INTRODUÇÃO
As questões relacionadas ao envolvimento com álcool, tabaco e outras drogas têm sido discutidas pela literatura de forma ampla. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) evidenciam que o envolvimento com essas substâncias é fator de risco relacionado à saúde, e está entre os vinte mais frequentes, sendo causa de um número considerável de mortalidade e de incapacidade na população global 1.
O uso de drogas tem influenciado para a ocorrência da transição epidemiológica, situação na qual a adoção de novos comportamentos e estilos de vida influenciam nas questões epidemiológicas de morbidade e mortalidade. Conforme dados da Organização Pan-Americana da Saúde divulgados em relatório sobre epidemiologia do uso de drogas na América Latina e Caribe, os transtornos causados pelo uso de drogas atingem 4,4 milhões de homens e 1,2 milhões de mulheres, sendo que mais de 9 mil pessoas morreram no ano de 2004 em decorrência da overdose e outros transtornos causados pelas drogas 2 , 3.
No Brasil, o comportamento relativo ao envolvimento com substâncias psicoativas é complexo, dada a amplitude de índices de prevalência de uso da população, pois, com exceção do álcool e tabaco, 22,8% da população brasileira afirmou o envolvimento com qualquer tipo de droga alguma vez na vida. Numa perspectiva regional, este índice é próximo ao do Chile (23,4%) e inferior aos Estados Unidos (45,8%) 2 , 3.
Ainda, observa-se que esse comportamento é demonstrado nas internações hospitalares que ocorrem em decorrência de transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool e de outras substâncias psicoativas, informações obtidas por meio do Ministério da Saúde do Brasil, através do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) 4revelam essa situação, que estão descritas na Tabela 1 .
Brasil | Região Norte | Região Nordeste | Região Sudeste | Região Sul | Região Centro-Oeste | |
---|---|---|---|---|---|---|
2014 | 90.501 | 2.115 | 12.949 | 33.952 | 34.951 | 6.534 |
Homens | 76.249 | 1.685 | 11.461 | 27.340 | 30.238 | 5.525 |
Mulheres | 14.252 | 430 | 1.488 | 6.612 | 4.713 | 1.009 |
2015 | 81.540 | 1.782 | 11.861 | 28.403 | 33.467 | 6.027 |
Homens | 69.089 | 1.442 | 10.499 | 23.183 | 28.904 | 5.061 |
Mulheres | 12.451 | 340 | 1.362 | 5.220 | 4.563 | 966 |
2016 | 74.482 | 1.451 | 11.234 | 24.519 | 32.032 | 5.246 |
Homens | 62.808 | 1.178 | 9.926 | 19.814 | 27.512 | 4.378 |
Mulheres | 11.674 | 273 | 1.308 | 4.705 | 4.520 | 868 |
2017 | 76.578 | 1.360 | 11.182 | 24.285 | 34.170 | 5.584 |
Homens | 64.014 | 1.059 | 9.775 | 19.388 | 29.354 | 4.438 |
Mulheres | 12.564 | 301 | 1.407 | 4.897 | 4.816 | 1.146 |
2018 | 79.702 | 1.244 | 11.250 | 26.376 | 34.952 | 5.880 |
Homens | 65.879 | 922 | 9.730 | 20.929 | 29.659 | 4.639 |
Mulheres | 13.823 | 322 | 1.520 | 5.447 | 5.293 | 1.241 |
O envolvimento do ser humano com uma substância psicoativa pode ser inofensiva, contudo, há possibilidade de assumir característica maléfica importante, a ponto de acarretar em prejuízos biológicos, psicológicos e sociais, fato que caracteriza um problema de saúde pública 5. O envolvimento com o álcool, por exemplo, influencia o comportamento do usuário de maneira agressiva, de modo que a violência física e verbal são situações possíveis nas relações familiares e sociais 6.
A OMS definiu o termo droga, como “qualquer substância não produzida no organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas causando alterações em seu funcionamento” 7.
Todavia, é importante ressaltar que, por si só, uma droga não pode ser classificada como boa ou como má. Algumas substâncias são consideradas medicamentos, e são utilizadas com efeito benéfico durante o tratamento necessário, mas, também existem outras substâncias que provocam malefícios, e ainda, uma mesma substância pode assumir papel benéfico em certas ocasiões e maléficos em outras 5.
Dentre as pessoas que apresentam envolvimento com substâncias, cita-se o envolvimento de estudantes universitários, onde esse envolvimento é intenso e frequente, quando comparado com outras parcelas da população. Estudo publicado em 2010, revelou que quase 49% dos universitários pesquisados, pelo menos uma vez na vida, já haviam experimentado alguma droga ilícita, e, dentre os menores de idade, 80% afirmaram histórico de envolvimento com algum tipo de bebida alcoólica 8.
Aos universitários, a adoção de comportamentos de risco à saúde, como o envolvimento com álcool, tabaco e outras substâncias, pode estar relacionado com a susceptibilidade na qual estão expostos, decorrente de situações tomadas por sentimentos e angústias, como a separação do núcleo familiar, aumento e imposição de responsabilidades, exaustão decorrente das atividades acadêmicas, incertezas frente ao futuro profissional e pessoal e a auto cobrança 9. É um período crítico de vida, cercado por mudanças físicas e psicossociais 10.
Assim, justifica-se a importância da realização deste estudo, no qual a compreensão da dimensão das questões relacionadas ao uso de substâncias pela população universitária poderá auxiliar no embasamento para implantação de práticas preventivas. Este estudo teve por objetivo identificar o quantitativo de estudantes universitários que vivenciam o envolvimento com o álcool, o tabaco e ou outras substâncias, e avaliar a ocorrência e nível de dependência por álcool, tabaco e ou outras substâncias nos mesmos.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de extrato de uma pesquisa de levantamento, exploratória, descritiva, de abordagem quantitativa.
O estudo foi realizado em uma instituição de ensino superior localizada em cidade do centro-oeste do estado de São Paulo, Brasil. A população de estudantes universitários regularmente matriculados na instituição de ensino em 2017 era de 2.164, sendo que a amostra calculada com grau de confiança de 95%, e margem de erro de 5% foi de 326 participantes. Participaram 416 estudantes universitários, que compuseram a amostra final.
Optou-se por um modelo de amostragem probabilística aleatória estratificada proporcional, para que houvesse representantes dos cursos de graduação oferecidos pela instituição, a saber: Administração, Análise de Sistemas, Ciências da Computação, Ciências Contábeis, Direito, Enfermagem, Fotografia, Medicina, Publicidade e Propaganda e Química.
Todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando a participação e, após, responderam os instrumentos respectivos a esta pesquisa, de acordo com a legislação específica para pesquisas com seres humanos 11.
A coleta de dados se deu no decorrer do 3º trimestre de 2017, em salas de aula ou espaços internos da instituição, que proporcionassem privacidade para o desenvolvimento da mesma. Houve a aplicação de questionário semiestruturado, elaborado pelos autores, para identificação de dados sócio demográficos e o Questionário para Triagem do Uso de Álcool, Tabaco e Outras Substâncias, um instrumento desenvolvido por pesquisadores de vários países, coordenado pela OMS, para identificação do envolvimento, frequência de uso e dependência do álcool, tabaco e/ou outras substâncias. A validação deste instrumento se deu por estudo de confiabilidade teste-reteste (coeficiente Kappa entre 0,58 a 0,90) 12.
O Questionário para Triagem do Uso de Álcool, Tabaco e Outras Substâncias aborda nove classes de substâncias psicoativas, a saber tabaco, álcool, maconha, cocaína, estimulantes, sedativos, inalantes, alucinógenos e opiáceos, através de oito questões que verificam o uso da substância, a frequência de uso, a urgência em consumir, problemas em decorrência do uso de drogas, interferência nas atividades diárias, preocupação de outras pessoas pelo uso da substância, histórico de tentativa para interrupção do uso da substância e o uso de drogas injetáveis 12. Os participantes deste estudo dedicaram, em média, quinze minutos para responder aos questionários.
Os dados foram analisados com uso de análise estatística descritiva e de acordo com as instruções para aplicação do instrumento selecionado. Também foi realizado o teste de Qui-Quadrado de Pearson, no Software SPSS versão 20.0, para verificar as diferenças existentes entre o sexo e o envolvimento com substâncias. A pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Amaral Carvalho, sob Parecer número 2.105.041, de 07 de junho de 2017.
RESULTADOS
Este estudo contou com a participação voluntária de 416 estudantes universitários, sendo que 245 (58,9%) eram do sexo feminino e 171 (41,1%) do sexo masculino. Demais dados a respeitos da caracterização dos participantes estão descritos na Tabela 2 .
Características dos participantes | n | (%) |
---|---|---|
Sexo | ||
Masculino | 171 | (41,1%) |
Feminino | 245 | (58,9%) |
Orientação sexual | ||
Heterossexual | 379 | (91,1%) |
Homossexual | 18 | (4,3%) |
Bissexual | 10 | (2,4%) |
Cor de pele | ||
Branca | 336 | (80,8%) |
Parda | 60 | (14,4%) |
Preta | 13 | (3,1%) |
Amarela | 4 | (1,0%) |
Indígena | 1 | (0,2%) |
Estado civil | ||
Solteiro | 367 | (88,2%) |
Casado | 25 | (6,0%) |
União Estável | 15 | (3,6%) |
Divorciado | 6 | (1,4%) |
Viúvo | 1 | (0,2%) |
Faixa etária | ||
17 – 26 anos | 336 | (80,8%) |
27 – 36 anos | 46 | (11,1%) |
37 – 46 anos | 12 | (2,9%) |
47 – 58 anos | 16 | (3,9%) |
A partir dos índices de envolvimento, obtidos por meio da aplicação do instrumento selecionado para este estudo e cálculo de frequência relativa a afirmação do envolvimento com as substâncias, os índices de dependência são classificados em baixo risco para dependência, risco moderado para a dependência e alto risco para dependência.
Como resultados, os índices gerais de envolvimento e o tipo de drogas são: 140 (30%) para derivados do tabaco, 303 (66%) para bebidas alcoólicas, 89 (19%) para maconha, 32 (7%) para cocaína/crack, 24 (5%) para anfetaminas ou êxtase, 30 (7%) para inalantes, 45 (10%) para hipnóticos/sedativos, 36 (8%) para alucinógenos, e 9 (2%) para opióides.
Destes, os riscos para dependência, em índices gerais, evidenciaram alto risco para dependência em algumas substâncias, entre elas os derivados do tabaco (2%), bebidas alcóolicas (2%), e maconha (1%). O risco moderado para dependência foi identificado em todas as substâncias, sendo os índices apresentados em 35% para derivados do tabaco, 17% para bebidas alcóolicas, 39% para maconha, 16% para cocaína/crack, 21% para anfetaminas, 16% para inalantes, 24% para hipnóticos/sedativos, 53% para alucinógenos, e 56% para opióides. O envolvimento com baixo risco de dependência apresentou-se em 59% para derivados do tabaco, 81% para bebidas alcóolicas, 60% para maconha, 84% para cocaína/crack, 79% para anfetaminas, 83% para inalantes, 76% para hipnóticos/sedativos, 47% para alucinógenos, 44% para opióides.
No intuito de identificar o comportamento dos estudantes universitários em relação ao uso de drogas e a relação com alguns dados sociodemográficos, foi possível observar que, em relação ao sexo, os homens apresentam maior índice de envolvimento para a grande maioria das substâncias, sendo a única exceção os hipnóticos, que apresentaram maior índice de envolvimento entre as mulheres. Ainda, é possível afirmar que há associação estatística sobre o comportamento de homens e mulheres e o envolvimento com derivados do tabaco, bebidas alcóolicas, cocaína/crack e opióides (p<0,05). Para as demais substâncias, aceita-se a hipótese nula, na qual o envolvimento com as mesmas não está relacionado ao sexo ( Tabela 3 ).
Sustância | Masculino (171) | Feminino (245) | Valor p |
---|---|---|---|
Derivados do tabaco | 66 (38,6%) | 69 (28,2%) | 0,025 |
Bebidas alcóolicas | 126 (73,7%) | 51 (61,6%) | 0,010 |
Maconha | 41 (24,0%) | 42 (17,1%) | 0,086 |
Cocaína/Crack | 19 (11,1%) | 10 (4,1%) | 0,006 |
Anfetaminas | 9 (5,3%) | 14 (5,7%) | 0,843 |
Inalantes | 14 (8,2%) | 13 (5,3%) | 0,241 |
Hipnóticos | 14 (8,2%) | 28 (11,4%) | 0,280 |
Alucinógenos | 17 (9,9%) | 17 (6,9%) | 0,271 |
Opióides | 6 (3,5%) | 2 (0,8%) | 0,049 |
*Preuba chi cuadrado de Pearson
Contudo, importante dado a ser observado se refere aos riscos de dependência das substâncias, onde o alto risco para os derivados do tabaco é igual para todos, maior entre os homens para bebidas alcóolicas e maior entre as mulheres para a maconha. Ainda, as mulheres apresentam maior risco moderado para dependência em quase todas as substâncias, quando comparado o risco moderado para dependência entre os homens ( Gráfico 1 ).
Outra análise neste estudo se refere a possível influência do turno de estudo sobre o envolvimento e risco para dependência de substâncias, onde, para os três modos de turnos, a saber matutino, integral e noturno, apresentaram índices de envolvimento. Para as bebidas alcóolicas, maconha e opióides, os estudantes em turno matutino apresentaram maior índice de envolvimento. Para derivados do tabaco, inalantes e alucinógenos os mais altos índices de envolvimento são para alunos de turno integral. E para cocaína/crack, anfetaminas, hipnóticos e opióides, os maiores índices de envolvimento são por estudantes do período noturno. Ressaltamos que as informações sobre ocorrências de envolvimento menores que 10%, e com risco baixo de dependência, foram excluídas da tabela ( Tabela 4 ).
Substância | Variável | Envolvimento n (%) | Risco de dependência | |
---|---|---|---|---|
Risco moderado | Risco alto | |||
Derivados do tabaco | ||||
Bebidas alcóolicas | ||||
Maconha | ||||
Cocaína/Crack | ||||
Inalantes | ||||
Hipnóticos | ||||
Alucinógenos | ||||
As ocorrências de envolvimento menores que 10% e os riscos de dependência foram para cocaína/crack (matutino 5% de envolvimento, sem risco para dependência), inalantes (matutino 2% de envolvimento, sem risco para dependência).
Dessa forma, é possível observar o envolvimento de substâncias ilícitas entre estudantes universitários em todos os turnos de estudo.
Em relação aos cursos de graduação, os índices de envolvimento com as substâncias são maiores em alunos do curso de Análise de Sistemas para derivados do tabaco (45%), maconha (35%) e cocaína/crack (17%). Uso de bebidas alcóolicas apresentou maior índice por alunos do curso de Fotografia (92%), inalantes em graduandos em Ciências da Computação (11%) e Medicina (11%), hipnóticos em graduandos em Administração (16%), e alucinógenos (14%) e opióides (8%) por graduandos em Ciências da Computação. Importante ressaltar que o índice de envolvimento com bebidas alcóolicas foi maior que 50% para alunos de todos os cursos de graduação.
Na análise do risco de dependência ( Tabela 5 ), foram excluídas as informações que não apresentaram risco alto.
Substância/variável | Envolvimento n (%) | Risco de dependência | |
---|---|---|---|
Risco moderado | Risco alto | ||
Derivados do tabaco | |||
Bebidas alcóolicas | |||
Maconha | |||
O alto risco para dependência de substâncias foi presente para derivados do tabaco, bebidas alcóolicas e maconha, sendo que, para as duas primeiras substâncias os graduandos em Análise de Sistemas apresentam maior índice de alto risco de dependência, e para a maconha, apresentaram maior índice de alto risco de dependência os graduandos em Direito.
Derivados do tabaco, bebidas alcóolicas, maconha e inalantes evidenciaram o envolvimento em estudantes da instituição selecionada para o estudo, de forma que houveram estudantes de todos os cursos de graduação.
DISCUSSÃO
Nesta pesquisa, foi possível observar que houve envolvimento dos universitários com todas as substâncias psicoativas. O uso das substâncias é maior na vida acadêmica, embora sua origem de uso tenha início durante a adolescência na faixa dos 13-14 anos, porém, na vida universitária, seu uso começa se tornar constante e perigoso, havendo maior susceptibilidade à adoção de práticas adversas à saúde por jovens 13 - 16.
No Brasil, 86,2% dos universitários já tiveram contato com bebida alcoólica, 46,7% com tabaco e 26,1% com maconha durante os últimos 12 meses 5. Neste estudo, 30,3% dos universitários tiveram contato com as substâncias derivadas do tabaco, 65,6% bebidas alcoólicas, 19,3% para maconha, permitindo a afirmação de menor índice de envolvimento com as substâncias citadas, contudo, os índices ainda são altos.
No estado de Minas Gerais, no ano de 2013, o uso do álcool e outras drogas por universitários também foi presente, sendo o álcool a substância de maior índice de consumo (65,8%), situação bastante semelhante a apresentada neste estudo. O envolvimento com o tabaco foi menor que a metade (11,4%), frente aos 30,3% de universitários que afirmam envolvimento com essa substância neste estudo. Outras substâncias como a maconha, inalantes, cocaína e hipnóticos são as substâncias ilícitas mais consumidas no estudo citado. Importante observar que, ainda em Minas Gerais, 77% dos usuários de álcool afirmaram associar o uso a outras substâncias, como tabaco, estimulantes, maconha, cocaína/crack, anfetaminas, alucinógenos e hipnóticos 17.
Este cenário de presença de envolvimento de substâncias não é restrito aos universitários brasileiros. Estudo que comparou o uso das substâncias psicoativas entre universitários brasileiros e universitários norte-americanos revela pequena semelhança para substâncias derivados do tabaco (41,7-49,0%), bebidas alcoólicas (88,0-90,0%), maconha (22,9%-31,0%) 18.
Na Colômbia, estudo realizado com estudantes universitários, no ano de 2010, evidenciou uso de menor frequência, comparado a pesquisa acima. O tipo de substância e a frequência de consumo atual foram de: álcool (61,69%), tabaco (16,40%) e maconha (3,05%) 19.
Neste estudo, não foi objetivo, e, portanto, não fora investigado o(s) motivo(s) para primeiro contato com substâncias psicoativas, contudo, a literatura disponível inclui problemas de relacionamentos entre pais e filhos, circunstâncias de conflitos, problemas na comunicação familiar, privação da preocupação e acompanhamento dos filhos, necessidade de adaptação a um ambiente desconhecido, formação de novas amizades, novas formas de lazer, preocupações com os desafios da vida acadêmica e com a inserção no mercado de trabalho 10 , 17 , 20 - 21.
Em relação ao sexo, é notável, nesta pesquisa, que as mulheres apresentaram envolvimento com todas as substâncias. Quando comparado com os índices de envolvimento entre os homens pode-se observar que há pouca diferença, porém, quando se trata de riscos para a dependência, a mulher apresenta maiores índices.
O aumento, em todo o mundo, do envolvimento, seja ele em tráfico ou consumo de drogas, entre as mulheres tem sido amplamente discutido na literatura. Um aumento significativo quando comparado aos homens. É um problema social e de saúde que culmina na necessidade de fortalecimento das políticas para as mulheres e da política de atenção integral a usuários de álcool e outras substâncias 20 , 22 - 25.
Dados nacionais apontam a relação entre o envolvimento das substâncias e o sexo, sendo que o envolvimento com derivados do tabaco em universitários do sexo masculino foi de 31,8%, e para o sexo feminino foi de 24,8%, com inalantes em universitários do sexo masculino foi de 9,1%, e 4,7% para o sexo feminino, cocaína/crack foi de 4,8% para universitários do sexo masculino e 1,6% para os do sexo feminino, e quanto a maconha, 19,8% em universitários do sexo masculino e 9,2 para o sexo feminino 5.
Observa-se importante discrepância nos dados, contudo, deve-se considerar a possibilidade de mudança de comportamento desses universitários sobre a época da realização do levantamento nacional e os dias atuais.
Estudo realizado em Portugal, que avaliou o comportamento de risco de jovens universitários quanto ao consumo de substâncias psicoativas, analisou estudantes universitários do sexo masculino (85) e do sexo feminino (222), na análise do Qui-quadrado a relação entre o consumo de outras substâncias e o sexo e apontou que não havia relação significativa entre o uso da substância e o sexo, com exceção ao consumo de álcool, onde o consumo no sexo feminino foi maior 26.
Assim, observa-se um cenário internacional semelhante ao cenário encontrado na instituição onde este estudo foi realizado.
Todavia, ainda existe diferenças importantes entre países. Dados de pesquisa realizada entre universitários brasileiros e universitários norte-americanos, que evidenciou menor envolvimento com maconha, tanto para homens (29,0% e 40,0%) quanto para mulheres (17,3% e 26,0%) brasileiros, e maior envolvimento por universitários norte-americanos 16.
Importante observar que era bem comum, historicamente, os homens se envolverem mais com substâncias psicoativas. Porém, com o passar do tempo e a inserção do papel social da mulher, este número está sendo invertido. Esse aumento pode ser justificado pela influência da mídia, que relaciona o uso das substâncias psicoativas a beleza, a riqueza e ao sucesso profissional 27.
Hoje, o envolvimento com estas substâncias não é restrito, ou de grande envolvimento, a apenas um gênero, mas tem sido evidenciado como uma questão heterogênea.
Sobre o período de estudo, este evidencia diferenças importantes no envolvimento de substâncias por estudantes universitários. Estudantes em turno matutino apresentaram maiores índices de envolvimento para as bebidas alcóolicas, maconha e opióides. Estudantes em período integral apresentaram maior índice de envolvimento ara derivados do tabaco, inalantes e alucinógenos. E, para cocaína/crack, anfetaminas, hipnóticos e opióides, os maiores índices de envolvimento são por estudantes do período noturno.
Observa-se semelhança aos dados desse estudo e de levantamento brasileiro publicado em 2010 para estudantes de período integral, que apontou maior índice de envolvimento de estudantes em período integral para substâncias derivadas do tabaco (35,7%) e alucinógenos (5,3%) 8.
Na literatura disponível, a abordagem sobre o período de estudos e o envolvimento com substâncias é tratado de forma geral, entretanto, existe a necessidade de produção, apresentação de resultados e discussão acerca do envolvimento de substâncias pela população universitária em diferentes períodos, a saber, diurno, integral e noturno 28.
Neste estudo, ainda foi possível analisar os universitários quanto ao curso de graduação no qual estavam matriculados. Universitários dos cursos na área de exatas apresentaram maior frequência de maior índice de envolvimento com substâncias, entre elas as derivadas do tabaco (45%), maconha (35%), cocaína/crack (17%), anfetaminas (9%), inalantes (11%), alucinógenos (14%), opióides (8%). Na área de humanas, o uso de hipnóticos (16%) e bebidas alcóolicas (92%) apresentaram maior índice quando comparadas as demais áreas.
Sobre o risco de dependência, o alto risco foi presente para universitários dos cursos de exatas em derivados do tabaco (19%), bebidas alcóolicas (16%), universitários dos cursos de humanas em maconha (3%), e em igual índice de alto risco, universitários das áreas de exatas e humanas para cocaína (50%).
O risco moderado para dependência de substâncias apresentou maior índice para universitários dos cursos de humanas em anfetaminas (100%), alucinógenos (100%) e opióides (100%), e para alunos dos cursos de exatas e humanas em igual índice para inalantes (50%) e hipnóticos (100%).
Importante ainda ressaltar que, mesmo em menores índices, para todos os cursos, das áreas de exatas, humanas e saúde, haviam universitários classificados como risco moderado para dependência de alguma substância.
O I Levantamento Nacional sobre o Uso de Álcool, Tabaco e Outras Drogas revelou o maior envolvimento com derivados do tabaco para universitários dos cursos de humanas (29.9%), e 74,7% para envolvimento de bebidas alcóolicas por universitários de exatas 8.
Estudo realizado na Bahia também revelou alto índice de envolvimento com álcool entre as áreas de humanas (46,6%), saúde (37,2%) e exatas (16,3%). E, quanto ao consumo do tabaco evidenciou os universitários segundo alto risco, na área de humanas 35,7%, saúde 46,4% e exatas 17,9% 28.
Nota-se uma tendência de maior envolvimento com substâncias entre universitários das áreas de humanas e exatas em nosso estudo e em outros estudos sobre a temática 8 , 29 - 30.
Todavia, outros estudos que abordam a temática em demais áreas de conhecimento demonstram o significativo envolvimento de universitários com álcool, tabaco e outras substâncias 31.
Ainda, discute-se que, no ambiente universitário, parece haver uma romantização em relação ao uso de drogas, experimentação de novas vivências e de novos estados de consciência. Além dessa esfera de pensamento, observar-se a facilidade de acesso a estas substâncias, seja por meio das festas que promovem o uso do álcool (open bar), variáveis sociais e culturais 28.
De fato, quando se compara o comportamento, entre a população universitária e a população geral, frente ao uso de álcool e outras drogas, é possível observar uma frequência de uso superior pela população universitária 32 - 33.
Desse modo, a necessidade de construção de políticas institucionais relacionadas ao uso de álcool e outras drogas é evidenciada devido altos índices de envolvimento nesta população, todavia, a construção dessa política deve abraçar vários atores (estudantes, docentes e funcionários), garantindo o protagonismo a todos, tornando a construção dessa política um processo aberto e participativo, que promova o diálogo 34.
A limitações do estudo são consequência de recorte metodológico de dada realidade e não do todo, no sentido de melhor compreendê-lo em cada região brasileira, porém é importante considerar o fato exposto, quando outras pesquisas realizadas têm evidenciado cenário semelhante frente a situação aqui exposta.
Dessa forma, recomenda-se a realização de mais estudo acerca da temática, que apresentem diferentes realidades e forneçam contribuições para a prevenção e identificação precoce do envolvimento com substâncias psicoativas, a fim de não haver ocorrência de dependência dessas substâncias pela população.
CONCLUSÕES
A presente pesquisa apresenta dados preocupantes, pois o envolvimento de universitários com álcool, tabaco e outras substâncias é real e intenso. Além do envolvimento, o risco para dependência dessas substâncias se caracteriza como grande problema social e de saúde. Diante do exposto, salienta-se a necessidade de políticas e programas institucionais que abordem de forma direta a temática relacionada ao envolvimento de álcool, tabaco e outras drogas, e que nesse movimento, sejam atores a gestão da instituição, os docentes, os estudantes, os funcionários e a comunidade.