INTRODUÇÃO
A promoção da saúde escolar propõe que atividades focalizadas na melhoria da saúde e bem estar da comunidade escolar (educandos, professores e outros funcionários da escola) sejam realizadas. As atividades devem ser realizadas em parcerias com a comunidade e escolas para incentivar o empoderamento dos sujeitos1.
No Brasil, a saúde escolar é ofertada através do Programa Saúde na Escola, principal ação programática direcionada à estes espaços que tem como finalidade a atenção integral a saúde dos estudantes através de ações de prevenção de doenças e agravos, promoção e atenção à saúde deste grupo. As ações devem acontecer nas escolas e Unidades de Saúde da Família (USF) dos seus territórios por meio da criação de vínculo dos profissionais de saúde com os membros da comunidade escolar2.
A importância desta intervenção é ressaltada ao se observar que, no ano de 2015, 55,5% dos estudantes brasileiros entre 13 e 17 anos de idade já haviam experimentado álcool, outros 18,4% disseram ter utilizado tabaco, 27,5% iniciaram atividade sexual e 19,8% afirmaram ter praticado bullying entre os colegas3. Estas e outras situações de risco à saúde dos estudantes podem ser prevenidas a partir das atividades do Programa Saúde na Escola, motivo pelo qual reforça a necessidade nos diversos municípios brasileiros valorizar as ações de promoção a saúde.
O que observa-se em todas as macrorregiões brasileiras são equipes de Atenção Primária à Saúde executando atividades que são propostas pelo Programa Saúde na Escola com destaque para as ações que buscam a promoção da saúde além da prevenção de doenças e agravos4.
No entanto, a implantação de um programa de abrangência nacional e de caráter intersetorial pode ter influência de diversificados fatores, como é o caso da diversidade de situações políticas e organizacionais, que podem comprometer seu processo de implantação, compreendido pela adequada operacionalização de determinada intervenção5.
Deste modo, questiona-se quais fatores dificultam ou facilitam este processo de implantação. São escassos os estudos que se detêm a identificar tais informações, motivo pelo qual, conhecê-los possibilitará que a gestão e profissionais do Programa Saúde na Escola reforcem os aspectos positivos e readéquem as ações propostas a fim de corrigir as situações que comprometem a implantação do programa.
Frente ao exposto, objetiva-se identificar as facilidades e dificuldades na implantação do Programa Saúde na Escola em município do nordeste brasileiro.
MATERIAIS E MÉTODOS
Pesquisa descritiva, transversal, de abordagem quantitativa, que seguiu os itens da Declaração STROBE6, em sua construção. O estudo foi realizado no Município de Natal, capital do Rio Grande do Norte, estado do nordeste brasileiro, município este que tem seus serviços de saúde organizados em cinco distritos sanitários (Sul, Leste, Oeste, Norte I e Norte II). O atendimento à população pela Estratégia Saúde da Família é realizado em 38 USF. As atividades do Programa Saúde na Escola são executadas pelos profissionais de saúde que atuam nestas unidades, quais sejam: médicos, enfermeiros, técnicos ou auxiliares em enfermagem, agente comunitário de saúde, odontólogo e auxiliar ou técnico em saúde bucal.
Para definição da população considerou-se que cada USF tem no mínimo um profissional de cada categoria, perfazendo um total de 228 profissionais de saúde. A definição da amostra foi realizada com base no cálculo amostral para populações finitas ao considerar o erro amostral de 5% e intervalo de confiança de 95%. Obteve-se que participariam 144 profissionais, seis por USF (um de cada categoria profissional), perfazendo um total de 24 USF, desde que respeitasse o critério de inclusão de já ter participado das atividades de saúde na escola.
A coleta de dados aconteceu entre os meses de maio e julho de 2017 e foi realizada por acadêmicos de enfermagem e enfermeiros através de questionário estruturado de indagações referentes à caracterização dos profissionais e outras sobre as dificuldades e facilidades que interferem na implantação do Programa Saúde na Escola. O ambiente onde aconteceu a coleta foi na USF.
Os dados foram organizados e agrupados respeitando o critério de semelhança. Isto foi realizado com auxílio do IBM SPSS Statistics e os resultados apresentados em tabelas por meio da estatística descritiva em números absolutos e relativos.
Por tratar-se de um pesquisa envolvendo seres humanos, respeitou-se as preconizações éticas ressaltadas na resolução do Conselho Nacional de Saúde de número 466/2012, onde foi necessária a apreciação por parte do Comitê de Ética em Pesquisa de uma instituição de ensino superior pública, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O colegiado aprovou sua execução mediante o parecer de número 2.064.901 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 64873916.1.0000.5537. Aos participantes foi explicado o estudo, apresentados os riscos e requerido que o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido fosse assinado.
RESULTADOS
Participaram do estudo 105 profissionais de saúde, onde 6 (5,7%) eram médicos, 20 (19,0%) enfermeiros, 13 (12,4%) auxiliares ou técnicos em enfermagem, 24 (22,9%) agentes comunitários de saúde, 22 (21,0%) odontólogos e 20 (19,0%) auxiliares ou técnicos em saúde bucal. Maior parte deles eram do sexo feminino (84,8%).
Referente à qualificação profissional, 17 (16,2%) haviam concluído o ensino médio, 33 (31,4%) possuíam formação técnica, 20 (19,0%) eram graduados, 28 (26,7%) possuíam formação a nível de especialização, 5 (4,8%) mestrado e 2 (1,9%) doutorado. Estes profissionais exerciam suas profissões há uma média de 22,3 anos. No entanto, atuavam na ESF em média, 12,1 anos. A participação nas ações de saúde na escola era exercida há, em média, 7,2 anos.
Os fatores facilitadores referidos pelos profissionais estão apresentados na Tabela 1.
Facilidades | N | % |
---|---|---|
Articulação intersetorial | 40 | 38,1 |
Satisfação profissional | 26 | 24,8 |
Continuidade do cuidado | 8 | 7,6 |
Disponibilidade dos recursos materiais e financeiros | 7 | 6,7 |
Atuação multiprofissional | 7 | 6,7 |
Aceitabilidade das atividades | 2 | 1,9 |
Proximidade territorial da escola | 1 | 1,0 |
Fonte: dados da pesquisa, 2017
O fator mais frequente apontado pelos participantes foi a articulação intersetorial (38,1%) o que ressalta a integração entre os profissionais dos setores saúde e de educação, como é o caso dos professores, coordenadores pedagógicos e gestores das escolas. Com frequência inferior, porém representativa, foi apontada à satisfação profissional (24,8%) em executar as atividades do Programa Saúde na Escola além da possibilidade de oferecer continuidade ao cuidado (7,6%) para com educandos que necessitam de atenção além do ambiente escolar.
As dificuldades estão apresentadas na Tabela 2.
Dificuldades | N | % |
---|---|---|
Escassez de recursos materiais e financeiros | 53 | 50,5 |
Desarticulação intersetorial | 28 | 26,7 |
Excesso de atividades no processo de trabalho | 18 | 17,1 |
Carência de incentivo da gestão | 11 | 10,5 |
Descontinuidade do cuidado | 11 | 10,5 |
Locomoção à escola | 8 | 7,6 |
Infraestrutura inadequada | 7 | 6,7 |
Desinteresse dos estudantes | 7 | 6,7 |
Inexistência de capacitações | 7 | 6,7 |
Desinteresse dos profissionais de saúde | 6 | 5,7 |
Ausência de escola no território | 4 | 3,8 |
Falta de contribuição dos pais | 3 | 2,9 |
Recursos materiais inadequados | 2 | 1,9 |
Ausência de atuação multiprofissional | 2 | 1,9 |
Resistências éticas e legais | 2 | 1,9 |
Fonte: dados da pesquisa, 2017
Observou-se que a dificuldade mais relatada foi a escassez de recursos materiais e financeiros (50,5%) para subsidiar a execução das atividades do programa os quais são obtidos, na maioria das vezes, pelos próprios profissionais. Também foi referida como dificuldade a desarticulação intersetorial (26,7%) de modo que as ações são prevalentemente realizadas pelos profissionais de saúde. Estes profissionais têm o excesso de atividades no processo de trabalho (17,1%) nas USF como dificuldade que impacta negativamente na execução das ações de saúde escolar.
DISCUSSÃO
Os fatores que facilitaram a implantação do Programa Saúde na Escola referem-se à execução de atividades com a participação articulada entre os profissionais dos setores saúde e educação, a satisfação em executar estas atividades, assim como a possibilidade de oferecer a continuidade do cuidado aos estudantes. A contribuição e participação multiprofissional e a disponibilidade de recursos materiais e financeiros também incentivaram com que a implantação do programa aconteça conforme desejado.
A atuação multiprofissional no Programa Saúde na Escola é um aspecto importante para a efetividade das suas ações, visto que é proposto pela APS a participação dos diversos profissionais que compõem suas equipes no atendimento às necessidades de saúde da população mediante múltiplos olhares.
Observou-se que a participação dos profissionais médicos têm sido realizada em menor quantidade no Município de Natal, o que foi refletido no quantitativo de participantes do presente estudo. Consequentemente isso pode influenciar nas facilidades e dificuldades encontradas no processo de implantação que são referidas de forma diferente por cada profissional.
Dentre as facilidades identificadas, a articulação intersetorial foi a mais frequentemente referida pelos participantes. Ainda que compreendida como a participação de diferentes setores7, as respostas obtidas relacionam-na exclusivamente a participação conjunta entre os setores saúde e educação. No entanto, ao referir-se a intersetorialidade, propõe-se que as atividades vão além da participação destes dois setores e que sejam reforçados os vínculos junto às demais setores do território no qual a escola está inserida.
Embora compreendido deste modo, ressalta-se a importância deste fator na implantação do Programa Saúde na Escola, proposto para ser executado com atuação compartilhada entre os profissionais de saúde e educação. Mediante isso é possível à aproximação dos setores com compartilhamento de metas a serem obtidas de formar articulada e integrada8.
Soma-se à importância de que as atividades do programa estudado necessitam de participação contínua não somente dos profissionais dos setores supracitados, mas que integrem outros envolvidos na comunidade escolar, a exemplos dos pais e responsáveis pelos educandos. Isto certamente contribuirá com o esclarecimento e definição de metas e estratégias que incentivem o convívio social saudável9.
Identificou-se ainda que a satisfação profissional foi fator facilitador para a execução das atividades de saúde escolar. Ressalta-se que estudos têm relacionado este aspecto à resolutividade das atividades, à atuação em equipe e às condições de trabalho nas quais os profissionais estão submetidos, a exemplo da disponibilidade de recursos para executar as atividades10-12. Todos estes aspectos corroboram com os achados encontrados no presente estudo, também referidos como fatores facilitadores, ainda que em frequência menor.
A escassez de recursos materiais e financeiros foi referida por mais da metade dos participantes da pesquisa, mostrando que estas necessidades precisam ser supridas na busca pela operacionalização do programa. A característica de necessidade destes recursos também foi identificada em estudo sobre uma intervenção de saúde escolar realizado nos Estados Unidos da América para que ela continuasse sendo executada13.
A alocação de recursos materiais e financeiros pode incentivar a mudança de âmbitos concernentes a saúde dos educandos. Exemplo disto são intervenções executadas no México14, e na Austrália15, que objetivando contribuir com a saúde dos estudantes na prevenção da obesidade focalizaram-se na disponibilização de recursos.
A desarticulação dos profissionais da saúde e educação pode comprometer as atividades propostas pelo Programa Saúde na Escola, a exemplo de estudo que identificou que elas são realizadas principalmente pelos profissionais de saúde e têm os profissionais do setor educação uma participação periférica podendo restringir a potencialidade do programa que desde seu planejamento requer a contribuição das duas partes7.
O excesso de atividades a serem realizadas no processo de trabalho dos profissionais da ESF pode comprometer as atividades do Programa Saúde na Escola. Esta situação também foi observada em estudos referente às ações de saúde na escola que ressaltaram a presença de dificuldades na execução das atividades sob influência da sobrecarga de atribuições16-18.
Ressalta-se que esta dificuldade também foi encontrada em todas as regiões brasileiras em estudo que se deteve a identificar os aspectos que contribuíam para a insatisfação dos profissionais da ESF. Observou-se nesse estudo que situações relacionadas à gestão, disponibilidade de recursos e as relações das equipes com os usuários, a exemplo da postura dos usuários contribuem para a ineficácia dos serviços19. Estas características corroboram com as dificuldades apontadas pelos participantes no que refere-se à estrutura inadequada para realização das atividades e o desinteresse dos estudantes em participar das atividades.
Também merece destaque à inexistência de capacitações referidas pelos participantes. O programa preconiza que estas aconteçam de modo permanente e contínuo como forma de auxílio na operacionalização do Programa Saúde na Escola. Necessidade semelhante foi encontrada em estudo e sua importância na capacitação e educação permanente para com os profissionais dos setores saúde e da educação17.
Apesar da frequência de dificuldades ter sido maior em relação às facilidades, reafirma-se a importância do Programa Saúde na Escola enquanto política pública de promoção da saúde. Seu êxito têm sido identificado desde os anos posteriores à sua concepção, onde já em 2010 contava-se com experiências exitosas de sua realização, inclusive com a participação dos profissionais de saúde e educação articulados20.
Como limitações ressalta-se o fato de a pesquisa ter focalizado na participação apenas de profissionais do setor saúde. Embora sejam estes os principais responsáveis pela execução da saúde escolar no Brasil, encoraja-se que outras pesquisas possam abranger a compreensão das dificuldades e facilidades também por parte dos profissionais do setor educação.
CONCLUSÕES
Em maior frequência foi identificado que os fatores que comprometem a implantação do programa dizem respeito à escassez de recursos materiais e financeiros, a desarticulação intersetorial e o excesso de atividades no processo de trabalho destes profissionais. Ainda identificou-se que a falta de incentivos por parte da gestão, a impossibilidade de oferecer continuidade no cuidado às pessoas, entre outros fatores também prejudicam a implantação do Programa Saúde na Escola.
Diante destes achados, espera-se que a implantação do programa no Município de Natal e em outros cenários possa ser aprimorada mediante o fortalecimento dos fatores positivos e a readequação dos empecilhos identificados. Para isso, é imprescindível a participação dos profissionais da ESF em articulação com demais setores da sociedade para aprimoramentos das práticas de saúde escolar.