INTRODUÇÃO
O morrer e a morte se dão dentro de variados contextos e, sobretudo no ambiente da terapia intensiva, numa era de alta disponibilidade de tecnologias para a assistência ao paciente gravemente enfermo, as decisões médicas influenciam diretamente neste processo1 .
Os cuidados neste período final do ciclo vital abrangem medidas para melhorar a qualidade de vida, bem-estar e conforto dos pacientes, em todas as dimensões do ser (social, física, psicológica, espiritual, ecológica). Sendo esta a prioridade, em uma leitura superficial, contrapõe-se com a formação tradicional em saúde que educa os neófitos a lutar pela manutenção da vida a qualquer custo2 . Contudo, a prioridade não deixa de ser a vida, mudando-se apenas o olhar quantitativo, em que se mede a mesma em dias, meses de longevidade, para uma abordagem qualitativa, em que se dá novo significado à vida, otimiza-se o tempo, busca-se o alívio para as dores e sofrimentos de qualquer ordem.
Atualmente, alguns entendimentos vêm sendo difundidos na literatura, embora ainda incipientes na prática assistencial: todo paciente criticamente doente na terapia intensiva deve ser foco da atenção dos cuidados paliativos; cuidados paliativos em terapia intensiva são de responsabilidade de todo time assistencial, que se obriga a garantir conforto no final da vida; a decisão em permitir que a morte ocorra de forma natural deve ser tomada por equipe, paciente e família3 . Os enfermeiros precisam estar munidos do arsenal teórico que embasa uma prática baseada nestes princípios, de forma a prestar os cuidados nesta perspectiva4 . Um estudo nacional revelou que os enfermeiros abordados, na prática, traduzem apenas em parte essa filosofia do cuidar em cuidados assistenciais5 . Outro trabalho, investigando a equipe multidisciplinar, encontrou que a equipe conhecia apenas em parte, gerando divergências nas condutas6 .
O profissional enfermeiro tem, além das responsabilidades técnicas ou procedimentais, papel crucial na intermediação entre equipe e família3 . Para tal, é necessário desenvolver habilidades de comunicação, como também, ou primordialmente, deve o enfermeiro entender a filosofia e preceitos dos cuidados paliativos e aderir a tal proposta para que possa auxiliar na reflexão e adesão de pacientes e família, visto que suas crenças pessoais influenciam diretamente neste processo7 .
Os princípios que norteiam as práticas em cuidados paliativos requerem formação específica, visto que ainda não são incorporados transversalmente dentre os conteúdos e paradigmas com que se ensinam aos profissionais em saúde. No ambiente da terapia intensiva, onde costumeiramente pacientes em estágio terminal de doença se encontram, tais princípios devem ser amplamente trabalhados e difundidos.
Esta pesquisa enfatiza a relevância dos profissionais de saúde que lidam com pacientes em estágio terminal de doença reconhecerem a filosofia os conceitos atinentes aos cuidados paliativos e teve por objetivo avaliar a percepção dos enfermeiros intensivistas acerca da adesão aos princípios dos cuidados paliativos na sua prática assistencial.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo correlacional descritivo, de corte transversal, com abordagem quantitativa, realizado em doze unidades de terapia intensiva em cinco hospitais de uma capital do Nordeste do Brasil, entre janeiro e dezembro de 2017.
A amostra foi composta por enfermeiros que trabalhavam, no momento da coleta de dados, há no mínimo seis meses, excluindo-se os profissionais de férias ou licenças e de unidades de terapia intensiva pediátrica e neonatal. Em quatro unidades de terapia intensiva, mediante a anuência da instituição, os enfermeiros foram abordados no serviço e convidados a participarem; os demais profissionais foram convidados a participarem da pesquisa presencialmente, em eventos da área, fora do local de trabalho. Os enfermeiros convidados receberam um prazo de até trinta dias para resposta e, de um total de 140 enfermeiros convidados, 36 não responderam ou não atenderam aos critérios. Participou da pesquisa um total de 104 enfermeiros que trabalhavam em 12 unidades de terapia intensiva em cinco hospitais, sendo quatro universitários que atendiam exclusivamente ao sistema público e um hospital particular.
Foi desenvolvido um instrumento próprio para a coleta de dados da pesquisa, dividido em duas partes. A primeira, continha dados dos enfermeiros a serem entrevistados (idade, tempo de formação, formação, etc.). A segunda parte foi elaborada a partir dos Dez Princípios dos Cuidados Paliativos em Terapia Intensiva, elaborados a partir dos princípios gerais da Organização Mundial de Saúde associados a dois princípios extras particularizados para a terapia intensiva8 . Cada princípio era acompanhado com um campo para que os profissionais valorassem, com escores de um a cinco, a relevância/importância ou presença de cada princípio na sua prática com pacientes em estágio terminal de doença na unidade de terapia intensiva em que trabalha. No instrumento, além das orientações para que os enfermeiros atribuíssem o valor de um para a relevância/importância mínima e cinco para a máxima, os princípios eram apresentados com definições operacionais, retiradas da literatura, de forma que uniformizasse a compreensão do enunciado e permitisse a avaliação posterior9 .
Os dados foram tabulados no programa Microsoft Excel e analisados através do Statistical Package for the Social Sciences - SPSS 22.0. Para análise dos dados, serão utilizados recursos de estatística descritiva (frequências absoluta e relativa, médias e desvios-padrão). Através do teste de Normalidade Kolmogorov-Smirnov foram verificados que os desfechos avaliados apresentaram distribuição normal (<p=0,05). Foi utilizado o Índice de Validade de Conteúdo (IVC), que mede a concordância dos juízes quanto à representatividade dos itens, em relação ao conteúdo em estudo, sendo calculado, dividindo-se o número de juízes, que avaliaram o item com escores quatro e cinco, pelo total de juízes (avaliação por item), resultando na proporção de juízes que julgaram o item válido. Ou seja, para o cálculo, foram consideradas como avaliações positivas as respostas com os escores mais altos de relevância/importação atribuída ao conceito pelos enfermeiros intensivistas para sua prática profissional. Para calcular o IVC geral dos dez princípios, foi realizada a soma de todos os IVC calculados separadamente, dividido pelo número de itens10 .
O resultado do IVC varia de 0 a 1, demonstrando a concordância entre juízes de 0 a 100%. Como aceitável, considerou-se o índice de ≥0,85 (85% de concordância entre os juízes), tanto para avaliação de cada item, como para avaliação geral do instrumento11 .
O presente estudo foi elaborado de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde nº466/12 e faz parte de um projeto previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (Parecer n. 1.234.566, CAAE: 47981415.7.0000.5201). Todos os participantes assinaram o termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
RESULTADOS
Participou da pesquisa um total de 104 enfermeiros que trabalhavam em 12 unidades de terapia intensiva em cinco hospitais. A amostra foi predominantemente composta por mulheres (97 / 93,3%), com média de idade de 31,1±8,3 anos. O tempo médio de formação foi de 8,8±7,2, tendo a maioria até sete anos de formado (58 / 55,8%) e o tempo médio de experiência em UTI foi de 6,2±5,9 anos. A maioria dos participantes tinha especialização em UTI (63 / 60,6%) e/ou em outras áreas da enfermagem (63 / 60,6%), sendo apenas seis com título de mestre (5,8%). Apenas 16 (15,4%) afirmou ter formação em cuidados paliativos, considerando-se quaisquer cursos ou treinamentos específicos. A maioria trabalhava em unidades do sistema único de saúde (85 / 81,7%) ( Tabela 1 ).
Variáveis | N | % | Md±dp* |
---|---|---|---|
Sexo | |||
Masculino | 7 | 6,7 | |
Feminino | 97 | 93,3 | |
Idade | 31,1±8,3 | ||
Tempo de formação | 8,8±7,2 | ||
Até sete anos | 58 | 55,8 | |
Mais de sete anos | 46 | 44,2 | |
Tempo de Experiência em UTI | 6,2±5,9 | ||
Até sete anos | 73 | 70,2 | |
Mais de sete anos | 31 | 29,8 | |
Formação profissional** | |||
Especialização em UTI | 63 | 60,6 | |
Especialização em outras áreas | 63 | 60,6 | |
Mestrado | 6 | 5,8 | |
Formação em CCPP | 16 | 15,4 | |
Tipo de Hospital | |||
Hospital público | 85 | 81,7 | |
Hospital privado | 19 | 18,3 | |
Tipo de UTI | |||
UTI Cirúrgica | 32 | 30,8 | |
UTI Geral | 52 | 50,0 | |
UTI Cardíaca | 20 | 19,2 |
* md±dp: média±desvio-padrão **respostas múltiplas ***CCPP: Cuidados Paliativos
A Tabela 2 , apresenta os escores de revelância/importância para os princípios dos cuidados paliativos em terapia intensiva atribuídos pelos enfermeiros e o índice de validade de conteúdo. Os princípios que se mostraram mais relevantes à prática assistencial dos enfermeiros entrevistados foram aliviar a dor e outros sintomas associados (4,88±0,41; IVC=0,97), garantir a qualidade da vida e do morrer (4,86±0,53; IVC=0,97), priorizar sempre o melhor interesse do paciente (4,82±0,57; IVC=0,97) e respeitar a autonomia do doente e seus representantes legais (4,56±0,87; IVC=0,91). Já os que receberam menores escores, mesmo que tenham sido em média, elevados, foram afirmar a vida e considerar a morte como um processo normal da vida (4,35±1,18; IVC=0,84) e avaliar o custo-benefício a cada atitude médica assumida (3,83±1,42; IVC=0,89) ( Tabela 2 ).
Princípio | Md | Dp | IVC | |
---|---|---|---|---|
1.Afirmar a vida e considerar a morte como um processo normal da vida | 4,35 | 1,18 | 0,84 | |
2.Priorizar sempre o melhor interesse do paciente | 4,82 | 0,57 | 0,97 | |
3.Repudiar futilidades: diagnóstica e terapêutica | 4,52 | 0,98 | 0,88 | |
4.Não encurtar a vida nem prolongar o processo da morte | 4,43 | 1,06 | 0,86 | |
5.Garantir a qualidade da vida e do morrer | 4,86 | 0,53 | 0,97 | |
6.Aliviar a dor e outros sintomas associados | 4,88 | 0,41 | 0,97 | |
7.Cuidar dos aspectos clínicos, psicológicos, sociais, espirituais dos pacientes e de seus familiares | 4,51 | 0,88 | 0,88 | |
8.Respeitar a autonomia do doente e seus representantes legais | 4,56 | 0,87 | 0,91 | |
9.Avaliar o custo-benefício a cada atitude médica assumida | 3,83 | 1,42 | 0,68 | |
10.Estimular a Interdisciplinaridade como prática assistência | 4,51 | 1,00 | 0,89 |
Foram avaliadas também as relações entre os princípios. As principais relações foram evidenciadas entre os princípios 2 e 6 (r=0,61; p<0,01), 1 e 4 (r=0,51; p<0,01), 5 e 7 (r=0,51; p<0,01) e 9 e 4 (r=0,44; p<0,01). Contudo, não houve nenhuma correlação forte que identificasse que os princípios se sobrepõem. Ou seja, os princípios mostraram-se como conteúdos independentes, embora mantenham correlações entre si. ( Tabela 3 ).
Princípio | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | r* | 1,00 | 0,24 | 0,05 | 0,51 | -0,12 | 0,13 | -0,12 | 0,04 | 0,17 | 0,04 |
p | 0,01 | 0,59 | 0,00 | 0,22 | 0,19 | 0,21 | 0,71 | 0,09 | 0,70 | ||
2 | r | 0,24 | 1,00 | 0,21 | 0,05 | 0,07 | 0,61 | 0,21 | 0,11 | -0,05 | 0,18 |
p | 0,01 | 0,03 | 0,60 | 0,46 | 0,00 | 0,04 | 0,27 | 0,61 | 0,06 | ||
3 | r | 0,05 | 0,21 | 1,00 | 0,41 | 0,30 | 0,12 | 0,36 | 0,17 | 0,16 | 0,35 |
p | 0,59 | 0,03 | 0,00 | 0,00 | 0,24 | 0,00 | 0,08 | 0,11 | 0,00 | ||
4 | r | 0,51 | 0,05 | 0,41 | 1,00 | 0,22 | 0,13 | 0,31 | 0,13 | 0,44 | 0,13 |
p | 0,00 | 0,60 | 0,00 | 0,03 | 0,20 | 0,00 | 0,20 | 0,00 | 0,19 | ||
5 | r | -0,12 | 0,07 | 0,30 | 0,22 | 1,00 | 0,05 | 0,51 | 0,37 | 0,30 | 0,51 |
p | 0,22 | 0,46 | 0,00 | 0,03 | 0,61 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | ||
6 | r | 0,13 | 0,61 | 0,12 | 0,13 | 0,05 | 1,00 | 0,34 | 0,17 | -0,02 | 0,16 |
p | 0,19 | 0,00 | 0,24 | 0,20 | 0,61 | 0,00 | 0,08 | 0,83 | 0,11 | ||
7 | r | -0,12 | 0,21 | 0,36 | 0,31 | 0,51 | 0,34 | 1,00 | 0,35 | 0,18 | 0,34 |
p | 0,21 | 0,04 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,07 | 0,00 | ||
8 | r | 0,04 | 0,11 | 0,17 | 0,13 | 0,37 | 0,17 | 0,35 | 1,00 | 0,17 | 0,44 |
p | 0,71 | 0,27 | 0,08 | 0,20 | 0,00 | 0,08 | 0,00 | 0,08 | 0,00 | ||
9 | r | 0,17 | -0,05 | 0,16 | 0,44 | 0,30 | -0,02 | 0,18 | 0,17 | 1,00 | 0,36 |
p | 0,09 | 0,61 | 0,11 | 0,00 | 0,00 | 0,83 | 0,07 | 0,08 | 0,00 | ||
10 | r | 0,04 | 0,18 | 0,35 | 0,13 | 0,51 | 0,16 | 0,34 | 0,44 | 0,36 | 1,00 |
p | 0,70 | 0,06 | 0,00 | 0,19 | 0,00 | 0,11 | 0,00 | 0,00 | 0,00 |
*r: coeficiente de correlação de Pearson
DISCUSSÃO
Os resultados mostraram que os enfermeiros consideraram de grande relevância para sua prática ao lado dos pacientes em estágio terminal de doença os princípios para cuidados paliativos em terapia intensiva. Contudo, há estudos que mostram que uma pouca formação em cuidados paliativos, como encontrado na amostra, influencia em como o enfermeiro coloca em prática esses os princípios6 , 11 - 12 .
O item de maior escore médio aliviar a dor e outros sintomas associados (4,88±0,41; IVC=0,97) está relacionado diretamente aos princípios gerais dos cuidados paliativos e tem, muitas vezes, uma conotação biologizante, contudo, o conceito de dor no enunciado deve ser mais amplo, considerando todas as dimensões da dor, angústia e sofrimento. Os enfermeiros devem estar atentos para os cuidados relacionados ao alívio da dor e dos sintomas. Várias medidas fazem parte do arsenal de cuidados a serem prestados nestas condições e incluem desde adequação do banho e da mudança de decúbito – procedimentos dolorosos para muitos pacientes – até a administração de opióides, controle da dispneia, cuidados com a sedação, nutrição e hidratação, etc13 . Este princípio deve ser especialmente trabalhado quando ocorre transição do paciente da UTI para o lar, em decisão conjunta com a família, sendo guiadas as orientações no processo de educação em saúde por protocolos claros e por estratégias que permitam que os cuidadores sintam-se a vontade e envolvidos numa experiência proveitosa14 .
Em seguida, o princípio garantir a qualidade da vida e do morrer (4,86±0,53; IVC=0,97) tem relação direta com as preocupações do cuidado em enfermagem com o conforto e o bem-estar do paciente, além como com os requisitos para humanização no ambiente da terapia intensiva.
Os terceiro e quarto princípios mais relevantes, priorizar sempre o melhor interesse do paciente (4,82±0,57; IVC=0,97) e respeitar a autonomia do doente e seus representantes legais (4,56±0,87; IVC=0,91), estão relacionados com os princípios bioéticos que norteiam a profissão do enfermeiro e que se traduzem, neste cenário, em questões mais prementes e que necessitam de significativa discussão. Ambos os princípios se relacionam com uma atitude do enfermeiro para com a família em uma construção que se inicia na admissão do paciente na unidade, com o enfermeiro prestando informações diárias sobre os cuidados prestados e participando também das comunicações de más notícias valendo-se desse vínculo15 .
Os princípios que receberam menores escores, mesmo que tenham sido em média, elevados, foram afirmar a vida e considerar a morte como um processo normal da vida (4,35±1,18; IVC=0,84) e avaliar o custo-benefício a cada atitude médica assumida (3,83±1,42; IVC=0,89). ( Tabela 2 ), o primeiro pode ter recebido tais resultados em virtude de tocar numa questão mais profunda que apenas o fazer profissional, relacionada mesmo com os medos mais naturais do ser humano – o medo da morte e aos questionamentos éticos sobre a terminalidade que a equipe multiprofissional constante se faz15 . Já o menor resultado pode estar relacionado com a fragilidade do papel do enfermeiro na participação da tomada de decisão e abordagem de paciente e família16 - 7 . A comunicação entre a equipe deve ser primariamente fortalecida para que o enfermeiro tenha certeza da intencionalidade da decisão, dê o suporte necessário e intervenha junto aos envolvidos promovendo ações paliativas com aceitação e receptividade6 , 13 . Aliado a pouca formação, a falta de definição clara em muitas instituições dos pacientes em terapia intensiva que são elegíveis ou estão sob protocolo de cuidados paliativos também está relacionado à dificuldade de se avaliar custo-benefício das ações2 .
O item que recebeu menor valor reflete a dificuldade do profissional em quantificar riscos e benefícios das decisões tomadas. Um dos possíveis motivos é provavelmente a falha na sua participação nestas decisões em equipe ou junto à família e a falta de protocolos claros e difundidos por toda equipe através de treinamentos e educação continuada11 , 14 , 16 - 17 . Em outra pesquisa realizada no Brasil acerca das percepções de profissionais intensivistas sobre cuidados paliativos, verificou-se que eles identificavam este princípio a um cuidado na fase terminal da vida, sem medidas fúteis, com prioridades as medidas de conforto, mas que a falta de uniformização e protocolos era uma barreira à racionalização sobre quais práticas aderir11 .
Em um estudo retrospectivo com os casos de óbitos de seis meses em unidades de clínica médica na Espanha, verificou-se que 51,5% dos 382 pacientes estavam em estágio terminal de doença e que 83,7% receberam alguma forma de limitação de esforços terapêuticos, e que uma destas foi a decisão de não transferi-los para uma unidade de terapia intensiva (26,7%)19 .
Pesquisas como esta evidenciam que a própria permanência do paciente em unidades de terapia intensiva, na maioria das vezes sem a presença de acompanhante e com visitação limitada deve ser questionada para estes pacientes e acontecer mediante protocolos institucionais de definição de quando esta decisão é indicada e pode trazer benefício19 . É importante entender que os protocolos não devem ser deliberações engessadas, mas direcionamentos a subsidiar os profissionais, todavia estes devem sempre levar em consideração a individualidade de cada pessoa e a autonomia desta como passo para a tomada de decisões.
Ainda resta observar as correlações significativas entre os princípios observadas nos julgamentos dos enfermeiros entrevistados. O alívio da dor e outros sintomas foi relacionado à priorização sempre do melhor interesse do paciente. Não encurtar nem prolongar o processo de morte teve relação direta com a consideração da mesma como processo natural da vida. A morte pode ser, de acordo com a visão de algumas religiões que influenciam os próprios enfermeiros, um caminho para o alívio da dor e do sofrimento4 .
Não encurtar nem prolongar o processo de morrer também teve relação direta com a avaliação da relação custo-benefício em cada decisão e conduta tomada. Para participar dessa avaliação, a própria equipe pode ser treinada - modelo integrativo, assim como, uma equipe fora da unidade pode ser consultora dos cuidados paliativos, auxiliando a conduzir as discussões e decisões – modelo consultivo6 , 8 , 20 - 21 . Ambos os modelos trazem benefícios e, associados, culminam em maior segurança e satisfação na prestação da assistência.
A limitação de esforços terapêuticos esbarra em várias questões éticas que, numa primeira abordagem, pode parecer conflituosa com o compromisso deontológico com a defesa da vida, mas que com a discussão necessária em equipe e o entendimento da legislação vigente se torna mais palpável e possível22 . Garantir a qualidade da vida e do morrer relacionou-se com o cuidado integral prestados a pacientes e familiares, que deve ser orientado por protocolos que facilitem a tomada de decisão em equipe11 , 14 .
No entanto, a limitação de esforços terapêuticos foi tida, em alguns estudos, como uma forma de eutanásia na perspectiva de profissionais, em uma distorção de conceitos, o que reforça a necessidade de discussões sobre o tema nos serviços de terapia intensiva e, até mesmo, a presença de uma equipe consultiva de fora do setor22 - 3 . Outro estudo indica que os enfermeiros em sua maioria, aceitam a limitação de esforços, sem considerar os custos financeiros, mas apenas pelo bem-estar e benefício de paciente e família23 . Uma pesquisa com enfermeiros intensivistas encontrou que os entrevistados acreditavam que deve existir limitação nas condutas terapêuticas e consideravam o prolongamento artificial da vida fonte geradora de sofrimento para o paciente, devendo ser pensada entre paciente, equipe e família cada medida adotada24 . Uma revisão de literatura mostrou que os enfermeiros identificam sua forma de cuidar dessa população com três especificidades: respeitar as necessidades do outro, promoção de cuidado para conforto e encorajamento da família e que há um déficit de formação de intensivistas para com os cuidados paliativos25 . Há ainda outra revisão que mostra que para estes pacientes, os mesmos cuidados prestados a outros em terapia intensiva tomam um caráter diferenciado16 . Nestas situações, pode-se afirmar que os enfermeiros são chamados a conduzir um sistema integrado de cuidado que envolve comunicação, ambiência, educação e treinamento26 .
Estudo internacional com abordagem fenomenológica investigou como os familiares percebiam os cuidados prestados pelos enfermeiros a pacientes em estágio terminal de doença na terapia intensiva e a eles próprios e revelou que o cuidado foi reconhecido, principalmente, pela comunicação entre enfermeiros intensivistas, pacientes críticos e família. Para os 26 participantes da pesquisa, o sentimento de cuidado emergia mais significativamente quando o enfermeiro comunicava o que estava ocorrendo, discutia as possibilidades e incluía os familiares no cuidado17 . A comunicação eficaz é uma das chaves que destrava muitos processos de cuidados, visto que nem sempre as decisões são unânimes, e que permite que os princípios dos cuidados paliativos sejam mais plenamente colocados em prática e vivenciados27 .
O presente estudo teve por limitação o fato de que no momento do preenchimento dos formulários os pesquisadores não discutiram com os participantes acerca das definições operacionais de cada princípio, de forma a dirimir quaisquer dúvidas. Apesar de alguns enfermeiros não responderem no momento em que receberam a pesquisa, não consideramos o fato como limitação do estudo, visto que não se desejava avaliar o conhecimento dos enfermeiros sobre o tema, mas a percepção deles. Sendo assim, no tempo que tiveram para responder, ainda que possam ter consultado alguma fonte - apesar de orientados a não fazerem, podem ter amadurecido seu julgamento sobre cada princípio. Como implicações práticas, podemos dizer que os resultados mostram o quanto os temas relacionados aos cuidados paliativos na terapia intensiva devem ser discutidos como estratégia para melhorar a adesão dos enfermeiros aos princípios avaliados.
CONCLUSÕES
Os enfermeiros mostraram reconhecer elevada relevância/importância para os princípios de cuidados paliativos em terapia intensiva. Os dois princípios com menores escores referem-se a dilemas éticos importantes para os profissionais: a consideração e o reconhecimento da morte como processo natural da vida e o valor de cada atitude médica assumida.
A participação dos enfermeiros nas decisões e a melhor comunicação entre a equipe facilitam a adesão aos princípios dos cuidados paliativos e sugere-se que este tema seja amplamente debatido entre as equipes, empoderando os enfermeiros a assumirem um papel mediador entre equipe e família, fortalecendo o cuidado ideal e particularizado a cada caso.