INTRODUÇÃO
O Centro de Material e Esterilização (CME) é responsável pelo processamento dos produtos para saúde, utilizados na assistência do usuário no serviço, no âmbito hospitalar. É responsável por receber material, realizar limpeza, desinfeção, preparar, esterilizar, armazenar e distribuir1-2, para os demais setores consumidores. Em decorrência de sua complexidade, expõe o trabalhador aos mais diversos riscos. Estes por sua vez, são denominados como de químicos, físicos, biológicos e ergonômicos, a exemplo da manipulação de soluções e aerossóis; calor acima do permitido por legislação e iluminação; manuseio com sangue e excreção como os fluídos corporais com vírus, bactérias ou fungos, movimentos repetitivos e ritmo de trabalho exagerado, respectivamente3-4.
Os riscos e as cargas no ambiente de trabalho estão relacionados à interação do trabalhador com uma diversidade de matérias e substâncias em ambientes/espaços físicos impróprios, potencializados por ritmo acelerado de trabalho, pressões por parte das chefias, jornadas longas, uso inadequado, ou mesmo o não uso dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) e deficiência de medidas de proteção coletiva3.
Dentre os profissionais atuantes nos serviços de saúde, os de Enfermagem são responsáveis pela prestação de uma assistência, com qualidade, que envolve práticas preventivas, protetivas e de recuperação da saúde dos usuários doentes. Nesse ambiente, o profissional passa a sofrer, por necessidade do serviço, aumento da carga de trabalho, que é resultado das novas tecnologias, o que pode em decorrência dessas circunstâncias, causar sofrimento e adoecimento, exigindo assim reflexões acerca da saúde desse trabalhador1. Nesse cenário, a Política de Saúde do Trabalhador com base na legislação ocupacional, busca proporcionar uma melhoria e/ou manutenção da qualidade de vida do mesmo1,3.
Ao considerar que os acidentes de trabalho são situações rotineiras no desenvolver das atividades de Enfermagem, promovidos em geral, pela simultaneidade e diversidade da carga de trabalho, esse tema vislumbra uma reflexão2. Logo, a identificação de situações em que há exposição dos profissionais de Enfermagem, possibilitam a implementação de estratégias de intervenção à saúde para a melhoria da qualidade de vida no trabalho. Considerando que a equipe de Enfermagem necessita de atenção especial no que se refere à sua segurança e ao bem-estar no trabalho. Assim, o estudo tem por hipótese: os profissionais de CME estão expostos aos riscos ocupacionais no desenvolver de suas atividades laborais. Nesse contexto, almejando a manutenção da saúde do trabalhador, em especial os da equipe de Enfermagem, nesse setor especificamente, o estudo objetiva: identificar riscos ocupacionais em profissionais de Enfermagem de CME.
MATERIAIS E MÉTODOS
Estudo exploratório e quantitativo. Realizado em dois hospitais públicos, sendo um federal e outro estadual, ambos localizados no município de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba. A coleta ocorreu no período de novembro a dezembro de 2016. O primeiro hospital é atualmente gerenciado pela gestão pactuada entre a Secretaria de Estado da Saúde e a Cruz Vermelha Brasileira – Filial do Rio Grande do Sul. O estabelecimento possui um CME com 57 funcionários atuantes, sendo: dez enfermeiros e 47 técnicos de Enfermagem. O segundo, é gerenciado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares-EBSERH, dispõe de 45 funcionários, divididos em: 13 enfermeiros, 27 técnicos de Enfermagem e cinco auxiliares de Enfermagem.
Para a formação da amostra, foram utilizados critérios de inclusão e exclusão dos sujeitos pesquisados. Assim, foram incluídos aqueles profissionais que concordaram, voluntariamente, em participar da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), se encontravam na escala de plantão. Assim, os profissionais de Enfermagem eram comunicados dos objetivos do trabalho e sua relevância para o serviço. Foram excluídos aqueles que recusaram responder ao questionário, que se encontravam de férias ou afastados por qualquer motivo. A partir dessas normas foram entrevistados um total de 77 profissionais de Enfermagem dos dois hospitais, sendo 32 funcionários da esfera federal e 45 da estadual.
Para a pesquisa, utilizou-se um formulário de entrevista semiestruturado contendo: características dos participantes e outros alusivos aos riscos à sua saúde, esse formulário foi utilizado pelo Instituto Sindical Europeu (ETUI) validado e divulgado pela instituição internacional. Os profissionais responderam logo após assinatura do TCLE.
Os dados coletados foram analisados pelo método estatístico simples utilizando cálculo médio. Cada questionário, individualmente, teve uma avaliação minuciosa por parte dos entrevistadores. Quanto as respostas registradas pelos entrevistados, tendo, posteriormente, os dados transferidos por meio do software Windows “Excel”, versão 20.0. Os resultados adquiridos foram organizados em tabelas para melhor visibilidade, onde, de acordo com os achados, tiveram a discussão à luz da literatura atual.
A pesquisa foi realizada com base nos aspectos éticos em pesquisa envolvendo seres humanos, preconizados pela Resolução 466/12 CNS, como também o que rege a Resolução 311/2007 do Conselho Federal de Enfermagem, que trata do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem5,6. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com CAAE: 50772015.6.0000.5183 com o Parecer: 1.341.957. Os riscos pertinentes aos profissionais do estudo, se limitaram às respostas contidos nos instrumentos de pesquisa.
RESULTADOS
Ao considerar os achados analisados, constatou-se que houve predominância de profissionais do sexo feminino 72 (93,3%), e 39 (50,6%) possuíam nível médio, 48 (62,6%) são técnicos de Enfermagem, 23 (29,9%) com terceiro grau e eram pós-graduados, 28 (36,4%) tem dez anos ou mais de formação profissional e 37 (48,1%) com dez anos ou mais de atuação nos CME. Observou-se que 41 (53,2%) possuem outros vínculos empregatícios além daqueles das instituições estudadas, sendo 32 (71,1%) no hospital estadual. Quanto aos riscos de acidentes no CME, 32 (100%) responderam ser mais suscetíveis àqueles acidentes por utilização das máquinas e de incêndio ou explosão no Hospital 1, diferente do Hospital 2 que 45 (100%) dos registros estiveram relacionados aos riscos de acidentes por ferramentas perfurocortantes no momento do manuseio (Tabela 1).
Descrição do risco a saúde | Hospital 1 | Hospital 2 | ||
---|---|---|---|---|
n | % | n | % | |
Risco de quedas ou acidentes causados por veículos | 13 | 41 | 29 | 64 |
Risco de quedas de objetos | 27 | 84 | 43 | 96 |
Risco de acidentes com máquinas | 32 | 100 | 41 | 91 |
Risco de acidentes por ferramentas | 30 | 94 | 45 | 100 |
Risco de acidentes por esforço demasiado | 31 | 97 | 41 | 91 |
Risco de eletrocussão | 30 | 94 | 39 | 87 |
Risco de incêndio ou explosão | 32 | 100 | 39 | 87 |
Fonte: Pesquisa direta realizada com profissional (2016).
Ao considerar os riscos ergonômicos; os mais relevantes foram mencionados no Hospital 1, e estão relacionados ao esforço físico repetitivo, onde o trabalhador sente esgotamento em seu horário de trabalho. Isso é decorrente da manutenção na mesma postura por longo período e movimentos demasiados, com os resultados de 31 (97%), enquanto que do Hospital 2 prevaleceu o esforço físico importante e cansativo 41 (91%) (Tabela 2).
Risco Ergonômico | Hospital 1 | Hospital 2 | ||
---|---|---|---|---|
n | % | n | % | |
Esforço físico importante e cansativo | 31 | 97 | 41 | 91 |
Manutenção de cargas pesadas | 30 | 94 | 37 | 82 |
Manutenção da mesma postura por período muito longo | 31 | 97 | 33 | 73 |
Posturas forçadas na realização de tarefas ou operações | 30 | 94 | 33 | 73 |
Movimentos repetitivos e demasiados frequentes | 31 | 97 | 37 | 82 |
Ritmo de trabalho demasiado elevado | 16 | 50 | 23 | 51 |
Trabalho monótono, rotineiro e com tarefas ou operações | 17 | 53 | 17 | 38 |
Fonte: Pesquisa Direta realizada com profissional (2016).
Entre os riscos físicos identificados, a ventilação insuficiente prevaleceu 32 (100%) no Hospital 1, ao passo que no Hospital 2, foi encontrado o ruído muito forte ou perturbador para execução do trabalho e vibrações provenientes das máquinas ou ferramentas de trabalho 43 (96%), como os mais enaltecidos (Tabela 3).
Risco físico | Hospital 1 | Hospital 2 | ||
---|---|---|---|---|
n | % | n | % | |
Temperatura inapropriada | 31 | 97 | 41 | 91 |
Umidade ou secura em excesso | 23 | 72 | 19 | 42 |
Arejamento/ventilação insuficiente | 32 | 100 | 33 | 73 |
Ruído forte ou perturbador da execução do trabalho | 31 | 97 | 43 | 96 |
Vibrações provenientes das máquinas ou ferramentas | 23 | 72 | 43 | 96 |
Irradiações | 13 | 41 | 27 | 60 |
Iluminação insuficiente ou reflexos desagradáveis | 30 | 94 | 25 | 56 |
Fonte: Pesquisa Direta realizada com profissional (2016).
Sobre os riscos biológicos, 32 (100%) dos participantes do Hospital 1 referiram ao risco de infecção enquanto que 39 (87%) do Hospital 2 acreditavam estar mais vulneráveis ao constante contato com líquidos ou salpicos corporais (Tabela 4).
Riscos Biológico | Hospital 1 | Hospital 2 | ||
---|---|---|---|---|
n | % | n | % | |
Risco de infecção | 31 | 97 | 37 | 82 |
Risco de contato com líquidos ou salpicos corporais | 32 | 100 | 39 | 87 |
Fonte: Pesquisa Direta realizada com profissional João Pessoa (2016).
No que se refere aos riscos químicos, 25 (78%) e 25 (77,8%) do Hospital 1 e 2, respectivamente, registraram o contato com fumo, gases e aerossóis, como sendo os mais relevantes (Tabela 5).
DISCUSSÃO
Este resultado está em sintonia com alguns autores, e salienta que a maioria dos trabalhadores em Enfermagem são mulheres, razão pela qual sua saúde pode ser comprometida, tanto pela sobrecarga de trabalho nos afazeres domésticos e em outros empregos, quanto pela jornada de trabalho. Essa situação pode favorecer o adoecimento e, por consequência, possibilitar os afastamentos por licença para tratamento de saúde (LTS), que, por sua vez sobrecarrega outro trabalhador do serviço1.
O estudo sinalizou que a maioria dos participantes, especialmente no Hospital 2, dispõe de outro vínculo empregatício. Esse achado pode ser justificado, em muitas conjunturas, da necessidade do trabalhador de conviver com a dupla jornada, almejando melhoria financeira para suprir suas necessidades. Nessa condição, em suas horas de descanso, o profissional realiza afazeres domésticos, ou se entrega a outro trabalho, expondo-se ao risco da sobrecarga física, psíquica, ou aos agravos decorrentes de condições do próprio ambiente de trabalho1-3.
Ao considerar os riscos ergonômicos mais relevantes nos dois cenários deste estudo, os resultados corroboram com outro estudo realizado em CME do Hospital Santa Casa em Campo Grande/MS, que aponta o trabalho repetitivo, o cansaço físico e a sobrecarga de trabalho, serem os responsáveis pela insatisfação dos profissionais em desenvolver suas atividades em decorrência do desgaste causado pelo excesso de trabalho7.
Existem também os fatores extrínsecos, que estão ligados diretamente às condições que favorecem o desgaste físico, e, não estão relacionados ao trabalho, também podem contribuir para o desenvolvimento e o agravo da lombalgia e outras doenças osteoarticulares. O setor hospitalar se caracteriza como uma gama de riscos sequenciando os fatores físicos, químicos, psicossociais, ergonômicos e biológicos que podem ocasionar danos à saúde dos profissionais da área8,9.
Em relação aos riscos ocupacionais, o arejamento/ventilação insuficientes, referente ao calor foi enaltecido como um agente desconfortável no ambiente de trabalho. Assim, melhorias em climatização e renovação da área física, podem de maneira significativa proporcionar bem-estar aos trabalhadores, e deverá favorecer para a humanização nas relações e, consequente diminuição de acidentes no ambiente do centro de material2.
Outro risco referenciado corresponde ao ruído forte ou perturbador na execução do trabalho e nas vibrações provenientes das máquinas ou ferramentas. É estimado que 25% da população trabalhadora está exposta à Perda Auditiva Induzida por Ruído. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que entre os vários tipos de poluição ambiental que acometem o meio ambiente, a sonora é a mais frequente. Sobre o ruído laboral, em especial quando duradouro, esse é um agente de risco físico possível de produzir problemas à saúde de ordem psicológica, incômodo, estresse, distúrbios na comunicação e no desempenho de tarefas mentais, como também, levar à perda auditiva gradual6-8-10.
Sobre os riscos biológicos, quando os profissionais responderam que estavam vulneráveis ao constante contato com os líquidos ou salpicos corporais e infecções, o resultado é semelhante a uma pesquisa realizada em área suja dos CME de hospitais de Goiânia (GO), a qual demonstrou um grande número de acidentes de trabalho com materiais contendo fluidos biológicos, sendo prevalente o perfurocortante, o que traz preocupação considerável ao risco de desenvolver doenças infecciosas, confirmando o receio dos profissionais participantes deste estudo. Pesquisa na Colombia, afirmou que 33% dos acidentes em profissionais de Enfermagem são por exposição aos riscos biológicos2,11-12.
Compreende-se que diversas são as causas de adoecimento dos trabalhadores dos CME. Em um estudo realizado com o objetivo de avaliar a morbidade referida dos trabalhadores nesse setor, identificou que 82,15% tem relação direta com o desenvolvimento do trabalho na unidade de CME, em decorrência, respectivamente, da manipulação excessiva de peso, de exigência da chefia, pela produção do serviço, de posturas inadequadas, manipulação de material contaminado e utilização de produtos químicos, esse último semelhante aos resultados desta pesquisa2,13.
Nesse cenário, observa-se que os profissionais de Enfermagem estão expostos aos riscos ocupacionais, o que sinaliza para a necessidade de oferecer subsídios para que sejam implementados programas de capacitação voltados à equipe de Enfermagem9,para esclarecer os pontos positivos e negativos de cada serviço hospitalar. As dificuldades relacionadas na pesquisa foram limitadas à demanda de trabalho dos profissionais de Enfermagem, nos referidos hospitais, considerando a impossibilidade de aplicação dos formulários de entrevistas aos 100% da amostra, em determinado momento de sua aplicação. Por outro ângulo foi encontrado boa vontade dos profissionais, o que favoreceu a realização deste estudo.
CONCLUSÕES
Documentou-se que existem riscos de acidentes no setor de CME, entre os profissionais de Enfermagem das duas instituições. Constatou-se mediante os resultados encontrados, que os profissionais de enfermagem estão expostos aos riscos ocupacionais, o que requer cuidados por parte da gestão para incentivar o uso adequado de EPI's para protegê-los no decorrer do trabalho.
É importante mencionar que os achados desta pesquisa não diferem de forma significativa de outros trabalhos semelhantes, apesar de ter realizado a investigação em dois hospitais do estado.
É preciso enfatizar que compete ao enfermeiro gerente e a equipe de Enfermagem, adotar novas estratégias para evitar riscos ocupacionais provocados no ambiente de trabalho do CME.
Espera-se que este trabalho sirva de subsídio no campo da Enfermagem, propiciando um leque de contribuições para a prevenção de acidentes no local de trabalho, e que possa ser aplicado na prática profissional, no ensino e na pesquisa com outros atores da saúde.