Introdução
O processo de assistência à saúde requer o registro dos atendimentos, procedimentos e atividades prestados pela equipe multiprofissional ao paciente, e consiste em um dever delegado aos profissionais, previsto nos seus respectivos códigos de ética. O registro sistemático das informações clínicas do indivíduo é realizado por meio do prontuário do paciente, documento essencial que proporciona organização da informação (clínica e administrativa) e é o principal meio de comunicação entre todos os integrantes da equipe de saúde dentro de uma instituição. Dessa forma, o prontuário garante a continuidade do cuidado e a avaliação da evolução clínica do paciente1,2.
O prontuário do paciente é uma fonte de informação primária, indispensável para acompanhar o histórico de saúde e doença do indivíduo, além de gerar conhecimentos no âmbito administrativo, de ensino, pesquisa e aspectos legais, traduzindo-se em ferramenta de gestão para a instituição de saúde3.
Com o advento da tecnologia da informação houve a modernização dos registros na área da saúde. O prontuário do paciente, previamente redigido de forma manuscrita em papel, passou a ser registrado de maneira eletrônica, estimulando as instituições de saúde a aderirem aos sistemas de informação para o manuseio de dados dos pacientes, tanto em países desenvolvidos, quanto nos países em desenvolvimento4-11.
Os sistemas de informação permitiram o desenvolvimento de um repositório de informação computadorizado, organizado e conciso para registro dos dados inerentes ao atendimento do indivíduo, denominado prontuário eletrônico do paciente (PEP), no qual podem ser encontrados os cuidados prestados por todos os profissionais da equipe de saúde, assim como diversas informações pertinentes a essa assistência1,9.
A utilização do PEP traz vantagens para a instituição, para os profissionais e, consequentemente, para o atendimento aos pacientes, tais como: acesso fácil, remoto e simultâneo por diversos profissionais, melhor legibilidade das anotações, segurança dos registros dos pacientes, facilidade na atualização e disponibilidade das informações clínicas do paciente, melhor continuidade no tratamento de condições crônicas, maior segurança na administração de medicamentos, assistência à pesquisa e melhor eficiência do sistema de saúde1,7,8.
Considerando os fatores que influenciam a implantação do PEP, as barreiras para o sucesso são: alto custo financeiro, demanda de tempo, conhecimento deficiente em informática por parte dos usuários, frustração com a navegação, falta de interoperabilidade com outros sistemas, necessidade de digitalizar documentos de prontuários de papel para o PEP, interfaces complexas, suporte insuficiente do fornecedor, subutilização devido à falta de conhecimento sobre a funcionalidade do sistema, limitações de treinamento e preocupações com a segurança das informações7.Dessa forma, entende-se que para a efetiva implantação do PEP é preciso que ocorra, primeiramente, uma mudança cultural na instituição3.
Modificar a cultura de instituições é um processo delicado, sobretudo, em unidades de terapia intensiva (UTI), ambientes permeados por protocolos e regras, que exigem dos profissionais de enfermagem apropriação para utilização de diversas tecnologias no desenvolvimento de suas atividades cotidianas. Por conseguinte, é importante explorar as percepções desses profissionais em relação às tecnologias e investigar quais percepções se relacionam com aceitação e uso, já que esses profissionais têm papel central na prestação de cuidados aos pacientes12.
O uso do PEP permeia muitas tarefas desenvolvidas pela equipe de enfermagem no decorrer de seu atendimento ao paciente crítico e problemas nesses sistemas eletrônicos ocasionam consequências não intencionais que podem prejudicar os pacientes, assim como gerar aumento da carga de trabalho para todos os profissionais da equipe de saúde envolvidos no cuidado do paciente13.
Quando a aceitação e o uso pelos profissionais são conhecidos, e os problemas relacionados ao uso são identificados, podem-se orientar projetos, redesenho, estratégias de implantação e políticas para promover aceitação e uso apropriados, melhorando a utilidade da tecnologia empregada e garantindo alta qualidade e segurança no atendimento ao paciente, sem aumento desnecessário da carga de trabalho dos profissionais12,13.
A percepção e a satisfação são constructos subjetivos, isto é, refletem uma ideia individual e são dependentes da interpretação de cada sujeito. Para medir constructos subjetivos, não basta elaborar um instrumento, é preciso testar sua validade. Um instrumento é considerado válido quando mede aquilo para o qual foi proposto medir e representa o fenômeno de interesse, sendo útil para o fim a que se destina. Uma das maneiras de se testar a validade é por meio da validade de conteúdo14.
Frente ao exposto, o objetivo deste trabalho foi avaliar a percepção sobre o uso do PEP e a satisfação dos profissionais de enfermagem de UTI, e validar um instrumento de pesquisa para este fim.
Materiais e Métodos
Primeira etapa: validação de conteúdo
O instrumento de pesquisa foi elaborado e validado pelas pesquisadoras a partir de experiência prévia, levantamento bibliográfico acerca do tema e consulta a um comitê especialistas, constituído a partir de amostra não probabilística do tipo intencional. Os especialistas foram selecionados a partir de análise do currículo lattes e verificação do preenchimento dos seguintes critérios recomendados pela literatura: domínio na área, que trabalham, estudam ou pesquisam o PEP e/ou que tenham conhecimento metodológico sobre a construção de instrumentos de pesquisa15,16. O instrumento foi avaliado em relação ao conteúdo, técnica que visa mensurar o grau em que cada item de medida é relevante e representativo de um constructo específico com um propósito particular de avaliação15.
O grau de concordância entre os especialistas foi avaliado utilizando-se o Índice de Validade de Conteúdo (IVC), método comumente utilizado na área da saúde para quantificar o número de especialistas que concordam sobre determinados aspectos/itens do instrumento. Este método utiliza uma escala tipo Likert com pontuação de um a quatro para avaliar a relevância e clareza dos itens, sendo: 1 = não relevante ou não claro, 2 = item necessita de grande revisão para ser relevante ou pouco claro, 3 = item necessita de pequena revisão para ser relevante ou claro, 4 = item relevante ou muito claro15.
Adotou-se como representativo e suficiente para ser considerado validado os itens com IVC superior a 0,78, sendo excluídos os itens que obtiveram resultados inferiores. Para obtenção do IVC calculou-se a proporção de itens que receberam a pontuação 3 ou 4 pelos especialistas, de acordo com a seguinte fórmula15:
A versão final do instrumento contemplou 40 itens, distribuídos em cinco sessões. As questões fechadas foram computadas de acordo com a frequência e a questão aberta foi categorizada em temas comuns.
Segunda etapa: percepção sobre o uso do prontuário eletrônico do paciente
Tratou-se de um estudo transversal de abordagem quantitativa, desenvolvido em um hospital público universitário localizado na cidade de São Paulo, Brasil. A amostra foi consecutiva, não-probabilística, coletada nos meses de Agosto e Setembro de 2019e constituída por 75 profissionais com formação em ensino técnico ou superior completo em enfermagem.
Os critérios de inclusão foram ser enfermeiro ou técnico de enfermagem, ter vínculo de trabalho com a instituição do estudo, trabalhar na UTI por, no mínimo, três meses, ter idade igual ou superior a 18 anos e utilizar o PEP para registro de suas atividades, rotineiramente. Foram excluídos os profissionais com menos de três meses de vínculo com a instituição para evitar viés devido a pouca familiaridade com o PEP. Não houve perda amostral.
Os dados foram armazenados em um banco elaborado no aplicativo Microsoft Excel for Windows 2010® e processados com o auxílio do software R versão 3.6.1. No tratamento estatístico, as variáveis categóricas foram apresentadas de forma descritiva, em tabelas e gráficos com frequências absolutas e relativas, e comparadas pelo Teste Exato de Fisher e Teste de Qui Quadrado. As variáveis numéricas foram apresentadas de forma descritiva contendo a média e o desvio padrão,e comparadas por meio do Teste de Kruskal-Wallis.
Utilizou-se a análise de conteúdo com enfoque quantitativo para analisar a questão discursiva, a qual constitui um conjunto de técnicas de análise das comunicações que envolvem procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo, codificação das narrativas e exposição de sua frequência, classificando-as em categorias de acordo com os temas correlatos17.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (Protocolo nº 3.527.672), estando de acordo com as normatizações éticas acerca das pesquisas envolvendo seres humanos previstas pela resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde18. Os indivíduos foram incluídos na pesquisa após receberem explicações sobre os objetivos e metodologia do estudo, concordarem em participar e assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido.
Resultados
Primeira etapa: validação de conteúdo
Na primeira etapa do estudo nove profissionais da área da saúde foram convidados para compor o comitê de especialistas, por meio de correio eletrônico. Desses, sete profissionais concordaram em participar.
O Quadro 1 apresenta os dados de caracterização dos profissionais que participaram da primeira etapa. Observou-se que a média de idade entre os especialistas foi de 39 anos, sendo a maioria enfermeiros, com média de exercício da profissão de 15 anos e de experiência com PEP de 6,5 anos.
Nº | Idade (anos) | Profissão | Tempo de exercício da profissão (anos) | Formação | Área de atuação | Tempo de experiência com PEP (anos) |
---|---|---|---|---|---|---|
1 | 62 | Enfermeiro | 38 | Doutorado | Pesquisa/Docência | 3 |
2 | 29 | Fisioterapeuta | 5 | Doutorado em andamento | Pesquisa | 7 |
3 | 33 | Enfermeiro | 9 | Doutorado | Pesquisa/Docência | 3 |
4 | 34 | Enfermeiro | 8 | Doutorado | Pesquisa/Docência | 0 |
5 | 40 | Enfermeiro | 17 | Especialização/Doutorado | Assistência/Ensino | 10 |
6 | 38 | Enfermeiro | 16 | Especialização/Doutorado | Assistência/Ensino | 10 |
7 | 38 | Enfermeiro | 15 | Doutorado em andamento | Assistência/Ensino | 13 |
Fonte: Elaboração própria.
Nota: PEP, prontuário eletrônico do paciente.
O instrumento original apresentava 41 itens. Após validação pelo comitê de especialistas, cinco itens foram incluídos, 18 itens sofreram modificações e seis itens foram excluídos, pois obtiveram IVC inferior a 0,78, ou seja, não eram suficientemente relevantes e claros para permanecer no instrumento. A versão final do instrumento passou a ter 40 itens, dispostos da seguinte forma: 1) caracterização dos profissionais de enfermagem da UTI (10 itens); 2) perfil e experiência em informática (três itens); 3) uso do PEP na UTI (18 itens); 4) avaliação de qualidade e segurança no uso do PEP na UTI (oito itens); 5) recomendações de melhorias (um item).
Segunda etapa: percepção sobre o uso do prontuário eletrônico do paciente
A amostra foi composta por 75 participantes, sendo 39 (52,0%) técnicos de enfermagem e 36 (48,0%) enfermeiros. Quanto à caracterização dos participantes, evidenciou-se predomínio do sexo feminino (64, 85,3%), com média de idade de 37,5 anos (±8,8), sendo a idade mínima 22 anos e a máxima 59 anos. A média para experiência profissional foi de 11,1 anos (±7,5), para tempo de admissão na instituição foi de 8,9 anos (±7,5), para tempo de experiência com uso do PEP foi de 1,9 anos (±1,6) e para número de horas de uso do computador foi de 6 horas (±4,1). O vínculo empregatício único foi predominante (57, 76,0%), assim como, carga horária de 40 horas semanais (39, 52,0%).
Dentre os 36 enfermeiros, 33 (91,6%) afirmaram ter uma ou mais especializações na modalidade latu sensu, sendo as mais frequentes: cardiologia (23, 69,6%), terapia intensiva (11, 33,3%) e gestão em saúde (6, 18,1%). Em relação à pós-graduação strictu sensu, apenas três (8,3%) enfermeiros afirmaram possuir mestrado e nenhum havia cursado doutorado.
Com relação aos técnicos de enfermagem, 15 (38,4%) afirmaram ter concluído ou estar cursando ensino superior. Os cursos citados foram: Enfermagem (11, 73,3%), Administração (1, 6,6%), Psicologia (1, 6,6%), Pedagogia (1, 6,6%) e Tecnologia da Informação (1, 6,6%). Dentre enfermeiros e técnicos de enfermagem, 61 (81,3%) afirmaram ter curso básico de informática.
A maioria dos enfermeiros respondeu positivamente às afirmações acerca do uso do PEP: 20 (55,6%) concordaram que a área para evolução de enfermagem é de fácil uso; 17 (48,6%) concordaram que a área para elaboração dos diagnósticos de enfermagem é de fácil uso; 15 (41,6%) concordaram que a área para estabelecimento de conduta de enfermagem é de fácil uso; 19 (52,8%) concordaram que a área para prescrição de enfermagem é de fácil uso; 25 (69,4%) concordaram que a área para anotações de enfermagem é de fácil uso (Figura 1); 36 (100%) concordaram que a construção de uma interface que faça associação entre diagnóstico, prescrição, condutas e planos terapêuticos de forma pré-estruturada deve se tornar uma realidade; e 35 (97,2%) concordaram que a construção de uma interface que faça associação entre diagnóstico, prescrição, condutas e planos terapêuticos de forma pré-estruturada deve se tornar uma realidade, pois diminuirá as chances de inconsistências na sistematização de enfermagem.
Dentre os técnicos de enfermagem, 15 (40,5%) afirmaram que o limite de acesso à informação no PEP (restrição ao conteúdo visível pertinente a cada categoria profissional) facilita o trabalho, 14 (37,8%) afirmaram que dificulta e 8 (21,6%) ficaram neutros. Em relação à área para anotação no PEP, a maioria (21, 56,8%) afirmou que facilita o trabalho.
A Figura 2 mostra dificuldades e facilidades da equipe de enfermagem em relação ao uso do PEP, onde observa-se que 35 (47,9%) classificaram o grau de dificuldade do PEP como fácil; 37 (50,6%) consideraram a configuração do sistema boa; 54 (74,0%) discordaram sobre haver quantidade de computadores suficientes; 52 (71,2%) concordaram que possuem conhecimento suficiente sobre as funcionalidades do PEP para realizar as atribuições que lhes cabem; e 36 (49,3%) concordaram que a educação permanente facilita a utilização do PEP..
Nota: PEP, prontuário eletrônico do paciente; SAE, sistematização da assistência de enfermagem; *Considerar n = 73; **Considerar n = 72
Fonte: Elaboração própria.
Quanto à segurança do paciente e equipe, pode-se observar com a Figura 3 que 70 (94,6%) participantes consideraram importante a transição do prontuário físico para o prontuário eletrônico; 42 (56,8%) relataram melhora na segurança do paciente, durante a assistência prestada, com a utilização do PEP; 41 (55,4%) relataram que houve melhora na segurança da equipe de saúde com a utilização do PEP; e 45 (60,8%) informaram maior nível de satisfação com a segurança na utilização do PEP em relação ao prontuário físico. Por outro lado, a maioria dos profissionais discordou que o limite de tempo de uma hora para checagem de medicamentos e cuidados de enfermagem possa ser uma estratégia para aumentar a segurança do paciente.
Em relação à qualidade, 46 (62,2%) perceberam que a assistência multiprofissional prestada com a utilização do PEP é melhor e 35 (47,3%) alegaram maior nível de satisfação com a qualidade na utilização do PEP em relação ao prontuário físico.
Realizaram-se associações entre as variáveis: idade, tempo de experiência profissional e tempo de admissão na instituição com o grau de dificuldade para utilização do PEP. Não houve diferenças estatisticamente significativas para estas variáveis de acordo com o teste de Kruskal-Wallis. Ao comparar a categoria profissional e o grau de dificuldade, evidenciou-se que os enfermeiros têm maior dificuldade na utilização do PEP em comparação aos técnicos de enfermagem (p = 0,013) (Tabela 1).
Nível de dificuldade com relação ao uso | Missing n = 2 | p-valor* | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
| |||||||
Muito fácil n = 9 | Fácil n = 26 | Razoável n = 32 | Difícil n = 5 | Muito difícil n = 1 | |||
| |||||||
%(n) | %(n) | %(n) | %(n) | %(n) | |||
Categoria | |||||||
Enfermeiro | 2,8 (1) | 47,2 (17) | 38,9 (14) | 11,1 (4) | 0,0 (0) | 0 | 0,013 |
TE | 21,6 (8) | 24,3 (9) | 48,6 (18) | 2,7 (1) | 2,7 (1) | 2 | |
Sexo | |||||||
Feminino | 9,5 (6) | 36,5 (23) | 44,4 (28) | 7,9 (5) | 1,6 (1) | 1 | 0,422 |
Masculino | 30,0 (3) | 30,0 (3) | 40,0 (4) | 0,0 (0) | 0,0 (0) | 1 | |
FI | |||||||
Não | 0,0 (0) | 50,0 (7) | 42,9 (6) | 7,1 (1) | 0,0 (0) | 0 | 0,494 |
Sim | 15,2 (9) | 32,2 (19) | 44,1 (26) | 6,8 (4) | 1,7 (1) | 2 | |
| |||||||
Nível de satisfação com relação à segurança | Missing n=1 | p-valor* | |||||
| |||||||
Muito satisfeito n =5 | Satisfeito n =40 | Indiferente n=7 | Insatisfeito n=17 | Muito insatisfeito n=5 | |||
| |||||||
%(n) | %(n) | %(n) | %(n) | %(n) | |||
| |||||||
Categoria | |||||||
Enfermeiro | 2,8 (1) | 52,8 (19) | 19,4 (7) | 13,9 (5) | 11,1 (4) | 0 | 0,005 |
TE | 10,5 (4) | 55,3 (21) | 0,0 (0) | 31,6 (12) | 2,6 (1) | 1 | |
Sexo | |||||||
Feminino | 3,2 (2) | 57,1 (36) | 7,9 (5) | 23,8 (15) | 7,9 (5) | 1 | 0,043 |
Masculino | 27,3 (3) | 36,4 (4) | 18,2 (2) | 18,2 (2) | 0,0 (0) | 0 |
Fonte: Elaboração própria.
Nota: TE, técnico de enfermagem; FI, formação em informática; *Teste Exato de Fisher.
Quanto ao nível de satisfação em relação à segurança, o estudo mostrou que a categoria representada pelos técnicos de enfermagem demonstrou maior insatisfação com o PEP do que a categoria representada pelos enfermeiros (p = 0,005), assim como as mulheres demonstraram maior insatisfação em comparação aos homens (p = 0,043) (Tabela 1).
Dos 75 participantes do estudo, 32(42,6%) responderam à questão discursiva, 18 (24%) enfermeiros e 14 (18,6%) técnicos de enfermagem, sendo 28 (37,3%) do sexo feminino e quatro (5,3%) do sexo masculino. Esta questão permitiu ao participante responder livremente e citar as recomendações de melhorias para o uso do PEP.
Para a análise dos dados buscou-se compreender as recomendações de melhorias para o PEP, que foram decompostas em cinco categorias. A seguir serão expostas as categorias e suas respectivas frequências de aparecimento nas narrativas dos profissionais: Disponibilizar informações (anotações de enfermagem) dos pacientes para os técnicos de enfermagem (15); Aumentar prazo para checagem da prescrição médica e de enfermagem (11); Facilitar desenvolvimento da evolução e inter-relacionar as fases do processo de enfermagem (7); Facilitar mudança (aprazamento) de horário dos medicamentos (6); e Disponibilizar mais computadores (5).
Discussão
Avaliar o uso do PEP na perspectiva dos profissionais de enfermagem é uma importante forma de perceber as principais dificuldades e trabalhar de modo a saná-las, promovendo maior aceitação pela equipe e, consequentemente, garantindo melhor qualidade e segurança no atendimento ao paciente12,13.
Neste estudo evidenciou-se predomínio do sexo feminino, corroborando com outros estudos sobre o tema19-21,fato que pode ser justificado, historicamente, por mulheres representarem a maior parte dos trabalhadores da área da saúde, sobretudo na enfermagem22.Destaca-se que as mulheres expressaram maior insatisfação com relação à segurança no uso do PEP em comparação aos homens, assim como os técnicos de enfermagem comparados aos enfermeiros, no entanto, estes dados não foram encontrados na discussão de outros estudos.
As dificuldades encontradas pelos profissionais foram enfatizadas nas seguintes sugestões de melhorias: disponibilizar informações dos pacientes para os técnicos de enfermagem, aumentar prazo para checagem da prescrição médica e de enfermagem, facilitar desenvolvimento da evolução de enfermagem e inter-relacionar as fases do processo de enfermagem.
O número insuficiente de computadores também foi caracterizado como uma dificuldade para a utilização do PEP e atendimento ao paciente. Nessa perspectiva, estudo americano demonstrou como barreira ao uso do PEP o tempo necessário para documentar as atividades e intervenções desenvolvidas com os pacientes, além das frequentes atualizações no sistema23. Estudo brasileiro apontou que as principais dificuldades elencadas pelos profissionais de saúde referem-se à falta de equipamentos, interface complicada, falta de conhecimento em informática e pouca disponibilidade de tempo para consulta e inserção de dados dos pacientes no PEP20.
Dentre os profissionais entrevistados, a maioria discordou que o limite de tempo de uma hora para checagem de medicamentos e cuidados de enfermagem possa ser uma estratégia para aumentar a segurança do paciente. Estudos mostram que os profissionais geralmente percebem as estratégias de segurança do paciente de forma contraditória25, entretanto, faz-se necessária a análise de percepção da equipe como uma estratégia de segurança, tendo em vista estar em consonância com as metas internacionais de segurança do paciente propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)25.
A quantidade de técnicos de enfermagem que relatou que o limite de acesso à informação imposta a eles facilita o trabalho equiparou-se aos que relataram que dificulta. Estudo realizado no Brasil apontou que limitar o acesso às funcionalidades do sistema caracteriza uma dificuldade do ponto de vista dos enfermeiros21.
A literatura mostra que a participação dos usuários nas etapas que precedem a implantação do sistema, bem como sua familiaridade com o mesmo e a adoção de sugestões elaboradas pelos profissionais que vivenciam na prática as mudanças contribui para torná-los parceiros e colaboradores na divulgação do PEP, e condicionam o sucesso ou o fracasso de sua implantação26.Em contrapartida, enfermeiros referem que implantar um sistema de prontuário eletrônico sem conhecer a opinião dos usuários pode dificultar ainda mais o processo21.
Neste estudo, o número de pessoas que concordaram que o treinamento oferecido para utilização do PEP foi suficiente equiparou-se ao número de pessoas que discordaram. A falta de treinamento é um fator observado em outros estudos, o qual, quando associado à falta de habilidade em informática, pode ser responsável pela resistência ao uso do PEP20,21. Por outro lado, o desenvolvimento de estratégias que visam à capacitação dos profissionais favorece a implantação e o uso do PEP23,26.
A maioria dos profissionais entrevistados afirmou possuir formação em informática, dado que se assemelha ao de estudo recente realizado em município brasileiro27. Tal formação pode ter colaborado para a facilidade expressa pelos profissionais em utilizar o PEP no presente estudo.
Estudo realizado com a equipe de enfermagem de um hospital terciário do Rio de Janeiro, que objetivou testar o desempenho dos profissionais após um programa de educação permanente para uso do PEP evidenciou que os enfermeiros obtiveram melhor desempenho do que os técnicos de enfermagem19. No presente estudo demonstrou-se o oposto, ou seja, os enfermeiros expressaram maior grau de dificuldade em relação aos técnicos de enfermagem. Este fato pode ser justificado pela distinção nas atribuições desenvolvidas por cada categoria, visto que a depender da função exercida, o profissional necessitará de determinado nível de domínio para uso do PEP.
Frente ao exposto, vale salientar que a educação permanente é uma importante estratégia para sanar dúvidas e minimizar dificuldades, além de capacitar os funcionários recém-contratados e qualificar rotineiramente os funcionários que se deparam com frequentes atualizações e mudanças no sistema, de modo que o PEP possa contribuir no planejamento da prática de enfermagem, facilitando o atendimento às reais necessidades do paciente19.
No que se refere às potencialidades, sabe-se que para avaliação de um sistema na perspectiva do usuário final, um dos fatores mais importantes é a interface de comunicação entre o usuário e o sistema, que deve ser de fácil aprendizagem e intuitiva28. Outras potencialidades da utilização do PEP são: qualificação da informação registrada; organização do serviço, permitindo a comunicação entre os profissionais da equipe multiprofissional; melhor planejamento e supervisão do cuidado; continuidade da assistência; e cooperação com a pesquisa21. No presente estudo, a maioria dos enfermeiros concordou que a construção de uma interface de fácil uso e que faça associação entre as etapas do processo de enfermagem é importante e deve se tornar uma realidade.
As vantagens inerentes ao uso da tecnologia da informação na área da saúde estão bem definidas na literatura, no entanto, apesar dos sistemas informatizados terem sido desenvolvidos e inseridos nessa área com o intuito de assegurar tais vantagens, e melhorar a eficiência e a produtividade da equipe multiprofissional, a garantia desse sucesso depende da própria equipe, no sentido de ter aceitação e disponibilidade para iniciar um processo de mudança29.
Na perspectiva dos profissionais de saúde atuantes em UTI, a informatização do prontuário do paciente diminui a carga de trabalho e contribui para a qualidade do atendimento neste cenário. Outras vantagens são o uso de um sistema preciso e amigável ao usuário, e a obtenção de informação clara dentro de um período de tempo razoável6.
De modo geral, a implantação e utilização adequada do PEP proporciona melhor legibilidade dos registros e da prescrição médica30, contribuindo para a segurança durante a assistência de acordo com as metas internacionais de segurança do paciente propostas pela OMS, a saber: identificação correta do paciente, comunicação efetiva entre a equipe e administração segura de medicamentos25.
Em 2017 a OMS lançou a terceira edição do Desafio Global para Segurança do Paciente, documento que pressupõe ações em segurança do paciente em todos os países, visando minimizar os riscos relacionados aos erros de medicação. Nesse interim, o uso de tecnologias como o PEP, pode auxiliar os profissionais de saúde a garantir o uso adequado e seguro de medicamentos, principalmente dos medicamentos potencialmente perigosos. O PEP também pode contribuir para uma comunicação efetiva nos momentos de transição de cuidados do paciente, minimizando erros em decorrência de uma comunicação ineficaz31.
Conclusão
As principais dificuldades expressas pela equipe de enfermagem foram quanto ao número insuficiente de computadores, limite de acesso às informações e curto prazo para checagem das prescrições médica e de enfermagem. Os enfermeiros expressaram maior dificuldade para utilização do PEP em comparação aos técnicos de enfermagem.
O instrumento utilizado para coleta de dados foi validado em relação ao conteúdo e sua versão final foi útil para avaliar a percepção e satisfação sobre o uso do PEP em UTI pela enfermagem.
O PEP foi considerado mais seguro do que o prontuário físico, fácil de utilizar e com boa configuração. A interface para desenvolver o processo de enfermagem foi apontada como uma facilidade, assim como a capacitação sobre suas funcionalidades.
Sugestões de melhorias foram apontadas pela equipe, como disponibilizar mais informações dos pacientes e computadores para uso, facilitar o aprazamento de medicamentos, aumentar o prazo para checagem de itens e facilitar a conexão entre as fases do processo de enfermagem.
O estudo mostra que o sucesso na adesão de uma tecnologia depende da facilidade do uso e satisfação dos usuários. Com isso, educação permanente conforme demanda, treinamentos direcionados e investimentos em cultura de segurança são necessários para enaltecer a importância do uso correto do PEP, torná-lo uma ferramenta aliada do profissional na segurança e qualidade da assistência, além de reconhecer falhas e intervir com possíveis melhorias.