=459), resultando em 4,02. O ponto de início da amostragem foi o primeiro prontuário da lista e os próximos foram obtidos através do intervalo de amostragem, sendo selecionado 1 a cada grupo de 4 sujeitos. Caso o prontuário apresentasse informações faltantes, o imediatamente seguinte era selecionado para compor a amostra.
A coleta de dados foi realizada no hospital e os prontuários foram localizados no sistema eletrônico interno do hospital (MVPEP). Foram incluídas no estudo, as gestantes que realizaram o parto no hospital no ano de 2015 e excluídas das análises, gestantes que apresentavam o prontuário eletrônico com informações faltantes.
Os dados de interesse para a pesquisa (número do prontuário, data da coleta de dados, idade da gestante, semana gestacional do diagnóstico da síndrome hipertensiva gestacional, índice de massa corporal, tipo de gestação, raça/cor, diagnóstico de síndrome hipertensiva gestacional definida pelo médico, histórico de hipertensão gestacional, diagnóstico de diabetes mellitus, plano de saúde, complicações/riscos durante a gestação e uso de medicamentos para hipertensão arterial) foram coletados dos prontuários de atendimento eletrônico em um formulário específico.
Para obtenção do índice de massa corporal (IMC) das gestantes foram utilizadas as variáveis peso e altura registrados nos prontuários. No presente estudo foi considerado somente o peso da gestante após o parto, uma vez que não foram coletados dados de semana gestacional, impossibilitando a utilização da classificação do IMC para gestantes. Para a obtenção do IMC foi utilizada a seguinte equação: massa (kg) / altura (m2). A classificação foi estabelecida de acordo com a World Health Organization10, IMC < 18,5kg/m2 - abaixo do peso, entre 18,5 e 24,9kg/m2 - peso adequado, entre 25,0 e 29,9kg/m2 - sobrepeso e > 30kg/m2 - obesidade.
As variáveis quantitativas simétricas foram descritas por média e desvio padrão, e as quantitativas assimétricas, por mediana e amplitude interquartílica. As variáveis qualitativas foram descritas por frequências absolutas e relativas. Foi calculada a prevalência e o seu respectivo intervalo de confiança de 95%. As análises foram realizadas no programa StatisticalPackage for Social Sciences (SPSS) versão 21.0.
RESULTADOS
Do total de 459 prontuários avaliados, 51 gestantes apresentaram diagnóstico médico de síndrome hipertensiva gestacional, caracterizando uma prevalência de 11,1% (IC95%: 8,2-14). Dentre estas gestantes, 39,2% foram classificadas com hipertensão gestacional, 23,5% pré-eclâmpsia, 21,6% hipertensão crônica, 3,9% hipertensão arterial secundária, 2% síndrome HELLP, 5,9% hipertensão crônica somada a pré-eclâmpsia, 2% hipertensão crônica somada a eclâmpsia e 2% hipertensão gestacional somada a eclâmpsia.
Na Tabela 1, pode-se observar as variáveis sociodemográficas das gestantes com o diagnóstico de síndrome hipertensiva gestacional. Predominaram as mulheres brancas (92%) e aquelas que não possuíam plano de saúde (52,9%). A média de idade foi de, aproximadamente, 29 ± 5,7 anos.
Variáveis | n(%) | Média (± DP) |
---|---|---|
Cor/raça | ||
Branca | 47 (92) | |
Parda | 1(2) | |
Preta | 2(4) | |
Sem registro | 1(2) | |
Piano de saúde | ||
Não | 27 (52,9) | |
Idade da gestante (anos) | 51 | 28,9 ±5,7 |
DP: desvio padrão
Em relação as outras patologias apresentadas pelas gestantes com síndrome hipertensiva gestacional, 17,6% eram diabéticas, sendo que, aproximadamente, 89% foram diagnosticadas com diabetes gestacional; 9,8% apresentaram histórico de síndrome hipertensiva gestacional em gestações anteriores; e 90,5% foram classificadas com excesso de peso segundo o IMC. (Tabela 2).
Variáveis | n(%) |
---|---|
Diabetes mellitus | |
Sim | 9 (17,6%) |
Não | 42 (82,4%) |
Tipo de diabetes mellitus | |
Tipo I | 1(11,1%) |
Gestacional | 8 (88,9%) |
Histórico de síndrome hipertensiva gestacional | |
Sim | 5 (9,8%) |
Não | 46 (90,2%) |
Índice de massa corporal pós-parto | |
Adequado | 2 (9,5%) |
Sobrepeso | 4 (19,0%) |
Obesidade | 15 (71,5%) |
A Tabela 3, mostra que, dentre as gestantes com síndrome hipertensiva gestacional, 98% tiveram gestação única. Mais da metade (54,9%) apresentou complicações durante a gestação, sendo a principal delas o parto prematuro (44,4%). Todas fizeram uso de medicação específica para hipertensão e a mediana do diagnóstico médico de síndrome hipertensiva gestacional foi realizado na 34ª semana.
Variáveis | n (%) | Mediana (IIQ) |
---|---|---|
Tipo de gestação | ||
Única | 50 (98) | |
Gemelar | 1(2) | |
Diagnóstico SHG*(semanas) | 34 (28-36) | |
Uso de medicação para hipertensão | ||
Sim | 51(100) | |
Complicações/riscos durante a gestação | ||
Sim | 28 (54,9) | |
Tipos de complicações/riscos durante a gestação | ||
Parto prematuro | 13 (44,4) | |
Infecção do trato urinário | 3(11,1) | |
Pós-datismo | 2 (7,4) | |
Centralização fetal | 2 (7,4) | |
Outras | 8 (29,7) |
*SHG: Síndrome Hipertensiva Gestacional; IIQ: intervalo interquartil.
DISCUSSÃO
A prevalência de síndrome hipertensiva gestacional, dentre as gestantes avaliadas, foi de 11,1%, sendo que a maioria apresentou hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia e hipertensão crônica. Mais da metade das gestantes com diagnóstico médico de síndrome hipertensiva gestacional apresentaram alguma complicação materno-fetal, sendo que as mais prevalentes foram prematuridade, infecção do trato urinário, pós-datismo e centralização do fluxo sanguíneo fetal.
A prevalência de síndrome hipertensiva gestacional encontrada na população estudada corrobora com os achados em outros estudos, que demonstraram uma prevalência de 10,26%11, de gestantes com síndromes hipertensivas gestacionais e 13,9%9, entre as parturientes internadas no Hospital e Maternidade Leonor Mender de Barros. Alguns estudos demonstram resultados semelhantes aos encontrados no presente trabalho, mostrando que a prevalência de hipertensão gestacional e da pré-eclâmpsia são normalmente maiores em relação a hipertensão arterial crônica. Um estudo encontrou dados discrepantes, onde as pacientes hipertensas apresentaram maiores prevalências de hipertensão arterial crônica (72,67%), seguida de hipertensão gestacional (27,32%)11. A divergência dos resultados pode ser decorrente do local onde o estudo foi realizado, das diferenças geográficas e étnicas das populações estudadas, dos critérios de diagnóstico utilizados pelos profissionais da saúde, do correto preenchimento dos prontuários de atendimento e das dificuldades de diagnóstico da doença.
Das gestantes com síndromes hipertensivas gestacionais, a grande maioria (92%) foi classificada como cor branca e um percentual pequeno (6%) como parda/preta, corroborando com os achados em outro estudo, onde demonstraram que 97,4% das gestantes eram de cor branca/parda e 2,6% eram de cor preta10. Em relação ao plano de saúde, pouco mais da metade da amostra (52,9%) não possuía plano de saúde privado. A escolha das gestantes por este hospital pode ter ocorrido em função do atendimento ser misto (público e privado) e ser mantenedor de um plano de saúde próprio.
No presente estudo a média de idade materna das mulheres com síndromes hipertensivas gestacionais foi de, aproximadamente, 29 anos. Este dado coincide com outros estudos conduzidos com a mesma população. No estudo de Chaim et al, 64,5% das gestantes tinham idade entre 20 e 34 anos (média de 29,4 anos)12. E, nos resultados apontados por Bezerra et al, a idade materna média era de 26 anos13. Por outro lado, algumas pesquisas observaram que as síndromes hipertensivas gestacionais acometem mulheres entre 15 e 19 anos e aquelas com idade superior a 30 anos9–14.
Dados da literatura mostram que a classificação do estado nutricional materno pré-gestacional, assim como o ganho de peso gestacional têm seu papel determinante nos desfechos gestacionais, tanto maternos quanto fetais. Diversos estudos indicaram que a obesidade materna constitui um problema de saúde pública, por favorecer complicações na gravidez, como diabetes mellitus, dislipidemia e hipertensão arterial15–16.
No presente estudo foi realizada a classificação do estado nutricional após o parto e pode-se observar que a grande maioria (71,5%) estava obesa. Alguns autores encontraram maior prevalência do sobrepeso (23,2%) em relação a obesidade (13%)17, e outros apontaram que quanto maior o IMC, maior a frequência dos casos de hipertensão18. O excesso de peso (sobrepeso e obesidade) pré-gestacional e/ou durante a gravidez está associado à ocorrência de hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia e hipertensão arterial crônica19.
Outro fator de risco importante a ser comentado é a gemelaridade, uma vez que a gestação múltipla apresenta risco maior de desenvolver síndrome hipertensiva gestacional quando comparado à gestação simples19. No presente estudo foi encontrado somente um caso de gestante gemelar com o diagnóstico de síndrome hipertensiva gestacional.
Os fatores de risco descritos para a ocorrência das síndromes hipertensivas gestacionais, podem levar a possíveis complicações maternas fetais. No presente estudo, identificou-se que das gestantes com síndromes hipertensivas gestacionais, 54,9% tiveram alguma complicação durante a gestação. Este achado corrobora com o estudo conduzido por Gonçalves et al, que identificou uma prevalência de 54,54% de gestantes com complicações na gestação atual9.
A medicação utilizada para no controle da pressão arterial nas síndromes hipertensivas gestacionais têm como objetivo melhorar o desfecho materno-fetal, prevenindo complicações, prolongando a duração da gestação e diminuindo a duração das internações hospitalares5. Nesse estudo, todas as participantes com síndromes hipertensivas gestacionais fizeram o uso de medicação específica, para controle da pressão arterial na gestação, reduzindo assim complicações e riscos decorrentes dessa doença.
Um estudo mostrou que gestantes com síndromes hipertensivas gestacionais, que foram atendidas em hospitais, tiveram um atendimento tardio, pouco eficiente e com difícil acesso ao atendimento obstétrico durante a gestação e/ou parto, demonstrando falhas na qualidade do atendimento prestado6. Um estudo realizado em Rio Grande, Brasil, revelou que, apenas 26,8% dos pré-natais realizados foram considerados como adequados, mesmo com uma média de 7,4 consultas e cobertura de pré-natal de 95,8%20.
O presente estudo apresentou limitações quanto ao preenchimento dos prontuários pelos profissionais de saúde, a informação referida pelo paciente aos profissionais de saúde e ao delineamento do estudo, apresentando a desvantagem de não poder determinar uma relação de causa-efeito, visto que a relação temporal entre a exposição e a doença não foi medida.
Mais estudos são necessários para avaliar a prevalência das síndromes hipertensivas gestacionais e a sua associação com fatores de risco maternos e fetais, pois são escassos os estudos nesta temática.
CONCLUSÕES
A prevalência de síndrome hipertensiva gestacional e fatores de risco encontrados no presente estudo se assemelham aos achados na literatura. Foram evidenciados fatores de risco maternos e fetais associados à prevalência dessas síndromes hipertensivas gestacionais, como a presença do diabetes mellitus, excesso de peso, histórico de síndrome hipertensiva gestacional em gestações anteriores e prematuridade.
Contudo, percebe-se que a assistência da mulher do pré-natal até o puerpério pode interferir nos fatores de risco associados às síndromes hipertensivas gestacionais e devem ser integradas à assistência da gestante, de um pré-natal de qualidade, com atenção especial na prevenção, diagnóstico e intervenção precoce, conduzindo uma gestação sem ou com redução dos fatores de risco maternos e fetais.