INTRODUÇÃO
A hanseníase (MH) é uma doença infectocontagiosa, causada pelo Mycobacterium leprae, que atinge principalmente a pele e os troncos nervosos periféricos e que, sem intervenções, gera incapacidades, principalmente nos olhos, nas mãos e nos pés1.
A incapacidade é um termo amplo que inclui qualquer impedimento, limitação de atividade ou restrição que afete uma pessoa. Deve-se, portanto, determinar o Grau de Incapacidade Física (GIF) para cada caso novo de MH, descrevendo-se, assim, a situação do paciente no momento do diagnóstico1,2.
O GIF varia em uma escala de 0 a 2, onde o grau 0 significa que nenhuma incapacidade foi encontrada. O grau1 nos olhos: indica diminuição da força muscular das pálpebras sem deficiências visíveis e/ou diminuição ou perda da sensibilidade da córnea: resposta demorada ou ausente ao toque do fio dental ou diminuição/ausência do piscar. Nas mãos: Diminuição da força muscular das mãos sem deficiências visíveis e/ou alteração da sensibilidade palmar: não sente o monofilamento 2 g (lilás) ou o toque da ponta de caneta esferográfica. E nos pés: Diminuição da força muscular dos pés sem deficiências visíveis e/ou alteração da sensibilidade plantar: não sente o monofilamento 2 g (lilás) ou o toque da ponta de caneta esferográfica; e o grau 2, aponta a presença de incapacidades visíveis, tais como: reabsorções ósseas, lagoftalmo, úlcera, garras, entre outras1.
As incapacidades afetam a vida de milhares de pessoas, ocasionando danos físicos e psicossociais, tendo-se em vista que as sequelas marcam por serem desfigurantes, mutilantes e incapacitantes. Além disso, a existência de pessoas com sequelas contribui para manter o medo, alimentar o preconceito e o estigma da doença3.
O Brasil ocupa a segunda posição em números de casos novos de MH registrados no mundo, com 25.218 casos em 20164. A distribuição desses casos é heterogênea entre as regiões brasileiras, havendo predomínio da doença nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste, respectivamente. Na região Norte, destaca-se o estado do Pará que apresentou, nesse mesmo ano, uma taxa considerada muita alta (30,43/100 mil habitantes) de detecção anual de casos novos, segundo parâmetros do Ministério da Saúde (MS), apontando a relevância do problema5.
Ocorre que desses 25.218 casos novos detectados, 1.736 apresentaram grau 2 de incapacidade física no momento do diagnóstico. Destes, muitos casos eram de pessoas jovens, no auge de sua capacidade produtiva, que contraíram sequelas permanentes e perderam sua capacidade laborativa5. Esse cenário é preocupante, visto que onera a Previdência Social e imputa ao Sistema Único de Saúde (SUS) o desafio de aumentar sua capacidade de ação para diagnosticar e tratar a doença, para evitar sequelas, garantindo acesso à reabilitação clínica, social e cirúrgica para aqueles que já chegaram ao serviço com incapacidades físicas1.
O Pará é considerado Estado prioritário para o controle da MH no país, principalmente pela sua importância epidemiológica e sua contribuição significativa de casos detectados com incapacidades físicas grau 2 instaladas no momento do diagnóstico. Ocupa a 3ª colocação entre os estados brasileiros, nesse indicador5; além de ser o segundo maior estado em extensão territorial do país, com grande desigualdade social, somado à escassez de estudos sobre a temática na região.
Frente à persistência dos elevados índices de incapacidade física na MH, aliados aos prejuízos acarretados, torna-se relevante a análise dos fatores sociodemográficos da MH, sobretudo para o alinhamento e implementação de ações de controle voltadas à realidade local. Neste contexto, objetivou-se analisar os fatores sociodemográficos associados ao grau de incapacidade física em casos novos de MH, diagnosticados em uma Unidade de Referência em Hanseníase do Pará no período de janeiro de 2005 a dezembro de 2014.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal e analítico6, realizado na Unidade de Referência Especializada em Dermatologia Sanitária - URE “Dr. Marcello Cândia”, localizada no município de Marituba, na região metropolitana de Belém, no estado do Pará.
Os dados foram obtidos de 341 prontuários de pacientes diagnosticados como casos novos de MH na URE, no período de 01 de janeiro de 2005 a 31 de dezembro de 2014. Esse quantitativo foi calculado a partir do total de prontuários correspondentes aos casos, que era de 2.314. A partir desse total calculou-se o valor do (n) amostral, segundo a fórmula de Fontelle7: n=N.n0/N+n0, onde: n0=1/E02; N= tamanho da população estudada; n0=primeiro valor aproximado do tamanho da amostra e E0=erro amostral de 5%.
Adotou-se como critérios de inclusão: ser caso novo de MH e ter o GIF avaliado e registrado no prontuário. Foram excluídos 18 prontuários que apresentaram falha e/ou erros no registro do GIF. Foram delimitadas as variáveis: sexo, idade, nível de escolaridade, procedência, renda familiar e Grau 1 e 2 de incapacidade física avaliados no diagnóstico.
Foram coletadas informações relativas ao GIF do “Formulário para Avaliação Neurológica Simplificada” que se encontra anexado ao prontuário, onde enfermeiros, fisioterapeutas e médicos avaliam e classificam o paciente quanto ao GIF na URE1.
Os dados coletados foram armazenados em planilha eletrônica no Microsoft Excel; posteriormente foram transferidos para o Programa Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 20.0, e analisados segundo as variáveis selecionadas.
Realizaram-se análises das forças de associação, através do cálculo da Razão de Prevalência, entre a presença (GIF 1 e 2) e ausência (Grau 0) de incapacidades físicas no momento do diagnóstico, e as variáveis sexo, faixa etária, escolaridade, procedência e renda7. Adotou-se nível de significância de 5% (p<0,05) e intervalo de confiança- IC= 95 %.
A pesquisa respeitou a resolução nº 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, e teve início após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, envolvendo seres humanos (CEP) do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Pará (UEPA), em 02/12/15, sob o parecer nº 1.348.296.
Por tratar-se de dados secundários, o funcionário da URE responsável pela guarda dos prontuários assinou o Termo de Autorização de Acesso aos Prontuários previamente à coleta de dados.
RESULTADOS
No período de estudo identificou-se predomínio do sexo masculino em 58,5% dos casos, com média de idade de aproximadamente 38 anos. Destacam-se a baixa escolaridade e baixa renda: 64,4% da amostra possuíam apenas o ensino fundamental, e 72,7% tinham renda mensal de um a três salários mínimos. A maioria dos casos, 75,5%, era procedente da Mesorregião Metropolitana de Belém (Tabela 1).
Variáveis | N | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 134 | 41,5 |
Masculino | 189 | 58,5 |
Faixa Etária | Média (µ) = 37,7 | DP = ±19,3 |
0 a 14 | 43 | 13,4 |
15 a 29 | 78 | 24,1 |
30 a 44 | 76 | 23,5 |
45 a 59 | 82 | 25,4 |
60 ou mais | 44 | 13,6 |
Escolaridade1 | ||
Analfabeto | 13 | 4,0 |
Ensino Fundamental | 208 | 64,4 |
Ensino Médio | 75 | 23,2 |
Ensino Superior | 9 | 2,8 |
Ignorado | 18 | 5,6 |
Procedência | ||
Mesorregião Metropolitana de Belém2 | 244 | 75,6 |
Interior do Estado | 76 | 23,5 |
Outro Estado da Federação | 3 | 0,9 |
Renda | ||
Menor que 1 salário mínimo3 | 41 | 12,8 |
1 a 3 salários mínimos | 235 | 72,7 |
Maior que 3 salários mínimos | 15 | 4,6 |
Sem renda | 32 | 9,9 |
Nota1: Contemplam os casos com escolaridade completa e incompleta.
Nota2: A MMB é composta pelos municípios de Belém, Ananindeua, Marituba, Benevides, Santa Izabel do Pará, Santa Bárbara, Castanhal, Barcarena, Bujaru, Inhangapi e Santo Antônio do Pará.
Nota3: Salário mínimo de referência R$ 880,00 reais.
Fonte: Dos autores, elaborado com dados coletados na Unidade de Referência Especializada (URE) em Dermatologia Sanitária “Dr. Marcello Candia” - abr/2016.
Na Tabela 2 consta a análise das forças de associação entre a presença (GIF 1 e 2) e ausência (Grau 0) de incapacidades físicas no momento do diagnóstico, segundo as variáveis: sexo, faixa etária, escolaridade, procedência e renda.
Variáveis | Grau 0 | Grau 1 e 2 | RP 1 | P-Valor2 | ||
---|---|---|---|---|---|---|
| ||||||
N | % | n | % | |||
Sexo | ||||||
Feminino | 107 | 33,1 | 27 | 8,3 | 2.0 | 0.0101* |
Masculino | 125 | 38,7 | 64 | 19,8 | ||
Faixa Etária | ||||||
0 a 14 anos | 36 | 11,1 | 7 | 2,1 | 2.2 | 0.0390* |
15 anos ou mais | 196 | 60,6 | 84 | 26,0 | ||
Escolaridade3 | ||||||
Analfabeto a Ens.Fund. | 154 | 50,4 | 67 | 21,9 | 1.3 | 0.0259* |
Ens.Médio a Ens.Superior | 64 | 20,9 | 20 | 6,5 | ||
Procedência | ||||||
MMB de Belém3 | 176 | 54,4 | 66 | 20,4 | 1.2 | 0.0317* |
Interior e fora do Estado | 56 | 17,3 | 25 | 7,7 | ||
Renda | ||||||
Até 3 salários mínimos | 218 | 67,4 | 90 | 27,8 | 5.7 | 0.0191* |
Maior que 3 salários mínimos | 14 | 4,3 | 1 | 0,31 |
(1) Razão de Prevalência (RP).
(2) Significância ao nível de 0.05.
Fonte: Dos autores, elaborado com dados coletados na Unidade de Referência Especializada (URE) em Dermatologia Sanitária “Dr. Marcello Candia” - abr/2016.
O percentual de incapacidade física grau 1 e 2 foi de 28,1% e os fatores sociodemográficos que se associaram à sua instalação foram: ser do sexo masculino (RP=2,0 – p-valor 0,0101), ter idade a partir de 15 anos (RP= 2,2 – p-valor 0,0390), possuir escolaridade até o ensino fundamental (RP=1,3 – p-valor 0,0259), ser procedente do interior ou de outro Estado (RP=1,2 – p-valor 0,0317), e possuir renda de até 3 salários mínimos (RP=5,7 – p-valor 0.0191).
DISCUSSÃO
Entre os anos 2005 e 2014, 28,1% dos participantes do estudo tiveram alguma incapacidade física (grau 1 e 2) identificada no momento do diagnóstico, sinalizando que o mesmo é tardio e que existe uma provável prevalência oculta, ou seja, permanência de casos não diagnosticados no meio social. A proporção de casos com grau 2 de incapacidade física tem sido utilizada como importante indicador para avaliar a precocidade do diagnóstico da doença, e nesse estudo apresentou média considerada alta (10,5%), segundo os parâmetros preconizados pelo MS1. O exposto nos permite sugerir que ainda existe grande dificuldade na rede básica de saúde para diagnosticar a MH, fato evidenciado principalmente pela inabilidade dos profissionais em diagnosticar casos que, mesmo com incapacidades visíveis presentes, precisaram ser referenciados à URE para receberem o diagnóstico e iniciarem o tratamento da doença.
Observou-se que o sexo masculino foi majoritário, com 58,5% (n=189) dos casos novos notificados com MH. Estudos realizados em outras regiões ratificam essa tendência8,9-12. Na maioria dos países a MH é mais incidente em homens, e tal fato decorre, dentre outros fatores, da maior movimentação e exposição dos mesmos no mercado de trabalho5,11.
Quanto à associação do sexo ao GIF, os resultados apontaram que 19,8% (n=64) dos casos com incapacidades físicas eram do sexo masculino com RP = 2.0, indicando que além da MH ser mais incidente nos homens, estes são diagnosticados tardiamente com incapacidades instaladas. Tais achados são semelhantes àqueles encontrados em um estudo realizado na Colômbia9, no qual os homens apresentaram 1,8 vezes maior risco de desenvolverem incapacidades do que as mulheres. Da mesma forma, outro estudo, realizado no nordeste brasileiro, em Aracaju, identificou que os homens apresentaram 1,5 mais chances de terem incapacidades quando comparados às mulheres13.
A ocorrência maior de incapacidades físicas decorrentes da MH nos homens está relacionada ao diagnóstico tardio, devendo-se isto a menor procura pelos serviços de saúde, menor preocupação com o corpo e a estética. Bem como pela atividade laborativa exercida por eles, que requer maior esforço físico e os expõe a maior risco de traumatismo e mutilações; o estilo de vida mais dinâmico; além do medo de perder sua fonte de renda, devido ao estigma que envolve a doença13.
Alia-se a esse fato a tendência dos homens de procurarem as unidades de saúde para ações curativas e de reabilitação apenas quando já apresentam alguma incapacidade instalada, o que acarreta maior repercussão física, social e econômica, requer atenção especializada e onera os cofres públicos8.
Dessa forma, faz-se necessário fortalecer a busca ativa dos contatos de MH para avaliação dermatoneurológica, oferta de atendimento em horários alternativos, ações de orientação e sensibilização para detecção precoce, incorporação dos homens nas atividades educativas e de autocuidado, entre outras. Tais estratégias poderão contribuir para o combate aos estereótipos de gênero, nos quais a patologia é considerada fragilidade, inibindo a busca por serviços de saúde, levando-os às complicações.
No que se refere à faixa etária, o presente estudo demonstrou maior frequência de casos novos entre 45 e 59 anos, com 25,4% (n=82) e média de idade de aproximadamente 38 anos. Tal achado é semelhante àqueles encontrados em estudo realizado na cidade de São Paulo, em que a faixa etária majoritária foi 45 a 60 anos, com média de idade de 49 anos8. Na Colômbia, a média de idade foi de 49,1 anos, e cerca de 70% dos pacientes tinham entre 16 e 60 anos9. Em outro estudo, na região nordeste do Brasil, foi constatada média de idade de 39,3 anos, com 77,1% dos casos entre 15 e 60 anos11. Os resultados permitem afirmar que a MH atinge todas as idades, sendo mais incidente na faixa etária economicamente ativa da população. Esse perfil pode influenciar as questões socioeconômicas e acarretar prejuízos financeiros11,12.
A associação da faixa etária ao GIF mostrou que 26% (n=84) dos pacientes com GIF (1 e 2) tinham idade superior a 14 anos, portanto maior prevalência (RP=2,2) para incapacidades físicas decorrentes da MH em relação aos pacientes com idade inferior a 15 anos. Corroborando com esse achado, um estudo brasileiro concluiu que a idade superior a 15 anos aumentava 7 vezes a chance de incapacidades14. Da mesma forma, estudos realizados na Colômbia9 e na Etiópia12 evidenciaram que pacientes com mais de 30 anos apresentavam maior risco de desenvolverem incapacidades se comparados aos menores de 30 anos. Não obstante, estudo realizado em Aracajuidentificou prevalência de 2,1 de incapacidades na faixa etária de 15 a 60 anos e 3,1 nos maiores de 60 anos13.
A prevalência de incapacidades físicas aumenta à medida que a idade avança, sugerindo que os pacientes podem ter sintomas há bastante tempo sem, no entanto, serem diagnosticados e tratados12. Esses resultados demonstram o caráter crônico, progressivo e devastador da doença, que, sem intervenção, gera incapacidades1. Nesse contexto, o diagnóstico precoce é fundamental para a prevenção de incapacidades físicas e quebra da cadeia de transmissão da doença.
A proporção de 13,3% (n=43) de casos novos em menores de 15 anos observada neste estudo é preocupante e superior a encontrada por outros pesquisadores12-13,15. Tal resultado tem importante significação epidemiológica, por denotar a precocidade da exposição ao bacilo e a transmissão ativa na comunidade, particularmente nas famílias que coabitam no mesmo domicílio16.
A MH é considerada uma doença de adultos devido ao longo período de incubação; no entanto, em áreas endêmicas e com a ocorrência de casos na família, o risco de crianças adoecerem aumenta. Estudo em um município hiperendêmico no estado do Pará revelou que as crianças com MH e com infecção subclínica estavam próximas de aglomerados espaciais e temporais de casos de MH16.
Vale ressaltar a dificuldade em diagnosticar precocemente a doença em crianças, conforme evidências de estudo realizado em Unidade de Referência em Dermatologia no norte do Brasil, cuja demora em diagnosticar a MH em menores de 15 anos foi maior que 1 ano em 73,2% dos diagnósticos, com 46,3% dos menores sendo avaliados por 3 ou mais médicos para obter um diagnóstico, e 63,4% receberam outros diagnósticos. Fato que contribuí para o início tardio do tratamento e, consequentemente, aumento do risco de danos nos nervos periféricos17.
Em relação ao nível de escolaridade dos pacientes, identificou-se que a maioria, 64,4% (n=208), possuía o ensino fundamental. Quanto à associação da escolaridade com o GIF, verificou-se que 21,9% (n=67) pacientes eram analfabetos ou possuíam até o ensino fundamental, e apresentaram RP=1.3 para incapacidades físicas decorrentes da MH em relação aos pacientes com maior nível de escolaridade. Estudo realizado na Colômbia constatou que a variável baixa escolaridade mostrou-se como um fator de risco para o desenvolvimento de incapacidades físicas 1,8 vezes maior quando comparados àqueles com algum grau de escolaridade9. Em outros achados14, a falta de escolaridade aumentou em 5.6 a chance de desenvolvimento de incapacidades.
A exclusão à educação afeta o acesso ao emprego, à formação e renda, e aumenta a vulnerabilidade à pobreza e às doenças. Ao passo que níveis mais elevados de escolaridade têm sido considerados um fator determinante para a melhora da doença, bem como um fator de proteção para a ocorrência de incapacidade entre os casos de MH13.
No Brasil, apesar de ter havido crescimento da taxa de escolarização do grupo etário de 6 a 14 anos e do nível de instrução da população, bem como declínio das taxas de analfabetismo, no período de 2007 a 2014, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) são necessários mais investimentos para melhoria da escolarização no país e consequente melhoramento nas condições de saúde da população, aliado às políticas orientadas para o desenvolvimento socioeconômico e a melhora das condições de vida.
Em relação à procedência dos casos, a maioria, 75,5% (n=244), era procedente da Mesorregião Metropolitana de Belém (MMB). Porém, a RP mostrou que os casos oriundos do interior e de outros estados da federação possuíam 1.2 vezes maior prevalência de desenvolverem incapacidades físicas, em relação aos pacientes com procedência da MMB. A predominância de casos notificados na população urbana deve-se ao maior contingente populacional que facilita a transmissão da doença, além de maior disponibilidade de serviços de saúde com o programa de controle da MH instalado18. A problemática de incapacidades em paciente advindos dos municípios do interior do estado pode ser explicada pela carência de serviços e profissionais nesses municípios.
É sabido que apesar da atenção à MH ser responsabilidade sanitária de todos os municípios brasileiros, há evidência de que muitos não avançaram em relação à acessibilidade aos serviços de saúde e ao diagnóstico oportuno. Assim, os usuários precisam enfrentar diversas barreiras para chegar ao diagnóstico e tratamento da patologia, tendo que percorrer longas distâncias até os serviços de saúde responsáveis pelo seu tratamento19.
Estudo realizado em um Centro de Saúde Escola no município de Belém revelou que os usuários percorrem um caminho longo e tortuoso até chegar ao diagnóstico e tratamento da doença, expressando a fragilidade dos serviços de saúde, bem como desconhecimento dos sinais e sintomas da doença por parte dos próprios profissionais de saúde, constatado nos diagnósticos tardios e equivocados19.
Os municípios devem garantir à sua população atendimento próximo à sua residência, organizados em níveis crescentes de complexidade. E, caso seja necessário, os usuários devem ser encaminhados aos serviços de referência, o que, em relação à MH, deve ser feito nos casos de intercorrências clínicas, reações adversas ao tratamento, reações hansênicas, recidivas e necessidade de reabilitação cirúrgica, além de dúvidas no diagnóstico e na conduta, respeitando os princípios organizativos do SUS1.
A busca pela elucidação diagnóstica da MH por parte dos doentes inicia-se pelas unidades básicas de saúde próximas aos seus domicílios. No entanto, não obtendo respostas, acabam por continuar sua “peregrinação” em outras unidades distantes de sua residências19.
O processo de descentralização das ações de controle da MH deveria ocorrer de forma adequada e homogênea no território nacional. No entanto, o sistema de saúde ainda se encontra fragmentado. Assim, ao longo deste processo de descentralização, torna-se fundamental a capacitação profissional como estratégia de detecção precoce da MH e prevenção de incapacidades1.
No tocante à renda, a maioria 72,7% (n=235) dos casos possuía renda de um a três salários mínimos. Essa descoberta é consistente com outros relatórios que apontam que os doentes de MH possuem renda familiar baixa, e esta característica influencia a manifestação da doença18-19. Em relação à associação da renda ao GIF, observou-se que 27,8% (n=90) dos casos recebem até 3 salários mínimos com RP= 5.7, indicando maior expressividade de incapacidades físicas decorrentes da MH em pessoas com menor renda, ao comparar com os de maior renda. Chama a atenção o fato de essa variável ser a de maior valor preditivo a influenciar a instalação das incapacidades físicas.
A forte associação da doença à baixa renda pode estar relacionada aos determinantes sociais, pois a MH está atrelada aos espaços urbanos com maiores bolsões de pobreza nos países e regiões endêmicas. Os grupos de maior exclusão social tendem a ser mais atingidos pela MH e, consequentemente, mais vulneráveis às sequelas18. Estudo realizado em Bangladesh concluiu que a desnutrição, como aspecto da pobreza, desempenhou um papel importante no aparecimento da MH; ou seja, um período de falta de alimentos foi identificado como fator socioeconômico significativamente associado à manifestação clínica da doença20.
A MH figura no rol das doenças tropicais negligenciadas por serem fortemente associadas à pobreza e proliferarem em ambientes empobrecidos. É uma doença antiga, que tem assolado a humanidade há séculos e teve sua prevalência diminuída gradualmente à medida que as sociedades se desenvolveram e as condições de vida e de higiene melhoraram18.
A existência de aglomerados populacionais pode manter os índices de transmissão em níveis elevados, assim como as condições sanitárias e econômicas desfavoráveis contribuem para a persistência do agravo18. No Brasil, a distribuição espacial da MH mostra que os estados mais desenvolvidos, economicamente e socialmente, alcançaram a meta de eliminação da doença, permanecendo os bolsões de carga de doença elevada ainda no Norte, Centro-Oeste e Nordeste. A maioria das áreas com aglomerados espaciais de casos estão na Amazônia brasileira, reconhecida como uma área altamente endêmica para a MH16.
Os pacientes de MH com renda familiar e nível de instrução baixo estão mais propensos a desenvolver as incapacidades físicas, pois têm condições precárias de moradia, nutrição, higiene e dificuldade de acesso aos serviços de saúde.
A instalação das incapacidades físicas sofre influência dos determinantes sociais, sendo imperioso o setor saúde se somar aos demais setores da sociedade no combate às iniquidades sociais. Associado ao combate à pobreza, deve haver campanhas informativas duradouras, que utilizem os mais diversos meios de informação disponíveis atualmente no combate à doença.
A pesquisa, por ter sido realizado em um Serviço de Referência em Dermatologia Sanitária com dados secundários, apresenta limitações que, pelas lacunas de algumas variáveis, devido a falhas nos registros, podem ter gerado algum viés aos resultados. Ressalte-se que a ausência dos dados, por omissão e/ou falha de registros dos profissionais, podem comprometer a avaliação dos programas e serviços de saúde e, consequentemente, a adoção de medidas oportunas.
CONCLUSÕES
Os resultados possibilitam dizer que as incapacidades físicas representam um desafio para o Programa Nacional de Controle da Hanseníase (PNCH) em todos os níveis de atenção. Constatou-se que a maioria dos casos com incapacidades concentrou-se na população com baixa escolaridade e baixa renda; sendo esta a mais propensa a ser acometida pela doença e, portanto, a mais suscetível ao desenvolvimento de incapacidades físicas, sugerindo que esse grupo necessite de maior atenção por parte dos profissionais de saúde e do poder público.
Para o enfrentamento dessa problemática é necessário combater as iniquidades sociais, com investimentos em ações intersetoriais e políticas públicas que permitam melhorar a distribuição de renda e aumentar o nível de escolaridade da população; bem como investir na atenção básica, assegurando uma assistência integral e de qualidade próximo ao domicílio dos usuários. Estas ações, apesar de preconizadas pelo PNCH e consideradas imprescindíveis para a prevenção de complicações, ainda são insuficientes e pontuais.
O percentual elevado de ocorrência em menores de 15 anos, bem como percentual significativo da amostra com GIF tipo 2, são aspectos preocupantes, refletindo a hiperendemicidade do estado, a ocorrência de transmissão ativa do bacilo, falhas no controle dos comunicantes e despreparo de alguns profissionais da atenção básica de saúde no que concerne aos sinais e sintomas da MH.
Fica evidente a necessidade dos municípios, em parceria com a Coordenação Estadual de Dermatologia Sanitária do Pará, de aumentar as capacitações dos profissionais de saúde, para o atendimento oportuno dos casos, e medidas de prevenção de incapacidades, primordiais para evitar as sequelas.
Espera-se que esse estudo seja um auxílio para ampliação do campo de pesquisas em MH no estado, com vistas a subsidiar reflexões e planejamento das ações de controle e contribuir para as ações de prevenção, diagnóstico e tratamento precoce, evitando as sequelas.