Introdução
A Coronavirus Disease-2019 (Covid-19) é uma doença infectocontagiosa provocada pelo coronavírus-2 (SARS-CoV-2) que afeta o sistema respiratório, causando sintomas como dispneia, febre, fadiga muscular, dor, náuseas, vômitos, diarreia, entre outros, além de casos clínicos assintomáticos 1 . Inicialmente, a doença foi detectada na China com investigação da etiologia de casos clínicos de pneumonia e síndrome respiratória aguda grave, e logo se disseminou rapidamente pelo mundo, causando elevadas taxas de contágio e mortalidade 2 .
Atualmente, nenhum tratamento específico para a Covid-19 foi encontrado, mas alguns medicamentos e manejos clínicos são usados para auxiliar no tratamento da infecção associada a doenças respiratórias leves a graves, com intuito de reduzir os sinais clínicos e fornecer cuidados de suporte 1, 3 . Vários fármacos estão sendo testados, além da adoção de medidas de precaução e suporte ventilatório em pacientes graves, os quais são discutidos por especialistas na área, e as evidências que surgem são utilizadas para elaboração de diretrizes com intuito de orientar os profissionais de saúde sobre a doença 4 .
O fornecimento da assistência de suporte é fundamental para a recuperação dos pacientes. Para tal, é necessário investimento em documentos que abarquem diagnóstico e tratamento mais apropriados, sendo embasados em evidências desenvolvidas por meio de métodos clínicos e testados por especialistas. Estes documentos são diretrizes clínicas que devem estar disponíveis e de fácil compreensão e acesso tanto aos profissionais de saúde, quanto à comunidade, sendo fundamentais para auxiliar na tomada de decisão 4 .
As Diretrizes de Prática Clínica (CPGs) são definidas como o conjunto de informações desenvolvidas sistematicamente por profissionais referenciados de conselhos e associações de saúde, com base em evidências científicas, para assistir nas decisões acerca de cuidados apropriados para cada circunstância clínica do paciente 4 - 5 . Contudo, para que uma diretriz possa servir como recomendação e também ser útil para a prática clínica, faz-se necessário ter boa relevância científica e uma elevada complexidade metodológica para referenciá-la 6 - 7 .
Alguns métodos rigorosos são utilizados para avaliação das diretrizes clínicas, como a ferramenta Appraisal of Guidelines for Research & Evaluation, versão II (AGREE II), que é amplamente empregada para avaliar os procedimentos de desenvolvimento, sendo considerada "padrão ouro" para a análise metodológica das CPGs 8 . Destaca-se que o rigor metodológico do processo de desenvolvimento de diretrizes é importante para a implementação adequada das recomendações e assegurar sua aplicabilidade em contextos de saúde com alcance de usuários e profissionais da área 8 .
Em fevereiro e março de 2020, com o primeiro caso confirmado e óbito registrado de Covid-19 no Brasil, despertou a preocupação em desenvolver protocolos de diagnóstico e tratamento da doença 9 . Na literatura foi encontrada somente uma revisão sobre avaliação metodológica de diretrizes 4, entretanto, nenhuma com enfoque em documentos brasileiros.
Dessa forma, objetivou-se avaliar a qualidade metodológica e transparência das CPGs brasileiras para o tratamento da Covid-19. Delineou-se como questão de revisão: "Qual a qualidade metodológica e transparência das CPGs brasileiras para o tratamento da Covid-19?".
Materiais e Métodos
Revisão sistemática de avaliação da qualidade metodológica e transparência das CPGs brasileiras para o tratamento da Covid-19, por meio do instrumento AGREE II. Esta revisão sistemática foi registrada no PROSPERO (CRD42020180876) e seguiu as recomendações do PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses), um guia que descreve as exigências específicas para estudos de revisões sistemáticas e metanálises 10 . Foram incluídas as CPGs brasileiras que contemplam as recomendações de tratamento da Covid-19 para crianças, adultos e idosos, escritas em português, inglês ou espanhol, publicadas até junho de 2020. As CPGs brasileiras com texto completo indisponível ou com apenas o resumo das recomendações disponível foi excluído.
A pesquisa bibliográfica foi realizada na MEDLINE (via PubMed), EMBASE, Scopus e LILACS, utilizando as combinações de palavras-chave, descritores e MeSH, conforme: covid-19; pneumonia, viral; infecção do coronavírus; pandemia, nova doença coronavírus 2019, infecção SARS-CoV-2, doença por vírus covid-19, infecção 2019-nCoV, doença do coronavirus 2019, coronavirus, doença-19, doença 2019-nCoV, 2019-nCoV, infecção pelo vírus Covid-19, vírus Covid-19, diretrizes práticas, melhor prática, guias de prática clínica, diretivas práticas, diretivas de prática clínica, diretivas de prática médica, diretivas para a prática clínica, diretivas para a prática médica, diretrizes diagnósticas, diretrizes práticas, diretrizes de prática médica, diretrizes para a prática clínica, diretrizes para a prática médica, guias de prática médica e guias para a prática médica.
Para a combinação dos termos foram utilizados os operadores booleanos AND e OR, e os termos foram usados nos idiomas inglês, português e espanhol (as combinações das estratégias estão no material suplementar). Além disso, foram acessados os documentos disponíveis em bases de dados internacionais de CPGs, como National Guideline Clearinghouse (NGC) e Guidelines International Network (GIN). Também foram realizadas buscas na literatura cinzenta, especialmente nos sites do Ministério da Saúde do Brasil, Sociedades Médicas Brasileiras, Conselhos de Medicina, Conselho Federal de Enfermagem e Conselho Federal de Fisioterapia.
A seleção das CPGs foi realizada entre maio e junho de 2020 por dois revisores (revisor A e B) que avaliaram de forma duplo-independente os títulos e resumos para potencial elegibilidade. Os revisores realizaram a análise de cada artigo em texto completo de acordo com os critérios de seleção. As publicações indexadas em mais de uma base de dados foram incluídas apenas uma vez, restando, portanto, 33 diretrizes para análise, conforme a Figura 1 .
O revisor A incluiu oito diretrizes e o revisor B, 13. Diante da divergência de seleção, os cinco artigos excluídos pelo revisor A e um artigo excluído pelo revisor B foram reavaliados e incluídos através do consenso entre os dois revisores, totalizando 14 CPGs brasileiras incluídas nesta revisão.
A extração dos dados das 14 CPGs foi realizada pelo revisor A, por meio de uma planilha do Microsoft Excel desenvolvida para esta pesquisa. O revisor B verificou as informações coletadas pelo revisor A, analisando a relevância dos dados extraídos, não havendo nenhuma discrepância nas informações. As CPGs foram avaliadas quanto à população-alvo, presença de uma revisão sistemática (sim ou não), presença de métodos de classificação de evidências (sim ou não), qualidade de avaliação e tipos de recomendações (diagnóstico, profilaxia, tratamentos farmacológicos e manejo clínico).
A avaliação da qualidade metodológica e da transparência das CPGs ocorreu por meio do instrumento AGREE II 11 . O AGREE II é composto por 26 itens divididos por seis domínios: Escopo e finalidade; Envolvimento das partes interessadas; Rigor do desenvolvimento; Clareza da apresentação; Aplicabilidade; e Independência editorial 11 - 13 . Os revisores foram treinados para manusear o instrumento AGREE II de acordo com a ferramenta de treinamento online e um teste piloto com avaliação de duas CPGs para verificar a compreensão adequada do instrumento. A avaliação das CPGs brasileiras ocorreu de forma individual e independente por quatro revisores, formados por: revisor A e B da etapa de seleção e extração dos dados, e por dois revisores C e D, incluídos para esta etapa. As discrepâncias foram resolvidas por consenso entre os revisores 11 - 13 .
O grau de concordância entre os quatro revisores (A, B, C e D) foi calculado com base no coeficiente de correlação intraclasse: ˂ 0,4 = ruim; 0,4 ≤ a ˂ 0,75 = satisfatório e ≥ 0,75 = excelente 14 . Os dados descritivos das CPGs incluídas e os tipos de recomendações foram extraídos acerca de diversos aspectos categorizados, com seus respectivos índices de qualidade metodológica, calculados por meio do AGRE II.
O instrumento AGREE II não apresenta valores limites para a classificação da qualidade metodológica das diretrizes, entretanto, recomenda que os autores definam os limites individuais apropriados para a sua revisão. Para esta revisão, foram considerados valores limítrofes de acordo com publicações anteriores, sendo definido escore suficiente de qualidade acima de 60%, e uma diretriz foi considerada recomendável se a maioria dos domínios (quatro ou mais) ultrapassasse esse limite 15 - 16 . Caso as diretrizes apresentassem valores inferiores a 60% em quatro ou mais domínios, seria classificada como de baixa qualidade, não sendo recomendada 15 - 16 .
Resultados
Foram incluídas 14 CPGs acerca da Covid-19 desenvolvidas para pacientes suspeitos e diagnosticados com coronavírus (57,1%; n = 8) 17 - 24 em serviços de atenção à saúde hospitalar e não hospitalar (57,1%; n = 8) 17, 19 -20,25-29, sendo o manejo clínico de pacientes com Covid-19 a principal recomendação aos profissionais de saúde (42,9%; n = 6) 21-24,29-30, conforme a Tabela 1 .
Variáveis | N | % |
---|---|---|
População-alvo | ||
Pacientes suspeitos e diagnosticados com Covid-19 17-24 | 8 | 57,1 |
Pacientes suspeitos de Covid-19 25,29 | 2 | 14,3 |
Pacientes diagnosticados com Covid-19 26-28,30 | 4 | 28,6 |
Tipos de recomendações | ||
Farmacológicas acerca ao tratamento de Covid-19 19-20,27-28 | 4 | 28,6 |
Manejo clínico de pacientes com Covid-19 21-24,29-30 | 6 | 42,9 |
Farmacológicas e de manejo clínico de pacientes com Covid-19 17 | 1 | 7,1 |
Farmacológicas e de manejo clínico de pacientes com complicações da Covid-19 18,25-26 | 3 | 21,4 |
Área/local da diretriz | ||
Serviços de Atenção à Saúde hospitalar e não hospitalar 17,19-20,25-29 | 8 | 57,1 |
Unidades de Urgência e emergência hospitalar e pré- hospitalar 18,21-24,30 | 6 | 42,9 |
As principais recomendações de manejo clínico foram sobre os cuidados e tratamentos mais adequados de oxigenoterapia 21-24,29-30, com destaque para a necessidade de os profissionais de saúde realizarem o manejo correto e seguro durante os procedimentos. Já, referente às recomendações farmacológicas utilizadas no tratamento da Covid-19, se destacaram: lopinavir/ritonavir (21,4%; n = 3) 19-20,27, sulfato de hidroxicloroquina (21,4%; n = 3) 19-20,27 e difosfato de cloroquina (14,3%; n = 2) 20,27, antibioticoterapia (14,3%; n = 2) 19,29, corticosteroides (14,3%; n = 2) 19,27, tocilizumabe (14,3%; n = 2) 19,27, oseltamivir (14,3%; n = 2) 27-28 e heparina (14,3%; n = 2) 27-28 .
No que se refere às informações utilizadas na construção das CPGs, percebeu-se que somente 14,3% (n = 2) 19 ,28 utilizaram resultados de revisões sistemáticas como fontes de evidências para o desenvolvimento das recomendações, as quais foram classificadas por meio da ferramenta Grade. As demais CPGs utilizaram as evidências da literatura sem mencionar a avaliação crítica, consulta a especialistas na área, experiências e lições aprendidas de outros países (85,7%; n = 12) 17-25,27,29-30 .
Na Tabela 2, são apresentados os escores do AGREE II das CPGs incluídas nesta revisão.
ID | CPGs brasileiras | Escores por domínio* | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
|
|||||||
D1 | D2 | D3 | D4 | D5 | D6 | ||
1 17 | Protocolo de manejo clínico do coronavírus (Covid-19) na atenção primária à saúde | 90,3 | 47,2 | 10,4 | 86,1 | 36,4 | 8,3 |
2 25 | Protocolo de manejo clínico para o Novo Coronavírus (2019-nCoV) | 73,6 | 72,2 | 21,9 | 94,4 | 26 | 16,7 |
3 18 | Protocolo de Manejo Clínico da Covid-19 na Atenção Especializada | 83,3 | 86,1 | 34,4 | 95,8 | 15,6 | 25 |
4 19 | Diretrizes para diagnóstico e tratamento da Covid-19 | 95,8 | 83,3 | 65,1 | 100 | 33,3 | 16,7 |
5 26 | Orientações sobre o manuseio do paciente com pneumonia e insuficiência respiratória devido a infecção pelo coronavírus (SARS-CoV-2) | 34,7 | 44,4 | 18,7 | 77,8 | 26 | 8,3 |
6 27 | Orientações sobre Diagnóstico, Tratamento e Isolamento de Pacientes com Covid-19 | 70,8 | 75 | 22,4 | 73,6 | 15,6 | 8,3 |
7 20 | Diretrizes AMB: Covid-19 | 51,4 | 66,7 | 17,2 | 76,4 | 32,3 | 8,3 |
8 21 | Recomendações sobre Oxigenioterapia no Departamento de Emergência para Pacientes Suspeitos ou Confirmados de Covid-19 | 20,8 | 68,05 | 22,4 | 81,9 | 26 | 8,3 |
9 22 | Recomendações para o atendimento de pacientes suspeitos ou confirmados de Covid-19 pelos fisioterapeutas no departamento de emergência | 40,3 | 77,8 | 17,7 | 87,5 | 21,9 | 8,3 |
10 23 | Recomendações para o atendimento de pacientes suspeitos ou confirmados Covid-19, pelas equipes de enfermagem de serviços de emergência (pré-hospitalar fixo e intra-hospitalar) | 54,2 | 70,8 | 14,1 | 84,7 | 21,9 | 8,3 |
11 30 | Recomendações para Intubação Orotraqueal em pacientes portadores de Covid-19 | 47,2 | 73,6 | 13,5 | 88,9 | 31,2 | 8,3 |
12 28 | Diretrizes para o Tratamento Farmacológico da Covid-19 | 91,7 | 98,6 | 94,3 | 100 | 78,1 | 93,7 |
13 29 | Recomendações para Atendimentos de casos Suspeitos de Covid-19 em Emergências Pediátricas Associação Brasileira de Medicina de Emergência (ABRAMEDE) | 50 | 68 | 20,3 | 81,9 | 27,1 | 8,3 |
14 24 | Recomendações para o atendimento de pacientes suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus (SARS-COV-2) pelas equipes de atendimento pré-hospitalar móvel | 47,2 | 75 | 20,3 | 73,6 | 25 | 8,3 |
Legenda = CPGs: Diretrizes de Prática Clínica; ID: código de identificação das diretrizes; D1: Domínio Escopo e finalidade; D2: Domínio Envolvimento das partes interessadas; D3: Domínio Rigor do desenvolvimento; D4: Domínio Clareza da apresentação; D5: Domínio Aplicabilidade; D6: Domínio Independência editorial. *valores em porcentagem (%).
Conforme a Tabela 2, nove 17, 20 - 21 22 23 24, 26, 29 -30 das 14 CPGs tiveram pontuações inferiores a 60% em quatro ou mais domínios, sendo classificadas com baixa qualidade, não sendo recomendadas pelos avaliadores. Somente a diretriz ID12 28 apresentou pontuações acima de 60% em todos os domínios, variando entre 78,1% e 100%, sendo a única CPG recomendada por todos os avaliadores e classificada com alta qualidade e transparência metodológica, sem necessidade de modificações. Somente quatro 18 - 19 ,25,27 CPGs foram recomendadas com modificações pelos avaliadores.
Dentre os seis domínios, se destacaram "Rigor do desenvolvimento", "Aplicabilidade" e "Independência editorial" com pontuações mais inferiores, e os domínios "Escopo e finalidade", "Envolvimento das partes interessadas" e "Clareza da apresentação" receberam as maiores pontuações.
Na Tabela 3, está apresentada a confiabilidade da concordância entre os avaliadores na classificação das CGPs por meio do AGREE II
ID das CPGs | Correlação Intraclasse | ||
---|---|---|---|
| |||
Coeficiente de Correlação Intraclasse | 95% Intervalo de confiança | p-valor* | |
1 17 | 0,87 | 0,775 - 0,935 | <0,05 |
2 25 | 0,69 | 0,518 - 0,835 | <0,05 |
3 18 | 0,70 | 0,527 - 0,839 | <0,05 |
4 19 | 0,59 | 0,389 - 0,767 | <0,05 |
5 26 | 0,67 | 0,488 - 0,82 | <0,05 |
6 27 | 0,64 | 0,454 - 0,803 | <0,05 |
7 20 | 0,55 | 0,349 - 0,743 | <0,05 |
8 21 | 0,61 | 0,422 - 0,786 | <0,05 |
9 22 | 0,75 | 0,591 - 0,867 | <0,05 |
10 23 | 0,72 | 0,551 - 0,85 | <0,05 |
11 30 | 0,70 | 0,529 - 0,839 | <0,05 |
12 28 | 0,21 | 0,027 - 0,463 | <0,05 |
13 29 | 0,58 | 0,385 - 0,765 | <0,05 |
14 24 | 0,48 | 0,276 -0,694 | <0,05 |
ID: código de identificação das Diretrizes de Prática Clínica brasileiras; * valores significativos para < 0,05
O coeficiente de correlação intraclasse variou entre os protocolos de 0,21 a 0,87 (ID 12 28 e ID 1 17, classificados como pobre e satisfatório, respectivamente), em que 92,8% das CPGs 17 -27,29-30 tiveram um grau satisfatório a excelente de concordância na classificação da qualidade metodológica entre os avaliadores.
Discussão
Este estudo traz importantes resultados sobre a elaboração de protocolos clínicos em tempos de pandemia para o tratamento da Covid-19. As CPGs são fundamentais para guiar os profissionais de saúde para a tomada de decisão, e a avaliação dessas diretrizes se faz necessária para determinar a qualidade e transparência metodológica para o tratamento da Covid-19 11 ,31 .
Para a avaliação das diretrizes foi selecionada uma equipe multidisciplinar e interdisciplinar, como orientado pelo instrumento AGREE II, e utilizada em outros estudos, a fim de alcançar uma avaliação eficiente e abrangente 32 . Em busca realizada nas fontes de dados, as diretrizes brasileiras publicadas e selecionadas para este estudo são utilizadas para os serviços de atenção à saúde hospitalar e não hospitalar 17, 19 -20,25-29 e contêm as principais recomendações aos profissionais de saúde para os cuidados e tratamentos destinados aos pacientes.
Quanto às recomendações, prevaleceu o manejo clínico dos pacientes com Covid-19 21-24,29-30 com destaque para a oxigenoterapia 21-24,29-30 ,a qual é um dos tratamentos essenciais para pacientes clinicamente graves com a síndrome do desconforto respiratório agudo, complicação causada pelo coronavírus 33 . As recomendações farmacológicas utilizadas no tratamento da Covid-19 foram as terapias antivirais, as quais estão sendo analisadas e testadas 19-20,27, entretanto, ainda com resultados clínicos de pouca consistência 34, demandando maior investimento em pesquisas de caráter de ensaio clínico duplo-cego randomizado 33 .
Os resultados de pesquisas de ensaios clínicos são considerados "padrão ouro" na elaboração das recomendações, os quais fornecem fortes evidências para a prática e atenção integral à saúde dos pacientes. Fornecem dados suscetíveis a menores riscos de vieses na investigação da relação de causa e efeito sobre os resultados de determinada intervenção de manejo clínico ou farmacológico no tratamento da doença 35-36 .
Diante dos resultados apresentados, de modo geral, as diretrizes carecem de evidências com adequada qualidade metodológica, o que impossibilita recomendações mais categóricas 31 . A utilização de metodologias apropriadas e estratégias rigorosas em seu processo de desenvolvimento faz com que a qualidade das diretrizes seja melhor, conferindo confiabilidade ao seu uso para a prática clínica 12 - 13 .
Dessa forma, somente uma diretriz foi recomendada e classificada com alta qualidade e transparência metodológica, e quatro recomendadas com algumas modificações, enquanto nove tiveram pontuações inferiores a 60% em quatro ou mais domínios. A baixa qualidade e transparência metodológica das CPGs brasileiras é justificada pelos objetivos das diretrizes, as quais refletem os tratamentos farmacológicos e manejos clínicos de pacientes diagnosticados com a Covid-19 que ainda não apresentam tratamentos efetivamente comprovados. Além disso, muitas diretrizes foram elaboradas no início da pandemia, momento de maior criticidade devido ao acelerado aumento de pessoas infectadas, tendo a necessidade de estudos clínicos e de diretrizes que abarcassem tratamentos mais efetivos para atender a população 37-38 .
Dentre os domínios o "Rigor do desenvolvimento" (D3), "Aplicabilidade" (D5) e "Independência editorial" (D6) tiveram pontuações mais inferiores. Os domínios D3 e D6 são considerados como os de maior influência na qualidade geral de uma diretriz, por se referirem ao padrão metodológico com que uma CPG deve ser construída. É importante que o desenvolvimento de diretriz siga um rigor na metodologia para que seja aplicada em diversos serviços, especialmente na área da saúde, com a declaração de quaisquer tipos de influência e/ou conflitos entre as organizações financiadoras e o conteúdo do documento 39 . Ressalta-se que raramente as instituições financeiras fazem declaração explícita de que seus interesses não influenciaram as recomendações, entretanto, são cruciais para uma boa avaliação 40-41 .
Estes achados estão de acordo com três estudos anteriores 42-44, e podem ser justificados pelo motivo de que, nos primeiros meses de pandemia, diante da falta de evidências científicas, tinha-se a necessidade emergente de informações para embasar o tratamento dos pacientes diagnosticados com a Covid-19 43 . Além disso, algumas diretrizes foram publicadas somente em sites de sociedades e organizações de saúde, sendo relatadas com poucas informações, resultando em baixa qualidade metodológica. Diante disso, é importante que os profissionais de saúde que utilizam as diretrizes na saúde pública e privada tenham o conhecimento de avaliação da qualidade, para melhor orientar sua prática assistencial, assim como considerar as evidências embasadas em estudos clínicos 43 .
A baixa pontuação do domínio D5 se deve à falta de descrição das potencialidades, riscos, benefícios e estratégias na implementação das recomendações, as quais, na maioria, se referem ao uso farmacológico no tratamento da Covid-19, em que ainda persistem dúvidas e que necessitam de maior investigação 40 .
Os domínios "Escopo e finalidade" (D1), "Envolvimento das partes interessadas" (D2) e "Clareza da apresentação" (D4) receberam as maiores pontuações, conforme os achados da literatura 40-41 . Estes domínios se referem à apresentação da finalidade e à população a quem são destinadas as recomendações, descrevendo as partes interessadas como os grupos profissionais e usuários das recomendações 11-13 . Percebe-se que os autores se preocuparam em deixar claros a finalidade dos tratamentos, o envolvimento dos usuários, as condições e problemas de saúde, por se tratar de uma doença com nenhuma intervenção terapêutica estabelecida. Esta preocupação reflete na apresentação adequada das recomendações e na sua finalidade, através de informações-chave e opções terapêuticas que facilitam a tomada de decisão clínica 41 .
No que concerne à concordância entre os avaliadores das diretrizes, 92,8% das CPGs brasileiras tiveram um grau satisfatório a excelente de concordância na classificação da qualidade metodológica, evidenciando mínima variação interobservador e grau adequado de concordância na avaliação das diretrizes 14,45 .
No contexto atual, a falta de rigor metodológico nas CPGs brasileiras requer incentivos para o seu desenvolvimento com base em evidências científicas de revisões de alta qualidade, com o propósito de alcançar recomendações consistentes para auxiliar a assistência. As instituições responsáveis pela elaboração das CPGs necessitam fortalecer a colaboração de especialistas multidisciplinares, com o intuito de reduzir o risco de viés na atualização e elaboração de novos guias, assim como melhorar aplicabilidade das recomendações 40 .
Como lacuna, ressalta-se que, apesar de o AGREE II ser aplicável para avaliação de guias clínicos, a ferramenta foi destinada para diretrizes desenvolvidas por especialistas em condições não emergentes, como não é o caso da pandemia da Covid-19, o que pode ter influenciado nos resultados deste estudo. Ademais, é estimado que algumas diretrizes elaboradas no início da pandemia e incluídas nesta revisão foram atualizadas, e outras desenvolvidas após este estudo. Finalmente, esta pesquisa pode servir como base para estudos futuros para avaliar as mudanças na atualização e elaboração de novas CPGs no decorrer da pandemia.
Conclusão
As CPGs brasileiras acerca da Covid-19 apresentaram baixa qualidade metodológica, conforme a avaliação do AGREII, em que somente uma diretriz foi recomendada e classificada com alta qualidade e transparência metodológica. Dentre os seis domínios, somente três apresentaram maiores pontuações: Escopo e finalidade, Envolvimento das partes interessadas e Clareza da apresentação.
No que concerne à concordância de avaliação das CPGs, evidenciou-se grau satisfatório a excelente entre os quatro avaliadores, sendo verificado a partir do cálculo de correlação de intraclasse. Portanto, reforça-se a importância da elaboração e reformulação das CPGs da Covid-19 no sentido de adequar o rigor metodológico, descrevendo de forma mais clara e concisa sobre a aplicabilidade das recomendações e esclarecendo a independência editorial e a existência de conflito de interesses.