INTRODUÇÃO
A Síndrome de Burnout (SB) é de natureza psicológica, sendo caracterizada por sentimentos de exaustão emocional e distanciamento relacionados à resposta prolongada aos estressores interpessoais no trabalho, incluindo três dimensões: exaustão emocional, despersonalização e diminuição da realização profissional. A exaustão emocional representa a dimensão da tensão individual do Burnout. Refere-se a sentimentos de estar sobrecarregado e esgotado de suas forças emocionais e físicas. A despersonalização representa a dimensão do contexto interpessoal do Burnout e refere-se à resposta negativa, insensível ou excessiva a vários aspectos do trabalho. O sentimento de realização pessoal reduzida representa a dimensão do Burnout da autoavaliação e refere-se a sentimentos de incompetência ou falta de sucesso e produtividade no trabalho1.
A avaliação do Burnout entre os profissionais de enfermagem torna-se fundamental pela sua influência nos resultados para o paciente, profissional e instituição. As consequências do Burnout envolvem o desempenho profissional reduzido com alta possibilidade de impacto direto na segurança do paciente e qualidade da assistência2. Para a organização, devem ser considerados os custos aumentados da assistência (risco elevado para eventos adversos, aumento do tempo de permanência, insatisfação e não fidelização da clientela) e de recursos humanos (licenças, afastamentos, absenteísmo, turnover)3. Para o profissional, devem sem lembradas as possíveis complicações físicas, emocionais e sociais relacionadas ao Burnout4.
Vale ressaltar que atividades de cuidado implicam em tensão e responsabilidade constantes e que a vivência permanente com dor, sofrimento e morte nos ambientes hospitalares pode favorecer o aparecimento de sintomas de Burnout entre profissionais de enfermagem. Somam-se, ainda, outros aspectos laborais, como sobrecarga de trabalho relacionada a dimensionamento inadequado da equipe de enfermagem frente às demandas dos pacientes, jornadas de trabalho longas e exaustivas, ambiente da prática desfavorável ao desenvolvimento da assistência de enfermagem5 e a exposição a diferentes fatores de risco à própria saúde, como risco biológico, risco ergonômico, risco físico, dentre outros.
Deve ser destacada a dificuldade de reconhecimento, valorização e obtenção de resultados quando se trata de processos de trabalho baseado em equipes, como é o caso da Enfermagem, ou seja, é difícil para cada profissional, bem como para os pacientes e familiares, identificar a contribuição individual no resultado final da assistência ao paciente. A interdependência em atividades laborais com base no trabalho de equipe pode ser uma fonte de estresse, pois a contribuição de todos os membros é essencial para o resultado esperado. O trabalho não pode ser desenvolvido sem a colaboração de cada membro da equipe, porém não há uma evidência sobre a participação de cada indivíduo no resultado final, o que impacta no feedback ao trabalhador (valorização e reconhecimento)6. Além disso, por cuidar de pessoas em diferentes fases da vida e com variadas condições de saúde-doença, os resultados esperados da assistência de enfermagem podem modificar conforme a situação.
A avaliação do Burnout é essencial, visto que, a partir do momento em que um trabalhador tem seu desempenho afetado em consequência da doença, seus colegas de trabalho poderão vivenciar uma carga de trabalho mais elevada devido ao baixo rendimento do colaborador afetado. Cargas mais elevadas de trabalho são associadas a risco aumentado de Burnout, podendo implicar em consequências mais amplas à equipe e à organização7. Dada a importância da compreensão e avaliação do Burnout como um fenômeno individual e coletivo, pois ambos aspectos exercem influência mútua e contínua entre si, este estudo teve como objetivo avaliar a ocorrência de Burnout entre os profissionais de enfermagem de três hospitais públicos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Estudo transversal, descritivo e correlacional realizado em Minas Gerais, na macrorregião de saúde Sudeste. Foram considerados para o estudo hospitais gerais de médio ou grande porte que prestavam atendimento exclusivo pelo Sistema Único de Saúde, selecionados a partir do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES). Dos quatro hospitais que atendiam ao critério estabelecido para inclusão no estudo, apenas três concordaram em participar da pesquisa: hospital A (140 leitos), hospital B (160 leitos) e hospital C (163 leitos). Os três hospitais são instituições de referência para diferentes especialidades, recebendo pacientes para exames diagnósticos, tratamento ambulatorial, internação para fins clínicos ou cirúrgicos e terapia intensiva, sendo responsáveis pelo atendimento a uma população de mais de 1.500.000 habitantes em 94 municípios. Os hospitais A e B são classificados como hospital de ensino e o hospital B possuia acreditação nível II pela Organização Nacional de Acreditação quando os dados foram coletados.
A partir de contato telefônico com os responsáveis pelos hospitais, identificou-se que 1120 profissionais de enfermagem atuavam nas três instituições elencadas para o estudo, sendo 206 enfermeiros, 910 técnicos de enfermagem e 4 auxiliares de enfermagem. Por serem apenas quatro auxiliares de enfermagem, optou-se por não os considerar nesta investigação. Participaram do estudo enfermeiros e técnicos de enfermagem com tempo de experiência na instituição de pelo menos seis meses e que prestavam assistência de enfermagem direta a pacientes. Foram considerados como critério de exclusão as ausências por motivos de férias, licenças ou qualquer outro tipo de afastamento durante o período de coleta de dados.
Foi estabelecida amostra por conveniência, sendo convidados a participar do estudo todos os profissionais de enfermagem que atenderam aos critérios de inclusão. Assim, 838 profissionais de enfermagem foram convidados a participar do estudo, sendo que 484 (57,75%) deles retornaram os questionários respondidos. Após avaliar perdas relacionadas ao não preenchimento completo dos formulários, a amostra final ficou constituída de 452 participantes sendo 102 enfermeiros e 350 técnicos de enfermagem, sendo a distribuição por hospital A, B e C 30,8%, 29,6% e 39,6%, respectivamente. Os dados foram coletados entre fevereiro e abril de 2015.
Para a coleta de dados, foram utilizados a ficha de caracterização pessoal e profissional dos participantes e o Inventário Burnout de Maslach - Human Services Survey (IBM-HSS), validado para a cultura brasileira8. A ficha de caracterização pessoal e profissional investigou as variáveis idade, hospital, unidade, sexo, estado civil, função, se possuía outro vínculo empregatício, tipo de vínculo trabalhista, turno de trabalho, carga horária semanal, tempo de experiência na instituição e na unidade.
O IBM-HSS é composto por 22 itens divididos em três subescalas: exaustão emocional composta por nove itens, despersonalização com oito itens e realização pessoal com cinco itens. Os itens do IBM-HSS são aferidos por uma escala tipo Likert de cinco pontos: nunca = 1, raramente = 2, algumas vezes = 3, frequentemente = 4 e sempre = 5. Quanto maior a pontuação, maior o nível de exaustão emocional e despersonalização e menor o sentimento de realização pessoal8. O nível de Burnout foi classificado como baixo, moderado ou alto a partir da distribuição dos valores obtidos na amostra segundo os tercis1, ou seja, os valores obtidos para cada subescala foram organizados em ordem crescente e divididos em três partes iguais. Os valores mais baixos compõem o tercil inferior (nível baixo), os valores medianos o tercil médio (nível moderado) e os valores mais elevados o tercil superior (nível alto).
Para avaliar os níveis de Burnout de acordo com o critério dos tercis de cada subescala, foram considerados os valores obtidos na amostra, cuja variação é de 9 a 45 para a subescala exaustão emocional; 5 a 25 para a subescala despersonalização e 8 a 40 para diminuição da realização pessoal8, sendo que essa subescala é avaliada de forma reversa, ou seja, valores elevados indicam níveis baixos de realização pessoal, e vice-versa1. Nesta pesquisa os valores dos tercis obtidos para cada subescala foram: a) exaustão emocional nível baixo ≤ 20 pontos, nível moderado entre 21 e 25 pontos, e nível alto ≥ 26 pontos; b) realização pessoal nível baixo ≥ 37 pontos, nível moderado entre 30 e 33 pontos, e nível alto ≤ 29 pontos; e despersonalização nível baixo ≤ 7 pontos, nível moderado entre 8 e 9 pontos, e nível alto ≥ 10 pontos.
Quanto à sua confiabilidade, a versão brasileira do IBM-HSS apresentou em estudos prévios consistência interna satisfatória, com um alfa de Cronbach variando de 0,82 a 0,90 para a subescala exaustão emocional, 0,54 a 0,69 para despersonalização e 0,67 a 0,72 para realização pessoal8-10.
Os profissionais de enfermagem foram abordados em seus postos de trabalho de maneira individual ou em pequenos grupos. Após o esclarecimento de quaisquer dúvidas a respeito da investigação, aqueles que concordaram em participar do estudo receberam um envelope contendo os instrumentos de coleta de dados e foram solicitados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A devolução dos instrumentos preenchidos foi acordada entre participantes e pesquisadores.
Os dados foram compilados em planilha eletrônica e analisados por meio dos softwares Statistical Analysis System (SAS) versão 9.4 e Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22. Foi realizada análise descritiva das variáveis qualitativas por meio do cálculo de frequências e porcentagens e das variáveis quantitativas considerando medidas de posição e dispersão. Para identificar a relação entre as subescalas do Burnout e as variáveis qualitativas de caracterização da amostra foram usados os testes de Mann-Whitney ou Kruskal-Wallis, a depender do número de categorias da variável qualitativa. Para as comparações nas quais foi observado um resultado significante no teste Kruskal-Wallis, foi aplicado o pós-teste de Dunn para realizar as comparações múltiplas.
O coeficiente de cor-relação de Spearman foi usado para avaliar a cor-relação entre a idade e as dimensões do Burnout. Os valores da cor-relação podem variar de -1 cor-relação negativa) a +1 (cor-relação positiva). Valores ≤ 0,39 indicam cor-relação positiva fraca, entre 0,40 a 0,69 correspondem a cor-relação positiva moderada e ≥ 0,70 indicam cor-relação positiva forte. Os valores cor-respondentes negativos podem ser interpretados da mesma maneira para cor-relação negativas11. Neste estudo, os valores da consistência interna para as subescalas do IBM foram de 0,88 para exaustão emocional, 0,72 para realização pessoal e 0,52 para despersonalização.
O estudo foi aprovado nos comitês de ética das três instituições participantes (CAAE: 34008814.2.0000.5133, pareceres nº 866.255, nº 888.271 e nº 909.009). Foram respeitados os preceitos éticos internacionais de pesquisa envolvendo seres humanos.
RESULTADOS
Participaram do estudo 452 profissionais de enfermagem, sendo 350 (77,43%) técnicos de enfermagem. A idade média foi 37,43 anos (DP=9,34; Min=18 e Máx=62). A maioria não possuía outro vínculo empregatício (65,71%) e trabalhava no turno diurno (55,97%). As características pessoais e profissionais dos participantes estão apresentadas na Tabela 1.
Variável | n (%) |
---|---|
Hospital | |
A | 139 (30,75) |
B | 134 (29,65) |
C | 179 (39,60) |
Unidade | |
Terapia Intensiva (adulto, neonatal, cirúrgica e cardiológica) | 129 (28,54) |
Internação (clínica médica, cirúrgica e pediatria) | 231 (51,11) |
Ambulatório (consultas, diagnóstico, hospital dia) | 92 (20,35) |
Sexo | |
Feminino | 343 (75,88) |
Masculino | 109 (24,12) |
Estado civil | |
Com companheiro (casados e união estável) | 231 (51,11) |
Sem companheiro (solteiros, viúvos, separados ou desquitados) | 216 (47,79) |
Função | |
Enfermeiro | 102 (22,57) |
Técnico de Enfermagem | 350 (77,43) |
Outro vínculo | |
Sim | 155 (34,29) |
Não | 297 (65,71) |
Tipo de vínculo | |
Estatutário | 249 (55,10) |
Outros (consolidação das leis trabalhistas ou contrato temporário) | 201 (44,47) |
Turno | |
Diurno | 253 (55,97) |
Noturno | 199 (44,03) |
Carga horaria | |
Até 44h | 299 (66,15) |
Maior ou igual a 45h | 150 (33,18) |
Tempo instituição | |
6 a 11 meses | 77 (17,04) |
1 a 2 anos | 81 (17,92) |
> 3 anos | 291 (64,38) |
Tempo unidade | |
6 a 11 meses | 60 (13,27) |
1 a 2 anos | 76 (16,81) |
> 3 anos | 312 (69,03) |
Nota: As diferenças nos totais se devem a dados faltantes.
Fonte: Elaboração própria.
A distribuição dos níveis de Burnout dos profissionais de enfermagem nas subescalas exaustão emocional, realização pessoal e despersonalização, bem como a classificação dos níveis de Burnout conforme a distribuição dos tercis da amostra encontram-se na Tabela 2.
Subescala | Mínimo - Máximo | Baixo | Moderado | Alto |
---|---|---|---|---|
n (%) | n (%) | n (%) | ||
Exaustão Emocional | 9 - 41 | 176 (38,94) | 138 (30,53) | 138 (30,53) |
Realização Pessoal | 12 - 40 | 124 (27,43) | 177 (39,16) | 151 (33,41) |
Despersonalização | 5 - 19 | 207 (45,80) | 100 (22,12) | 145 (32,08) |
Fonte: Elaboração própria.
A relação entre as variáveis pessoais e profissionais dos participantes e as dimensões do Burnout está descrita na Tabela 3.
Variável | Exaustão Emocional | p-valor | Despersonalização | p-valor | Realização Pessoal | p-valor | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Mediana (Q1-Q3) | Mediana (Q1-Q3) | Mediana (Q1-Q3) | ||||||||
Hospital** | ||||||||||
A | 25 (21-40) | <0,001 | 10 (8-14) | 0,174 | 34 (31-40) | <0,001 | ||||
B | 25 (21-39) | ‡ § | 10 (8-19) | 35 (33-40) | † § | |||||
C | 29 (25-41) | 11 (8-17) | 33 (31-40) | |||||||
Unidade** | ||||||||||
UTI | 22 (17-26) | 0,221 | 8 (6-10) | 0,657 | 32 (29-34) | 0,154 | ||||
Internação | 23 (19-27) | 8 (6-10) | 31 (28-34) | |||||||
Ambulatório | 22 (16-26) | 7 (6-10) | 31 (28-34) | |||||||
Sexo* | ||||||||||
Feminino | 22 (18-26) | 0,110 | 8 (6-10) | 0,013 | 32 (28-34) | 0,319 | ||||
Masculino | 23 (19-28) | 9 (7-11) | 31 (28-34) | |||||||
Estado civil* | ||||||||||
Com companheiro | 22 (18-26) | 0,625 | 8 (6-10) | 0,616 | 31 (28-34) | 0,461 | ||||
Sem companheiro | 22 (18-27) | 8 (6-10) | 32 (29-34) | |||||||
Função* | ||||||||||
Enfermeiro | 23 (17-28) | 0,829 | 8 (6-10) | 0,663 | 32 (29-35) | 0,143 | ||||
Téc Enfermagem | 22 (18-27) | 8 (6-10) | 31 (28-34) | |||||||
Outro vínculo* | ||||||||||
Sim | 22 (18-26) | 0,193 | 8 (6-10) | 0,396 | 31 (28-33) | 0,077 | ||||
Não | 23 (18-28) | 8 (6-10) | 32 (29-34) | |||||||
Tipo de vínculo* | ||||||||||
Estatutário | 24 (19-28) | <0,001 | 8 (6-10) | 0,161 | 31 (28-33) | <0,001 | ||||
Outros | 21 (16-25) | 8 (6-10) | 32 (29-35) | |||||||
Turno* | ||||||||||
Diurno | 22 (18-28) | 0,497 | 8 (6-10) | 0,734 | 31 (28-34) | 0,049 | ||||
Noturno | 22 (18-26) | 8 (6-10) | 32 (28-34) | |||||||
Carga horaria* | ||||||||||
Até 44h | 21 (17-26) | 0,051 | 8 (6-10) | 0,455 | 31 (28-34) | 0,140 | ||||
Mais que 45h | 23 (19-24) | 8 (6-10) | 32 (29-34) | |||||||
Tempo instituição** | ||||||||||
6 a 11 meses | 21,5 (17-25) | 0,010 | 6,5 (6-8,5) | 0,007 | 31 (29-33,5) | 0,248 | ||||
1 a 2 anos | 20,5 (17-24) | ƒ | 8 (6-10) | ƪ | 32 (29,5-34) | |||||
> 3 anos | 23 (18,5-27,5) | 8 (6-10,5) | 31 (28-34) | |||||||
Tempo unidade** | ||||||||||
6 a 11 meses | 22 (17-26) | 0,017 | 7 (6-9) | 0,020 | 31 (29-34) | 0,090 | ||||
1 a 2 anos | 21 (16-24) | ƒ | 8 (6-10) | ƪ | 32 (30-34) | |||||
> 3 anos | 23 (19-27) | 7 (6-11) | 31 (28-33) |
Q1 = quartil 1. Q3 = quartil 3. *Teste de Mann-Whitney. **Teste Kruskal-Wallis. Pós-teste de Dunn († = diferença significativa AxB. ‡ = diferença significativa AxC. § = diferença significativa BxC. ƒ = diferença significativa 1 a 2 anos x >3 anos. ƪ = diferença significativa 6 a 11 meses x >3 anos.
Fonte: Elaboração própria.
A idade dos participantes foi correlacionada às dimensões do Burnout utilizando-se o coeficiente de correlação de Spearman. Obteve-se correlação negativa entre idade e exaustão emocional (r=-0,1208; p=0,010); correlação positiva entre idade e realização pessoal (r=0,1074; p=0,023) e ausência de correlação entre idade e despersonalização (r=-0,0414; p=0,3808).
DISCUSSÃO
Os participantes deste estudo foram, em sua maioria, mulheres (75,88%), técnicos de enfermagem (77,43%), com vínculo do tipo estatutário (55,10%), trabalhavam no turno diurno (55,97%), por até 44h semanais (66,15%) e possuíam mais de três anos de experiência na instituição (64,38%) e na unidade de trabalho (69,03%). Essas características estão em conformidade com o perfil dos profissionais de enfermagem brasileiros12,13.
A maioria dos profissionais de enfermagem apresentou níveis baixos de Burnout nas dimensões exaustão emocional (38,94%) e despersonalização (45,80%) e níveis moderados (39,16%) na dimensão realização pessoal. Entretanto, cabe destacar que 30,53% dos trabalhadores apresentaram nível elevado de exaustão emocional, 27,43% apresentaram níveis baixos de realização pessoal e 32,08% níveis elevados de despersonalização. Em revisão sistemática foi identificado que, em média, 25,9% dos profissionais de enfermagem apresentam níveis elevados de exaustão emocional, 27,2% referem baixa realização pessoal e 34,8% apresentaram níveis elevados de despersonalização3.
A exaustão emocional tem sido caracterizada como central no desenvolvimento de Burnout entre profissionais de saúde3. Especificamente na enfermagem, as demandas emocionais relacionadas ao trabalho podem interferir no desempenho do profissional diante das necessidades dos pacientes14. Pode ser observado comportamento de distanciamento emocional e cognitivo em relação ao trabalho como uma forma de lidar com a excessiva carga de trabalho15.
A despersonalização frequentemente acompanha o sentimento de exaustão emocional. Demandas de trabalho como tempo, relacionamento interpessoal e equipes com número insuficiente de profissionais para prestar assistência podem ser considerados fatores desencadeadores de despersonalização entre os profissionais de enfermagem14.
A realização pessoal em nível moderado pode ser explicada pela característica de interdependência no processo de trabalho em enfermagem. Ocorre dificuldade de reconhecimento, valorização e obtenção de resultados quando se trata de processos de trabalho baseado em equipes, pois a contribuição de todos os membros é essencial para o resultado esperado16. Assim, a definição exata da participação de cada indivíduo no resultado final é difícil de ser delimitada, podendo influenciar a percepção dos profissionais quanto à realização pessoal no trabalho.
Os profissionais do hospital C apresentaram níveis mais elevados de exaustão emocional em comparação com os profissionais das demais instituições (p<0,001). Um dos fatores que pode ter influenciado esses resultados pode ser a ausência de uma cultura organizacional de inserção nos processos de formação de profissionais de saúde, pois esta é a única instituição não credenciada como hospital de ensino, mas recebe continuamente estudantes para o desenvolvimento de atividades de aprendizagem em suas dependências. Esse fato pode ser um fator colaborador para essa situação, considerando que os profissionais ingressam na instituição sem considerar que irão conviver com estudantes e suas demandas de questionamentos e observações permanentes da rotina diária. Cabe destacar que o provimento de pessoal para o hospital C se dá por meio de concurso público, com a possibilidade de inscrição de profissionais de diferentes regiões do país, os quais podem desconhecer o cenário e rotinas do hospital. Aspectos organizacionais como a parceria com instituição de ensino não são contempladas nos editais dos processos seletivos. A presença constante de estudantes e sua rotatividade no ambiente de trabalho implica em descontinuidade na assistência por eles realizada e pode ser um agravante para o estresse dos profissionais de enfermagem17.
Além disso, durante o período de coleta de dados, estava em curso um movimento sindical reivindicando modificação na jornada de trabalho e aumento dos vencimentos mensais, evidenciando a mobilização coletiva em busca de melhores condições de trabalho, o que também pode ter impactado a percepção dos profissionais de enfermagem desta instituição em relação aos aspectos relacionados à exaustão emocional.
Os profissionais que trabalhavam no hospital B apresentaram maiores escores na subescala realização pessoal quando comparados aos profissionais de enfermagem dos hospitais A e C (p<0,001). O fato desta instituição ser a única acreditada pode ter contribuído para esse resultado, visto que programas de certificação oferecem aos seus colaboradores oportunidades de capacitação, interação com profissionais de outras áreas e setores da organização, acompanhamento dos resultados organizacionais e incentivo ao comprometimento permanente com metas coletivas, podendo gerar sentimentos positivos em relação ao alcance de resultados18.
Na presente investigação, a maioria dos participantes era do sexo feminino (75,88%), assim como verificado em outras investigações com profissionais de enfermagem3,12,14,15. Este estudo possibilitou identificar que os homens relataram maior sentimento de despersonalização em relação às mulheres (p = 0,013) e uma das justificativas deve-se ao fato de que a enfermagem, por ser uma profissão que exige habilidades emocionais e interacionais constantes, habilidades pouco estimuladas em homens, e por gozar de prestígio social e remuneração baixos, pode implicar em sentimentos de frustração e incompetência em relação ao papel cultural de provedor vinculado à figura masculina19. Destaca-se que tem sido observado aumento do quantitativo de homens na enfermagem12, o que remete à importância dos achados desta investigação considerando as tendências para a composição da equipe de enfermagem na atualidade e no futuro.
O turno foi outra variável que diferiu na percepção dos profissionais, sendo que aqueles que trabalhavam no noturno apresentaram maior realização pessoal quando comparados àqueles que trabalhavam no turno diurno (p = 0,049). Resultado semelhante foi observado em outra investigação realizada no sul do Brasil20. Os profissionais que trabalham durante a noite fazem, muitas vezes, essa opção, devido à possibilidade de conciliar ao trabalho as atividades familiares e domésticas. Soma-se, ainda, o adicional noturno como retorno financeiro que favorece o orçamento doméstico21, podendo contribuir para maior realização pessoal entre os profissionais que desenvolvem suas atividades laborais no período noturno. Por outro lado, o trabalho noturno pode causar alterações fisiológicas e impactar no bem-estar físico e psicológico dos trabalhadores. Fadiga, baixo desempenho, insatisfação laboral, e alterações no sono são comuns entre os indivíduos que trabalham durante o turno noturno22.
A estabilidade profissional proporcionada pelo vínculo empregatício do tipo estatutário para a maioria dos participantes foi mais um dado que pode contribuir na explicação dos achados desta investigação. Acredita-se que os indivíduos com estabilidade profissional desenvolvam interações mais intensas com seus locais de trabalho, pois sabem que o vínculo de trabalho é de certa forma permanente. A falta de perspectiva de mudanças pode explicar o fato de ter sido verificada maior exaustão emocional entre os profissionais com vínculo do tipo estatutário (p<0,001). Resultado oposto foi verificado em outro estudo no qual os profissionais de enfermagem com vínculo do tipo estatutário apresentaram menor incidência de Burnout23.
A realização pessoal foi menor entre os profissionais de enfermagem que possuíam vínculo estatutário (p<0,001), demonstrando que a estabilidade profissional pode significar estagnação na carreira ou possibilidade reduzida de crescimento profissional, já que não é possível ocupar cargos sucessivos dentro das organizações públicas. A estabilidade promovida pelo vínculo do tipo estatutário pode implicar para muitos em resistência a busca por outras posições ocupacionais diante das dificuldades do mercado de trabalho13. Os atuais planos de carreiras, cargos e salários vigentes nos serviços públicos no Brasil podem causar frustração e descontentamento, especialmente para os mais jovens que frequentemente apresentam comportamentos de imediatismo e necessidade de rapidez nos processos que vivenciam24.
O maior tempo de experiência na instituição e na unidade foi associado a níveis mais elevados de exaustão emocional (p = 0,010 e p = 0,017, respectivamente) e de despersonalização (p = 0,007 e p = 0,020, respectivamente). A monotonia no trabalho e rotina das atividades somadas às cobranças diárias, demandas contínuas dos pacientes e insuficiência de recursos15,22 podem explicar esse fato. Possivelmente, os mecanismos de enfrentamento em relação às situações de convivência com a dor e sofrimento podem desgastar-se com o passar do tempo, permitindo a ocorrência de distanciamento e desgaste do profissional diante das atribuições, conflitos e cargas diárias de trabalho.
A correlação entre idade e Burnout continua sendo pesquisada. Nesta investigação, os trabalhadores com menor idade apresentaram maiores níveis de exaustão emocional (p = 0,010), resultado semelhante ao observado em um estudo de metanálise25. A limitada experiência profissional aliada à capacitação insuficiente e habilidades pouco desenvolvidas pode somar-se aos problemas organizacionais, como escassez de recursos e elevada demanda, podendo influenciar nos níveis de exaustão emocional entre os trabalhadores mais jovens.
De maneira inversa, verificou-se nessa amostra que, quanto maior a idade, maior a realização pessoal dos participantes (p = 0,023). O sentimento de satisfação com o próprio desempenho no trabalho cresce à medida que inseguranças e desafios são vencidos e relações são fortalecidas, promovendo sentimentos de competência e produtividade no trabalho. Com o passar do tempo, os profissionais de enfermagem tornam-se mais autoconfiantes diante das diversas situações que enfrentam no ambiente de trabalho12.
Como limitações da presente investigação, destacam-se que os dados incluíram a percepção de profissionais de enfermagem de três hospitais, o que pode inviabilizar a generalização dos resultados para outras realidades. Além disso, o presente estudo analisou um número limitado de variáveis; entretanto, a literatura aponta para diversas variáveis que podem influenciar os sentimentos de exaustão emocional, realização pessoal e despersonalização entre profissionais de enfermagem. Cabe ressaltar que os três hospitais, apesar de serem hospitais gerais de porte semelhante, possuem diferenças organizacionais que podem ter influenciado os resultados do Burnout entre os trabalhadores de enfermagem.
Nesse sentido, sugere-se a realização de outras investigações que possam incluir outras variáveis, bem como estudos multicêntricos e uso de desenhos longitudinais, a fim de apontar diferenças nos níveis de Burnout entre profissionais de enfermagem que atuam em cenários de prática distintos e em diferentes regiões brasileiras, bem como se o tempo pode promover mudanças no Burnout entre os profissionais de enfermagem.
CONCLUSÕES
Apesar de a maioria dos participantes deste estudo apresentar níveis baixos ou moderados de Burnout, aproximadamente um terço dos profissionais de enfermagem apresentou níveis elevados de exaustão emocional e despersonalização e níveis baixos de realização pessoal. Esse dado aponta que o Burnout, apesar de ter sido amplamente estudado entre profissionais de enfermagem, continua sendo um problema nos serviços de saúde.
Esta pesquisa identificou que variáveis pessoais e profissionais podem relacionar-se com níveis elevados de Burnout. O local de trabalho, tipo de vínculo, turno de trabalho e tempo de experiência na unidade e na instituição foram relacionadas com a exaustão emocional entre profissionais de enfermagem. Profissionais do sexo masculino e com mais tempo de experiência profissional apresentaram níveis mais elevados de despersonalização. A avaliação das características pessoais e profissionais e das condições de trabalho pode permitir identificar aspectos passíveis de intervenção dentro das organizações.
Profissionais de enfermagem mais jovens são mais suscetíveis a sentimentos de exaustão emocional, enquanto que o sentimento de realização pessoal aumenta conforme a idade. Nesse sentido, a convivência de diferentes gerações dentro dos serviços de saúde permite a troca de experiências. Gerentes e gestores devem incentivar o relacionamento entre profissionais experientes e novatos a fim de que aspectos positivos de ambos possam ser valorizados e contribuam para o desenvolvimento das equipes.
Os profissionais que trabalhavam em hospital certificado referiram melhores níveis de realização pessoal. Aspectos que favorecem a qualidade da assistência trazem benefícios para pacientes, profissionais e organizações. A busca pela qualidade nos serviços de saúde é um movimento global que está alinhada aos valores da enfermagem refletindo na percepção dos trabalhadores sobre aspectos relacionados ao trabalho e contribuindo para menores níveis de Burnout.
Acredita-se que ações devam ser implementadas nos serviços de saúde a fim de evitar a ocorrência de Burnout entre os profissionais. Assim, para que ocorra diminuição nos níveis de Burnout é necessário e urgente desenvolver ações que promovam maior satisfação no trabalho, especialmente entre os profissionais jovens e recém-admitidos. A fim de reduzir os níveis de Burnout entre os profissionais de enfermagem, sugere-se investimento em educação permanente, fortalecimento das relações interpessoais no ambiente de trabalho, promoção do desenvolvimento profissional e valorização dos trabalhadores de enfermagem.
Cabe aos gestores e gerentes instituir e incentivar programas voltados para o bem-estar dos profissionais de enfermagem, tornando-os obrigatórios nas organizações de saúde a fim de reduzir os riscos de adoecimento ocupacional e melhorar a qualidade de vida no trabalho. Ao reduzir o risco de Burnout, podem ser esperados impactos na qualidade da atenção em saúde, na satisfação dos pacientes, nos resultados assistenciais e na credibilidade institucional.