INTRODUÇÃO
No mundo, nascem aproximadamente 15 milhões de prematuros que representa pouco mais de um a cada 10 neonatos1. No Brasil, em 2014, do total de nascidos vivos (aproximadamente dois milhões), 11,24% foram prematuros e 8,26% nasceram com baixo peso, independentemente da idade gestacional. Já no estado do Rio Grande do Sul (RS), foram 143.318 nascidos vivos, com uma porcentagem de 11,5% de prematuros e 9,26% com baixo peso ao nascer2. O baixo peso ao nascimento, associado à prematuridade, é responsável por cerca de 60% a 80% das mortes neonatais3. Algumas complicações, que podem levar ao óbito neonatal nesses casos, estão relacionadas a complicações respiratórias, metabólicas, nutricionais e de termorregulação4.
O avanço das tecnologias duras utilizadas para prestar uma assistência especializada aos recém-nascidos (RN), especialmente aos recém-nascidos pré-termo (RNPT), de baixo peso (RNBP) e muito baixo peso, têm influenciado na diminuição do número de óbitos perinatal e neonatal3.
Contudo, essa complexidade exigida, pode dar origem a um cuidado tecnicista por parte da equipe de saúde, podendo inviabilizar a formação de laços afetivos entre pais e filhos, bem como de um apego seguro no bebê5,6.
Nesse sentido, surge em 1979, na cidade de Bogotá na Colômbia, o Método Canguru (MC) como uma tentativa de aprimorar os cuidados ao RNPT, promover a estabilidade térmica através do contato pele a pele e o maior vínculo afetivo7,8. Na década de 90, a utilização do MC foi observada pela primeira vez no Brasil no hospital Guilherme Álvaro e no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, localizados nos estados de São Paulo e Pernambuco, respectivamente8.
Ressalta-se que o MC é dividido em três etapas: identificação da gestante com risco de dar à luz um bebê RNPT ou RNBP; promoção da posição canguru a partir da estabilidade clínica do RN e segurança da mãe; e acompanhamento do RN e família, após a alta hospitalar, por profissionais da saúde9. A posição canguru consiste em promover o contato pele a pele do RN (despido, utilizando somente fraldas e posicionado na posição vertical) com seus pais/familiares, pelo tempo em que ambos se sintam confortáveis4.
No ano 2000, o Ministério da Saúde, com o intuito de aperfeiçoar as práticas humanizadas no cuidado prestado ao RN e de fortalecer o elo pais/bebês por meio de maior contato entre eles, apresentou a importância da adoção do MC como política pública, através da publicação da Norma de Atenção Humanizada ao Recém-nascido de baixo peso – Método Canguru4.
Dessa forma, o MC é indicado para melhorar o vínculo entre mãe/pai e filho promovendo a participação dos mesmos nos cuidados com o RN. Além disso, está associado à promoção do aleitamento materno, permitindo maior frequência, periodicidade e duração, redução de estresse e de dor do recém-nascido, ao aumento da confiança dos pais em relação aos cuidados prestados ao filho, à redução de infecção hospitalar, ao adequado controle térmico do bebê e ao melhor relacionamento da família com a equipe de saúde4,10.
Diante das indicações e benefícios do MC, é indispensável que sua realização encontre-se embasada no conhecimento científico e na humanização, sendo necessária a qualificação da equipe de saúde por meio da Educação Permanente em Saúde (EPS). O Ministério da Saúde disponibiliza um curso de 40 horas nos centros de referência nacional ou estadual, o qual formam tutores, que são responsáveis por multiplicar o conhecimento às equipes da sua instituição11. O curso utiliza a metodologia de ensino-aprendizagem baseada em problemas, o que vai ao encontro dos pressupostos da EPS, que defende a transformação das práticas profissionais por meio da aprendizagem por situações vivenciadas no cotidiano do serviço em saúde, e dessa forma, possibilita que os profissionais se sintam partícipes do processo de trabalho11,12.
Diante disso, o estudo apresenta como justificativa a relevância em conhecer o preparo de uma equipe de saúde, a partir de ações de EPS, desenvolvidas pela instituição empregadora, para o contexto de trabalho, com vistas ao reconhecimento da perspectiva dos profissionais acerca das estratégias adotadas, bem como os limites e possibilidades da prática do método. Desta forma definiu-se para este estudo a seguinte questão de pesquisa: como a equipe de saúde de uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Neonatal, vem trabalhando com o método canguru a partir das ações de educação permanente? Diante do exposto, o presente estudo objetivou conhecer o contexto em que o método canguru é desenvolvido em uma UTI Neonatal a partir das ações de Educação Permanente em Saúde.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa do tipo exploratório, realizado em uma UTI Neonatal de um hospital universitário, localizado no interior do Rio Grande do Sul (RS), o qual implementou a unidade de método canguru no ano de 2015. A UTI Neonatal dessa instituição é composta por 10 leitos de alto risco e 13 leitos intermediários, onde estão incluídos quatro leitos do método canguru. A equipe do setor é composta por oito médicos, 25 enfermeiros, 39 técnicos de enfermagem, cinco auxiliares de enfermagem, dois fonoaudiólogos, cinco fisioterapeutas e um nutricionista.
Os critérios de inclusão para participar da pesquisa foram: trabalhar na UTI Neonatal há mais de 12 meses, visto que esse era o tempo necessário para ter vivenciado o período que antecedeu a implantação do método e; ter participado de capacitação sobre o método canguru durante esse período. Foram excluídos os profissionais que estavam afastados por atestado, licença, férias ou qualquer outra espécie de afastamento das atividades no período de realização da coleta de dados.
Salienta-se que no período de coletas de dados, outubro e novembro de 2016, do total de 85 profissionais que estavam trabalhando na UTI neonatal, oito possuíam menos de 24 meses de instituição, dois estavam afastados e três não aceitaram participar da pesquisa. Ainda, devido ao número elevado de profissionais que atenderam aos critérios de inclusão, que foram 68 profissionais, optou-se por amostra de conveniência até a saturação dos dados. A saturação de dados é definida quando as informações necessárias para atingir o objetivo se repetem13. A coleta por conveniência deu-se a partir da disponibilidade dos profissionais nas datas e horários em que a pesquisadora foi a campo, sendo alternada nos três turnos de trabalho, para que pudessem ser inclusos participantes de todos os turnos. Dessa forma, participaram do estudo, 12 profissionais da equipe de saúde.
A coleta de dados ocorreu por meio de entrevista semiestruturada. As entrevistas foram previamente agendadas de acordo com a disponibilidade dos participantes, e realizadas em sala reservada para garantir privacidade. As entrevistas foram gravadas em áudio através de gravador digital e após foram transcritas na íntegra. Os dados foram armazenados em CD room, e ficaram sob responsabilidade das pesquisadoras.
A entrevista foi composta por dados sociodemográficos: idade, sexo, profissão, tempo de instituição, tempo de serviço e titulação; e por oito perguntas norteadoras a fim de responder aos objetivos da pesquisa, as quais abrangeram a definição do método canguru, a participação em capacitações e suas contribuições, o desenvolvimento do método canguru em equipe, a organização da equipe, as dificuldades encontradas e as sugestões dos colaboradores.
Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo de Bardin14. O objetivo da análise pode-se resumir em manipulação das mensagens, tanto do conteúdo quanto da expressão desse conteúdo, para evidenciar indicadores que permitam deduzir outras realidades que não a da mensagem, conhecendo aquilo que está implícito por trás das palavras4. Para melhor utilização do método, a análise do conteúdo organiza-se em torno de três polos cronológicos: a pré-análise; a exploração do material e o tratamento dos resultados: a inferência e a interpretação14.
Desta forma, os dados coletados foram transcritos e, logo após, foi realizada uma leitura breve e superficial, com o objetivo de identificar os aspectos mais notórios dos resultados. Na etapa de exploração do material, as entrevistas transcritas foram analisadas pausadamente, por quatro vezes, onde foram apontados com lápis pontos relevantes. Assim, emergiram três categorias de acordo com os objetivos do estudo. Nesse momento, foi utilizada a cromatografia, em que os trechos das falas que correspondiam a determinada categoria foram marcados com cores diferentes (rosa, azul, verde e amarelo), determinadas anteriormente através de uma legenda.
Para o tratamento dos resultados, inferência e interpretação, os resultados brutos, passam por operações estatísticas simples ou mais complexas a fim de ressaltar as informações obtidas. Após, foram feitas inferências e interpretações conforme os objetivos previstos e/ou indicando novas possibilidades. Já nessa última fase, foi realizado o recorte dos trechos das falas que contemplavam as categorias que estavam separadas em uma folha de ofício e organizadas por ordem de pergunta. Após foi iniciada a análise e discussão dos dados encontrados, com a literatura pertinente à temática.
O presente estudo foi desenvolvido conforme a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que assegura os direitos e deveres aos participantes da pesquisa, à comunidade cientifica e ao Estado15. A pesquisa foi autorizada pela instituição em estudo e pelo Comitê de Ética em Pesquisa em 10 de dezembro de 2016, conforme o termo consubstanciado, sob o número Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 58603116.4.0000.5346. Os participantes foram esclarecidos em relação aos objetivos da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A confidencialidade dos participantes foi assegurada pela utilização do código de identificação, letra P, seguida de número crescente, na ordem em que as entrevistas foram realizadas.
RESULTADOS
Participaram da pesquisa 12 profissionais da equipe de saúde (seis técnicas em enfermagem, três enfermeiras, uma fonoaudióloga, uma fisioterapeuta e uma auxiliar em enfermagem). Todos eram do sexo feminino. Quanto à idade, quatro (33,3%) tinham entre 25 e 29 anos, uma (8,3%) entre 30 e 34 anos, seis (50%) de 35 a 39 anos e outra participante (8,3%) possuía mais de 40 anos.
No que se refere à formação, duas participantes (16,6%) eram mestres, três (25,1%) eram doutoras e sete (58,3%) não haviam realizado especializações lato ou stricto sensu. O tempo de formação apresentou variação entre três e 25 anos, sendo que três (25%) tinham entre três e seis anos, duas (16,7%) de sete a 10 anos, quatro (33,3%) entre 11 e 15 anos, e três (25%) de 16 a 25 anos. No que tange ao tempo de serviço na instituição em estudo, oito (66,7%) das participantes trabalham no local há um período entre um e dois anos, uma (8,3%) entre dois a quatro anos e outras três (25%) estão vinculadas ao hospital há mais de quatro anos.
Na análise das entrevistas, emergiram três categorias, as quais foram descritas a seguir: método canguru: concepções dos profissionais; educação permanente: estratégias de ensino-aprendizagem; e método canguru e o trabalho em equipe: limites e possibilidades.
Método canguru: concepções dos profissionais
O MC proporciona benefícios não só aos RN’s, mas também aos pais e familiares que adotam essa prática na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Diante do exposto, é imprescindível que a equipe de saúde, conheça o significado e a execução correta do MC, para auxiliar no desenvolvimento dessa prática. As participantes, quando questionadas sobre o entendimento acerca do MC, não trouxeram em suas falas, a compreensão total do significado e da aplicabilidade do método.
“[...] ele [o método canguru] foi criado e adotado para estreitar esse vínculo do bebê com a mãe. Tem bebês que nascem prematuramente, então eles são, entre aspas, tirados da mãe antes da hora [...]. Então, a ideia, o objetivo do canguru é estreitar isso, é aproximar de volta esse neném da mãe, é resgatar esse vínculo da mãe que foi interrompido num momento bem importante [...]”. (P7)
“[...] um contato pele a pele do bebê com a mãe. O bebê sem roupinha, colocado no colo da mãe verticalmente, apoiado, preparado, alguma forma dele ficar seguro ali na mãe, que a mãe possa também liberar as mãos para poder utilizar, para poder acariciar o bebê”. (P10)
“Para alguns bebês que tem algum problema respiratório, para ajudar na melhora respiratória, porque o bebê no colo da mãe, ele apoia o diafragma e ele consegue respirar melhor [...] Geralmente são os prematuros extremos, então ajuda na respiração, no ganho de peso, em tudo”. (P6)
Educação Permanente: estratégias de ensino-aprendizagem
Para que um novo serviço seja implementado é indispensável instrumentar os profissionais que o executarão. Nesse sentido, as participantes foram indagadas a respeito da participação em ações educativas, antes da implementação do MC na unidade:
“[...] teve uma equipe daqui: uma fisioterapeuta, uma enfermeira e uma médica. Foram a um serviço em Porto Alegre e tiveram uma capacitação lá, em um hospital que era referenciado para método canguru e vieram e nos passaram a capacitação. (P3)
Em relação à metodologia adotada nos encontros de ensino-aprendizagem, as profissionais relatam que foram utilizadas dinâmicas, palestras, práticas e leitura de materiais didáticos, possibilitando interação e envolvimento da equipe para significar a implantação da prática proposta.
“[...] deixaram tudo escuro, colocaram vendas nos nossos olhos e aí ficou tudo silêncio e de repente começou aquela barulheira de aparelho, barulho de embalagens sendo abertas, barulho de salto, perfume forte, luz forte no teu olho. Simplesmente alguém chegar e enfiar uma coisa na tua boca sabe, ou te tocar, ou te raspar alguma coisa sabe, sem uma preparação antes, sem uma conversa com o bebê”. (P10)
“[...] a gente até ensaiou como tu atender os pais na porta, como ter um certo jeito. Porque pra gente aqui dentro é normal, mas pra eles não é, aqui tudo é estranho”. (P4)
“[...] cada grupo tinha que fazer uma parte do corpo e foi bem interessante porque, um ficou com a cabeça, outro ficou com as pernas, outro ficou com o braço e no final a gente teve que montar o corpo. [...] para ver como é o trabalho em equipe, que tem que ter uma sincronia, que uma área depende da outra para sair tudo bem. [...] também teve uma palestra com a psicóloga que foi muito interessante, sobre o lado psicológico da criança prematura, do bebê, do imaginário da mãe”. (P3)
O trecho de fala a seguir, corrobora com a melhoria na compreensão do MC para prestar os cuidados ao RN, referindo mudanças na assistência ofertada pela equipe, após participarem das estratégias de ensino-aprendizagem abordadas anteriormente:
“[...] a gente não tinha noção da importância dos cuidados que a gente fazia [...] depois que a gente foi capacitado, a gente começou a usar o que foi aprendido no método e realmente mudou bastante”. (P1)
No entanto, as participantes relataram que foram realizados diversos encontros até a conclusão da participação de todos os profissionais, os quais ocorreram em um período anterior à implementação do serviço na unidade. Dessa forma, a primeira turma praticou tardiamente o que foi discutido sobre o MC, fragilizando sua implementação. Além disso, sugerem que o tema deve ser debatido constantemente e não apenas uma vez, como realizado, antes da implementação do MC.
“[...] houve um tempo muito grande entre a primeira turma e a última. Quando a última fez a capacitação, claro que é muita gente e o serviço não pode parar, então teve que ser em turmas. Mas quando a última foi fazer, a primeira, como não colocou em prática porque o objetivo era que todos estivessem capacitados para se poder pôr em prática, acabou que já tinha perdido o estímulo”. (P10)
“Eu acho que as capacitações tinham que ser mais seguidas, porque se perde muito. Infelizmente acho que o ser humano é assim, tem que estar toda hora lembrando. Então uma única capacitação que a gente teve e falou-se tudo naquela semana e depois nunca mais falou-se nada, parece que as coisas ficam perdidas”. (P2)
Método canguru e o trabalho em equipe: limites e possibilidades
A participação da equipe multidisciplinar é fundamental para garantir o sucesso da prática do MC. Ao serem questionadas sobre a corresponsabilidade dos profissionais nesse cenário, as participantes entendem que existe uma rede de apoio entre eles, porém, entendem que são as técnicas de enfermagem que mais se envolvem com esse cuidado. Uma das razões apontadas para tal, foi a sobrecarga de trabalho do profissional enfermeiro. Também relataram resistência de alguns profissionais na aderência às propostas do MC, principalmente daqueles que atuam há mais tempo na unidade.
“[...] sim, a gente fica, no caso o técnico né, sempre ali. Aí tem uma enfermeira que também é responsável pela sala, qualquer coisa que precisar a gente solicita ela. Tem o médico que é o mesmo médico que fica no plantão. Tem as fisioterapeutas, tem as fonoaudiólogas que trabalham. Então a gente é uma equipe bem multidisciplinar”. (P3)
“[...] mais o técnico, sendo bem sincera, porque aquela sala faz parte da UTI, então para nós enfermeiros, meu Deus do céu, a gente não consegue nem fazer o que tem ali (UTI), quem dera chegar lá [sala do método canguru]”. (P2)
“[...] eu vi resistência muito grande dos funcionários mais antigos, acostumados com a rotina [...]. Então eu via muito isso: “ah não vou fazer, porque que agora tem que falar baixo se a vida inteira eu falei alto dentro da UTI?”. (P7)
“[...] às vezes tem alguns funcionários que tem um pouquinho mais de resistência, que são mais antigos, que tem um pouquinho mais de dificuldade com a mudança”. (P11)
Quando questionadas sobre a organização da equipe na assistência ao RN para a realização do MC, a fala das profissionais corrobora com a realidade na qual o técnico de enfermagem assume essa tarefa:
“[...] então, é uma escala, a gente faz um rodízio. Todos os técnicos passam pela sala, é feito um rodizio, por exemplo, hoje eu estou na sala do canguru, amanhã é outro, outro funcionário e assim a gente se reveza”. (P1)
Os profissionais relataram confusão e dificuldade em estabelecer critérios para definir a aptidão do RN para o MC. Esse nó crítico foi estabelecido enquanto fator limitante para a realização da prática:
“[...] ás vezes tem bebês que poderiam estar no método canguru e não estão, por exemplo”. (P 10)
“[...] tem incubadora ali que não deveria ter né... então eu acho que muitos bebês... acho que os critérios não estão bem elaborados de quando um bebê pode ir para o canguru. E o que eu percebo, que os familiares percebem que a equipe não fala nisso a mesma coisa [...]”. (P2)
Entre as dificuldades enfrentadas para a implementação do MC, também foi referida a resistência da mãe para realizar a posição canguru. Ainda, foi relatada a ausência de uma rede de apoio familiar, visto que as mães, muitas vezes, não tem auxílio para assistir seus outros filhos durante sua permanência junto ao RN, inviabilizando a realização da posição canguru na UTI neonatal.
“[...] uma das maiores dificuldades é a mãe. Aquela que é mais travada, que parece que é o primeiro filho, mãe muito nova que a gente encontra mais dificuldade de aceitarem algumas coisas que a gente fala”. (P1)
“[...] começa que as próprias mães nunca aceitam bem, não querem. Já criaram não sei quantos filhos dando mamadeira, sem esse vínculo. Esse é um dos pontos”. (P11)
“[...] é um pouco socioeconômica. Já aconteceu de mães desistirem do método porque tinham outras crianças em casa, não tinham com quem deixar [...]”. (P3)
A ausência de atividades com os familiares também foi referida pelas participantes como fator limitante. Foram mencionadas tanto as atividades educativas sobre o método, quanto atividades manuais que, posteriormente, poderiam gerar renda, podendo até tornar-se uma profissão para eles:
“[...] estrutura falta ainda ser o canguru mesmo, porque a gente teria que ter uma atividade com as mães, porque as mães ficariam ali vinte e quatro horas com aquela criança no colo, não só olhando televisão. O método por si mesmo fala que a mãe faz terapia, aprende alguma atividade que as vezes até depois vira renda, uma atividade manual. Então ali praticamente elas ficam sentadas olhando televisão o dia inteiro”. (P6)
“[...] a estrutura não está assim totalmente adequada, porque as mães, o certo é elas virem e ficarem no método o dia todo, elas fazerem atividades para elas. Elas ficam ali naquele quartinho”. (P11)
Diante das dificuldades apresentadas, alguns participantes realizaram sugestões para o desenvolvimento de estratégias de educação para sensibilizar e estimular os familiares na realização da posição canguru.
“[...] deveria ser melhorado a parte da informação da mãe. Quando o RN, ele interna aqui, a mãe já tem que estar sendo estimulada e informada a respeito. Não chegar para a mãe e dizer: “mãe, teu bebê vai para unidade canguru! Amanhã tu traz as tuas coisas que tu vai ficar com ele vinte e quatro horas por dia”. (P12)
DISCUSSÃO
Método canguru: concepções dos profissionais
As participantes enfatizaram o método como vínculo, contato pele-a-pele e posição canguru em si. Somente uma das participantes, demonstrou conhecer a importância da realização do MC como auxílio na melhora clínica do RN. Nesse sentido, ressalta-se que o Ministério da Saúde refere-se ao MC como uma prática de cuidado humanizado ao RN, respeitando sua integralidade e singularidade, porém, não pode ser dissociada do conhecimento e qualidade técnico-científico e das boas práticas realizadas em uma UTI Neonatal4.
Destaca-se também, que as participantes não demostraram conhecimento a respeito das três etapas do MC. A compreensão dessas etapas é importante para entender que o método não ocorre somente na UTI Neonatal, pois a primeira etapa inicia na identificação da gestante com risco de dar à luz a um bebê prematuro, e a última ocorre com o acompanhamento da criança e sua família na alta hospitalar. Portanto, essa responsabilidade não é exclusiva da instituição hospitalar, mas também a atenção primária à saúde forma um forte elo para auxiliar na efetivação do MC. Assim, o método contribui para o desenvolvimento da assistência ao RN e familiares, em que essas fases têm características particulares, uma completando a outra e todo profissional tem seu papel diferenciado em cada uma delas4.
Nas falas das participantes, evidenciou-se predominância da figura materna, como a pessoa que necessita criar vínculo com o RN. No entanto, a posição canguru pode ser realizada pelo pai ou até mesmo por outros responsáveis que assumem seus cuidados. A figura paterna, por exemplo, possui importância indispensável para restabelecimento da estrutura familiar, no apoio e divisão das responsabilidades dos cuidados ao filho com a companheira. Vivenciar cuidados com o filho prematuro oportuniza ao pai perceber o Método Canguru, como uma forma de assistir ao recém-nascido integralmente. Assim, no âmbito dos cuidados com o filho na estrutura familiar nuclear contemporânea, o homem tem se mostrado participativo em diversos aspectos na vida do filho, exercendo a coparentalidade sobre a saúde e bem-estar do filho prematuro16.
Em um estudo realizado com familiares, profissionais e gestores, foi constatado que na prática, as mães assumem as responsabilidades do cuidado, mesclando o papel materno às atividades técnicas17.
Visto isso, destaca-se a relevância de que os profissionais compreendam o conceito do MC, pois, esse conhecimento implica sua implementação adequada na prática. Além disso, é necessário envolver outras pessoas, como pais e familiares, para realizar a posição canguru, trazendo-os para perto do recém-nascido, auxiliando-os e encorajando-os a assumirem os cuidados dos RN’s.
Educação Permanente: estratégias de ensino-aprendizagem
Entende-se que a instituição disponibilizou profissionais para participar das capacitações de tutores nos centros estaduais de disseminação do método canguru, que faz parte de uma das estratégias do Ministério da Saúde. O curso de tutores tem duração de 40 horas e acontece nos centros de referência nacional ou estadual11.Após a conclusão, esses profissionais devem empenhar-se em multiplicar os cursos de capacitações de novos tutores conforme necessidade, assim como capacitações para as equipes dos hospitais11.
Os relatos demonstraram que as dinâmicas elaboradas atingiram o objetivo de sensibilizar os profissionais quanto ao melhor entendimento das sensações do RN internado na UTI e os sentimentos dos pais. Isso os levou à reflexão das suas atitudes e à problematização das suas condutas individuais e em equipe, para juntos, buscarem soluções a fim de solucionar os nós críticos encontrados no processo de trabalho e atingir a ressignificação do método canguru.
Neste sentido, a metodologia de ensino-aprendizagem utilizada foi ao encontro da perspectiva da Educação Permanente em Saúde (EPS), uma vez que, ela visa estratégias de ações educativas a partir da problematização das práticas, colocando os profissionais como atores reflexivos e idealizadores de conhecimento e de alternativas de ação, no lugar de receptor de informações. Além disso, visa à interação da equipe, evitando a fragmentação disciplinar12.
A EPS não pode ser vista somente como ferramenta de organização do sistema de saúde ou estratégia para remodelar o processo de trabalho, com a realização de cursos ou ações educacionais pontuais, restrita a momentos formais instituídos, mas deve ser entendida como dispositivo para mediar mudanças, permitindo aos sujeitos um processo de autoanálise no trabalho, pelo trabalho e para além do trabalho, como possibilidade de crescimento para lidar com o mundo18. No entanto, a prática é permeada por dificuldades como recursos humanos insuficientes, o alcance das metas estabelecidas pela gestão da qualidade, falta de interesse e a imprevisível rotina hospitalar, que muitas vezes dificulta a implementação do planejamento19.
Em relação à abordagem do tema através de ações educativas somente antes da implementação do MC, como relatado pelas participantes, um estudo que objetivou avaliar a implantação do método canguru no Brasil, identificou que os profissionais de saúde conhecem a importância e mencionam as vantagens do MC. Porém, reconhecem que os desafios existentes são diversos, sobretudo, diante da necessidade de aprimoramento para que se sintam mais seguros e executem o MC com eficácia. Acredita-se que adequações na estrutura física, como propiciar um local reservado para que os pais possam participar do MC e ter momentos para o diálogo com a equipe multiprofissional. Além disso, sugerem-se novos estudos que abordem os temas do MC durante a educação permanente dos participantes envolvidos e a reformulação de normas e rotinas que sinalizem a reelaboração, organização e efetivação deste modelo assistencial8.
Outro ponto que merece destaque para discussão é a expressão da palavra “capacitação”, pelas participantes, para todos os momentos de ensino-aprendizagem que foram oportunizados aos profissionais. Os espaços de capacitação, podem ser uma ferramenta-ponte para que os profissionais reflitam sobre o processo de trabalho ao mesmo tempo em que agregam conhecimentos técnicos20.
Ao contrário dessa perspectiva, a EPS discute os nós críticos vivenciados diariamente por meio de diferentes metodologias, promovendo protagonismo aos trabalhadores, o que, pelo relato das participantes, foi oportunizado pela instituição. Porém, a definição de diferentes ações educativas referida como “capacitação”, caracteriza-se por estar enraizado na cultura da educação profissional.
Portanto, percebeu-se que houve preocupação da instituição em promover práticas educativas aos profissionais para que estes pudessem apropriar-se do conhecimento técnico-científico a respeito do método canguru, e, portanto, prestar a assistência com qualidade. Os profissionais reconheceram a importância das estratégias educativas utilizadas, posto que permitiu a ampla reflexão de suas práticas profissionais. Contudo, o tempo entre os encontros de ensino-aprendizagem e a implementação do serviço foi considerado um fator desestimulante para efetivar essa prática.
Método canguru e o trabalho em equipe: limites e possibilidades
A deficiente colaboração de outros profissionais, além do técnico de enfermagem nessa atividade vai de encontro com o que prevê a Norma de Atenção Humanizada ao Recém-nascido - Método Canguru, a qual recomenda que a equipe multidisciplinar envolvida nos cuidados com o RN, pais e familiares seja composta por médicos pediatras e/ou neonatologistas, obstetras, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, fonoaudiólogos, nutricionistas, técnicos e auxiliares de enfermagem4.
Outro ponto que se destaca é a sobrecarga de atividades do enfermeiro na UTI Neonatal, pois com o excesso de atividades que os pacientes críticos exigem, esses profissionais não conseguem acompanhar a realização do MC. Além da assistência, o enfermeiro também assume tarefas relacionadas à liderança e capacitação da equipe de enfermagem, à mediação de necessidades com os demais profissionais, ao gerenciamento de recursos, enfim, a gestão da unidade para garantir o atendimento ao paciente21.
Identifica-se que alguns profissionais enfrentam dificuldades para aceitar novos serviços, diante do abandono de velhas rotinas que devem ser aprimoradas. Nesse sentido, para prestar uma assistência qualificada, a equipe de enfermagem precisa se sentir motivada, e para tal, a atuação do enfermeiro é fundamental, na medida em que deve promover o engajamento de sua equipe auxiliando na manutenção de um ambiente saudável e valorizando as relações interpessoais22.
A resistência da mãe em criar vínculo com o RN relaciona-se ao fato da mãe ser primípara, ou então, ter mais filhos que foram criados de outra maneira. Diante dessa situação, é imprescindível que a equipe de saúde realize orientações às mães e aos demais familiares, no que se refere aos benefícios dessa prática, esclarecendo suas dúvidas. É importante ainda que seja ofertada uma atenção individualizada à mãe para estimular a execução da posição canguru, assim que o RN apresentar estabilidade clínica3.
Portanto, é essencial conhecer a realidade vivenciada pela família do RN, pois é possível identificar que em algumas ocasiões, a posição canguru não deixa de ser realizada porque a mãe se recusa, e sim porque desempenha outras atividades que não permitem sua participação no dia-a-dia do RN. Nesse sentido, é importante que a condição socioeconômica da família do RN também seja investigada e levada em consideração para justificar sua possível ausência na UTI3.
Essas colocações expõem a escassez de estrutura e aplicação do método, o que apresenta falha em um aspecto importante, relacionado à humanização do cuidado, no qual a saúde da mãe e demais familiares deveriam ser avaliadas levando em consideração seus aspectos físicos e psicológicos. A proposta do Ministério da Saúde, devido ao longo do tempo de internação dos RN’s, é que sejam ofertadas às mães e familiares atividades não só dirigidas à orientações acerca dos cuidados com os bebês, mas também atividades de lazer, lúdicas, pedagógicas, que possibilitem a integração aos espaços delas e dos familiares4.
Em relação à avaliação dos critérios para a transferência do RN para a posição canguru, percebeu-se que há fragilidades nesse conhecimento, e as dúvidas que surgem pela deficiente definição desses critérios pode provocar conflito e insegurança aos pais por terem seus bebês se beneficiando da prática e não serem orientados adequadamente, ou por visualizarem que seu bebê ainda não está totalmente apto e é transferido para a sala canguru. Estudo realizado em um hospital do Paraná demonstrou que 53% dos profissionais da equipe de enfermagem de nível médio não conheciam os critérios de elegibilidade para estimular a posição canguru23.
No que se refere à orientação sobre o método canguru realizada pelos profissionais aos pais, essa deve ser realizada constantemente. Dessa forma, a autonomia dos pais é estimulada para que quando o MC estiver na última etapa, que é realizada após a alta hospitalar, eles se sintam seguros para prestar os cuidados ao seu filho24.
As participantes identificaram alguns nós críticos na implementação do método canguru, em especial aqueles relacionados à equipe multiprofissional: pouco engajamento de alguns profissionais, sobrecarga de atividades do enfermeiro, dúvidas em relação aos critérios de definição para a realização da posição canguru e reconhecimento de deficientes orientações sobre essa prática aos familiares. Também foi exposta a dificuldade da criação de vínculo da família com o RN, associando-a à fragilidade na estimulação por parte dos profissionais ou por condições socioeconômicas dos familiares. Porém, a equipe também trouxe sugestões, as quais ela mesma pode realizar com a colaboração dos profissionais envolvidos no processo de trabalho e também com o estímulo da instituição.
CONCLUSÕES
Observou-se que a instituição em que foi desenvolvido o estudo preocupou-se em ofertar ações educativas aos profissionais da UTI Neonatal antes implementar o MC. A partir das estratégias adotadas, os profissionais sentiram-se partícipes do processo de trabalho e foram estimulados a refletir sobre a prática profissional no cotidiano do cuidado. Desta forma, a EPS demonstrou-se adequada para a equipe de saúde compreender o MC. Por meio da EPS foi possível estimular o trabalho em equipe e a reflexão crítica do cotidiano do trabalho, valorizar os saberes dos profissionais envolvidos e consequentemente promover o cuidado seguro, científico e humanizado ao RN e familiares durante a execução do MC. Entretanto, sua implementação tornou-se fragilizada, visto que houve um espaçamento temporal entre as ações educativas realizadas com os profissionais.
As principais limitações levantadas pelos participantes incluíram a sobrecarga dos profissionais técnicos de enfermagem na realização do MC, bem como a resistência de profissionais com maior tempo de atuação ao aderir a implantação do método. Também, a confusão e dificuldade em estabelecer critérios para definir a aptidão do RN para o MC; a resistência da mãe para realizar a posição canguru somadas à ausência de uma rede de apoio familiar. Entre as sugestões, os profissionais trouxeram a necessidade de desenvolver de estratégias educativas para sensibilizar e estimular os familiares na realização da posição canguru.
No entanto, mais do que capacitar a equipe para implantação do serviço, as discussões devem ocorrer permanentemente entre todos os profissionais que atuam na unidade, visando rememorar a importância do MC, bem como estabelecer estratégias para solucionar as limitações encontradas diariamente. Espera-se que esse estudo contribua com o desenvolvimento do método canguru e com as ações de EPS realizadas por meio da identificação de possíveis lacunas e benefícios nesse processo. Além disso, visa potencializar a assistência prestada pela equipe, ao RN e sua família, frente ao método canguru.
A limitação deste estudo relaciona-se ao fato de a pesquisa ter sido realizada em apenas uma instituição de saúde. Dessa forma, sugere-se o desenvolvimento de novas pesquisas relacionadas a essa temática nas Unidades de Terapia Intensiva Neonatal.