Introdução
Os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) são uma categoria profissional no Brasil, que representam o elo entre comunidade e Estratégia Saúde da Família (ESF), e estão contextualizados no histórico da saúde brasileira. Os ACS foram instituídos no Sistema Único de Saúde (SUS) no ano de 1991, por meio do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) e têm contribuído para a extensão de cobertura e a estruturação da Atenção Primária à Saúde (APS) no País, pois estão presentes em 98% dos municípios brasileiros 1 .
Estima-se que, em 2018, havia 263.756 ACS em exercício 1 . Dentro da ESF, a visita domiciliar é uma das principais atividades da rotina de trabalho do ACS, o qual se encontra em contato direto e diário com os usuários na comunidade 2 .
Por atuar diretamente na comunidade e no domicílio, os ACS são os profissionais de saúde que têm maior probabilidade de presenciar e ter que intervir em uma situação de emergência ou primeiros socorros.
No Brasil, acidentes em domicílio e espaço escolar são a maior causa de morte entre crianças de 1 a 14 anos 3, onde os primeiros socorros são fundamentais. São registrados anualmente cerca de 100 mil casos de Parada Cardiopulmonar (PCR) no ambiente extra-hospitalar, em que quatro de cinco PCR acontecem no ambiente domiciliar 3 . Isso ressalta a relevância do ACS estar apto para reconhecer e intervir adequadamente em situação de emergência ou primeiros socorros 4 .
Contudo, estudos consultados apontam que os ACS apresentam dificuldades para atuar em situações de primeiros socorros/suporte básico de vida, com demonstração de incertezas sobre manobras de ressuscitação cardiopulmonar (RCP), primeiros socorros e intervenção inadequada diante das vítimas 5, 6 .Os ACS são componentes da ESF que permanecem grande parte do dia com os clientes em domicílio e a qualquer momento, poderão se deparar com eventos que necessitam de reconhecimento e abordagem rápida. Desse modo, é pertinente analisar o conhecimento desses profissionais em casos de emergências, como a PCR e outras situações de primeiros socorros.
Cabe a essa categoria leiga tomar posse desse saber (primeiros socorros), como também serem instruídos por meio de capacitações que fortaleçam o conhecimento e a prática. Diante desse fato, surgiu a seguinte indagação: os ACS possuem conhecimento adequado sobre cuidados relacionados aos primeiros socorros?
Os resultados deste estudo poderão gerar evidências que apontem o nível de conhecimento e autoconfiança desses profissionais para proporcionar atendimento eficaz e elevar taxas de sobrevida em casos de agravos clínicos cardiopulmonar e primeiros socorros, e assim, demonstrar a necessidade de capacitação constante dessa categoria profissional.
O estudo tem o objetivo de avaliar o conhecimento e autoconfiança de Agentes Comunitários de Saúde sobre Primeiros Socorros e Parada cardiopulmonar.
Materiais e métodos
Estudo descritivo com abordagem quantitativa, realizado no período de junho a outubro de 2018, em 22 Centros de Saúde da Família (CSF) de município do estado do Ceará, Nordeste - Brasil, que possui abrangência de cobertura assistencial de 100% da população.
A população-alvo foi representada por 292 ACS que compõem a equipe da ESF da sede do município. Para amostra do estudo, foi utilizada amostragem do tipo não probabilística intencional. A amostra foi calculada a partir da fórmula para população finita, que totalizou uma amostra final de 166 participantes. Dos 292 ACS, 186 aceitaram participar do estudo e, assim, compuseram a amostra. Os participantes do presente estudo foram divididos em dois grupos: os que já haviam realizado algum treinamento previamente e os que não realizaram.
Os critérios de inclusão foram: ACS inseridos na sede do município e que possuíam acima de três meses de atuação no serviço. Como critérios de exclusão: ACS em serviços administrativos; ACS afastados por férias ou de licença saúde e que possuíssem curso técnico ou de graduação relacionado à área da saúde. Após aplicação dos critérios, foi excluído um participante da amostra devido o mesmo ser discente de enfermagem.
Na coleta de dados foi aplicado questionário com variáveis organizadas em quatro partes: 1) caracterização sociodemográfica e profissional da amostra (sexo, idade, estado civil, renda e tempo de trabalho); 2) Questões objetivas sobre PCR conforme as diretrizes da American Heart Association (AHA) 7 com quatro opções de resposta; 3) Questões objetivas sobre primeiros socorros (abordagem inicial, vertigens e desmaios, epistaxe, asfixia, hemorragia, ferimento, fraturas, queimaduras e convulsão) com quatro opções de resposta; 4) Escala de autoconfiança para intervenção em situações de emergências cardíacas, respiratórias e neurológicas 8 com cinco opções de resposta.
A escala de autoconfiança para intervenção em emergências possui 12 itens de respostas tipo likert de 5 pontos, onde 1 representa nada confiante; 2 pouco confiante; 3 confiante; 4 muito confiante e 5 extremamente confiante. Foi considerado autoconfiança baixa as médias de 1,0 a 2,99, autoconfiança moderada as de 3 a 3,99 e alta autoconfiança pontuações de 4,0 a 5,0 8 .
Os dados foram tabulados no Excel 2016 e analisados no programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 25 para obtenção de frequências absolutas e percentuais, médias e desvio-padrão, além de testes estatísticos de acordo com as variáveis do instrumento. Utilizou-se o Teste de Mann-Whitney para amostras independentes e Qui-Quadrado de Pearson nas comparações das variáveis categóricas. O nível de significância adotado foi 5% com intervalo de confiança de 95%.
A pesquisa foi aprovada pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Saúde (NEPS) do município pesquisado, por meio do parecer nº 0005/2018 e pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Estadual Vale do Acaraú sob parecer de nº 2.649.144/2018, seguiu as consignações da Resolução n.º 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Resultados
Os resultados obtidos no presente estudo foram divididos em dois grupos, os que já haviam realizado algum treinamento previamente e os que não realizaram. Dentre os 186 participantes, 80 tinham participado de treinamentos sobre a temática pesquisada e 106 não realizaram nenhum treinamento.
No grupo que havia participado de treinamento, 86,3% (69) dos participantes eram do sexo feminino, com idade média de 39,3 anos e tempo média de atuação de 12,3 anos. O grupo sem treinamento constava de 84% (89) mulheres, com idade média de 36,7 anos e tempo de atuação de 8,2 anos, observados na Tabela 1 .
Variáveis /Categorias | Grupo | P-valor | |||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
Realizou treinamento (80) | Não realizou treinamento (106) | ||||
n | % | n | % | ||
Sexo | 0,666 | ||||
Feminino | 69 | 86,3 | 89 | 84,0 | |
Masculino | 11 | 13,8 | 17 | 16,0 | |
Idade Média (DP) | 39,38 (9,192) | 36,73 (10,481) | 0,045* | ||
Tempo de atuação Média (DP) | 12,38 (8,109) | 8,21 (8,543) | 0,001* |
† Qui-quadrado de Pearson. *Teste de Mann-Whitney. DP= Desvio Padrão
No que se refere ao conhecimento dos ACS, houve diferença estatisticamente significante entre os grupos nas questões sobre definição de PCR, verificação da responsividade de uma vítima desacordada, sequência para o posicionamento das mãos e braços na ressuscitação cardiopulmonar (RCP) e momento de troca dos socorristas.
Houve proporção de acertos maior que 70% em apenas três itens, referentes ao número para solicitar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), posição que deve colocar a vítima para realizar compressão no tórax e onde posicionar as mãos para fazer a compressão.
Os itens nos quais os acertos se exibiram mais baixos foram sobre os cuidados a serem tomados na utilização do Desfibrilador Externo Automático (DEA), quantidade de compressões por minuto e proporção de compressões torácicas e respirações ( Tabela 2 ).
Itens de avalição do conhecimento sobre PCR | ACERTOS | p-valor † | |
---|---|---|---|
| |||
Com treinamento | Sem treinamento | ||
| |||
N (%) | N (%) | ||
1. Definição de parada cardiorrespiratória (PCR) | 31 (38,8) | 22 (20,8) | 0,007 |
2. Verificação da responsividade de uma vítima desacordada | 37 (46,3) | 21 (19,8) | 0,000 |
3. Local para verificar a pulsação da vítima | 47 (58,8) | 48 (45,3) | 0,069 |
4.Momento de iniciar as compressões em uma PCR | 26 (32,5) | 31 (29,2) | 0,634 |
5. Número para solicitar o SAMU | 72 (90,0) | 90 (84,9) | 0,305 |
6. O que fazer se for detectado irresponsividade | 29 (36,3) | 30 (28,3) | 0,249 |
7. Cuidados a serem tomados na utilização do DEA | 07 (8,8) | 14 (13,2) | 0,342 |
8. Sequência para o posicionamento das mãos e braços na RCP | 26 (32,5) | 14 (13,2) | 0,002 |
9. Posição que deve colocar a vítima para realizar compressão no tórax | 58 (72,5) | 77 (72,6) | 0,983 |
10. Quantidade de compressões por minuto | 12 (15,0) | 10 (9,4) | 0,245 |
11. Proporção de compressões torácicas e respirações | 13 (16,3) | 13 (12,3) | 0,438 |
12. Em que momento a pessoa que está fazendo as compressões no tórax deve trocar para que outra pessoa faça a compressão | 25 (31,3) | 18 (17,0) | 0,022 |
13. Força que deve ser aplicada na compressão no tórax de um adolescente ou adulto | 16 (20,0) | 21 (19,8) | 0,975 |
14.Quando parar de fazer compressões no tórax | 48 (60,0) | 56 (52,8) | 0,330 |
15. Definição de DEA | 27 (33,8) | 43 (40,6) | 0,342 |
16. Local onde colocar as pás | 32 (40,0) | 31 (29,2) | 0,125 |
17. O que fazer quando ajuda chegar | 26 (32,5) | 28 (26,4) | 0,365 |
18. Onde posicionar as mãos para fazer a compressão no tórax | 61 (76,3) | 70 (66,0) | 0,131 |
19. Como se posicionar para fazer compressão no tórax | 39 (48,8) | 40 (37,7) | 0,123 |
† Qui-quadrado de Pearson. Fonte: Dados da Pesquisa.
Na tabela 3, é possível observar as questões sobre os cuidados em situações de primeiros socorros. Houve diferença estatisticamente significante entre os grupos nas questões de primeira conduta no caso de precisar atender uma vítima em situação de urgência, cuidados durante uma crise de convulsão, condutas com vítimas de afogamento e cuidados com bebê engasgado.
Itens de avalição do conhecimento sobre Primeiros Socorros | ACERTOS | p-valor † | |
---|---|---|---|
| |||
Realizou treinamento | Sem treinamento | ||
| |||
N (%) | N (%) | ||
1. Primeira conduta no caso de precisar atender uma vítima em situação de urgência. | 23 (28,8) | 12 (11,3) | 0, 003 |
2. Cuidados de primeiros socorros para intoxicação | 43 (53,8) | 57 (53,8) | 0, 997 |
3. Cuidados em ferimento com hemorragia. | 52 (65,0) | 57 (53,8) | 0, 124 |
4. Cuidados em ferimento com objeto encravado. | 63 (63) | 88 (83,0) | 0, 461 |
5. Cuidados durante uma crise de convulsão. | 57 (71,3) | 54 (50,9) | 0, 005 |
6. Acidentes com corte no ambiente de trabalho | 61 (76,3) | 73 (68,9) | 0, 267 |
7. Cuidados com febre alta | 24 (30,0) | 21 (19,8) | 0,108 |
8. Cuidados em queimaduras. | 24 (30,0) | 29 (27,4) | 0,693 |
9. Condutas com adulto vítima de engasgo. | 56 (70,0) | 65 (61,3) | 0,219 |
10. Condutas com vítimas de afogamento | 43 (53,8) | 38 (35,8) | 0,015 |
11. Cuidados em amputação traumática | 27 (33,8) | 34 (32,1) | 0,810 |
12. Cuidados nos casos de acidentes por animais peçonhentos. | 06 (7,5) | 05 (4,7) | 0,426 |
13. Cuidados em desmaios | 30 (37,5) | 27 (25,5) | 0,078 |
14. Cuidados com bebê engasgado | 58 (72,5) | 54 (50,9) | 0,003 |
15. Cuidados diante de um usuário que apresenta sangramento nasal. | 32 (40,0) | 34 (32,1) | 0,263 |
16. Sinais de suspeita de lesões musculoesqueléticas. | 22 (27,5) | 32 (30,2) | 0,689 |
† Qui-quadrado de Pearson.
Na tabela 4, apresenta-se as variáveis relacionadas à autoconfiança dos ACS para atuar em situação de emergência. Verificou-se que a média das respostas no grupo que realizou treinamento foi de 2,19(±0,49), enquanto que no grupo sem treinamento foi de 1,99 (±0,51). Assim, ambos os grupos apresentaram autoconfiança baixa para intervir em situações de emergências cardíacas, neurológicas e respiratórias.
Variáveis | Média (DP) | p-valor † | |
---|---|---|---|
| |||
Com treinamento | Sem treinamento | ||
Emergências Cardíacas | |||
1. Autoconfiança em reconhecer sinais e sintomas de evento cardíaco | 2,19 (0,638) | 1,92 (0,700) | 0,006 |
2. Autoconfiança em ser capaz de avaliar com precisão um indivíduo com dor torácica | 2,13 (0,603) | 1,92 (0,664) | 0,015 |
3. Autoconfiança em ser capaz de intervir apropriadamente num indivíduo com dor torácica | 1,94 (0,752) | 1,77 (0,606) | 0,139 |
4. Autoconfiança em ser capaz de avaliar a eficácia das suas intervenções num indivíduo com dor torácica | 2,00 (0,595) | 1,77 (0,590) | 0,008 |
Emergências Respiratórias | |||
5. Autoconfiança em reconhecer sinais e sintomas de evento respiratório | 2,55 (0,745) | 2,16 (0,745) | 0,000 |
6. Autoconfiança em ser capaz de avaliar com precisão um indivíduo com dispneia | 2,54 (0,779) | 2,17 (0,833) | 0,001 |
7. Autoconfiança em ser capaz de intervir apropriadamente num indivíduo com dispneia | 2,16 (0,625) | 1,94 (0,701) | 0,017 |
8. Autoconfiança em ser capaz de avaliar a eficácia das suas intervenções num indivíduo com dispneia | 2,13 (0,644) | 1,90 (0,689) | 0,013 |
Emergências Neurológicas | |||
9. Autoconfiança em reconhecer sinais e sintomas de evento neurológico | 2,16 (0,719) | 1,92 (0,745) | 0,014 |
10. Autoconfiança em ser capaz de avaliar com precisão um indivíduo com alteração do estado mental | 2,49 (0,763) | 2,44 (0,782) | 0,618 |
11. Autoconfiança em ser capaz de intervir apropriadamente num indivíduo com alteração do estado mental | 2,06 (0,663) | 1,99 (0,762) | 0,417 |
12. Autoconfiança em ser capaz de avaliar a eficácia das suas intervenções num indivíduo com alteração do estado mental | 1,98 (0,675) | 1,99 (0,762) | 0,904 |
Fonte: dados da pesquisa
† Teste de Mann Whitney para comparação entre os grupos.
As diferenças estatisticamente significantes entre os grupos estiveram presentes nas questões sobre autoconfiança em reconhecer sinais e sintomas de evento cardíaco, respiratório e neurológico; autoconfiança em ser capaz de avaliar com precisão um indivíduo com dor torácica e dispneia; autoconfiança em ser capaz de intervir apropriadamente num indivíduo com dispneia; autoconfiança em ser capaz de avaliar a eficácia das suas intervenções num indivíduo com dor torácica e com dispneia ( Tabela 4 ).
Discussão
As características da amostra estudada se assemelham a outro estudo nacional, especialmente quanto ao tempo de trabalho e idade 5 . A mulher, enquanto profissional de saúde, representa quantitativamente a maioria, considerada culturalmente como provedora de cuidados.
No estudo em tela, os resultados encontrados demonstraram déficit de conhecimento dos ACS para reconhecer e manejar uma vítima de PCR, na atuação em situações primeiros socorros, além de apresentar baixa autoconfiança para intervir em situações de emergências cardíacas, respiratórias e neurológicas.
No que se refere à PCR, os maiores déficits foram detectados nos itens relacionados aos cuidados a serem tomados na utilização do DEA, quantidade de compressões por minuto e proporção de compressões torácicas e respirações.
A ausência de conhecimentos caracteriza umas das maiores barreiras que impede o início dos primeiros socorros à vítima em PCR devido ao medo de errar. Portanto, treinar a população para prestar assistência adequada e de qualidade está diretamente interligado com a possibilidade de evitar sequelas e minimizar as taxas de mortalidade por PCR.
Os ACS que possuíam treinamento prévio apresentaram mais acertos no tópico de PCR, ressaltando que a capacitação contribui com o nível de conhecimento. Estudo realizado com 89 ACS de Unidades Básicas de Saúde do Sudeste do Brasil identificou aumento no número médio de acertos em teste de conhecimento realizado imediatamente após treinamento de Suporte Básico de Vida 9 . O conhecimento possibilita o reconhecimento ágil da PCR. Acionar socorro especializado possibilita a prevenção de lesões tanto no miocárdio como no cérebro 10 .
Assim, é relevante que os ACS tenham habilidades para reconhecer uma PCR, acionar o socorro e efetuar manobras adequadas, sendo pertinente a instrução sobre as técnicas em primeiros socorros com a finalidade de prevenir e minimizar a ocorrência de óbitos 11 . O potencial de recuperação de vítimas de PCR está relacionado com a rapidez com que as situações de urgência/emergência são reconhecidas e adequadamente tratadas.
Ao questionar sobre a identificação de uma vítima irresponsiva, foi possível observar que ambos os grupos não apresentaram percentual satisfatório de acertos, o que indica que tais profissionais não sabem como agir ao encontrar uma pessoa inconsciente.
Estudo realizado com ACS de Unidades Básica de Saúde do Nordeste brasileiro identificou que os ACS não possuem conhecimento científico e habilidade para atuar diante de situações de urgência 6 . Pesquisa realizada com 10 ACS do Sul do Brasil relevou que apenas três tiveram a oportunidade de atuar em uma RCP, mesmo não tendo conhecimento sobre as compressões e os participantes do estudo relataram que acreditavam que as vítimas estavam em óbito por não conseguir detectar pulso e respiração 5 . Esse fato expressa ausência de conhecimento dos ACS diante de um dos sinais relevantes para verificar uma PCR.
Em relação à quantidade de compressões por minuto ambos os grupos apresentam baixas frequências de acertos. Pesquisa realizada com 350 profissionais de saúde da Tanzânia identificou que apenas 21% realizaram corretamente as manobras de compressão torácicas 12 . Na Etiópia, estudo com 397 profissionais de saúde relevou déficit de habilidade em Suporte Básico de Vida 13 .
Isso avigora a necessidade de maior qualificação dos profissionais de saúde, principalmente dos ACS, uma vez que a maioria dos casos de PCR acontece em ambiente extra-hospitalar e este profissional encontra-se em maior contato com a comunidade. Vale ressaltar que quantidade de compressões por minuto é primordial para RCP efetiva.
No que se refere à relação entre compressões e ventilações ambos os grupos de ACS apresentaram 13% de acertos. Pesquisa realizada com 129 profissionais de Unidades Básica de Saúde no Sudeste do Brasil identificou que 60,5% responderam corretamente que, a cada 30 compressões, devem ser realizadas duas ventilações 14 . O foco da RCP eficaz está na capacidade do socorrista realizar compressões torácicas de qualidade intercalas com as respirações de emergência.
Para realizar as compressões torácicas de forma eficaz, exige-se frequência de 100 a 120 compressões por minuto (em vítima adulta) 15, o que possibilita aumento da sobrevida já que frequências elevadas estão associadas com baixa diminuição da profundidade do tórax 16 .
Verificou-se ainda que os ACS de ambos os grupos não conheciam o DEA, sua função e local de aplicação das pás. O acesso rápido ao desfibrilador é componente essencial do sistema de atendimento, visto que há indícios nítidos de maior sobrevivência a PCR com o uso do DEA, quando necessário. Pesquisa efetivada com 185 profissionais da atenção primária de Israel identificou que 56% afirmaram saber utilizar corretamente o DEA 17 .
Em muitas situações de emergência, a ausência de conhecimento por parte da população e até mesmo dos profissionais de saúde, pode acarretar inúmeros problemas, como a manipulação incorreta da vítima e solicitação tardia do serviço de emergência 18 .
No que se refere aos primeiros socorros, também houve déficit de conhecimento, com baixas taxas de acertos em ambos os grupos. Pesquisa no Sul do Brasil também identificou que ACS possuem conhecimentos incompletos, comprometendo o socorro à vítima 5 .
Em ambos os grupos apresentaram autoconfiança baixa para intervir em situações de emergências cardíacas, neurológicas e respiratórias. Aprimorar a autoconfiança é um artifício chave na tomada de decisões corretas em situações de emergência, pois a baixa autoconfiança pode se traduzir em atrasos no socorro, maiores níveis de ansiedade e maior probabilidade de erros 19 .
É importante, portanto, capacitar e empoderar os ACS no atendimento a pequenas urgências e situações de primeiros socorros. Tais capacitações devem ser adequadas à realidade sociodemográfica e de saúde de cada território. Vale ressaltar que os ACS são naturalmente procurados para orientações, sendo estes também multiplicadores de conhecimento 6 .
Desse modo, o processo continuado de treinamento, com múltiplas artifícios didáticos devem ser implementados para aumentar o conhecimento e também as habilidades dos profissionais, para que os ACS tenham autoconfiança para intervir.
A educação em primeiros socorros também se torna indispensável para profissionais que atuam no território, visto que, é visível a ausência de conhecimento diante dos casos que necessitam dessa atuação rápida 20 .
Assim, o ensino de primeiros socorros para ACS deve ser amplamente difundido e democratizado, por meio de cursos teórico-práticos, como modo de prevenir a morbimortalidade da população em relação aos fatores e consequências relacionadas com a inadequada manipulação da vítima e controle de situações relacionadas às causas externas 4 .
Conclusão
Os achados da pesquisa apontam déficit de conhecimento dos ACS para atuar frente a PCR e em situações de primeiros socorros, associado à baixa autoconfiança para intervir em situações de emergências cardíacas, respiratórias e neurológicas.
Há necessidade da qualificação dos ACS com implementação de cursos de capacitação para assegurar novos conhecimentos, além de garantir o atendimento ágil e efetivo à frente das diversas situações de emergência e/ou primeiros socorros que possam vim a acontecer na comunidade.
Destaca-se como limitação a não realização da avaliação das habilidades práticas dos ACS para atuar diante da PCR. Dessa forma, sugere-se a realização de novos estudos que programem treinamentos com o protocolo que avaliem conhecimento e prática desses profissionais.