INTRODUÇÃO
A loucura por anos foi negligenciada e estigmatizada. As pessoas que recebiam diagnósticos de transtornos mentais, ou manifestavam comportamento tido como transgressor (das normas impostas socialmente) sofriam maus tratos, perdiam sua identidade, subjetividade e integridade. O que comumente se encontrava nos imensos hospitais psiquiátricos eram pessoas que, por vezes, não tinham transtorno mental algum. Ali, eram expostas a condições subumanas e tornavam-se vítimas de atrocidades perversas. Por muito tempo seus corpos foram mortificados, perdendo a dignidade durante a vida e após a morte1.
Diante desse cenário, em meados de 1970, surgiram debates acerca da loucura e sobre o tratamento nas instituições-totais, além de suas consequências, em suma negativas, sob esses indivíduos. Nesse contexto, surgiram críticas ao modelo hospitalocêntrico, à segregação, à violência institucional e ao isolamento, condições impostas aos mesmos, inicia-se então o processo da Reforma Psiquiátrica Brasileira2.
No ano de 2001, a Reforma Psiquiátrica Brasileira legitimou-se com a promulgação da Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, que garante os direitos das pessoas com transtornos mentais e visa a mudança da assistência e tratamento das mesmas. Ela tem como objetivo central a desconstrução do modelo asilar e criação de uma rede substitutiva de base territorial3.
Fruto desse movimento e com a finalidade de ampliar os pontos de atenção a pessoas em sofrimento psíquico, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), foi criada e validada, através da Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que é composta por diversos Serviços Substitutivos em Saúde Mental como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Residências Terapêuticas, Emergência Psiquiátrica, Leitos em Hospitais Gerais, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), dentre outros. A Atenção Básica (AB) também se encontra inserida como componente da RAPS e tem como principal ferramenta para a eficácia da assistência a pacientes em sofrimento psíquico, o acolhimento. Esse pode ser considerado um dispositivo contribuinte para a efetivação do SUS; é fundamental para a criação de vínculo entre usuários (as) e profissionais, possibilita maior adesão dos pacientes aos serviços e aumenta a sua resolutividade e os(as) profissionais de saúde desempenham posição primordial para a efetivação do mesmo4-7.
Nesse sentido, a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) surge, trazendo consigo modificações que alteram o modelo de assistência e aumentam a qualidade do acolhimento e assistência prestada aos(às) usuários(as) das Unidades Básicas de Saúde (UBS). Institui a importância da distribuição de recursos adequada, a educação permanente dos(as) profissionais, a classificação das responsabilidades das esferas do governo para com a AB, dentre outras ações8.
Ademais, o Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica (PMAQ-AB), também se configura como contribuinte para a melhoria do acolhimento nas UBS, através da avaliação complexa destas e, diante disso, da implementação de estratégias para incentivar mudanças e melhorias9.
Contudo, é possível visualizar algumas fragilidades na operacionalização do acolhimento na AB, o que fez emanar as problemáticas deste estudo. Uma delas diz respeito a compreensão do acolhimento como um espaço físico, que deve ser realizado somente na chegada dos(as) usuários(as) e somente pelos(as) profissionais da saúde, confundindo-o com a triagem e diminuindo a sua complexidade. Outra problemática se encontra no julgamento que os(as) profissionais de saúde deferem a algumas pessoas, como as que apresentam sofrimento psíquico, classificando-os, generalizando-os e os excluindo4,10.
Diante da problemática posta, surge o seguinte questionamento: quais as possibilidades e limitações que os enfermeiros percebem no acolhimento às demandas de saúde mental na AB?
Visando responder tal questionamento, o objetivo deste estudo foi identificar – sob a ótica dos enfermeiros - as potencialidades e limitações da estratégia do acolhimento direcionada às demandas de saúde mental na AB de um município do Nordeste brasileiro.
Dessa forma, espera-se que o estudo auxilie na identificação dos impasses para a implementação de estratégias, visando a efetivação do acolhimento e fortalecimento do cuidado voltado à saúde mental na AB no município de Campina Grande - Paraíba.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo do tipo, descritivo e analítico com abordagem qualitativa para interpretação da percepção dos (as) enfermeiros (as) das UBS sobre a operacionalização do acolhimento às demandas de saúde mental.
O estudo foi realizado no Distrito Sanitário V, que é composto por dezessete UBS, da cidade de Campina Grande – Paraíba, Brasil no período de maio a junho de 2017. Os locais foram escolhidos por estarem em um único distrito sanitário, sendo esse o maior do município e o que atende a maior demanda de indivíduos, além de ter um número representativo de enfermeiros (as) atuantes.
Como critério de inclusão, os (as) participantes deveriam ser enfermeiros (as) atuantes nas UBS do Distrito Sanitário V, da cidade de Campina Grande-PB. Foram excluídos (as) aqueles (as) que estavam afastados temporariamente de suas atividades no período da pesquisa.
A população do estudo foi composta por todos os(as) enfermeiros(as) atuantes nas UBS pertencentes ao Distrito Sanitário V, que prestavam serviços no interstício da pesquisa, os quais totalizavam vinte e sete profissionais, sendo a amostra do estudo composta por vinte desses que aceitaram participar da pesquisa e enquadraram-se aos critérios de elegibilidade.
O instrumento formulado pelos pesquisadores foi um roteiro para entrevista semiestruturada dividido em duas partes, sendo a primeira parte destinada à caracterização dos participantes e a segunda parte consiste em questões disparadoras direcionadas aos(às) enfermeiros(as), relacionadas à operacionalização do acolhimento na AB. As gravações foram realizadas nas UBS nas quais os(as) enfermeiros(as) trabalhavam, o tempo médio das entrevistas foi de quinze minutos. Previamente às gravações, foram solicitadas as assinaturas dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido dos voluntários.
Para caracterizar os(as) profissionais foi utilizada a estatística descritiva, numérica. Na qual não há pretensão de dar ao estudo um delineamento quantitativo, mas unicamente valorizar variáveis referentes à caracterização dos(as) participantes do estudo11.
A análise dos dados obtidos através das entrevistas foi realizada com a utilização das técnicas de Bardin de Análise de Conteúdo (AC), esse conjunto de técnicas tem a finalidade de analisar comunicações12.
Para a efetivação da AC, foi necessária organização por parte dos investigadores, dividida em três fases: a primeira é a fase pré-análise, que consiste na sistematização da análise, no intuito de planejar as etapas a serem seguidas; a segunda fase é a exploração do material, na qual este será selecionado e a terceira consiste no tratamento dos resultados, na qual serão interpretados e analisados11.
Os(as) pesquisadores(as) se propuseram a seguir as orientações contidas na resolução Nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, no que concerne na preservação do anonimato dos(as) profissionais envolvidos (as) na pesquisa, sendo utilizada a letra “P” para identificar os(as) entrevistados(as), que foi acompanhada por um número cardinal em ordem crescente, como: (1,2,3...) 13.
O projeto foi aprovado no dia 16 de maio de 2017, pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário Alcides Carneiro/UFCG com o número de parecer 2.065.085 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética 65016317.6.0000.5182.
RESULTADOS
No tocante à uma avaliação sociodemográfica preliminar os participantes desse estudo foram vinte enfermeiros(as), com tempo médio de atuação de seis anos na UBS em questão, sendo a maioria do sexo feminino (90,0%), com idade média de trinta e nove anos, atuantes em UBS do Distrito Sanitário V do município de Campina Grande, na Paraíba. A maioria pertence à religião católica (85,0%) e são casados (70,0%). Todos possuem Ensino Superior completo e exercem como profissão principal a de enfermeiro(a), intercalando à docência e outros meios de trabalho à sua prática.
Os resultados foram organizados em categorias, seguindo-se o que sugere a Bardin, no que concerne a qualidade das categorias, que se trata da exclusão mútua, da homogeneidade, da pertinência, da objetividade, da fidelidade e da produtividade14. Com intuito de atingir os objetivos, se definiu a categoria I: Compreensão do dispositivo acolhimento; categoria II: A potência do acolhimento para as demandas de saúde mental; categoria III: As limitações para o acolhimento no processo de trabalho da Atenção Básica.
Categoria I – Compreensão do dispositivo acolhimento
Para o desenvolvimento de um trabalho integral e humanizado se faz necessário contextualizar o acolhimento como dispositivo estratégico da saúde mental por parte dos(as) profissionais de saúde, o que se evidencia nas falas dos participantes da pesquisa:
“O acolhimento eu vejo como um atendimento não só vendo a doença do paciente, e sim o vendo de forma holística e escutar desde o primeiro momento que ele chega à unidade [...] Em saúde mental, é [...] uma boa escuta, de uma escuta qualificada, você já consegue [acolher], além de identificar alguns fatores que podem estar contribuindo para o agravamento do problema.” P.14
“Acolher é tentar tratar o paciente bem assim que ele chega e tentar ver qual a necessidade dele na unidade, para ele ser bem direcionado e poder ser resolutivo no que ele precisar. E o acolhimento tem que vir da porta de entrada até o atendimento final” P.16
“Além da criação de vínculo, é você, como profissional de saúde, compreender através da escuta e atender as necessidades daquela pessoa. A partir daí traçar medidas de intervenções.” P.17
Categoria II – Potencial do vínculo no acolhimento às demandas de saúde mental
Com o propósito de obter a eficácia do acolhimento às demandas de saúde mental, torna-se relevante que os (as) enfermeiros (as) compreendam a potência do dispositivo “acolhimento”. Logo, as seguintes falas afirmam as concepções que a classe incube acerca das potências que já emanaram na práxis para se trabalhar com essas demandas.
“É possível trazer para o ambiente da unidade, esses pacientes, e interagir com os mesmos de uma forma dinâmica” P.01
“A gente conhece os pacientes, conhece as famílias, a maioria a gente sabe qual a situação em casa também. A gente tem a visão mais abrangente desse paciente”. P.06
“O vínculo com a comunidade e o fato da unidade estar inserida perto das residências deles e a gente ter um vínculo diário com eles.” P.07
“A Atenção Básica é de suma importância no acolhimento às demandas de saúde mental, tanto pela proximidade dos profissionais da saúde com os usuários, possibilitando a formação de vinculo.” P.09
“[...] a gente procura trabalhar não com o foco na doença, a gente tem aqui o NASF, que eu vejo uma potencialidade muito grande” P.14
Categoria III – Desafios para implementação do acolhimento em saúde mental na Atenção Básica
A prática do acolhimento às demandas de saúde mental na Atenção Básica é limitante, pois exige compreensão da gestão, dos (as) profissionais de saúde e dos familiares de que as ações precisam ser planejadas de uma forma que sejam continuadas no território. Sendo assim, para que haja a consumação do acolhimento, é necessário, além do conhecimento das demandas, elaborar estratégias e ações a fim de extinguir tais fragilidades. Nos seguintes discursos evidenciam-se as concepções dos (as) enfermeiros (as) acerca dessa temática.
“Muitas vezes não são eles que procuram o serviço e sim os familiares, o que dificulta o atendimento direto, isso é uma fragilidade” P.01
“A gente tem muita dificuldade para fazer encaminhamentos [...] A gente trabalha em um bairro que a população é de baixa renda, quando a pessoa tem algum problema de saúde mental e não consegue trabalhar ou não é um problema tão grave que aposenta [...] não existe essa Referência e Contrarreferência, esse acompanhamento compartilhado não.” P.06
“[...] a medicação falta na unidade muitas vezes e eles não têm condições de comprar e em relação também ao desmame, a gente sente muita dificuldade em desmamar os pacientes, porque muitos não aceitam esse desmame [...] a gente tem muita dificuldade ainda na história da referência, a contrarreferência em alguns casos não é feita, isso eu acho uma fragilidade na rede.” P.07
“[...] a gente não consegue fechar um grupo de saúde mental, não consegue fazer uma dinâmica com eles, é muito complicado. Até porque eles não têm interesse ou a família não tem interesse de trazer eles. Pela parte geográfica, é muita lama, é muita subida, então pra vir de tarde aqui, no sol, não tem uma árvore aqui no bairro, então, eles não vêm. É só a questão de receita mesmo, o foco aqui maior é esse.” P.08
“[...]pouco tempo que temos para escutar. E uma das maiores fragilidades está no sistema da referência e contra referência entre a Atenção Básica e os serviços da atenção psicossocial.” P.09
“Não, não existe a perspectiva de rede com a Atenção Básica, porque não existe um fluxograma definido”. P.10
“Falta de acompanhamento e a falta de capacitação pela gerência central.” P.18
DISCUSSÃO
Sabe-se que o acolhimento se constitui como uma das diretrizes da Política Nacional de Humanização e se trata de uma ferramenta essencial para a inserção e permanência do indivíduo no serviço de saúde. Além disso, quando emanado nas falas, surge como um dispositivo irrestrito à um espaço físico de recepção, e sim, continuado de atendimento ao(à) usuário(a), desde sua recepção até sua despedida.
Esse dispositivo de cuidado mostra-se substancial para todos os(as) usuários(as) das UBS, com demandas de saúde mental ou não, contudo, esses primeiros necessitam de maior sensibilidade dos(as) profissionais de saúde para a identificação de sua situação e para a continuidade do tratamento no território. Através do acolhimento realizado de forma sensível e eficaz torna-se possível a criação de vínculo entre os(as) usuários(as) e os(as) profissionais15.
Segundo os participantes da pesquisa, para a consumação desse instrumento, se faz necessário à aplicação de ferramentas, como a humanização, a empatia, a escuta ativa dos (as) profissionais de saúde para com os(as) usuários(as) do SUS e a corresponsabilização do cuidado. Além disso, é essencial para prover uma sensação de segurança aos(às) usuários(as), com os(as) profissionais e com o serviço de saúde16.
Por meio da empatia, o(a) enfermeiro(a) mantém a aproximação com o(a) usuários(as) e consegue transpor o mundo desse, e compreender seus sentimentos e frustrações. Portanto, o indivíduo deixa de ser alvo de críticas e julgamento e sente-se similar ao (à) profissional de saúde, e a relação entre estes se torna horizontalizada, proporcionando conforto e aconchego aos(às) usuários(as)17.
No campo da saúde mental, sabe-se que o sofrimento psíquico geralmente não se encontra explícito, mas encoberto por outras queixas, geralmente biológicas. Portanto, através da escuta ativa é possível identificar disfunções psíquicas e elaborar intervenções, proporcionando a resolubilidade das mesmas18.
Tendo em vista que o(a) usuário(a) deve protagonizar o seu processo de cuidado, o(a) enfermeiro(a) deve entendê-lo com um agente ativo e responsável pelo seu tratamento e reabilitação. Segundo o exposto, é viável afirmar que a corresponsabilização e a autogestão do cuidado são ferramentas primordiais para a efetivação do acolhimento, visto que o indivíduo se sente valorizado como ser humano e responsável por si próprio19.
O atendimento às demandas de saúde mental nos serviços de AB foi mencionado em diversos depoimentos como uma das potencialidades para a execução do acolhimento qualificado. Essa concepção parte da crítica ao modelo hospitalocêntrico, na tentativa de extinguir o modelo excludente dos indivíduos. Através da territorialização e regionalização da saúde é possível à ampliação da acessibilidade dos(as) usuários(as) aos serviços de saúde, uma vez que as UBS estão inseridas na comunidade, favorecendo o acesso. Isso facilita a continuidade do tratamento, a manutenção de vínculo dos(as) usuários(as) com o serviço e a universalidade da atenção à saúde, além de aumentar a satisfação dos(as) usuários(as), promover a equidade e produzir impactos positivos nos determinantes sociais e sanitários de saúde da comunidade adscrita20,21.
Outra estratégia evidenciada por alguns participantes que fortalece o acolhimento foi a busca ativa. Essa consiste na identificação de vulnerabilidades e a prevenção de potenciais riscos de crises, contando com o trabalho dos agentes comunitários de saúde. Através da visão ampliada sob os(as) usuários(as) e diante da observação empírica, torna-se viável a identificação de indivíduos em situação de sofrimento psíquico previamente, evitando a evolução para uma crise, o que oportuniza um serviço preventivo e resolutivo22.
Outra potencialidade para a efetivação do acolhimento na AB consiste na participação da família no cuidado, pois ela se caracteriza como o pilar daquele indivíduo e o influencia na busca ao serviço, na participação de atividades, na assiduidade e adesão ao tratamento. Para isso, é necessário que a família obtenha suporte e informações necessárias que auxiliem no cuidado de seus entes, através de grupos de apoio, oportunizando troca e exposição de experiências, sentimentos e aspirações. Além disso, o grupo de apoio deve ter proveito para sanar as dúvidas, os medos e os preconceitos da família em relação a esta demanda23.
O apoio matricial concedido às UBS pelo Núcleo Ampliado de Saúde da Família e Atenção Básica (NASF-AB) é indispensável para a execução do acolhimento, pois é um dos principais pontos de atenção extra-hospitalar da RAPS. Suas atividades são canalizadas em ações de promoção, prevenção e reabilitação da saúde para os(as) usuários(as) e em ações de cunho educacional para os(as) profissionais atuantes nas UBS. Diante deste suporte, se viabiliza a concretização de grupos terapêuticos, de projetos terapêuticos singulares e de demais intervenções acerca das demandas de saúde mental24.
Todos os pontos citados anteriormente enfatizam um mesmo elemento, o vínculo. Ele é evidenciado em todos os depoimentos dos participantes do estudo como um dos pontos centrais para a efetivação do acolhimento, pois através do mesmo é possível determinar uma relação de confiança e de segurança entre os(as) usuários(as) e o(a) profissional.
A AB dispõe de diversas potencialidades no que concerne o acolhimento às demandas de saúde mental. Portanto, é necessário que os(as) enfermeiros(as) as compreendam e as utilizem como suporte no seu processo de trabalho. É habitual constatar o despreparo de muitos(as) profissionais, não só da AB, para trabalhar com as demandas de saúde mental. Tal fato ficou evidente na fala de alguns dos participantes da pesquisa, que associaram essa pouca habilidade à privação da capacitação tanto na esfera da formação, quanto na de trabalho25.
Os problemas de cunho social dos(as) usuários(as), evidenciam-se como empecilhos para a efetivação do acolhimento, além de corroborarem na medicalização dessas pessoas e com a resistência da adesão ao tratamento. Acerca desses determinantes sociais os fatores socioeconômicos, atividades laborais com sobrecarga de honorário, más condições de trabalho, má alimentação, dificuldade financeira, má condição de moradia e os conflitos intrafamiliares são importantes para resistência e permanência no tratamento26.
Com relação à família e ao cuidado, há uma relação ambígua, pois, em determinadas circunstâncias se revela imprescindível para o cuidado exitoso, em outras, se expressa como um empecilho tornando o acesso e o tratamento prejudicado. Pelo o senso comum, a estereotipação desse público e o preconceito sobre a pessoa em situação de sofrimento psíquico são coeficientes limitantes no enfrentamento da circunstância pela família27. Assim, é factível reparar a resistência da família ao procurar apoio das UBS, além da dificuldade na persistência do tratamento e até mesmo o número significante de desistência e abandono do mesmo. Esses elementos podem provocar a retardação do diagnóstico, além da dificuldade da remissão e recuperação da enfermidade e no pior prognóstico, a recidiva e a cronicidade da doença.
Outra fragilidade mencionada pelos entrevistados foi à ausência de grupos terapêuticos voltados ao público de saúde mental. Geralmente os dias programados nas UBS para atender essa demanda se resumem a renovações de receitas de psicotrópicos e a dispensação dos mesmos, como apontam em suas falas. Raramente eles têm contato com o(a) usuário(a), o que ocasiona um prejuízo irreparável para a criação de vínculo e para a eficácia da assistência.
Tendo em vista a banalização da prescrição e distribuição dos psicotrópicos, é possível, através das falas dos(as) enfermeiros(as) entrevistados(as), constatar uma contrariedade corriqueira nas UBS, onde diversos(as) usuários(as) perpassam anos de tratamento com psicotrópicos, sem haver sequer o diagnóstico de qualquer transtorno mental. Geralmente restringe-se a renovações de receitas, sendo escassa a avaliação da evolução da doença e a tentativa do desmame medicamentoso.
Isso pode acarretar em efeitos nocivos a esses indivíduos, causando-os impregnação, ganho de peso, redução da expectativa de vida e até mesmo dependência química28. Em contrapartida, um problema comum nas UBS trata-se na escassez de medicamentos essenciais para o tratamento de seu transtorno mental, ocasionando a descontinuidade do tratamento, principalmente quando associado às dificuldades financeiras do(a) usuário(a)29.
Outro fator limitante para a realização do acolhimento de forma eficaz é a dificuldade na referência e contrarreferência com os serviços referenciados para o atendimento desse público. A ausência desse último rompe, de forma abrupta, o vínculo entre os(as) usuários(as) com os(as) profissionais das UBS, além da rotura da assistência integral do sujeito30. Logo, a insuficiência da referência e contrarreferência retrata um dos pontos de estrangulamento na RAPS do município de Campina Grande, onde não há integração entre os serviços.
Outro aspecto para promoção da articulação da RAPS é através do apoio matricial entre a equipe de AB e os outros serviços da rede como o NASF-AB31. Supõe-se que a carência desse dispositivo se dá devido à demanda exacerbada de usuários(as) que necessitam desse apoio, contrapondo com o número reduzido de NASF-AB e de profissionais atuantes nestes.
Por fim, a ausência de um fluxograma ou protocolo municipal de saúde mental e a dificuldade nas marcações de consultas tanto para psicólogos(as) como para psiquiatras e demais atendimentos se mostram como fragilidades para efetivação do acolhimento a esse público. O que acarreta na procrastinação de diagnóstico e tratamento, além de encaminhamentos inadequados e sobrecarga de alguns serviços em detrimento de outros.
Partindo dessa premissa, para que sejam efetivados o acolhimento e a assistência das demandas de saúde mental na AB, é primordial que os(as) enfermeiros(as) compreendam as fragilidades da AB e detenham um olhar crítico acerca dessas demandas e viabilizem a implementação de estratégias reestruturação da RAPS corroborando para uma integralidade das ações e permanência dessas pessoas no território.
As limitações do estudo se deram pela dificuldade da adesão integral dos profissionais durante a coleta, fator que interferiu na participação plena dos(as) enfermeiros(as); não é incomum chegar nas unidades de saúde e perceber o enfermeiro desenvolvendo múltiplas funções administrativas e assistenciais nos serviços, ademais intuímos que com uma amostra maior, poder-se-ia ter maior representatividade destes profissionais, outro fator limitante considerado pelos autores foi o recorte temporal de apenas um período de tempo. Contudo, percebeu-se resultados contundentes e provocadores de futuras reflexões que apontaram que a rede de Saúde Mental está fragilizada, uma vez que não consegue dar suporte às mais distintas demandas desde um simples acolhimento até uma Emergência Psiquiátrica, além de lançar olhares para as fragilidades no sistema de referência/contrarreferência e integralidade das ações prestadas às demandas de saúde mental.
CONCLUSÕES
A AB configura-se como um pilar da saúde mental e consiste em um componente completo e indispensável da RAPS. Para a qualificação de suas ações e de seu serviço, as UBS têm como dispositivo primordial o acolhimento. Este, por sua vez, corrobora com a criação de vínculo entre os(as) usuários e os(as) profissionais, com a resolutividade do serviço e a qualificação da assistência prestada a esses(as) usuários(as).
Por meio dos resultados desse estudo foi possível a identificação das principais estratégias utilizadas pelos(as) profissionais de AB no atendimento às demandas de saúde mental. Além disso, foi possível pontuar também quais as principais lacunas que ainda existem nesses serviços, sendo isso importante pois viabiliza uma possível mudança na assistência às pessoas com demandas de saúde mental na AB.
Atributos como humanização, empatia, escuta ativa e a corresponsabilização dos sujeitos são condições sinequanon para o êxito e operacionalização do acolhimento. Ademais, diante das falas constataram-se diversas potencialidades da AB para a efetivação do acolhimento, dentre elas a territorialização, a busca ativa, o apoio matricial do NASF-AB, o suporte da família no cuidado e o estabelecimento do vínculo entre os(as) profissionais e os(as) usuários(as).
Puderam-se observar também as limitações da AB para a efetivação do acolhimento às demandas de saúde mental, sendo elas o despreparo dos(as) profissionais atuantes nas UBS, os problemas sociais dos indivíduos, a relação conflitiva/ambígua da família no cuidado, que, por vezes, pode ser prejudicial, resultando na ausência de grupos terapêuticos, a medicalização das pessoas, e no déficit no apoio do NASF-AB e do sistema de referência e contrarreferência com os demais serviços.
Tendo isso em vista, foram mencionadas estratégias que os(as) voluntários(as) aspiram para que culmine na melhoria do acolhimento a demanda de saúde mental no município, como a interlocução entre os serviços, a elaboração de um fluxograma municipal em saúde mental, educação permanente para os(as) profissionais atuantes nos serviços e o apoio qualificado do NASF-AB junto às UBS. Diante das fragilidades expostas, torna-se possível à construção e implementação de intervenções que objetivem o aperfeiçoamento da assistência de enfermagem para esse público no campo da AB.
Através disso, o que se almeja é que a enfermagem se mostre atuante e primordial no acolhimento, assistência e acompanhamento das demandas de saúde mental. E, que, através de um trabalho interdisciplinar, contribua para transformar as UBS em serviços resolutivos e eficazes no tocante a esse público.